Estudos Sociedade e Agricultura

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Silvana G. de Paula

Quando o campo se torna uma experiência urbana: o caso do estilo de vida country no Brasil


Estudos Sociedade e Agricultura, 17, outubro de 2001: 33-53.

Resumo O artigo trata do padrão country, tomado como um estilo de vida que relaciona de maneira singular o mundo rural e a cidade no Brasil. Seu conteúdo está baseado em pesquisa realizada desde 1993 e aborda os seguintes tópicos: a conexão entre o estilo de vida country no Brasil e nos EUA; o estilo de vida country no Brasil como uma narrativa em que o mundo rural é evocado como tema para a experiência urbana; e o estilo country brasileiro como representação da ruralidade sintonizada com modernidade e refinamento. São igualmente tratadas as implicações políticas deste estilo de vida, assim como sua capacidade de recriar e alargar a idéia do mundo rural brasileiro para além das atividades de agricultura e pecuária.

Palavras-chave: campo-cidade, estilo de vida, redefinição de fronteiras.

Abstract: (When the Countryside Becomes an Urban Experience: the Case of Contemporary Brazilian ‘Cowboy Lifestyle’) During the last decades the cowboy lifestyle has acquired increasing importance in Brazilian society. It has been a significant source of entertainment – like rodeos, country music shows, country music dancing –, and has also performed a striking role in defining patterns of sociability which inform taste, fashion, social and individual behavior, consumption, and social distinction.

The article discusses this social phenomenon understood as a lifestyle which, in a very singular way, relates the countryside and the city in Brazil. It is based on research developed since 93 and it brings into focus the following topics: the connection between cowboy lifestyles in Brazil and in the US; the Brazilian cowboy lifestyle as a narrative where the rural world is evoked as a theme for urban experience; and Brazilian cowboy lifestyle as a symbolization of a rural world encompassed with modernity and refinement. The article also addresses the seductive capacity of this lifestyle and its political implications in contemporary Brazil, as well as its capacity in  shaping the Brazilian rural world in such a way as to re-create or enlarge its image far beyond agricultural and cattle raising activities.

Key words: country-city; lifestyle; redefinition of boundaries.

Silvana Gonçalves de Paula é professora da UFRRJ / CPDA.


No Brasil, ao longo dos últimos anos, o termo country tem freqüentado as matérias veiculadas pelos meios de comunicação com crescente assiduidade e vem se tornando familiar a um número cada vez maior de pessoas. Via de regra, quando é mencionado, as evocações que instantaneamente produz e que, portanto, adentram a conversação sucedem-se obedecendo muito de perto à seguinte ordem: a música, adjetivada indistintamente como sertaneja, caipira, neo-sertaneja e country; o espetáculo do rodeio, principalmente o evento anual da cidade de Barretos/SP; a figura do cowboy; a moda country e o mundo rural. Com alguma freqüência, determinados nomes deste cenário country são também imediatamente arrolados: os das duplas musicais, o de alguns campeões de rodeio e o de uma ou outra griffe de vestuário.

Contudo, para além destas remissões mais imediatas, o fenômeno country permanece ainda difuso, sem contornos muito nítidos que possam precisar claramente sua definição e compreensão. Isto se justifica porque, apesar da crescente expressividade que vem adquirindo na sociedade brasileira, apenas muito recentemente o tema do country começou a ser enfrentado como objeto de estudos acadêmicos no Brasil.1

Desde sua fase inicial, a pesquisa empreendida deixava já muito claro que o assunto era bastante generoso, no sentido de oferecer uma multiplicidade de temas e de se prestar a uma pluralidade de recortes para a investigação. [1] O recorte contemplado pela pesquisa que venho desenvolvendo postula a concepção do country como um estilo de vida que, tomando a ruralidade como tema, cria um padrão de sociabilidade que comporta a prescrição de atividades sociais, temas de conversação, etiqueta, gosto, consumo, vocabulário e linguagem corporal próprios. Em sintonia com as características freqüentemente salientadas pela literatura sobre o mundo contemporâneo [2] , o country como estilo de vida coexiste com uma variedade de estilos, podendo, portanto, ser adotado de maneira mais ou menos ocasional. Todavia, e como ficará mais claro ao longo do texto, há segmentos sociais que o adotam como sendo o seu principal estilo de vida, isto é, que o adotam de forma mais sistemática e continuada, embora, ainda assim, de forma não rigorosamente exclusiva.

No Brasil, a pesquisa foi concentrada na região de Presidente Prudente, oeste paulista, desde dezembro de 1993, com um intervalo de um ano – setembro de 1996 a setembro de 1997 – durante o qual foi realizado trabalho de campo nos Estados Unidos da América [3] , compreendendo localidades dos estados de Oklahoma, Nevada e Texas. Neste último, foi privilegiada a área de Gainesville, uma região que abriga muitos brasileiros que migraram precisa­mente em virtude da prática dos esportes country. [4]

A realização de pesquisa de campo no Brasil e nos Estados Unidos da América não teve por objetivo estudar o estilo de vida country nestes dois países. O foco da investigação esteve sempre voltado para este estilo de vida no Brasil. Para tanto, contudo, tampouco constituiu um parâmetro do trabalho conduzir a pesquisa seguindo os moldes comparativos tradicionais. Isto porque, na trilha das questões recentemente levantadas acerca do trabalho etnográfico, acredito que a idéia de comparar dois contextos sugere que estes constituam universos cujas bordas são bem definidas, de modo a constituírem unidades articuladas e, por assim dizer, fechadas; e, ainda que implicitamente, a perspectiva comparativa convencional induz à lógica que busca estabelecer correspondências ou equivalências entre pontos ou conjunto de aspectos nos contextos selecionados. Por estes motivos, a condução da investigação guarda estreita sintonia com a proposição de Marcus (1998: 79-104), na direção de um trabalho de campo multilocalizado (multi-sited ethnography). No interior desta postulação, o caminho da pesquisa foi de­senhado com base em uma estratégia que simultaneamente combina o acompanhamento do tema e de narrativas (follow the plot) com o acom­pa­nhamento das trajetórias de sujeitos (follow the people) que, prota­gonistas do estilo de vida country no Brasil ou a ele referidos, são os au­tores mesmos destas narrativas. Este encaminhamento permitiu colher os bene­fícios do viés comparativo, sem, entretanto, comprometer a fluidez do objeto com a acepção de contextos como unidades delimitadas, articuladas e fechadas, ou com a idéia de correspondências entre partes constituintes dos contextos em pauta.

Sem obrigar-me à defesa da pertinência deste encaminhamento para todo e qualquer trabalho de campo, e já adiantando um pouco o argumento, cabe-me enfatizar sua propriedade para o objeto deste trabalho, pois que a própria constituição do mesmo resulta de uma experiência de multi­lo­ca­lização. E mais, neste seu processo de construção que tem por referência uma multi­plicidade de lugares, o estilo de vida country no Brasil escapa a qualquer tentativa de estabelecer correspondências ou equivalências vis à vis a experiência norte-americana. Numa formulação simples, porém impor­tante, o country no Brasil não corresponde ao padrão country estadunidense. Entre estas experiências há, por certo, aproximações; mas, há sobretudo dis­tâncias, recriações e inversões que tomo como sendo de capital importância.

Tal perspectiva revelou-se extremamente pertinente, em especial por possibi­litar maior clareza à percepção de particularidades do estilo de vida country no Brasil. Este não é, de modo algum, um aspecto de pouca rele­vância, pois, em geral, é considerada uma certeza que o fenômeno country no Brasil configura uma cópia ou uma imitação do que existe nos Estados Unidos. Diagnósticos desta natureza tendem a dar por encerrada a questão da conexão entre estas duas experiências, abortando sua discussão. Como o assunto é importante – e gerador de polêmica – cumpre abordar de imediato o enfoque concedido a esta problemática neste trabalho.

A interpretação aqui postulada é a de que, inegavelmente, a emergência do fenômeno country no Brasil guarda estreita conexão com a experiência norte-americana, com o estilo de vida dos cowboys, seja mediante contatos diretos, seja através do apelo imaginário da filmografia western. Entretanto, parece valioso não ceder à facilidade de tomar automaticamente tal conexão como mera cópia, pois, por este prisma, arrisca-se a obter uma visão que, empo­brecedora do assunto, deixa escapar aspectos e mesmo fundamentos da experiência que são rigorosamente adstritos ao cenário brasileiro. Nesta mesma linha, parece imprescindível apontar para o fato de que mesmo naquelas tentativas mais assumidas e radicais de tomar o modelo norte-americano como objeto de imitação, algo que é sui generis ao padrão considerado original acaba por saltar aos olhos mais atentos. Creio que tal situação inscreve-se no esteio da idéia aristotélica de mimesis [5] como ato que não se reduz à simples imitatio de objetos e movimentos, mas que, ao con­trário, contém elementos transformadores e mesmo deformadores em relação àquilo que toma como ponto de partida.

Evidentemente, a idéia reducionista de imitação, tão facilmente atribuída à emergência e à disseminação do country no Brasil, favorece enormemente o clichê nacionalista que, pela insistência fundamentalista na criação ou na preservação de algo genuinamente autóctone, acusa a infiltração na socie­dade brasileira da malévola tendência de se reproduzir tudo o que é estrangeiro e, principalmente, tudo o que é norte-americano. De maneira análoga, tal visão simplificadora acerca deste processo é igualmente acionada para demonstrar o predomínio de uma mentalidade colonizada nos países do chamado Terceiro Mundo. Quando é este o tipo de clichê com que se defronta, a informação de que o country marca também presença expressiva no Canadá, na Austrália, na França, na Alemanha, na Itália e no Japão faz com que seu argumento seja desviado na direção de afirmar uma americanização que caminha a passos largos para a conformação de um império homogêneo de escala planetária: uma aldeia global americanizada.

Sem ignorar que o mundo seja atravessado e mapeado por hierarquias de poder entre continentes, regiões e nações, e tampouco sem nenhum voto de fé nas vertentes pós-modernas otimistas ou naquilo que, cunhado como neoliberalismo, assombra os nossos dias, cumpre admitir que processos como o que está em foco são mais complexos e mais sutis do que sonham as vãs, repetitivas e estéreis formulações em favor da idéia de simples cópia.

O entendimento advindo do trabalho de campo permitiu perceber que, embora em contato, o estilo de vida country brasileiro e o norte-americano têm nas suas interfaces algo semelhante ao que, na Física, é considerado o campo de forças que inexoravelmente se interpõe entre duas matérias ou dois corpos em contato, tornando improcedente a concepção mesma de uma experiência de contato não mediado (Hawking, 1996: cap. 5). Assim, para o exame da conexão entre os estilos de vida country brasileiro e norte-ame­ricano, julgo pertinente evocar o uso que faz Pratt (1999a; 1999b) da idéia de trans­cul­turação, definida como espaço de seleção e invenção no interior de fórmulas originariamente alienígenas às tradições e aos sujeitos que aden­tram zonas de contato. Isto aponta, precisamente, para a atuação de um campo de forças que produz simultaneamente proximidades e distâncias.

A distância que mais interessa aqui sublinhar, porque sociologicamente mais importante, é a de que na sociedade norte-americana o estilo de vida country está associado ao labor e à não-sofisticação, ou melhor, à conjugação das idéias de rusticidade e simplicidade. Assim, o ideário do cowboy norte-ame­ricano é construído a partir de uma identidade cujo conteúdo celebra a idéia de um indivíduo simples, digno e respeitoso, mas definitivamente avesso aos maneirismos da vida refinada das cidades e dos ambientes sofisticados. Seu ethos é o de uma simplicidade e uma dignidade rústicas que o aproximam mais da convivência com a natureza, com seus pares, e da conversação íntima e individual com Deus, do que de pessoas e ambientes aos quais atribui a exigência do domínio de um linguajar elegante e de uma etiqueta re­quintada. [6] Tais personagens da vida cotidiana, em geral por­tadores de forte individualismo e intransigente conservadorismo étnico e religioso, [7] cultuam uma espécie de timidez em relação ao mundo exterior que faz jus ao apreço pela misantropia atribuído à figura mítica do cowboy (Smith, 1971). E tal condição de isolamento e solidão em relação ao mundo da civilidade urbana é reiteradamente expressa como um destino do qual não é possível escapar. Como apregoa o ditado tão freqüentemente citado durante as entrevistas realizadas, “você pode tirar o cowboy do campo, mas nunca pode tirar o campo do cowboy [8] .

No caso do estilo de vida country no Brasil, a situação é outra, senão quase o seu avesso. Entre nós, o country fala francamente a favor de uma inserção da ruralidade nos critérios de civilidade urbana, uma inserção que se faz mediante o pleito da dignificação aristocratizante do ser humano. Des­dobrando o argumento, é possível afirmar que, no Brasil, o estilo de vida country introduz o tema da ruralidade no cenário urbano e, neste sentido, intervém como elemento que dialoga com as fronteiras tradicionais que aqui delimitam a relação entre o campo e a cidade, [9] atravessando-as e esta­belecendo uma importante área de interseção ou mesmo um continuum entre ambos. Além disso, o estilo de vida country no Brasil evoca enfa­ticamente um padrão de sociabilidade caracterizado pelos mores da ele­gância e da sofisticação. Assim, de forma paradoxal ao seu modelo de ins­piração, o country brasileiro acena para valores de refinamento do self e da condução da vida, isto é, aponta para valores que sejam capazes de evocar a idéia de distinção. Esta diferença em relação à experiência estadunidense, aliás, não passa desapercebida aos cowboys norte-americanos que vêm ao Brasil com a finalidade de participar de eventos esportivos country. Estes indivíduos ficam estupefatos com o cenário de elegância e refinamento no qual vivem os esportistas brasileiros e no qual se realizam as provas es­portivas. Ao discorrerem sobre o assunto, além das usuais alusões à alegria do povo brasileiro, ao talento do futebol, à riqueza da música brasileira e à recepção calorosa do público, são enfáticos em marcar o contraste existente entre o lugar social do cowboy e de seu estilo de vida em seu país de origem e no Brasil [10] . Aqueles que participaram também de eventos esportivos country na Europa e na Oceania manifestam o mesmo tipo de surpresa e afirmam que as situações dos Estados Unidos da América e do Canadá, por serem muito semelhantes no que concerne a esta questão, aparecem como uma singularidade em relação às demais. Alguns destes entrevistados chegam mesmo a apontar uma grande proximidade entre o status dos esportes country na Itália e no Brasil. [11]

Ainda na direção de apontar as diferenças entre a experiência brasileira e a norte-americana, parece significativo mencionar uma entrevista realizada em 1993 com o gerente da empresa King Ranch do Brasil à época, um texano então há dois anos vivendo na região de Presidente Prudente, na qual ele afirmava que o estilo de vida de cowboy no Brasil era definitivamente diferente do legítimo estilo de vida de cowboy. [12] A alegada ilegitimidade do estilo de vida country parece ater-se principalmente à existência deste diálogo entre o country e a vida de cidade no Brasil. Neste sentido, é preciso re­conhecer que não se trata propriamente de um diálogo, pois diálogo pressupõe a idéia de um duo. Em realidade, no Brasil, o estilo de vida country não constitui um diálogo entre o campo e a cidade que contemple as respectivas experiências e tradições; entre nós, o country é um estilo de vida urbano que se inspira no tema da ruralidade. Isto significa dizer que o padrão country brasileiro é uma experiência de sociabilidade urbana.

As transformações realizadas no cerne do modelo de inspiração do estilo de vida country, a partir das quais se erige e se nutre a experiência brasileira, reforçam a necessidade de cautela quanto à idéia de imitatio como ins­trumental interpretativo.

Uma possibilidade de enfoque quase que oposta - e bastante afinada ao gosto dos nossos tempos de pós-modernismos - seria pensar o country no Bra­sil como um híbrido resultante da fusão de duas (ou mais) trajetórias ou tradições. Contudo, a idéia de produção de um híbrido parece conter resi­dualmente um elemento de fixidez, de congelamento e mesmo de mi­nera­lização da zona de contato num produto (híbrido) acabado (Thomas, 1996), o que é passível de embaçar, neste processo específico, sua importante carac­terística de fabricação inconclusa, ou se se preferir, de narrativa em aberto.

Assim, parece pertinente investir numa outra direção. A experiência de campo possibilitou focalizar tanto os adeptos do estilo de vida country no Brasil quanto os brasileiros que vivem nos Estados Unidos – em razão dos esportes country – como sujeitos que freqüentam alternadamente cada uma das arenas de tradição. O contexto é o de um fluxo de diálogo que não chega a um fecho, a um resultado final; em suma: não se chega a um produto híbrido. Tanto o discurso verbal como o discurso das práticas veiculados pelos adeptos deste estilo de vida transitam através de fronteiras nacionais e culturais. Deste modo, a idéia que parece mais pertinente para pensar o country brasileiro é a de ambivalência. Valência dupla, assim como a do átomo de oxigênio na tabela periódica dos elementos químicos. Assim, os adeptos do country estão referidos ao mesmo tempo a (pelo menos) dois lugares, porque estão num trânsito incessante de cruzamento de fronteiras. O aspecto intrigante deste equacionamento reside no fato de que é preci­samente na atualização desta possibilidade de ir e vir, isto é, exatamente no trânsito entre (pelo menos) dois referenciais, que este estilo de vida country constrói suas raízes ou, como advoga Nacify, é precisamente no des­locamento que se produz uma territorialização. [13]

Nesta perspectiva, cumpre indagar quais são os lugares freqüentados neste trânsito. Por suposto, tais lugares remetem-nos às experiências concretas de visitas curtas ou longas aos Estados Unidos e de recepção de cowboys norte-americanos – artistas, amigos, esportistas, domadores de animais, treina­dores e criadores – , assim como referem-se ao fato de viver no Brasil, o que significa ser permeável ao lugar do campo na sociedade abrangente e às tradições ligadas ao campo. Assim, de saída, existem dois “lugares”. Entretanto, esta topografia é acrescida de um outro lugar muito mais ima­terial: o Oeste. Um Oeste que, como afirma Ortiz, “... já não é mais americano. A imagem, nele operacionalizada, pertence a um domínio co­mum, distante da territorialidade dos Estados Unidos. Por isso ela é mundialmente inteligível.” [14]

Feitas estas considerações, é necessário explicitar que a interpretação aqui adotada como pano de fundo é a de tomar o fenômeno country no Brasil como uma instância triádica para a qual são convocadas parte das tradições agrárias brasileiras, uma peculiar interpretação da experiência country norte-americana e a aspiração de seus adeptos por instaurar a imagem e a expe­riência de uma ruralidade simultaneamente refinada e sintonizada com o

cenário contemporâneo. Nestes termos, é assumida a perspectiva de que o country no Brasil seja uma elaboração sobre a ruralidade que se caracteriza por ser uma narrativa em aberto, passível, portanto, de criar e incorporar novos elementos e de ser apropriada em diversas direções.

Como narrativa, isto é, como manifestação da linguagem, o country pode beneficiar-se de uma metáfora com o idioma que tem sido convencionado como inglês internacional, uma denominação que atinge o propósito de enunciar que se trata de uma nova realidade idiomática, adstrita às zonas e aos cenários de contato e que se distingue, portanto, do inglês norte-ame­ricano, britânico e australiano. [15] Nesta direção, o inglês internacional funciona à maneira do pidgin na Polinésia, ou seja, como idioma adulterado que é usado como a língua das zonas de contato. A este respeito, há uma cu­riosidade que vale registrar: a adoção por parte de brasileiros do termo country se faz mediante um deslizamento de pronúncia original [kãtri] para [kauntri] que muitas vezes confunde o interlocutor de língua inglesa, mesmo quando este já está familiarizado com o sotaque do falante do português do Brasil.

A esta altura, cumpre explicitar os contornos com os quais o estilo de vida country articula a temática da ruralidade. No country brasileiro, ao menos na região por mim estudada, o rural é um lugar de referência privilegiadamente imaginária, um tema e não um locus de experiência. Isto no sentido de que, primeiro, o padrão country entre nós é endereçado à cidade, ou seja, é uma imagem do rural que vem ocupando espaço no mundo urbano. Trata-se, portanto, do rural na cidade, do rural como experiência urbana.

Segundo porque, como tema de referência ou fonte de inspiração, o campo presentificado neste country não se refere à experiência do rural no que concerne ao trabalho braçal executado nas fazendas. Trata-se de um rural que exclui o labor do corpo para a produção e a reposição dos itens demandados para a satisfação das necessidades materiais da vida. Assim, a imagem do rural identificada neste padrão country é a da “terra de Marlboro”; uma imagem que a um só tempo transcende à fazenda, aos limites de fronteiras nacionais e às considerações de ordem histórica ou cultural. Dito de outra forma: a “terra de Marlboro”, como lugar imaginário, está para além da geografia e da história: não tem uma cartografia rígida e tampouco uma acepção seqüencial do tempo [16] . O cerne desta imagem do rural pode ser aproximado como sendo um espaço temático que, difuso e fragmentado, toma a forma de uma narrativa em processo e, portanto, inacabada.

Conforme antecipado, a fase nacional da pesquisa de campo foi concentrada no Oeste paulista, mais especificamente na região do município de Presidente Prudente. Tal escolha se deveu a razões de ordem biográfica que possi­bilitaram acompanhar as transformações ocorridas na região desde o ano de 1973. Esta predisposição foi definitivamente reforçada pelo fato de que naquela região a experiência country não é episódica, isto é, não se esgota na realização do rodeio anual ou de outros eventos isolados. Ali, o country como estilo de vida, quer dizer, como padrão de vestuário, de consumo e de comportamento, faz parte do cotidiano das pessoas, originariamente dos pecuarista locais, mas sendo progressivamente adotado por outras categorias sociais urbanas. A paisagem urbana do cotidiano prudentino é desenhada pela circulação constante de trucks – os substitutos das caminhonetes usadas anteriormente apenas para as viagens às fazendas – dirigidos por homens, mulheres, jovens e velhos, assim como por mo­vimentações e aglomerações de cowboys vestidos em suas calças Wrangler cowboy cut, camisas de mangas compridas em xadrez ou listas, chapéus de abas largas, botas, tabaco de mascar no bolso e telefone celular na cintura, ao lado da grande fivela do cinto. Cabe reiterar que, naquela região, o country é um fenômeno urbano. Seus adeptos são habitantes da cidade, seus eventos são eventos citadinos e, como estilo de vida cotidiano, o country configura um padrão de urbanidade.

Com o intuito de reconstruir a genealogia do estilo de vida country no Oeste paulista, parece relevante remeter às entrevistas realizadas com as três gerações de pecuaristas locais, uma vez que este foi o segmento que protagonizou a emergência deste estilo de vida na região.

A primeira geração entrevistada é constituída pelos desbravadores do Oeste paulista, que atualmente encontram-se na faixa acima dos 70 anos. São pessoas oriundas de diversas regiões do país que, no início do século, “con­quistaram” a região através da aquisição de terras para a formação de fazendas. Ao longo dos anos, este processo adentrou parte do Mato Grosso do Sul, o norte do Paraná e uma porção do estado de Goiás.

A segunda geração, numa faixa etária mais ampla - dos 45 aos 60 anos - é constituída de consolidadores dos empreendimentos familiares. São médi­cos, advogados, economistas e engenheiros que, a despeito de suas for­mações universitárias, sempre se dedicaram à pecuária, incrementando os negócios paternos e estabelecendo os primeiros contatos com o country norte-americano. Tais contatos foram decisivamente estimulados pela pre­sença na região de uma empresa norte-americana, o King Ranch, [17] intro­dutora no Brasil do cavalo Quarto de Milha, que progressivamente subs­tituiu a raça Manga Larga na atividade pecuária. [18] A adoção do Quarto de Milha foi significativa tanto do ponto de vista técnico como simbólico. Isto porque, além de alterar a rotina da fazenda, o Quarto de Milha é, por excelência, o cavalo do cowboy e mais: é precisamente o cavalo utilizado na prática dos esportes que recebem a rubrica de country. Assim, ao lado da função de instrumento de trabalho na fazenda, a adoção do cavalo Quarto de Milha significou a iniciação desta geração nos esportes country. Paula­tinamente, a vida destes personagens se modificava, pois passaram a desenvolver um novo horizonte de interesse e incorporaram um novo item em sua pauta de lazer e entretenimento. Aos poucos, a paisagem prudentina também se alterava, pois aqui e acolá, as franjas da cidade se transformavam em áreas destinadas à prática destes esportes, áreas muitos anos depois batizadas de arenas de rodeio e haras. Como salientou um dos entrevistados desta geração, “no Brasil, a moda do country veio a galope”. [19] Contudo, esta moda só foi decisivamente consolidada na região pela geração subseqüente.

Neste interregno, através do King Ranch foram estabelecidas conexões com alguns estados norte-americanos, em especial com o Texas, onde se localiza a sede da empresa. De início, estas relações eram essencialmente pautadas pelo interesse no intercâmbio técnico e na realização de negócios. Nestas primeiras conexões estiveram envolvidos os pecuaristas que empreenderam viagens às feiras agropecuárias texanas, visitas a ranchos e acompanhamento de eventos esportivos country. O intervalo destes contatos diretos eram - e são - preenchidos com a leitura de publicações norte-americanas dedicadas à criação de gado e de cavalo das quais estes sujeitos tornaram-se assinantes.

Entre estes entrevistados é muito forte a idéia da existência de uma habilidade norte-americana na lida com o gado; habilidade esta que, fincada em “séculos de tradição e experiência” [20] , deveria ser aprendida e adaptada pelos criadores brasileiros com o objetivo de imprimir maior racionalidade nos negócios pecuários para, com isto, aumentar a rentabilidade dos mesmos. A equação é simples: incorporação de inovações, racionalidade, acom­panhamento do andamento das atividades e das condições de mercado numa escala mais ampla; enfim, tudo voltado para o incremento dos negócios. O interessante é marcar que é possível perceber nesta orientação dos negócios a migração de valores adquiridos nos assentos universitários – estar sempre informado, imprimir racionalidade ao negócio etc. – para o mundo do gerenciamento das fazendas. Isto é: o que na geração anterior era conduzido segundo o andamento da intuição e das circunstâncias locais passou, decisivamente, a ser revestido de uma mentalidade empresarial.

De consumidores das publicações norte-americanas, alguns destes pecuaristas tornaram-se colaboradores das mesmas, contribuindo com artigos que se ocupam em difundir as qualidades da raça bovina nacional - o Nelore -, bem como em relatar a experiência de ser criador de gado no Brasil. Ao mesmo tempo, associações e publicações voltadas para a pecuária e para os esportes country foram criadas no Brasil – como a Associação Brasileira de Criadores de Cavalos Quarto de Milha/ABQM e as revistas Nelore e Quarto de Milha.

A terceira geração, composta de jovens entre 20 e 35 anos - a “moçada”, segundo os pais e os avós -, pôde desfrutar tanto de uma situação financeira firmemente consolidada como também da existência deste canal de comunicação com os Estados Unidos. Tais jovens, sobretudo os mais velhos deles, não seguiram os passos da geração anterior no que diz respeito à dedicação ao patrimônio familiar ou à escolaridade. A maioria não chegou à universidade e aqueles que o fizeram estiveram atendendo às prescrições disciplinares de suas famílias, apreensivas com o desdém de seus filhos para com as matérias de natureza “séria” como estudar ou acompanhar o que acontecia nas fazendas. À “moçada” sempre pareceu mais interessante desvencilhar-se da idéia de acumular dinheiro, preferindo dedicar-se ao consumo.

Foi justamente neste setor de jovens que, há alguns anos e um tanto por acaso - para fazer alguma coisa divertida -, um pequeno grupo resolveu organizar o primeiro grande rodeio da cidade. Desta primeira bem-sucedida experiência resultou a formalização do grupo que, sob a denominação de Sociedade Os Vaqueiros, há dez anos vem regularmente promovendo rodeios, shows, festas e bailes, assim como atuando na área de comercialização de artigos de moda country.

No que diz respeito especificamente aos rodeios, com a experiência acu­mulada na organização e promoção dos eventos anuais no município, a Sociedade Os Vaqueiros tomou a iniciativa de se agregar aos grupos afins em outras localidades para formar a Federação Nacional de Rodeio Completo, que, instituída formalmente em 1996, é responsável pelo Campeonato Nacional de Rodeio Completo (CNRC). Este campeonato compreende, como etapas, os rodeios de Jaguariúna/SP, São José dos Campos/SP, Ame­ricana/SP, Presidente Prudente/SP, São João da Boa Vista/SP, Ada­man­tina/SP, Barretos/SP, Maringá/SP, Goiânia/GO, sendo a final do CNRC, realizada em São Paulo/SP. [21]

Este grupo local, além de promover eventos, desempenhou papel signi­ficativo na difusão do estilo de vida country. Adeptos de primeira hora das calças Wrangler cowboy cut, botas, chapéus de cowboy, camisa xadrez, da música country nacional e norte-americana e do tabaco de mascar, estes jovens foram prontamente seguidos por seus pares e mesmo por pecuaristas mais velhos que ainda mantinham alguma reserva em relação à atividade de promoção de eventos a que o grupo se dedicava. O resultado ao longo destes anos foi que o consumo destes itens – e de tudo do que eles são emblemáticos – generalizou-se na região, alcançando até mesmo os que não têm nenhuma ligação com a terra ou com a pecuária. É importante insistir que, nesta região, a moda country não é seguida apenas em ocasiões especiais como os rodeios e as festas; ao contrário, é um estilo de vestuário usado cotidianamente.

Por intermédio da disseminação da moda e do gosto country para muito além do círculo dos fazendeiros – proprietários de terras e de gado – , a posição deste segmento da elite agrária frente aos demais citadinos transformou-se de uma forma muito curiosa. Já aquinhoados de capital financeiro, os pecuaristas, sob a liderança pouco planejada da “moçada”, acabaram por instaurar um padrão estético para além da fronteira de seus pares, com o que passaram a ser reconhecidos de maneira mais positiva pelos demais habitantes da cidade. Para empregar a conhecida terminologia de Bourdieu (1979), acrescentaram capital simbólico ao capital financeiro.

Como já é possível observar, os personagens deste universo são habitantes da cidade. Os pecuaristas vivem na cidade e vão às fazendas apenas a trabalho, isto é, para supervisionar o trabalho dos peões. A grande maioria dos pecuaristas tem seus escritórios estabelecidos na área central da cidade, e a freqüência das visitas às fazendas responde a circunstâncias especiais e, principalmente, à existência – ou não – de um bom administrador in loco.

Vale então repetir: o padrão country apreendido pela pesquisa é produzido e consumido nas cidades. Tanto os pecuaristas como os promotores de even­tos moram na cidade e não em uma de suas fazendas; como citadinos, fazem parte da vida social urbana. Os eventos são dirigidos ao público urbano, assim como a moda e o consumo musical, visto que os adeptos deste estilo de vida, quando não pecuaristas, são executivos, profissionais liberais, fun­cionários do setor terciário e estudantes; enfim, categorias sociais urbanas.

Tomado como narrativa em aberto que evoca a natureza e a ruralidade, o estilo de vida country no Brasil configura uma experiência que não retrata ou reproduz a vida campestre, agrícola ou pecuária. Antes, trata-se de uma ex­pe­riência que ritualiza nos diversos cenários urbanos – torneios esportivos, danceterias, atividades turísticas, consumo musical, moda e regras de sociabilidade – os elementos que são atribuídos à relação com a natureza, à agricultura e à pecuária. Neste sentido, o estilo de vida country no Brasil toma a ruralidade como fonte de inspiração para o delineamento de padrões de sociabilidade urbanos. Isto equivale a afirmar que o estilo de vida country no Brasil não configura reproduções ou representações da vida cotidiana nas fazendas, ou seja, o que é trazido à cena urbana é uma referência de ruralidade cuja sintaxe é definitivamente apartada da experiência tanto agrícola como pecuária.

A partir de Baudrillard, a literatura contemporânea vem recuperando a idéia dos simulacra [22] para dar conta de fenômenos que, como este, criam um patamar de realidade desenraizado dos ditames da ordem sócio-histórica, constituindo realidades em si mesmos numa sintaxe dada pela relação entre imagens e não pela relação com experiências subjetivas de estar no mundo. Mais do que isto, é na instância do simulacro que a experiência subjetiva encontra seu terreno de formação e de expressão. A idéia de simulacro parece ajustar-se com pertinência a este mecanismo de tematização da ruralidade que caracteriza o estilo de vida country no Brasil. Ao mesmo tempo, este veio interpretativo parece guardar íntima conexão com a idéia de aparência e com o estatuto a ela conferido por Schiller (1995; 113-146). Tal proximidade permite que seja postulado que o repertório de experiências que compõem o estilo de vida country brasileiro funda-se num simulacro da experiência de ruralidade cujo fio condutor é o processo de estetização do mundo rural.

Contudo, é pertinente pensar que a tematização estetizada da ruralidade que funda o padrão country funciona também como uma importante matriz de re-significação do mundo agrícola no Brasil. Ou seja, é procedente pensar que esta tematização da ruralidade acaba por criar o campo: um mundo rural que é mais vasto do que o agrícola.

Alguns dos aspectos da produção deste mundo rural são já claramente perceptíveis. Hoje em dia, por exemplo, quando falamos do rural, é bastante evidente que o que está em pauta não se restringe mais à agricultura ou à pecuária. Isto porque o mundo rural criado a partir desta tematização da ruralidade transcende ao universo da produção agrícola e da criação animal, adquirindo uma circunscrição muito mais ampla. Sua jurisdição inscreve-se nos núcleos citadinos, mediante a disseminação de um estilo de vida que prescreve comportamentos, gostos, padrão de consumo, assim como uma pauta de itens esportivos e de entretenimento. Ao mesmo tempo, este mundo rural presentifica-se nas regiões metropolitanas, materializando-se em muitas escolas de equitação country, num sem-número de ha­ras/ranchos dedicados à formação de esportistas, à realização de torneios e ao lazer. Não podemos nos esquecer tampouco que é graças à emer­gência deste mundo rural que prolifera o filão do turismo country, muitas vezes em consórcio com o turismo ecológico.

Vale repetir: esta tematização da ruralidade engendra um mundo rural que produz a semantização do campo para além do registro agrícola, o que significa dizer que no Brasil o country atua de modo nada desprezível na criação e no alargamento da imagem do campo. Ou seja, no Brasil, o country funciona como uma das instâncias que “produz” o campo.

Esta mesma tematização da ruralidade inscreve-se ainda num outro registro. Diante dos diagnósticos que retratam o campo brasileiro como palco de uma oposição aguda de interesses de classe que é conduzida exclusivamente mediante o emprego da violência por parte das elites proprietárias, os horizontes inaugurados no Brasil pelo estilo de vida country em geral, e pelos esportes country em particular, sugerem que o quadro se torna bastante mais adensado e sutil.

Para a elucidação deste ponto, é importante salientar o tom de civilidade e sofisticação de que se revestem os esportes eqüestres country, assim como a produção de dramaticidade e arrebatamento que está presente nas moda­lidades de montaria em animais ariscos (De Paula, 1999b). Tendo isto em mente, é possível perceber que o conjunto dos esportes country tem produzido entre nós um desenho do mundo rural no qual as asperezas do labor e dos conflitos são contra-restadas pela retórica de um encantamento do mundo pautado pela celebração da graça da suavidade e da graça he­róica. A capacidade de sedução desta retórica convida à hipótese de pensá-la como uma ampliação significativa das estratégias utilizadas para o enfren­tamento das tensões no campo. Isto significa dizer que, ao lado do mundo da fazenda guardado por seguranças armados [23] e funcionando como seu par complementar e reforçador, a retórica da sofisticação e do arrebatamento tem inegável eficácia política.

Mas, é preciso fazer interferir aqui uma nuance. É necessário atentar para o fato de que chegar à constatação da eficácia política desta retórica pode facilmente conduzir à peremptória conclusão de que tudo seja arquitetado, disseminado e capitalizado para reforçar o padrão de dominação, o que, em última análise, significa não apenas deixar-se aprisionar por truísmos, como também freqüentar muito de perto a lógica das teorias de conspiração. Ao que me parece, mais pertinente e importante do que isto é convocar para o cenário político, introduzir nos fóruns da discussão política, a dimensão menos material e imediata evocada por este estilo de vida no Brasil. Apenas para elucidar o ponto, penso que cabe, por exemplo, assinalar que a articulação de elementos de sedução e ludicidade presentes na tematização da ruralidade operada pelo estilo de country e, portanto, em sua eficácia política, merece ser olhada de perto e de dentro, visto que pode nos servir como um alerta, um lembrete de que a condição humana dialoga com a imbricação entre desejo e necessidade, o que a torna ampla e, no mínimo, complexa.

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Notas

[1] Neste sentido, os trabalhos de Além (1996) e de Pimentel (1997) constituem iniciativas pioneiras. Ver: De Paula (1998a; 1998b; 1999a; 1999b) e Serra (2000).

[2] Bauman (1994 e 1998); Baudrillard (1992); Featherstone (1992); Subirats (1989), entre outros.

[3] A pesquisa nos Estados Unidos foi possível mediante bolsa concedida pelo CNPq. Durante o período mencionado, trabalhei com o Dr. George Marcus, no Departamento de Antropologia da Rice University, em Houston, Texas.

[4] Este tipo de deslocamento – temporário ou definitivo – constitui matéria de artigo de minha autoria intitulado Migração e ambivalência no cenário counrty. In Costa, LF, Moreira, R. J. e Bruno,R (orgs.) Mundo rural e tempo presente, Rio de Janeiro: Mauad, 1999.

[5] Para a ampliação semântica e os deslocamentos da acepção de mimesis na filosofia e na arte, ver Costa Lima (1995) e Lichtenstein (1994); e, para o afloramento da alteridade através da mimesis, ver Taussig (1993).

[6] Sobre o código de conduta sancionado entre cowboys norte-americanos, ver Morris (1993). Sobre os valores e o cotidiano do cowboy norte-americano numa perspectiva histórica, ver Fohlen (1989) e Smith (1971).

[7] Registros de trabalho de campo. Angleton-TX/1996; Oklahoma City-OK/1997; Gainesville -TX/1997; Kate-TX, 1997.

[8] “You can take the cowboy out of the country, but you can’t take the country out of the cowboy”.

[9] A imagem do campo tradicionalmente disseminada na sociedade brasileira apresenta o mundo rural como cenário apartado do urbano. O processo de mo­dernização mais nitidamente vivenciado a partir dos anos 30 e seus desdobramentos subseqüentes reforçam esta separação. Assim, tanto o senso comum como o pensamento social brasileiro focalizam campo e cidade divididos por uma fronteira principalmente cultural, de modo a ser configurada uma descontinuidade entre ambos. Nesta des­continuidade, via de regra, o meio urbano é privilegiado como sendo o pólo gerador dos estilos de vida sintonizados com a contemporaneidade e, em con­trapartida, no tocante aos estilos de vida, o meio rural é costumeiramente evocado num outro registro, isto é, como sendo desprovido da aura de modernidade.

A força desta imagem dicotômica é tal que muitas vezes somos inclinados a aceitar - e até mesmo a naturalizar - a idéia de que ao falarmos sobre o campo e sobre a cidade, falamos de problemáticas e questões de naturezas distintas. No limite, endossamos a existência de uma sociologia urbana e de uma sociologia rural divorciadas, pois que habituamo-nos à idéia de que os temas rurais possam - e devam - ser analiticamente separados dos estudos urbanos.

[10] Registro de trabalho de campo. Angleton-TX/1996; Gainesville-TX/1997.

[11] Registo de trabalho de campo. Presidente Prudente-SP/1999.

[12] Registro de trabalho de campo. Presidente Prudente-SP/1993. O trecho completo desta fala é: “O modo de viver que falam que é country, que é o modo da vida de cowboy [é] definitivamente diferente do real cowboy ... do legítimo cowboy lifestyle. Eu passo o dia todo trabalhando no ranch ... esta gente que fala que de ser cowboy ...não sei ... acho que não vai para fazenda, fica na cidade. ... Eu e minha esposa somos acostumados com country dance music ... a gente quando vai para os festas country aqui acha tudo muito diferente, o jeito de dançar, as musics, muito diferente de country ...”

[13] Refiro-me explicitamente à formulação de “placement in displacement” em Nacify (1993).

[14] Ortiz (1994:115/116). E continua o autor: “Isto explica em boa parte o sucesso da propaganda de Marlboro (...). Sua eficácia reside em algo que lhe é anterior, uma educação, temática e visual, propiciada pelo cinema, televisão, histórias em qua­drinhos, literatura, que divulgou entre os povos uma imagem verossímil do que seria o faroeste. Evidentemente, a estratégia de Marlboro, que algumas vezes procura-se adaptar à exigência dos mercados locais (na África, ao lado da mensagem ‘Marlboro: o gosto da aventura’, o cavaleiro é negro), evita os pontos conflituosos da história sangrenta dos homens. A luta entre o branco e o índio, os massacres, os sinais de violência e de trabalho são apagados. Assepsia sígnica necessária para a aceitação do produto, pois o mercado não tolera as contradições da vida real. Mas os elementos imagéticos principais, o horizonte, os cavalos, a cerca, a sela, a corda, assim como o jeans utilizado pelo personagem principal, estão presentes para nos lembrar que nos encontramos diante do verdadeiro/falso velho Oeste.” No mesmo texto, ver também as páginas que antecedem a citação, isto é, pp. 108-115.

[15] Cf. Ortiz (1994: 27-29). “Como observa Claude Truchot, o inglês se caracteriza pela sua transversalidade, ele atua no interior de um ‘espaço transglóssico’ no qual outras expressões lingüísticas se manifestam. Ele ‘engloba todos os usos de caráter extranacional, mas apenas esses usos. O desenvolvimento de um espaço transglóssico não abole a função veicular das línguas locais, ele as setoriza’ (...). (...) As situações concretas irão determinar os domínios nos quais o inglês evolui; em alguns casos ele será preponderante (tecnologia, mídia e educação superior); em outros, estará ausente, ou terá um peso menor (família, religião e trabalho).”(Idem: 28/29).

[16] O recurso a topoi imaginários empregado aqui aproxima-se do procedimento de Fischer (1986) na abordagem dos processos de construção de identidades étnicas contemporâneas que se nutrem de material oriundo de lendas e sonhos.

[17] O King Ranch instalou-se na área de Presidente Prudente em 1953. Para a questão da atuação desta empresa fora dos Estados Unidos, ver Cypher (1995).

[18] Segundo os entrevistados, o cavalo Quarto de Milha é o mais adequado ao trabalho com o gado por sua admirável capacidade de explosão e por ser dotado de “cow sense”. Registro de trabalho de campo. Presidente Prudente-SP/1993.

[19] Registro de trabalho de campo. Presidente Prudente-SP/1993.

[20] Registro de trabalho de campo. Presidente Prudente-SP/1993.

[21] Nomes e calendário dos eventos: Jaguariúna Rodeo Festival - Jaguariúna, maio; Vale Rodeo Show - São José dos Campos, maio; Festa do Peão Boiadeiro de Americana - Americana, junho; Rodeio de Campeões - Presidente Prudente, junho; Rodeio Total Cowboy da Arena - São João da Boa Vista, julho; Festa do Peão de Boiadeiro de Adamantina - Adamantina, julho; Cowboy do Asfalto - Goiânia, agosto; Festa do Peão de Boiadeiro de Barretos - Barretos, agosto; Cowboy Forever Rodeo - Maringá, novembro; e Final do CNRC - São Paulo, novembro.

[22] Baudrillard (1982:166-184); Subirats (1989); Bauman (1994 e 1998).

[23] Cf. Revista Veja, v. 30, n. 15, 16 de abril de 1997, p. 44: “Alguns fazendeiros admitem que contrataram uma milícia armada para repelir eventuais invasores. No Pontal, eles se cotizaram para montar uma equipe de seguranças, com ex-PMs contratados por R$1.000,00 mensais. Eles patrulham as fazendas à noite, armados com espingarda calibre 12 e revólveres 38.”