Estudos Sociedade e Agricultura

autores | sumário

Victor Pelaez

Seeds of Contentation: world hunger and the global controversy over GM crops


Estudos Sociedade e Agricultura, 19, outubro, 2002: 172-175.

Victor Pelaez é professor da Universidade Federal do Paraná.


Como a biotecnologia pode melhorar a qualidade dos alimentos que comemos? A biotecnologia pode aumentar substancialmente a produtividade agrícola? A biotecnologia pode beneficiar as populações pobres dos países em desenvolvimento? Essas são as questões fundamentais que Per Pinstrup-Andersen, diretor-geral do International Food Policy Research Institute, e Ebbe Schioler, consultora em pesquisa e desenvolvimento agrícola, se propõem a responder nesse livro.

Os autores têm como objetivo chamar a atenção para a gravidade da escassez de alimentos em que se encontram os países pobres, indicando que a engenharia genética pode ajudar a resolver a situação precária dos produtores e consumidores desses países. Eles consideram que, enquanto os países ricos podem escolher alternativas à produção de organismos geneticamente modificados (OGM), isto seria um luxo insustentável para as nações pobres. Respondendo às questões inicialmente propostas, os autores afirmam que a  engenharia genética poderia beneficiar as populações desses países em três situações: ao propiciar o aumento da produtividade agrícola; ao reduzir a vulnerabilidade às intempéries da natureza e ao produzir alimentos com melhores teores nutricionais.

É interessante observar que a assimilação dos OGM em diferentes países traz em seu bojo a formulação de um problema que procura conciliar os aspectos positivos e negativos da biotecnologia, através de um discurso baseado na norma. A norma, considerada como uma “regra natural”, dispensa por isso mesmo qualquer questionamento. Ela traz em si a autoridade de um saber científico, cuja “neutralidade” lhe confere um estatuto de árbitro frente às polêmicas suscitadas pelas incertezas dos possíveis efeitos adversos da tecnologia. Assim, os defensores dos OGM – tanto as empresas produtoras quanto grande parte da comunidade científica e das agências reguladoras – justificam a produção e a rápida liberação desses produtos em três normas fundamentais: o malthusianismo, o positivismo e o liberalismo.

A visão malthusiana de ameaça da escassez de alimentos, em nível global, num futuro não muito distante, assim como a falta de disponibilidade de alimentos em países do Terceiro Mundo, é o primeiro e grande argumento utilizado para legitimar a produção de OGM. Aumentos de produtividade agrícola e a produção de culturas mais nutritivas são considerados como os principais benefícios da biotecnologia agrícola, o que irá solucionar os males e riscos associados à penúria alimentar. Como conseqüência, o avanço na biotecnologia já apresenta um caráter positivo do conhecimento e uma irreversibilidade inerente às expectativas geradas por todos aqueles que investiram esforços, tempo e capital no desenvolvimento dessa tecnologia. Dentro deste contexto, otimista e positivista, a rápida aprovação dos OGM pelas agências reguladoras é reclamada como uma conseqüência natural de uma lógica de liberalização dos mercados.

Em seu aspecto negativo, os defensores dos OGM avaliam os riscos associados à difusão dos OGM sob dois aspectos: impactos à saúde humana e ao ambiente. Do ponto de vista da saúde humana, os riscos de efeitos colaterais são considerados inexistentes na medida em que se adota o Princípio da Equivalência Substancial, ou seja, os produtos GM são quimicamente equivalentes aos não-modificados. Não haveria, portanto, razão para se considerar possibilidades de existência de efeitos adversos. No que tange ao ambiente, considera-se que a transferência genética entre seres vivos é algo que ocorre com freqüência na natureza, o que torna a transgenia uma técnica que não agride a própria dinâmica da natureza. Considera-se também que os produtos transgênicos apresentam estabilidade genética, sem a geração de características hereditárias indesejáveis. Os riscos de geração de efeitos colaterais adversos, quando assumidos, são considerados desprezíveis ou probabilisticamente remotos. Mesmo quando admitidos como potencialmente relevantes, como é o caso da criação de plantas com efeitos herbicidas que tendem a desenvolver ervas resistentes, agências reguladoras – como a do Reino Unido – consideram que tais efeitos serão sanados pelo desenvolvimento futuro de novos herbicidas.

A resistência à difusão dos OGM contesta fundamentalmente as normas e o princípio adotado por aqueles que defendem a rápida liberação desses produtos. A visão malthusiana da escassez crônica e aguda de alimentos é refutada por uma interpretação baseada na desigualdade da distribuição global da renda e na existência de excedentes e subsídios agrícolas nos países desenvolvidos. A visão positivista do caráter neutro e progressista do conhecimento científico e tecnológico é desqualificada por uma visão ambientalista que procura enfatizar os impactos adversos de tecnologias amplamente difundidas como a energia nuclear, os agrotóxicos, o amianto e os clorofluorcarbonos. Essa visão ambientalista adota como contrapartida o Princípio da Precaução, como um procedimento voltado à prevenção de riscos potenciais e de efeitos irreversíveis, antes mesmo da existência de provas irrefutáveis de nocividade de uma nova tecnologia. Como conseqüência, o liberalismo é automaticamente excluído como norma legitimadora das relações capitalistas de produção. A lógica de mercado estaria assim submetida a uma lógica de preservação ambiental e da saúde humana.

É evidente que, no meio de todo esse questionamento que procura trazer uma problematização alternativa àquela baseada em normas supostamente inquestionáveis, existem muitos argumentos sensacionalistas e alarmistas, veiculados pela mídia e por algumas ONGs, com pouca ou nenhuma consistência. Esse parece ser, no entanto, o alvo de Andersen e Schioler para desqualificar os argumentos contrários à rápida difusão dos OGM. Ao privilegiar o sensacionalismo de algumas entidades ambientalistas, os autores desconsideram opiniões de membros reconhecidos da comunidade científica, e de parte das ONGs ambientalistas, que contestam a maneira como o problema dos OGM tem sido apresentado à sociedade.

Finalmente, Andersen e Schioler insistem na importância de se deixar aos países pobres a escolha pela adoção de OGM. O que é fundamental. Eles sustentam suas idéias citando, por exemplo, um artigo do Ministro da Agricultura da Nigéria, publicado, em setembro de 2000, no Washington Post, no qual se dizia: “Agricultural biotechnology holds great promise for Africa and other areas of the world where circunstances such as poverty and poor growing conditions make farming difficult... To deny desperate, hungry people the means to control their futures by presuming to know what is best for them is not only paternalistic but morally wrong”. O que dizer, então, das recusas recentes do governo de Zimbabwe em aceitar a ajuda alimentar de grãos transgênicos dos EUA, ao considerar o risco de contaminação de suas lavouras com esse tipo de vegetal?

Per Pinstrup-Andersen e Ebbe Schioler. Seeds of Contentation: world hunger and the global controversy over GM crops. The Johns Hopkins University Press, 2002, 164p.