Estudos Sociedade e Agricultura

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Célia A. Ferreira Tolentino

Canudos no cinema e as metáforas da nacionalidade


Estudos Sociedade e Agricultura, 9, outubro 1997: 35-57.

Resumo: A partir de O Cangaceiro, filme de Lima Barreto de 1953, Deus e o Diabo na Terra do Sol, de 1964, e O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro, de 1969, ambos de Glauber Rocha, examinamos três formas de abordagem do cinema sobre a herança de Canudos. Não se trata da saga de Conselheiro e seus fiéis, mas das apropriações que se fizeram a partir do que Canudos representou para a história nacional, para a literatura e mesmo para o senso comum. Veremos que, tanto quanto há cem anos atrás, Canudos pode representar diversas e até contraditórias metáforas da nacionalidade e ser reclamado para legitimar distintos projetos de nação.

Palavras-chave: Cinema; identidade nacional; messianismo e cangaço.

Abstract: Canudos in the cinema and metaphors of nationality. On the basis of O Cangaceiro (1953), a film by Lima Barreto, and Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964) and O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro (1969), both by Glauber Rocha, we examine three ways of dealing with the heritage of Canudos. The issue is not the saga of Antonio Conselheiro and his followers, but rather the cinematographic appropriations of Canudos’ role in the nation’s history, in literature and even in every day life. We show that, in the same way as one hundred years ago, Canudos may represent various and even contradictory metaphors of nationality, and can be called on to legitimate different national projects.

Key words: Brazilian cinema; national identity; Messianism, cangaço.

Célia A. Tolentino é professora da Unesp/Marília.


Walnice Galvão, estudiosa da obra de Euclides da Cunha, observa em As formas do falso que “o homem do sertão sempre impôs dificuldades à consciência urbana e civilizada que sobre ele se debruça a fim de estudá-lo. A perplexidade de Euclides da Cunha, um exemplo, vinca Os Sertões do começo ao fim, numa trama de expressões ambíguas e antíteses marcantes.” (Galvão, 1986: 18-19). Segundo Galvão, o escritor dessa obra se divide entre o que entende ser o sertanejo “em geral, como tipo humano” e o sertanejo real. À visão idealizada corresponde a definição de que o sertanejo, é, antes de tudo, um forte. Ao homem real, ou com existência histórica, para usar os termos de Galvão, “essa admiração aparece mesclada de repulsa”. Esses dois aspectos ocupam lugar nos corações e mentes do país desde 1897, ano em que Canudos oferece matéria de primeira página para os jornais de todo o Brasil, como esta mesma autora aponta em sua pesquisa publicada em No calor da hora (1974).

Os estudiosos da literatura brasileira demonstram que, finda a Campanha de Canudos, o tema da guerra santa é reclamado para dar substância a diferentes projetos literários e políticos, revelando o sentimento contraditório que o povo de Antônio Conselheiro provocava nos contemporâneos. Canudos construía a metáfora da nacionalidade para o monarquista Afonso Arinos, a da nossa vendéia para os adeptos da recém-inaugurada República –cujos cérebros pensavam e às vezes escreviam em francês–, e não faltou quem a visse como o germen de uma comuna socialista, como Fábio Luz com o romance O ideólogo, publicado em 1903 (cf. Martins, 1978: 220). Canudos serviria ainda para afirmar a modernidade da capital federal contra os sertões do Brasil, mas ao mesmo tempo para oferecer elementos “autóctones” para a afirmação da nacionalidade brasileira, da raça mestiça, em oposição à influência estrangeira. Mas nada se compara ao êxito do relato de Euclides da Cunha com Os Sertões, que parecia emprestar substância não somente à literatura nacional, mas também, e sobretudo, à construção de uma identidade nacional, eterna busca, sempre acentuada em períodos de importantes transformações como nas últimas décadas do nosso século XIX.

O grande legado de Euclides da Cunha para a memória nacional, entretanto, é a idéia de que o sertão, com suas condições inóspitas, produzira um homem semibárbaro, forte mas desengonçado, cuja imagem o autor sintetizaria em um Hércules/Quasímodo. Núcleo de nossa raça em estado puro e não aperfeiçoado pela evolução, este sujeito bruto seria pleno do estágio místico que lhe renderia um fanatismo desmesurado:

O círculo estreito da atividade remorou-lhe o aperfeiçoamento psíquico. Está na fase religiosa de um monoteísmo incompreendido, eivado de misticismo extravagante, em que se rebate o fetichismo do índio e do africano. É o homem primitivo, audacioso e forte, mas ao mesmo tempo crédulo, deixando-se facilmente arrebatar pelas superstições mais absurdas (Cunha: 1987: 113-4).

O sertanejo, portanto, seria o núcleo original de nossa identidade, mas também a parte menos desenvolvida dessa mesma raça mestiça, conformada pela miscigenação de índio, português e negro, à qual sobraria força física e faltaria a força moral e psíquica. Ao contrário dos homens do litoral, que, mais frágeis, estavam plenos de “elementos de uma civilização importada”  (Cunha, 1987: 477).

Em consonância com as idéias naturalistas e positivistas de sua época, o pensamento de Euclides reverbera também na inteligência nacional de muitas décadas seguintes, chegando mesmo a contribuir para a composição de uma espécie de imaginário, do qual muito se alimenta nossa arte cinematográfica.

O cinema brasileiro ainda não nos brindou, com a saga de Canudos propriamente dita, uma promessa que deverá cumprir-se neste ano de 1997. Entretanto, o sertanejo na condição de jagunço, messiânico ou cangaceiro recebeu a mais destacada atenção da sétima arte brasileira e, como tentaremos demonstrar, a partir de idéias e questões que nos foram legadas desde o século passado. Estas se repetem na filmografia nacional como se apresentaram para a literatura de cem anos atrás, com a condição de legitimar os mais distintos projetos.

Examinemos o tema a partir de O Cangaceiro de 1953, dirigido por Lima Barreto, onde a “idéia” herdada a respeito de Canudos reverbera na forma da abordagem que o cineasta faz do sertanejo e do sertão –em oposição ao mundo urbano–, em Deus e o Diabo na Terra do Sol, de 1964, de Glauber Rocha, onde o messianismo e o cangaço são chamados para compor a metáfora do país rural tal qual se entendia nos idos daqueles primeiros anos 60 e, por fim, na segunda discussão do mesmo diretor, em O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro, de 1969, quando retoma a idéia das rebeldias sertanejas para examinar o malogro dos projetos coletivistas anteriores a 1964.

Canudos como matéria para o faroeste sertanejo

Galvão e Bernardet (1983) observam que o cinema brasileiro reivindica, desde os anos 30, o rural sertanejo, nordestino como sinônimo de nossa brasilidade, nacionalidade e especificidade. Para fazer o retrato do Brasil mais “puro” temos de lançar mão da nossa reserva intacta, colocada no sertão, pois as cidades estariam mescladas de elementos estrangeiros. Se os termos em pauta são tradição, bravura, folclore, o Nordeste comporta o que há de melhor. Mas, em se tratando de progresso, civilização, valores modernos –respeito à lei oficial, às autoridades estabelecidas, ao direito constitucional– é tudo que não deveríamos mostrar. Fala o gerente da Companhia Cinematográfica Brasileira, uma distribuidora de filmes, em 1928:

No dia em que pudermos mostrar o nosso farwest, já não dizemos o dos gaúchos (...) mas o do norte, com seus cangaceiros e os sertanejos que não levantam os braços ante o cano de um revólver, neste dia a nossa produção dominará o mercado mundial (...) (apud Galvão e Bernardet: 1983: 40).

“Sertanejos que não levantam as mãos diante de um cano de revólver” é uma referência ao filme de faroeste, onde o “mocinho” tem direito a render os infratores da ordem com o famoso: mãos ao alto! Já neste momento a produção cinematográfica americana era vista como o modelo de bom cinema pelos cinéfilos nacionais. Nosso cinema, pensavam, deveria reconstruir, como fazia Hollywood, a tradição brasileira composta de bravos e fortes. Mas o bravo brasileiro, ao contrário do vaqueiro ou bandoleiro do western, não deveria entregar-se nem mesmo diante de um cano de revólver, pensa o cinéfilo atento pois esse estado de bravura primitiva poderia salvar a cinematografia nacional e dominar o mercado mundial.[1]

Mas, dois anos antes desta fala elogiosa, uma crítica na revista Cinearte trazia a verborragia preconceituosa e indignada de um espectador brasileiro com imagens de negros e cangaceiros que circulavam em uma fita nacional:

Quando deixaremos desta mania de mostrar índios, caboclos, negros, bichos e outras avis rara desta infeliz terra, aos olhos do espectador cinematográfico? Vamos que por um acaso um destes filmes vá parar no estrangeiro? Além de não ter arte, não haver técnica nele, deixará o estrangeiro mais convencido do que ele pensa que nós somos: uma terra igual ou pior a Angola, ao Congo ou cousa que o valha. Ora vejam se até não tem graça deixarem de filmar as ruas asfaltadas, os jardins, as praças, as obras de arte, etc. para nos apresentarem aos olhos, aqui, um bando de cangaceiros, ali, um mestiço vendendo garapa em um purungo, acolá, um bando de negrotes se banhando num rio, e coisas desse jaez (Salles Gomes, 1974: 310).

O missivista racista considerava perigoso que uma imagem como essa fosse mostrada no exterior, pois desejava que nos apresentássemos ao estrangeiro como um país moderno e civilizado, admirador das obras de arte. Ou seja, os homens e elementos da terra até podiam ser o núcleo de nossa brasilidade, mas o eram em oposição às ruas asfaltadas, às obras de arte, às cidades, à civilização. Mas, o cinema brasileiro descobriria logo que, tal como o seu correlato americano, pode tornar tais imagens palatáveis ao espectador carente de modernidade e inseguro diante da vida nacional. A literatura já havia dado o exemplo de como transformar a “cor local” em um padrão importado. Agradaríamos a gregos e troianos, isto é, a modernistas e conservadores, se observássemos a lição literária e adotássemos no cinema um primitivismo mais civilizado pela técnica:

O jeca roto, imundo, grotesco da literatura é impraticável no cinema. Temos que atribuir ao nosso jeca o mesmo que Alencar aos seus índios. Nada de impaludismo, nem de penúria, nem de ignorância extrema, o jeca padrão cinematográfico há de ser sadio, robusto, heróico e nobre (apud Bernardet e Galvão, 1983: 37).

E o cinema descobriu logo que o filão das lutas sertanejas poderia render bons espetáculos sem criar arrepios no espectador. Tão logo se viu em condições de produzir o faroeste nacional, o cinema o fez desenhando nas entrelinhas o que havia feito Euclides da Cunha e todo sertanismo literário subseqüente: à primeira vista, o elogio endereçado ao núcleo da raça mestiça brasileira, composta de força e valentia; subliminarmente, a condenação que afirma o sertanejo circunscrito espacialmente ou num tempo histórico distinto e distante daquele que fala.

O Cangaceiro (1953), de Lima Barreto, é um grande exemplo desta premissa. O filme não tem a intenção de reconstruir a saga de Antônio Conselheiro, mas não rejeita a leitura popularizada sobre o movimento sertanejo. Lima Barreto, antes de realizar o filme pelo qual lutou bravamente nos estúdios da Companhia Vera Cruz, dizia com convicção:

Vou fazer o retrato sincero do Brasil em matéria de cinema (...) o mal do cinema brasileiro tem sido a pretensão de estrangeiros que nada conhecem da nossa terra, do nosso povo, dos nossos costumes (...) Eu sou o primeiro a saber que o que há de bonito e original no Brasil está da Bahia para lá. O sul já se contaminou de hábitos, da mentalidade e feição humana alienígenas (Lima Barreto, apud Bernardet e Galvão, 1983: 116).

E, com este cineasta, a sétima arte brasileira deu início ao faroeste nacional que, em consonância também com a literatura de 30, propunha-se a afirmar a dicotomia Nordeste/Sul sob a perspectiva da primazia cultural da primeira em oposição à supremacia econômica da segunda. Com Euclides da Cunha essa noção já era alimentada sob a oposição sertão/litoral. Para ambas as leituras, no primeiro estaria o autóctone, o original, e, no segundo, o que houvesse de estrangeiro, tanto na mentalidade quanto nos hábitos e costumes, além da constituição física. Essa noção perpassa o filme de Lima Barreto do começo ao fim e marca todo o filão dos filmes de cangaço, os chamados nordesterns, produzidos a partir do sucesso –inclusive internacional– deste filme. O bangue-bangue brasileiro, numa forma híbrida, trazia para as telas a herança formal dos westerns hollywoodianos, os dados mais pitorescos e cavalheirescos do relato do cordel e o diagnóstico de Euclides da Cunha sobre a vocação do mestiço para a luta e para a guerra. Como observa Ismail Xavier:

O filme de Lima Barreto é marcado por aquela visão etnocêntrica que olha para o ‘outro’ num impulso de sincera homenagem, mas a partir de uma distância que se denuncia a cada passo pelo próprio tom e pela forma como se organiza o discurso. (...) em O Cangaceiro o sertão é mundo fora da história, depósito de uma rusticidade quase selvagem que o progresso, vindo exclusivamente de fora, tende a eliminar. (...) Dele distante, o narrador procura marcar o abismo que os separa, pois faz questão de se instalar do lado de cá, no terreno da história, num presente que é civilização, por oposição a esse passado pitoresco mas definitivamente extinto (Xavier, 1983: 124-125).

Essa noção, propõe Xavier, explica a abertura do filme, onde se lê em letras brancas sobre um fundo negro, a seguinte inscrição: Época: imprecisa, quando ainda havia cangaceiros. Ou seja, o narrador desta história se coloca num mundo diferente e longínquo daquele que toma como tema, ao afirmar a impossibilidade de precisar a época. Entretanto, é fundamental lembrar que, de fato, o cangaço existiu até uma década antes da realização de O Cangaceiro, encerrando-se com a morte de Corisco, em 1940. Por que então tratá-lo como algo quase pré-histórico? Porque este filme, tanto quanto os demais produzidos daí por diante, fala de rural e do Nordeste a partir de um projeto de país que tem São Paulo como modelo: eleger o cangaço como uma ancestralidade, uma tradição bravia de nossa gente, se fazia interessante desde que distante na história. Não era assim que fazia Hollywood com o western, em cujo modelo cinematográfico O Cangaceiro se inspirava? Então, também o sertanejo em questão não é o sertanejo real, mas aquele amalgamado no imaginário nacional, desde Euclides da Cunha. Teria este antecedido o país civilizado.

Um outro aspecto do filme muito comentado pela crítica diz respeito aos erros sociológicos que saltam aos olhos neste trabalho de Lima Barreto, revelando que também o tratamento do tema guardou distância da matéria real. Por exemplo, nesta fita todos os cangaceiros se deslocam a cavalo, como os cowboys da cinematografia americana, quando a história mostra que os bandos raramente o possuíam e atravessavam vastas regiões a pé. Outros exemplos, ainda, desta inadequação são o aparecimento de um índio Caraíba em pleno cenário sertanejo e a presença de mata densa e rios caudalosos enquanto o discurso verbal dos personagens refere-se ao sertão árido.

Entretanto, entendemos que Lima Barreto não estava preocupado em buscar o sertão e o sertanejo em suas concretudes, mas em afirmar, como já o fizera a literatura nacional, uma ancestralidade de bravura em nossos supostos as-cendentes. Uma invenção da nossa tradição, do cerne da nossa “raça”, uma negação do passado estrangeiro. Assim como fomos herdeiros dos índios de Alencar, dos caboclos no regionalismo de 20 e 30, seríamos do cangaceiro na leitura do cinema brasileiro, que de 1927 a 1969 faz 25 filmes sobre o tema. É certo que entre estes trabalhos se encontram documentários, tentativas de leituras mais fiéis ao cangaço real, apropriação do cangaço como alegoria e mesmo paródias dos filmes mais famosos. E tal como Hollywood reinventava a tradição do homem americano através do faroeste, tornando pitoresco e palatável o violento processo da expansão da fronteira agrícola nos Estados Unidos, o filme de cangaço suprimia as implicações sociológicas e mantinha o caráter aventuroso, cavalheiresco e espetacular da violência gerada pelo braço armado das disputas familiares e coronelistas nordestinas.

O cinema comercial muito se embeberia destas premissas tomadas em O Cangaceiro e continuaria propagando filmes nesta linha. Que o diga a refilmagem deste clássico do nordestern nacional, neste ano de 1997. Neste último, composto de uma espécie de “lixo” do imaginário cinematográfico nacional, isto é, feito do que há de mais estereotipado na tradição do bangue-bangue tupiniquim, não falta sequer a presença do movimento messiânico, que, tanto quanto os cangaceiros e retirantes, passeia por este filme enquanto fruto telúrico, broto de um tempo atrasado, anterior ao progresso. A ignorância, associada à miséria seria a responsável pelo despotismo e pela barbárie, reza O Cangaceiro de 1997, muito mais grandioso e menos interessante que o seu correlato de 1953.

Mas, com o cinema politizado dos primeiros anos da década de 60, Canudos seria reabilitado, juntamente com o cangaço, invertendo quase que completamente esta leitura que coloca o Nordeste como excluído da nação real. Seria com Glauber Rocha que o movimento messiânico de Monte Santo e Cocorobó se inscreveria sob a tarja heróica da rebeldia primitiva, como uma prévia demonstração da nossa capacidade de luta e inconformismo. E, para examinar os caminhos da consciência revolucionária, este cineasta recria a saga de Conselheiro na pele do Beato Sebastião, no filme Deus e o Diabo na Terra do Sol, uma das maiores obras da cinematografia brasileira e mundial.

Canudos como a nossa consciência mais insurrecta

A intenção inicial de Glauber Rocha para Deus e o Diabo na Terra do Sol era a de fazer um filme que dialogasse com os movimentos sociais dos primeiros anos de 60 e indicasse os possíveis caminhos para a inconformidade e consciência política do homem brasileiro. O movimento messiânico e a ordem do cangaço seriam formas de rebeldias primitivas originárias em solo nacional, e estudá-las seria necessário para entendermos elementos importantes dessa possível consciência sertaneja, que muito já teria incomodado os poderes estabelecidos. Tema que, como vimos, era questão nodal naqueles dias politizados em que o projeto de socialismo parecia uma via possível para o futuro da nação. E Glauber Rocha diria sobre este filme, numa entrevista a Raquel Gerber, em 1973:

O Deus e o Diabo é uma metáfora revolucionária num plano mais totalizante, mais universalizante, quer dizer, do sertão para o mar, do mar para o mundo, quer dizer, (...) uma liberação do inconsciente do camponês do Terceiro Mundo através dos seus fantasmas mais expressivos (apud Gerber, 1991: 27).

Ou seja, na interlocução com os agitados embates do período, quando a idéia de reforma podia equivaler-se à de revolução, e a questão da consciência política era um ponto fundamental na aliança com o povo, o filme de Glauber tomava o campo da tradição nordestina e os seus mitos como forma de valorizar os elementos particulares nacionais e submeter a eles a universal consciência revolucionária. A intenção era chegar a um cinema político, poderoso na força provocativa, desconsiderando a reconstrução dos eventos históricos na linha do espetáculo tipicamente comercial, por exemplo de O Cangaceiro, trazendo para a tela só os dados cruciais que organizassem a história. Um cinema revolucionário que fustigasse as elites, questionasse o espectador e apresentasse para o colonizador imperialista o espetáculo da violência conseqüente do colonizado.

O sertão nordestino construía a alegoria da nação, pois, como outros cineastas do período, Glauber desejava “diagnosticar” o país na sua totalidade e fazia, como observam os estudiosos, uma metáfora totalizante. Ao acompanhar a trajetória do vaqueiro Manoel e sua mulher Rosa, Glauber sugeria que acompanhávamos a vida nacional.

Este é o ponto de partida. Um pobre vaqueiro nordestino, acabrunhado com a morte de uma rês, encontra uma procissão de beatos e deixa-se impressionar por ela, como denuncia a seqüência em que relata o acontecido à sua mulher:

Rosa, vi o Santo Sebastião. Ele disse que ia vim um milagre e salvá todo mundo... Tinha uma porção de gente atrás dele. Os fiéis tudo cantando e rezando e...

Entendendo que o encontro com o beato é um sinal dos céus diante da sua desgraça, o vaqueiro supõe que algo de extraordinário aconteça em sua vida. Uma das possibilidades é a de poder realizar o sonho de comprar a sua própria terra e deixar de ser parceleiro de Coronel Moraes. No fim da semana Manoel tem de fazer a partilha do gado com o proprietário, e é na feira onde esta atividade se realiza que ouvimos um cantador contando mais sobre o beato Sebastião e a forma como o seu mito se espalhou pelo sertão:

Sebastião nasceu do fogo / no mês de fevereiro / anunciando que a desgraça / ia queimar o mundo inteiro / mas que ele podia salvar / quem seguisse os passos dele / que era santo e milagreiro

Segundo reza a canção, Sebastião nasceu da seca e da possibilidade vislumbrada de agravar ainda mais no sertão a vida dos homens pobres e dependentes. É a eles que estaria convocando para seguir-lhe os passos, rumo a alguma salvação. E, como veremos, a sua prédica, colada aos problemas imediatos, às desgraças da vida do sertanejo pobre, oferece como compensação um reino dos céus onde abundariam a fertilidade e a comida, um paraíso feito de fartura, para compensar a fome e a privação.

Manoel dirige-se ao curral do patrão para fazer a partilha da safra. Aproxima-se respeitoso, chapéu na mão e explica ao Coronel que morreram quatro vacas mordidas por cobra. O proprietário então decide que o vaqueiro não tem nenhum direito à partilha, pois as quatro cabeças que lhe cabiam teriam sido as que morreram. Manoel revolta-se, e o proprietário considera insolente a sua atitude diante da autoridade patriarcal, descendo-lhe o chicote. Humilhado e ofendido, o vaqueiro mata o patrão num rompante de revolta.

Para a interlocução com o pensamento político do período, a atitude de Manoel teria sido um lampejo de consciência da sua própria exploração, que forjaria um princípio de ruptura com a ordem coronelista opressora. Entretanto, podemos dizer que Manoel reage, para além do roubo que está sendo vítima, à honra atingida, por ser espancado como um animal ou como um escravo, ponto importante para aqueles que se entendiam homens livres no sertão. Aliás, contrariamente à tese da consciência política, Manoel conclui que está certo de que a mão de Deus o estaria guiando para junto de Sebastião, ainda que pelos tortuosos caminhos da desgraça. É assim que o vaqueiro explica, de uma perspectiva mágica, o rumo dos acontecimentos. Rumo natural, uma vez que inerente às coisas que organizam a sua vida, condicionado fundamentalmente por sua situação de homem dependente de proteção, como dita o coronelismo vigente nestes anos dos quais o filme trata: agora não tem outro jeito, senão ir pra Monte Santo pedir Sebastião para proteger a gente, diz Manoel a Rosa.

Na tela, a apresentação do Monte Santo é gloriosa, com as imagens dos estandartes tremulantes, da vista do alto do morro, do conjunto de fiéis em transe com a prédica de Sebastião. O discurso do beato se compõe de uma fusão de várias prédicas que acompanharam os movimentos milenaristas e sebastianistas que, desde Canudos, reaparecem de tempos em tempos nos sertões. O pregador promete aos fiéis um mundo de fartura, vindo dos céus, numa ilha onde todos terão acesso à terra fértil e à glória de Deus:

Foi Dom Pedro Alves que descobriu o Brasil e fez a escada de pedra e de sangue. Esse caminho do Monte Santo leva até o céu o corpo e a alma dos inocentes. Andei no meio do povo, em mais de cem lugá dizendo que o mundo ia acabá nesta seca com o fogo saindo das pedra. Os prefeito, as otoridade, os fazendeiro dissero que eu estava mentindo e que o sol era culpado das desgraça. Mas no ano passado, eu disse que ia secá cem dia e ficô cem dia sem chuvê. Agora eu digo: do lado de lá deste Monte Santo existe uma terra onde tudo é verde. Os cavalo comendo as frô e os menino bebendo leite nas água dos rios. Os hôme come pão feito de pedra, e poeira da terra vira farinha. Tem água e comida, tem fartura do céu todo dia. Quando o sol nasce, aparece Jesus Cristo e a Virgem Maria. E o meu Santo Sebastião, todo cravado de flecha no peito.

A retórica de Sebastião, tal como a dos beatos de Pedra Bonita, Caldeirão Grande e Canudos, oferece um mundo restaurador à fome e ao desamparo do camponês pobre. A inspiração, certamente, vem da prédica do Conselheiro, relatada pela população de Monte Santo e Cocorobó ao próprio Glauber: “O Conselheiro? ... Ele queria fazer o leite correr nos rios e partir o cuscuz nas paredes dos montes...” (apud Gerber: 1982: 195). Idéias de reparação que Antônio Cândido nota nos causos da escatologia caipira brasileira, que também recorrem aos bons assados para o dia do apocalipse, quando, ao contrário dos ricos, os pobres se fartariam (Cândido: 1982: 197-198). Reparação que o historiador Robert Darnton observou no universo cultural dos camponeses franceses através de suas fábulas –que dariam origem aos chamados contos infantis–, nas quais os heróis tinham como prêmio máximo um farto banquete. Na raiz destas compensações, explica o historiador, estariam justamente a fome e as constantes privações da comunidade camponesa européia de alguns séculos atrás (Darnton, 1986: 21).

Neste sentido, Deus e o Diabo se mantém fiel à forma tomada pelo catolicismo popularizado, que se encarregava de dar “sentido” às privações camponesas. As comunidades de rezadores, em geral, arrebanhavam os já expulsos das fazendas e acabavam recriando uma organização societal liderada por um grande e poderoso senhor, que também exigia fidelidade e sacrifícios absolutos em troca da felicidade, de um reino de fartura. Assim como a prédica da Igreja Católica conseguia constituir-se em pregação ideológica adequada ao modelo patriarcalista, louvando a obediência à hierarquia, o sacrifício, o apego à pobreza e a compensação no reino dos céus, conforme observa Novaes (1987), a versão popular também reforçava um poder central, o respeito à hierarquia e o direito de vida e morte sobre os comandados. E o beato de Deus e o Diabo, que recebe a mais devota adesão de Manoel, mostrará sua face autoritária e enlouquecida quando andar pelos vilarejos espancando prostitutas, exigindo penitências desumanas dos seus seguidores e, chegando ao paroxismo, sacrificar uma vida humana em nome da purificação das almas. O Santo mostrará seu lado diabólico em nome de Deus.

O que era êxtase vai convertendo-se em delírio, até culminar com o sacrifício de uma criança, cujo sangue deveria “limpar” Rosa, a mulher de Manoel, que se recusa a crer em Sebastião, das impurezas do ceticismo. Incrédula, separada de Manoel, rejeitada pelos beatos em transe místico, esta mulher mata o rezador no mesmo momento em que o jagunço Antônio das Mortes, contratado por fazendeiros e pela Igreja, acaba com todos os fiéis. Não há resistência, e o povo crédulo tomba rezando e cantando feliz, como relata, impressionado, o matador. E Manoel e Rosa, poupados por Antônio das Mortes, voltam outra vez para o ponto de onde partiram: sem a comunidade de Monte Santo e o pai protetor –na figura de Sebastião–, são pobres desamparados no sertão, como mostra o cantador:

Da morte do Monte Santo / sobrô Manoel vaqueiro / por piedade de Antônio das Mortes / matadô de cangaceiro.

Manoel e Rosa são conduzidos por Cego Júlio, o cantador que conta esta história, em direção ao bando de Corisco, que se esconde no meio da caatinga junto às ruínas da comunidade de Canudos, aqui expostas de modo a lembrar a história de Antônio Conselheiro. E o cantador anuncia:

A história continua / preste mais atenção / andô Manoel e Rosa / nas veredas do Sertão / até que um dia / pelo sim e pelo não / entrô na vida deles / Corisco, o Diabo de Lampião.

Ou seja, a história não acabou. Assim como ao mito do Conselheiro justapõe-se o de Lampião e Corisco, nossa narrativa se prepara para justapor novos fatos à trajetória de Manoel, que depois de penitente do Monte Santo se acha devolvido ao sertão na sua condição primeira, a de vaqueiro, como mostra o cordel. E é nessa condição que Manoel se deparará com a outra revolta possível ao camponês pobre no sertão nordestino: a rota do cangaço, pequena variação da mesma matéria, pois terá outra vez um senhor poderoso, imbuído do poder da luta e exigindo fidelidade absoluta, tal como o pediam Sebastião e também Coronel Moraes.

Manoel, ainda tocado pela experiência de beato, toma Corisco por São Jorge, o santo vingador do seu padrinho Sebastião. Aderirá ao cangaceiro na intenção de vingá-lo: — Capitão Corisco, eu queria entrá para o cangaço. Podia ser um cabra bom na ajuda dessa guerra. Não tenho o que fazê. Podia vingar meu Padrinho Sebastião, não foi o governo dos coronel que matou ele também? E aí se explicitam o inimigo comum, que acabara com Lampião e com os beatos, e a vingança de honra, que também está no horizonte do matador.

Como observamos em um trabalho anterior, “o caminho dessa guerra até fala de uma questão maior, de um opressor maior, mas declina sempre para um ponto pessoal, inscrevendo este discurso numa circularidade que é marcada pela ação dos personagens e movimentos de câmara” (Tolentino, 1993: 77-78). Circularidade esta que denuncia a volta constante ao ponto de partida e a impossibilidade de encaminhar os conflitos para mudanças qualitativas, como desejava Glauber e os politizados da época. À medida que as questões conflitantes voltam a inscrever-se no campo da dominação tradicional, lealdade e honra são os móbeis destas lutas, intransferíveis à classe, porque pessoais.

No primeiro assalto a uma fazenda no qual Manoel participa, Corisco exige que o vaqueiro troque o crucifixo ao qual se detém por um facão e, na seqüência, castre um homem para completar seu batismo de sangue no cangaço. Manoel cumpre o determinado, mas a gravidade do ato, que é acentuada pela trilha sonora, leva-nos a questionar, junto com ele pouco depois, a validade dessa ação. E será na seqüência, quando Corisco esfola vivo um homem, cobrando o fato de o pai deste o ter ofendido ainda na infância, que o vaqueiro perguntará desesperado: — Só se pode fazer justiça no derramamento de sangue? E o chefe cangaceiro: — Homem neste mundo só tem validade quando pega nas armas pra mudá o destino...

Mas como fazer Manoel tornar-se senhor do seu próprio destino, abandonando os pais protetores e cuidando de sua própria vida? Pois, toda vez que sua experiência chega no limite máximo do conflito, ele se vê de novo na condição de vaqueiro pobre e sertanejo. Ou seja, há sempre um movimento cíclico devolvendo-o ao ponto de partida, porque o sertão e suas “leis” se impõem com força e não avançam politicamente a experiência de Manoel. Ele, que passou de um senhor a outro, voltaria a ser o vaqueiro à procura de um protetor depois do fim de Corisco se o filme não resolvesse concluir pela realização da profecia de Antônio Conselheiro. Ouvimos do cantador:

Tá contada a minha história / verdade, imaginação / espero que o sinhô / tenha tirado uma lição / que assim mal dividido / esse mundo anda errado / que a terra é do homem / não é de Deus nem do Diabo / e o sertão vai virar mar / o mar vai virar sertão.

Vejamos que o poeta e cantador de cordel encerra a história devolvendo Manoel para a concretude dos fatos. Mas, quando nos preparamos para tomar como encerrada a narrativa, o próprio cantador retoma a esperança do Conselheiro, avisando que a profecia está dita e assim deverá ser: o sertão vai virar mar, e o mar vai virar sertão. E enquanto desfia esta prédica, repetindo-a como refrão final da sua cantoria, o futuro apocalíptico se encontra com a utopia da história e converte-se em possibilidade, e o mar invade a caatinga no final grandioso de Deus e o Diabo na Terra do Sol.

Canudos como nossa rebeldia descolonizada

Se em Deus e o Diabo Glauber examina os caminhos da consciência histórica e da práxis revolucionária, em O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro inverte esta perspectiva para pensar o levante “das forças irracionais, das massas pobres”. Tomando as manifestações místicas e cangaceiras, Glauber, ao contrário da tese anterior, iria afirmá-las como a verdadeira forma de resistência “descolonizada”, porque incompreensíveis à razão que, mesmo revolucionária, revelava-se dominadora. A razão seria colonizadora e imperialista, como o desenvolvimento, que domina o homem pelo consumo, conforme afirma a estudantes norte-americanos em 1971:

Os sistemas culturais atuantes, de direita e esquerda, estão presos a uma razão conservadora. O fracasso das esquerdas no Brasil é resultado deste vício colonizador. A direita pensa segundo a razão da ordem e do desenvolvimento. A tecnologia é ideal medíocre de um poder que não tem outra ideologia senão o domínio do homem pelo consumo. As respostas da esquerda, exemplifico outra vez no Brasil, foram paternalistas em relação ao tema central dos conflitos políticos: as massas pobres. (...) / A razão de esquerda revela-se herdeira da razão revolucionária burguesa européia. A colonização em tal nível, impossibilita uma ideologia revolucionária integral... (apud Pierre, 1996: 135-136).

Podemos dizer que Glauber ainda está tentando entender o fracasso da revolução socialista no Brasil e parece desconfiar que importamos reificadamente algumas idéias e deixamos de submetê-las ao chão histórico nacional. Daí a noção de que a nossa esquerda se inspirara na razão burguesa européia ao pensar o desenvolvimento como caminho revolucionário. Então, parecia haver um projeto social a ser descoberto em nossa própria casa, pois, ao contrário da revolução burguesa, tínhamos na história grandes levantes populares como Canudos e o fenômeno do cangaço – que na sua leitura fora uma luta de meio século contra o governo. E partindo desta constatação desloca o eixo central da luta de classes no Brasil, entendendo que o tema central dos conflitos políticos (são) as massas pobres, uma leitura que estende aos países colonizados daí por diante.

Em O Dragão da Maldade Glauber volta ao sertão com Antônio das Mortes e o coloca diante das forças sociais com as quais este matador se relacionava em Deus e o Diabo na Terra do Sol. A narrativa se inicia mostrando a quebra da tranqüilidade da cidade sertaneja de Jardim das Piranhas com a chegada de um grupo de beatos e cangaceiros que ocupa as suas ruas com bandeiras, estandartes, entoando e dançando uma espécie de cântico ritual. Liderando o grupo temos uma beata paramentada como Iansã, um negro vestido como Oxóssi ou São Jorge, um cangaceiro de nome Coirana, que nos trajes lembra Lampião ou Corisco. O conjunto concentra-se no meio da praça e põe de sobreaviso os mandatários da cidade. O cangaceiro Coirana assume a condução da ação, toma a palavra e discursa:

Eu vim aparecido. Não tenho família nem nome. Eu vim tangendo o vento pra espantar os últimos dias da fome. Eu trago comigo o povo desse sertão brasileiro e boto de novo na testa um chapéu de cangaceiro. Quero ver aparecer os homens dessa cidade, o orgulho e a riqueza do Dragão da Maldade. Hoje eu vou embora, mas um dia eu vou voltar. E, nesse dia, sem piedade, nenhuma pedra vai restar. Porque a vingança tem duas cruz. A cruz do ódio e a cruz do amor. Três vez reze o padre nosso, Lampião, nosso Senhor.

Coirana declara de saída que não está na luta em defesa de qualquer sobrenome poderoso, como na velha tradição do cangaço, e por isso não tem família, nem nome. Ao dizer-se movido pela fome e com ela mobilizador do povo pobre do sertão, parece sugerir uma nova prática para o banditismo anárquico, acrescentando uma conotação política à coragem, valentia e disposição implacáveis. Isso, para a interlocução da época, seria um foco invencível de guerrilha. E não faltou quem assim visse O Dragão da Maldade, em especial a crítica francesa, como observa Sylvie Pierre (1996). Mas, se aquela conjuntura dos finais dos anos 60 permitia essa leitura, uma análise do filme hoje revela que neste trabalho Glauber já anunciava o que seria a sua proposta futura no sentido de buscar as rebeldias primitivas como revolucionárias em si mesmas. Estas manifestações místicas e violentas, ao fugirem da racionalidade, fugiam do controle, tornavam-se intoleráveis, como se viu na história brasileira. Não era preciso destruí-las para conseguir uma consciência revolucionária, até porque o cineasta parecia desconfiar dela (o Professor, personagem que tenta intelectualizar a reivindicação dos beatos e cangaceiros de O Dragão, é um exemplo do imobilismo daqueles que só acreditavam nas forças classicamente dispostas). Glauber diria: “A razão dominadora classifica o misticismo de irracionalista e o reprime a bala. Para ela tudo que é irracional deve ser destruído, seja a mítica religiosa, seja a mística política.” (grifos do autor, apud Pierre, 1996: 136).

Coirana revela que está religiosamente indignado, pois, para ele, a pobreza e a fome encontram responsabilidade nos pecados do orgulho e da avareza dos homens ricos. Pecados que requerem uma ação destruidora, uma vingança organizada por amor e ódio, seguindo o rastro de Lampião, elevado à condição mítica de pai protetor. Diante da ameaça do cangaceiro e da invasão dos beatos, o delegado da cidade, preposto do velho mandatário, Coronel Horácio, desloca-se até a capital para tomar providências. E volta com Antônio das Mortes, o velho e agora aposentado matador de cangaceiros.

Antônio enfrenta Coirana num duelo cavalheiresco e teatral no centro da praça de Jardim das Piranhas. Em visível vantagem, Antônio das Mortes arranca o punhal das mãos de Coirana e o fere no peito, mas por intervenção da Santa não pode dar o golpe fatal. E enquanto Coirana desfia sua lenta agonia, mostrando toda a sua saga de exclusão, que incluiu ter trabalhado como escravo nos sertões de Mato Grosso, Antônio faz uma profunda reflexão sobre sua vida, tocado pelo olhar incisivo da beata, deflagrando o seu processo de arrependimento e conversão. Para os nossos olhos seu autoquestionamento se dá por caminhos místicos, inspirados pelo olhar condenatório da beata. Mas podemos dizer que há nas entrelinhas uma pergunta mais profunda: em nome de que ou de quem estava atuando até então? Antônio parece acordar para o fato de ser tão deserdado quanto os místicos e cangaceiros. Não tem clareza dessa questão, mas assim a explica ao delegado: Depois que eu vi aquela gente de perto eu senti uma coisa como nunca senti na vida... E o coração tem coisas que não se explica, doutor.

Para alguns estudiosos, o filme sinalizava uma tomada de consciência de classe do matador, que até então lutara em favor dos ricos. Isso porque, na sua fala ao delegado, a quem devia o fim do ostracismo, observava que só agora sabia onde era o seu verdadeiro lugar. Por isso, passava para o outro lado e exigia do Coronel a abertura do armazém e das terras para os beatos famintos. E, diante de Matos estupefato, afirma que: Deus fez o mundo, e o Diabo, o arame farpado. Se o Coronel pecou, tem de pagar... Quer dizer, Antônio das Mortes assume o outro lado da luta, mas o faz a partir da prédica dos místicos. Desse modo, vemos que, mais do que qualquer consciência política, o velho matador assume a lógica do movimento messiânico que ali se instala. Afirmará mais adiante que seus negócios são com Deus e não com a política, deixando claro que se move por uma outra ordem de vínculos, que não os da consciência de classe, entendida classicamente. Mas, para o nosso narrador, move-se, entretanto, com grandeza e dignidade, ao contrário do Professor, que, sempre bêbado, ri com escárnio da situação criada pelos beatos e cangaceiros na praça da cidade.

Além disso, colocando esse pedido ao Coronel, atualiza a tática cangaceira de estabelecer exigências para a realização ou não dos ataques. Isto é, restabelece o campo dos pactos de honra. Sabendo que o velho não o cumprirá, terá pretexto para atacá-lo, como manda a tradição. E podemos dizer que este campo da honra se desenha com clareza quando Matos faz uma contraproposta ao matador: abriria os armazéns e as terras e, de quebra, ainda lhe arranjaria uma fazendinha, desde que matasse o velho coronel. E Antônio: O senhor é um homem letrado, mas minha ignorância tem vergonha. Eu só vou matar o coronel se ele não atender o meu pedido. Ou seja, o coronel terá de demandar a ação de Antônio, quebrando e afrontando a linha por ele estabelecida. Horácio assim o fará; não abrirá os armazéns e mandará matar todos os beatos.

E o massacre se efetiva, só restando Negro Antão e a Santa. O Professor, que até então não tomara a sério a presença dos beatos e a possibilidade de um ajuste de contas, ao inteirar-se do acontecido, entra em desespero, e, às costas de Negro Antão, espanca-o afirmando a sua culpa passiva pelo trágico desfecho. E aqui o Professor (alter ego de Glauber?) mostra sua relação de amor e ódio ao povo e sua compreensão do mundo. Por que essa mesma massa mobilizada para rezar não se levanta em armas, não cumpre o prometido de Coirana de não deixar pedra sobre pedra? E aponta para a sensação de que os conflitos na vida nacional parecem obedecer a uma estrutura circular e repetitiva, tanto na cidade quanto no campo:

Eu vou embora, negro, eu vou voltar pra cidade, vou voltar pra cidade! Vou encontrar a mesma desgraça, negro! E vou ficar girando, girando, apanhando, sofrendo, sofrendo, apanhando e sofrendo... Brasil, Brasil, Brasil...

Numa profunda depressão, sentindo-se impotente diante da desgraça, o intelectual tenta deixar Jardim das Piranhas, indo para uma grande rodovia na intenção de conseguir uma carona com os caminhões, que passam apressados. Ficará aí até ser resgatado por Antônio das Mortes, que o devolve ao cenário da luta, numa sugestão de que o embate ainda não chegara ao fim.

No centro da praça, o velho proprietário convoca o matador para o ajuste final com ele e seus jagunços. E lembra a Antônio que ele fora contra Lampião e Antônio Conselheiro, mas é feito da mesma fibra destes sertanejos. E assim traz efetivamente o confronto para o terreno da honra e reforça que Mata-Vaca, o jagunço contratado para matar os beatos, não é só um braço armado, mas um protegido que está disposto a lutar por ele até a última gota de sangue. A situação está assim disposta, os guerreiros de honra em lados opostos, quando o Professor revela ao Coronel a sua aliança com o velho matador. E, interessantemente, ele a faz no mesmo sentido dado por Coirana: Coronel, está chegando a hora. Agora a cidade vai começar a enxergar... Sabe quem tá falando? É um homem que nunca derramou sangue de ninguém mas está disposto a derramar o sangue dele para vingar a metade deste sertão injustiçado. É conforme as palavras da Bíblia: olho por olho, dente por dente. Ou seja, ao contrário do que dizem Sylvie Pierre (1996) e Amengual (1991), a aliança do Professor com Antônio não lança uma perspectiva revolucionária no sentido marxista à luta de ambos. Podemos dizer que, ao contrário, é o intelectual que entende que a vingança tem em si mesma um sentido revolucionário à medida que efetiva as revoltas e as ações. Isso não impede que o velho proprietário sinta-se muito mais temeroso diante da sua figura do que da do velho inimigo, que luta nos mesmos termos. Por isso o acusa de ser o Anjo da Peste, uma besta-fera das novas propostas, vindo da cidade para semear a idéia de destruição. Antônio também entende que a força das idéias do intelectual são de maior valia do que a sua força bruta. Muito embora talvez isso só se desse depois que Jardim das Piranhas expurgasse as velhas bases do mandonismo local. Aí sim, as novas idéias seriam úteis para implantar e entender as transformações e com elas um inimigo bem mais complexo e inatingível do que o decrépito Coronel Horácio.

Um tiroteio entre Antônio e Mata-Vaca inicia a luta, cheia de lances típicos dos filmes de faroeste, resultando na morte de todos os jagunços e vitória do matador de cangaceiros. Entretanto, o último lance fica por conta de Antão e a Santa, que, montados num cavalo branco, reencarnam o mito de São Jorge, matando o Coronel ao cravarem uma grande lança em seu peito. Depois disso seguem rumo ao crepúsculo, acompanhados do padre da cidade, que simbolicamente carrega um rifle ao ombro. Mas para onde vão? Segundo o filme, para os fundões do sertão... Enquanto isso o Professor, preocupado com seus próprios desejos, volta-se para a agonia da sensual amante do Coronel, que, atingida por um tiro, morre em praça pública.

Finda a luta, Antônio das Mortes, melancolicamente, caminha em direção ao horizonte na movimentada rodovia que se avizinha de Jardim das Piranhas, tendo ao seu lado um posto de gasolina onde se vê um luminoso com a concha da Shell, lembrando que há outro dragão feroz rondando a pequena cidade sertaneja: o dragão da modernidade, cuja destruição não poderá ser efetuada por ele. O monstro, como observa Pierre (1996: 256), “tem cabeças ainda mais desumanas que o antigo e tradicional patriarcalismo agrário”.

A herança de Conselheiro em três atos

Para Paulo Emílio Salles Gomes, os brasileiros do Sul, desde Euclides da Cunha, tomam o Nordeste como composição de um imaginário de nacionalidade justamente porque nesta região do país encontramos o que precisamos para conformar uma tradição:

O folclore nordestino, emanação das condições sociais retrógradas, conserva uma enorme vitalidade, inclusive e sobretudo para os sulistas, que tiveram suas tradições populares devoradas pelo progresso. Amar o norte é uma das maneiras que o paulista encontra de se sentir efetivamente brasileiro (Paulo E. Salles Gomes, apud Bernardet e Galvão, 1983: 219).

Não deixa de haver, portanto, por parte do Sul, uma afirmação de avanço modernizador em oposição ao Nordeste e sua manutenção de expressões do atraso. À medida que se decretam definitivamente extintas as tradições populares das regiões mais avançadas do país, decreta-se também o fim dos seus elementos formadores. Para os sulistas, as suas expressões “arcaicas”, ou expressões do atraso, já teriam sido superadas. Isto é o que vai nas entrelinhas de O Cangaceiro, sugerindo que o sul, que faz cinema, precisa da cultura nordestina como ornamento ou belos roteiros. O sertanejo que não levantava a mão diante de um cano de revólver, constituía a nossa superioridade, desde que localizado num tempo distante e superado. Mas, fundamentalmente, nós nos sentiríamos mais nacionais ao tomarmos estes bravos como nossos cavaleiros andantes, tal como fizera o cinema americano com o vaqueiro do oeste. Uma metáfora que fala ao discurso modernizador desenvolvimentista destes anos 50, quando o país parecia querer passar a limpo os velhos traços de sua tradição agrarista.

Mas o mesmo Nordeste forte e bravo torna-se ele próprio o país real nos primeiros anos de 60, sob a proposta do movimento de cultura popular e politizada deste período. O sertanejo ou o homem pobre rural nordestino, o mesmo que não levanta a mão diante de um cano de revólver, converte-se no protótipo do homem brasileiro: a sua extrema miséria seria apenas econômica, porque aí se desenhava a nossa consciência mais insurrecta, fundada nos valores da força e lealdade. Não só pelo filme que analisamos, mas também porque o rural nordestino é o tema da nossa melhor filmografia destes anos: Vidas Secas, Os Fuzis, Cabra Marcado para Morrer, Vereda da Salvação, O Pagador de Promessas, entre outros. Aqui a vida coletivista da comunidade sertaneja falava à nossa utopia socialista: era o sertão e suas lutas como metáfora da revolução.

É pensando a partir desta perspectiva que Glauber observa no sertão pecuário os condicionantes que levam um pobre agregado a buscar, depois de ter matado o coronel para quem trabalhava, o messianismo e o cangaço. O filme politizado tenta o tempo todo racionalizar a visão de mundo deste homem, para quem a mão de Deus o conduzia ainda que pelos caminhos da desgraça, matando o líder messiânico e o chefe cangaceiro que lhe davam alguma proteção, mas que, ao final, reproduziam a mesma forma de dependência que ele mantinha com o patrão, impedindo a sua visão transformadora da história. Neste caso, o misticismo e a violência anárquica impediam a consciência política e o avanço das lutas de classe.

Entretanto, para o filme de 69, o cineasta parece querer redimir-se do fato de ter desencantado a Weltanschauung de Manoel. E volta para afirmar-lhe os mitos que lhe ofereciam forças para lutar, pois, entende que devia haver alguma positividade numa metafísica que conduz a ações efetivas. Além disso, a história provara que a clássica razão revolucionária não funcionava a nosso favor, e o fim dos mitos nos converteria, juntamente com Manoel, à condição de simples relegados da história mundial, tristes índios latinos, colonizados na periferia do mundo.

Talvez pudéssemos dizer que em O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro Glauber faz uma outra metáfora revolucionária através de uma elegia ao mundo sertanejo e à lógica peculiar com a qual estes homens compreendiam a história, tal como pôde comprovar ao coletar dados no ano de 63 sobre Corisco e Conselheiro em Monte Santo e Cocorobó para a realização de Deus e o Diabo. Nas suas memórias, escreve como que pensando segundo o raciocínio dos seus informantes:

E Deus criou o mundo, e o Diabo, o arame farpado; e Deus é o povo, e o Diabo é a usura. Pergunte o senhor a um cego de feira, que melhor canta para menos sofrer, e a viola responde feroz falando de uma guerra antiga que começou com a revolução dos anjos. E quem era Moreira César senão a desgraça do Governo, o Diabo da República, contra a Cidade Santa de Canudos? E quem era Delmiro Gouveia senão Deus contra as forças do Diabo na cachoeira de Paulo Afonso, comido no fogo dos latifundiários? E quem era o Pajeú, e quem era o Juca Villa-Nova, enriquecendo da fé dos pobres? E de quem é o sol, a fome, o denso passado de Cocorobó e Monte Santo? (apud Gerber, 1982: 198).

Quando se pensa que haverá uma denúncia da propriedade privada e seus poderes extensivos, a condenação se faz no campo da religiosidade: o arame farpado como sinônimo de propriedade privada associado à usura, um dos sete pecados capitais. Quer dizer, a forma de conhecimento deriva sempre para este caminho circular que vai do real ao mágico e vice-versa. E deste modo fogem à explicação racional, ganham o terreno da religiosidade, do misticismo ou da poesia, como se vê neste filme que analisamos e no discurso que o cineasta faria daí em diante, buscando entender esta como uma lógica do Terceiro Mundo. Uma lógica irracional mas propulsora de ações efetivas: o sertão viraria mar, e o mar viraria sertão, repetia o cineasta depois de Conselheiro, se os deserdados da terra tivessem fé, mais do que consciência política. Sob esta tese, o Brasil era uma imensa República de Canudos. Mas de onde vinham as expedições do governo, então? Estas não pareciam ter o mesmo solo histórico, tanto quanto as forças que deram o golpe de 64.

Em resumo, para os modernizadores anos 50, Canudos é retomado como a tradição, aquela que se deve afirmar no passado para confirmar a nossa modernidade não muito convicta de si mesma. Para os primeiros anos 60, Canudos oferece a matéria-prima da nossa rebeldia histórica, aquela que deveria ser resgatada e reordenada sob a palavra de ordem da consciência de classe. No pós-64, quando todos acusam o agrarismo emperdenido de responsável pelo golpe que malograra os projetos coletivistas, Glauber volta a buscar o exemplo de Canudos para afirmá-lo como nossa reserva intata de revolta primitiva, aquela que não poderia ser controlada pela razão colonizadora.

Referências bibliográficas

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Ficha catalográfica dos filmes

O Cangaceiro / (1953, Vera Cruz, S.P.) / Direção: Lima Barreto / História e adaptação: Lima Barreto / Diálogos: Rachel de Queiróz, sobre os originais de Lima Barreto / Fotografia: Chick Fowle /Edição: Hafenrichter / Cenografia: Caribé / Música: Gabriel Migliori / Produção: Vera Cruz / Elenco: Alberto Ruschel, Marisa Prado, Milton Ribeiro, Vanja Orico.

Deus e o Diabo na Terra do Sol / (Rio de Janeiro, 1964) / Dir: Glauber Rocha/ Rot. Glauber Rocha, Walter Lima Jr., Paulo Gil Soares/ Arg. Glauber Rocha/ Fot. Waldemar Lima/ Montagem: Rafael Justo Valverde/ Música: Villa Lobos, Glauber Rocha, Sérgio Ricardo/ Prod. Luís Augusto Mendes, Jarbas Barbosa, Glauber Rocha/ Prod. Copacabana Filmes/ Elenco: Geraldo Del Rey, Yoná Magalhães, Maurício do Valle, Othon Bastos.

O Dragão da maldade contra o Santo Guerreiro / (1969, Rio de Janeiro) / Dir. Rot. Arg. cenografia: Glauber Rocha / Fot. Affonso Beato / Câmara: Ricardo Stein / Montagem: Eduardo Escorel / Música: Marlos Nobre, Walter Queiróz, Sérgio Ricardo, temas populares do nordeste / Elenco: Maurício do Valle, Hugo Carvana, Odete Lara, Othon Bastos, Jofre Soares, Lorival Pariz, Mário Gusmão, Rosa Maria Penna, Vinicius Salvatori, Emanoel Cavalcanti, Sante Scaldaferri, Conceição Senna, habitantes de Milagres e Amargosa.

 

Notas

[1] É famosa a história relatada por Euclides da Cunha a respeito do garoto-jagunço que tentara tomar a pulso a “matadeira”, um rudimento de metralhadora do exército brasileiro, apontada para o arraial de Canudos. Além da extrema altivez dos sertanejos que não abrem mão da fidelidade ao Conselheiro, mesmo diante da ameaça de decapitação. Tudo isso impressiona muito o escritor que, ao final do livro, acaba considerando bárbaro o morticínio promovido pelo exército brasileiro, em nome da República.