Estudos Sociedade e Agricultura

autores | sumário

 

Bernardo Ricupero

Capitalismo e luta política no Brasil na virada do milênio


Estudos Sociedade e Agricultura, 16, abril 2001: 191-193.

Bernardo Ricupero é doutorando em Ciência Política na USP.


Desde o final da década de 80, os países da América Latina foram adotando, quase que um atrás do outro, políticas que visavam garantir uma inserção subalterna no capitalismo internacional. Proclamava-se triunfalmente então a supremacia do mercado e a “cegueira” daqueles que não queriam ver o “óbvio”. Hoje, passados mais de 10 anos, os promotores do neoliberalismo na América Latina, Carlos Salinas de Gotari e Alberto Fujimori, encontram-se foragidos, no exterior, e Carlos Menem cumpre pena de prisão domiciliar. No Brasil, uma política de privatizações irresponsável levou a uma crise energética sem precedentes, afetando a infra-estrutura básica do país.

Com Capitalismo e luta política no Brasil na virada do milênio, Gilmar Mauro e Luiz Bernardo Pericás pretendem dar sua contribuição ao debate que se desenrola na esquerda sobre o momento atual. O livro assume, assim, mais um caráter político, de texto de intervenção, do que de estudo mais pormenorizado sobre os problemas que discute. Vêm também daí muitas de suas qualidades e defeitos.

O ponto alto de Capitalismo e luta política no Brasil na virada do milênio é o capítulo sobre a reforma agrária. O argumento principal é que deve-se rejeitar o propósito do governo de implantar uma política agrária de “estilo” norte-americano, o que implicaria a produção em grandes unidades altamente mecanizadas de bens demandados pelo mercado externo. Ao invés desse modelo, defende-se que se leve em conta as especificidades brasileiras, devendo haver a democratização do acesso à terra e, a partir daí, a utilização de técnicas agrícolas modernas e ambientalmente responsáveis.

Ao longo do capítulo, levanta-se a história das relações sociais nos campos norte-americano e brasileiro. A discussão a respeito dos EUA é bastante rica, prestando-se especial atenção ao Homestead act, de 1862, ao passo que a análise sobre o Brasil é mais pobre, não havendo, por exemplo, menção à Lei das Terras de 1850. O curioso, porém, é que constata-se que ao mesmo tempo que o atual modelo agrário norte-americano deve ser rejeitado, devido às suas características concentradoras, no século XIX a “via americana”, de agricultura familiar, criou um ambiente social propício à democracia, o que foi notado em momentos diferentes por argutos observadores, como Vladimir Lênin e Barrington Moore.

O capítulo que possivelmente provocará maior controvérsia é “A questão do partido”. Partindo da constatação que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) é um movimento social como outros, assinala-se que esses podem ser reivindicatórios, políticos e de classe. De forma bastante interessante, os autores percebem, contudo, que o MST não se enquadra propriamente em nenhum desses tipos de organização, já que possui reivindicações específicas, mas não se reduz a elas; é político, mas tem uma atuação mais ampla do que a tradicionalmente atribuída a essa esfera; é um movimento de classe, cuja luta vai além do terreno da classe.

Não é esse comentário, todavia, que provavelmente estimulará as reações negativas, mas as contundentes críticas aos partidos. Essas críticas visam, sobretudo, os partidos de massa e, entre eles, apesar de não chegar a ser nomeado, o Partido dos Trabalhadores (PT). O defeito principal desse tipo de partido seria sua tendência à burocratização, que estimularia a “lei de ferro das oligarquias” e criaria uma divisão, praticamente intransponível, entre dirigentes e dirigidos. A crítica ao partido de vanguarda não aparece tão claramente, mas sugere-se que a maior parte deles seriam sectários, comportando-se praticamente como pequenas seitas.

Apesar de não explicitado, fica indicado que, entre essas duas maneiras de atuação política, abre-se espaço para novas formas de luta que poderiam ser capitaneadas pelo MST. Mas mesmo que a identificação da existência de um certo desgaste na forma partido seja bastante sugestiva, os autores não chegam a desenvolver argumentos que mostrem como ela poderia ser superada.

Se o desejo de intervir politicamente é, de forma geral, uma qualidade em Capitalismo e luta política no Brasil na virada do milênio, em certos momentos do livro ressente-se, contudo, da falta de uma análise mais aprofundada. A discussão sobre globalização, por exemplo, não é das mais ricas, apoiando-se mais na leitura de clássicos marxistas do que no estudo do fenômeno. Na verdade, equivale-se a globalização ao imperialismo sem que haja uma demonstração mais exaustiva que faria com que o que ocorre hoje em dia não represente maior novidade. Assim, mesmo que se concorde com a tese dos autores, ela não é provada.

De qualquer forma, iniciativas tais como a de Capitalismo e luta política no Brasil na virada do milênio, de procurar impulsionar um debate mais vigoroso no interior da esquerda, merecem ser saudadas. Se o debate de maneira geral é quase sempre salutar, num momento como o atual, de definição dos rumos do país, mas surpreendentemente de injustificável apatia sobretudo por parte daqueles que querem promover a mudança, ele se torna ainda mais pertinente e mesmo indispensável.

Gilmar Mauro e Luiz Bernardo Pericás. Capitalismo e luta política no Brasil na virada do milênio. São Paulo: Xamã, 2001, 118p.