Estudos Sociedade e Agricultura

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Jacqueline Hermann

Canudos: a terra dos homens de Deus


Estudos Sociedade e Agricultura, 9, outubro 1997: 16-34.

Resumo: Um século depois do massacre de Canudos, a história de Antônio Conselheiro e do arraial fundado na fazenda Belo Monte continua fortemente marcada por duas expressivas correntes interpretativas. A principal delas teve como base o clássico de Euclides da Cunha, Os Sertões e se manteve dominante até a década de 1950. A outra, nascida nas décadas de 1960 e 1970 com as reivindicações por transformações estruturais da sociedade brasileira, fez de Canudos um movimento politicamente estruturado e tendo por objetivo a luta pela terra e contra o latifúndio. Este artigo pretende discutir as fragilidades historiográficas e documentais dessa última abordagem, analisando os suportes teóricos e ideológicos presentes na construção dessa versão que, não à toa, retoma toda sua força simbólica e paradigmática da luta pela terra no Brasil.

Palavras-chave: Canudos; luta pela terra; estudos da cultura.

Abstract: Canudos: the land of men of God. One century after the Canudos massacre, the history of Antônio Conselheiro and the community founded at Belo Monte farm is still strongly influenced by two expressive and interpretative currents. The more important was based on the classic Os Sertões of the author Euclides da Cunha and remained dominant until 1950. The other emerged in the 60’s and 70’s in the context of demands for the structural transformation of Brazilian society which reinterpreted Canudos as a well structured political movement having as its main objective the fight for the land and the struggle against large landowners. The purpose of this article is to discuss the historiography and documental fragility of this last approach, analyzing the ideological and theoretical basis of the construction of this version which gains its symbolic and paradigmatic strength from the fight for the land in Brazil.

Keys words: Canudos; struggle for land; cultural studies.

Jacqueline Hermann é professora visitante da UFRJ.


Introdução

Nos cem anos da destruição do arraial de Canudos, inúmeras publicações, debates, eventos e seminários voltam a colocar Antônio Conselheiro e seus estimados 20 mil seguidores na ordem do dia. O espanto diante da forma violenta empregada para debelar irmãos nordestinos tão despreparados, aliado ao mistério que há um século desafia estudiosos do Brasil e de várias partes do mundo quanto às verdadeiras motivações para a reunião dos sertanejos na Fazenda Belo Monte, fizeram com que o chamado movimento de Canudos recebesse variadas e, muitas vezes, contraditórias explicações.

Uma dessas tentativas de explicação, e provavelmente a mais recorrente, foi a que associou a luta sertaneja de Canudos à luta pela terra, contra o latifúndio e a opressão, transformando Antônio Conselheiro num líder dos sem terra avant la lettre. Nessa perspectiva, a atualidade dessa chave interpretativa tornaria o movimento sertanejo destruído pelas armas do exército uma referência obrigatória e secular da trágica história dos conflitos de terra no Brasil.

A base dessa avaliação progressista e explicitamente política para Canudos surgiu basicamente entre as décadas de 1950 e 1970, momento em que a ques-tão da terra e a necessidade urgente de uma reforma agrária tornaram-se bandeiras de luta da esquerda no Brasil. Exemplo mais conhecido dessa interpretação, o livro Cangaceiros e Fanáticos, de Rui Facó, entendeu que os movimentos messiânicos brasileiros foram estruturados contra o latifúndio e desenvolveram, implicitamente, uma postura revolucionária cuja via de expressão era a religião.[1] A repercussão deste trabalho foi notável e pode ser atestada pelas duas edições que o livro conheceu entre 1963 e 1965. Além disso, pode-se dizer que, depois do trabalho de Rui Facó, uma verdadeira escola deu continuidade a essa linha de argumentação, destacando-se, em 1978, o livro de Edmundo Moniz, A Guerra Social de Canudos e, mais recentemente, Marco Antônio Villa que em seu Canudos. O povo da terra conclui que “não houve anomia ou mera resistência às transformações econômicas, ao ‘progresso’, mas uma rebelião aberta e a esperança coletiva de construir um mundo novo, um mundo que fizesse sentido”.[2]

Vale dizer que esta versão para o sentido de Canudos apontou para uma análise oposta àquela que, indiscutivelmente, imortalizou a saga conselheirista, dentro e fora do Brasil, proposta por Euclides da Cunha no clássico Os Sertões. A célebre afirmação euclidiana de que o sertanejo é antes de tudo um forte se combinou à condenação do cruzamento racial responsável por uma raça incompleta e selvagem que teve na figura de Antônio Conselheiro seu exemplo mais nefasto, “documento raro de atavismo”.[3]

A hegemonia da explicação euclidiana durou exatamente até fins da década de 1950, quando as explicações sociológicas passaram a perceber o movimento a partir de seus aspectos positivos, em detrimento das interpretações condenatórias, herdeiras da conjuntura intelectual e política que envolveu o processo de substituição da monarquia pelo regime republicano no Brasil.[4] Nessa perspectiva, a positividade do movimento esteve inscrita na luta pela terra e na expectativa de mudanças significativas da estrutura política e social brasileira. Este artigo pretende refletir sobre alguns aspectos dessa corrente interpretativa, bem como discutir as relações entre religiosidade e política embutidas nessas interpretações.

“Saiu o que semeia a semear o seu grão...”

As análises que procuram ver Canudos e todos os chamados movimentos messiânicos brasileiros como expressões seguras da luta de classes no campo conferiram aos sertanejos uma politização acentuada e uma consciência razoável de seus projetos. No caso da destruição do arraial baiano, a ausência de qualquer “papel” que indicasse algum tipo de plano conspiratório, fosse ele monarquista ou progressista, não impediu o surgimento de inúmeras interpretações que ora apostassem em um lado, ora noutro, surgindo ainda uma terceira vertente que se ateve ao papel determinante da religião como base segura para a compreensão da formação do arraial e da impressionante resistência sertaneja.

O fato é que tanto a leitura monarquista, contemporânea à guerra, como a progressista conferiram sentidos que terminaram por justificar a necessidade do enfrentamento bélico e da eliminação dos ferozes subversivos liderados pelo Conselheiro. Se, no entanto, a confirmação da opção monarquista pelos conselheiristas não foi suficiente para comprovar uma conspiração restauradora, a corrente progressista em nenhum momento recuou de suas convicções, embora, até hoje, não tenha conseguido apresentar registros e evidências documentais que confirmem ou mesmo indiquem a elaboração de projetos definidos e estruturados. Essa linha de argumentação, bem como a que encontrou na “fuga” pela religião a explicação para suportar uma vida de infortúnio e adversidades, não conseguiram ultrapassar os limites dos modelos teóricos, ideológicos e políticos que informaram suas conclusões.

A primeira e até agora intransponível dificuldade para que possamos ter uma noção mais clara do sentido, ou dos sentidos, da organização do arraial e da resistência dos conselheiristas às tropas legais se encontra na escassez de documentos sobre aqueles homens e mulheres que se reuniram em torno do beato Antônio Conselheiro. Suas biografias indicam uma trajetória particular que dificilmente pode ser generalizada para o grupo que o seguiu.

Antônio Vicente Mendes Maciel nasceu na vila de Quixeramobim, província do Ceará, em 1828. Filho de um comerciante remediado, proprietário de algumas casas na vila, estudou português, francês e latim e assumiu os negócios falidos do pai depois de sua morte. Casou-se em 1857 e, liquidada a casa comercial paterna, chegou a lecionar português, aritmética e geografia, mas acabou se tornando caixeiro viajante. Sua vida seria, porém, completamente alterada pela vergonha sofrida com a fuga da mulher, amasiada com um militar. A partir desse momento, teria passado a vagar pelo sertão em busca dos traidores para vingar a desonra, dando início à vida errante que o notabilizaria no sertão. Passou a construir cemitérios, capelas e igrejas, para o que começou a reunir um número de ajudantes, e datam de 1874 as primeiras notícias sobre um estranho personagem que, no interior de Sergipe, dava conselhos, restaurava igrejas e era chamado de Antônio dos Mares. Preso em 1877, acusado de matar a mulher e a mãe, foi solto por falta de provas, após o que deu continuidade à vida errante que o levaria a fundar Canudos numa antiga e abandonada fazenda de criação, em 1893 (cf. Nogueira, 1978; Calasans, 1988).

A extraordinária vida do beato Antônio Conselheiro não só lhe conferiu um destaque em meio à comunidade em que vivia, como permitiu que seus detratores a usassem como prova de sua loucura e periculosidade. Nina Rodrigues foi um dos que procurou explicar a ‘loucura’ sertaneja como fruto do desequilíbrio mental do Conselheiro, “psicose progressiva (que) reflete as condições sociológicas do meio em que se organizou” (Nina Rodrigues, 1897: 4-5). Euclides da Cunha (1975: 138) o considerou uma “espécie de grande homem pelo avesso ... reunia no misticismo doentio todos os erros e superstições que foram o coeficiente de redução de nossa nacionalidade”. Foi portanto somente a partir do momento em que se tornou o inimigo número um da nação e da república, depois da morte do Coronel Moreira César na terceira expedição legal contra o arraial, em março de 1896, que Antônio Vicente Mendes Maciel, conselheiro, beato e santo para os sertanejos, transformou-se em chefe de uma horda de facínoras, líder fanático, subversivo, louco.

Por tudo isso, a história que nos foi legada sobre este personagem esteve durante muito tempo marcada por uma leitura extremamente negativa, embora amenizada pelo esforço euclidiano que fez do sertanejo um forte, passando para o pólo oposto depois das interpretações politizadas e progressistas de meados do século XX. Seja como for, e mesmo admitindo a dificuldade em encontrar uma terceira via para compreender a personalidade desse célebre sertanejo, provavelmente não conseguiremos mais resgatar “a verdadeira e original história” desse Antônio, cuja “imortalidade” foi certamente construída por seus algozes. O fato é que sua vida abre apenas uma pequena janela para que conheçamos um pouco melhor o cotidiano sertanejo na Bahia do final do século XIX. Abre ainda mais um espaço de possibilidades que de provas, já que até mesmo as pegadas ou os indícios deixados por seus seguidores são extremamente escassos.

O método adotado para o combate aos conselheiristas –o extermínio sumário sem qualquer esforço de comprovação das acusações de que eram vítimas–[5] e o espanto e a indignação provocados pela falta de evidência sobre a real periculosidade do grupo, certamente alimentaram o mistério e a curiosidade que envolve Canudos até hoje. Pouquíssimos foram os registros de sertanejos presos encontrados quando já estava em curso a quarta e última expedição contra o arraial. Dos nove relatos que pude localizar,[6] seis eram de homens e três de mulheres e apesar de curtos nos remetem a alguns aspectos importantes da vida desses sertanejos.

Dionísio dos Santos foi considerado por algumas testemunhas como pertencente ao grupo de Antônio Conselheiro e participante do “fogo travado contra as forças legais”. Preso numa fazenda de propriedade do Doutor José Gonçalves da Silva, morava lá com permissão do proprietário e segundo a mulher de Dionísio, também presa, Maria do Espírito Santo, o dono da fazenda sabia que o marido estivera em Canudos. Dionísio disse ser lavrador e ter seguido para Canudos pouco antes da segunda expedição, embora negue a participação no combate. Falando de onde viera, deixa claro que não tinha nem pouso nem trabalho fixo, instalando-se de maneira precária em cada localidade e deixando perceber que estava sempre pronto a buscar o que considerasse mais seguro e rentável. Perguntado por que resolvera se reunir “com um bandido como Antônio Conselheiro para se bater com as forças legais”, respondeu que “é porque nunca será contra a coroa de seu rei”.[7]

Além de Dionísio, Maria e Jacinto, sobrinho do casal, que afirmou ter vendido tudo que possuía para seguir para Canudos, os outros seis interrogados foram ouvidos nos dias 20 e 21 de julho de 1897. Estes últimos foram denunciados por Wenceslau Dutra, conhecido pela alcunha de Badulaque e acusado por todos os denunciados como “jagunço” de Antônio Conselheiro. Os seis sertanejos envolvidos por Badulaque eram lavradores, criadores e vendedores de gado, declararam já terem tido algum tipo de contato comercial com o arraial, e duas mulheres do grupo afirmaram que o padre Cordero y Martinez e o vigário do Cumbe, freguesia onde se localizava a fazenda Belo Monte, iam freqüentemente a Canudos. A incrível e ainda desconhecida história do padre Martinez, acusado de ser proprietário de uma fábrica de pólvora no interior baiano e fornecedor de munição para os conselheiristas, poderia iluminar alguns aspectos importantes do envolvimento de integrantes da igreja na luta sertaneja e, provavelmente por isso, o estudo de seu “processo” nunca foi possível, se é que ele não teve o mesmo destino do arraial.[8]

Além desses breves relatos revelarem a crescente integração do arraial na comunidade da qual fazia parte, tanto do ponto de vista comercial como religioso, apesar do esforço da Igreja em fazer com que Antônio Conselheiro aceitasse a nova ordem política, para o que enviou ao arraial o frei João Evangelista de Monte Marciano, em 1895,[9] eles tocam em aspectos importantes da vida desses sertanejos. A maioria era de lavradores, sem moradia ou trabalho fixo, que, tal como o Conselheiro, erravam pelo sertão em busca de pouso e ocupação. Vivendo em uma região cada vez mais discriminada dentro do próprio estado, os sertanejos baianos do final do século XIX encarnaram provavelmente a face mais perversa do processo de subordinação a que o norte passou a ser relegado no novo quadro político que se instaurou com a república.

A crise da produção açucareira, conjugada ao sucesso da cafeicultura do Centro-sul do país, acentuaram a fragilidade nortista[10] no jogo político do outono do império. Explícita desde meados da década de 1870, a crise nortista foi responsável pela organização do Congresso Agrícola de 1878, tentativa de resposta ao encontro que, no Rio de Janeiro, reunira apenas províncias cafeeiras. As reivindicações eram de maiores verbas para as províncias que durante tanto tempo sustentaram o império, assim como de maior participação política no centro do poder que já há algum tempo favorecia a região Centro-sul, apesar da significativa presença nortista na Câmara. Para completar esse quadro de dificuldades, duas grandes secas tornaram ainda mais difícil e dramática a situação baiana.

Na década de 1880 esse quadro se agravou ainda mais e deslocou definitivamente o norte do centro decisório da vida política. O sul confirmava sua liderança e o norte tentava seguir-lhe os passos, ficando em dia com as novas exigências do progresso. Os Relatórios de Governador de Estado, já no período republicano, procuravam demonstrar saúde financeira suficiente para ter acesso à mão-de-obra “civilizada” e estrangeira que chegava ao país.

Pela Memória sobre o Estado da Bahia (1893), feita por ordem do então governador Joaquim Manoel Rodrigues de Lima para figurar na Exposição Internacional de Chicago desse mesmo ano, podemos ter acesso a alguns dados da região que cercava Canudos. Os municípios de Inhampupe, Itapicuru, Jeremoabo, Santo Antônio das Queimadas e Monte Santo reuniam, em 1892, cerca de 74 mil habitantes, contra 173.879 da capital. Para se ter uma idéia da pobreza da região basta conhecermos as atividades econômicas de algumas dessas localidades.

Jeremoabo, por exemplo, a cerca de 500 km da capital, compunha-se de casas pequenas e baixas, “formando na realidade uma só rua interceptada no centro por uma praça(...) onde tem lugar as feiras semanais”. O comércio era pouco desenvolvido e os habitantes cultivavam cana, fumo e cereais, além da incipiente criação de gado, fortemente prejudicada pelas secas e pela hostilidade do terreno. Monte Santo, distante mais de 90 km de Santo Antônio das Queimadas, tinha um comércio insignificante, além de quase nenhuma lavoura ou criação, também por estar localizado em terreno freqüentemente castigado pelas secas. A base da “economia” era o curtimento de couro e a fabricação de redes. Inhambupe, a 75 km da costa, era a que tinha um comércio mais desenvolvido, abrigando uma feira importante da região, além de exportar o fumo do município pela linha férrea do Timbó. Contava ainda com uma indústria de curtume e de artefatos de couro, lavoura de cana e fumo e criação de gado, apesar de também ser freqüentemente tocado pela seca, embora ficasse fora do que ficou conhecido como “sertão de Canudos”.

A presença de curtumes e de uma decadente indústria de couros, decorrente da crescente utilização das terras do sertão para a pastagem, faz parte de um longo e penoso processo de exclusão dessa pobre região seca nordestina. Na verdade, já desde fins do século XVII, o sertão foi se “convertendo em um imenso pasto”, com relações específicas de acesso à terra, situação que nem mesmo a lei de terras de 1850 conseguiu alterar. A fazenda de criar e suas variações eram, afirma Teixeira da Silva, “o ponto nodal de uma paisagem aberta, destituída de cercas, onde predominavam os campos e as caatingas” (Teixeira da Silva, 1997: 126-43).

Este aspecto aberto do trabalho na decadente pecuária e lavoura sertaneja foi apontado pelo Relatório do Governador Rodrigues Lima, de 1892. Dentre os problemas mais urgentes a resolver estavam a necessidade de ampliar e melhorar os meios de transporte, multiplicar os estabelecimentos agrícolas, enfrentar as conseqüências das secas e legislar sobre o trabalho. Aliás, a preocupação com a mão-de-obra aparece em todos os relatórios da década de 1890, ora ligada à necessidade de discipliná-la, ora vinculada à organização de colônias de imigrantes. A ênfase nesse último aspecto é clara, já que a Bahia a essa altura não contava com um serviço direto de imigração, ao que o governador acreditava depender “em grande parte o futuro deste Estado”.

Rodrigues Lima preocupava-se com a situação de isolamento do sertão, “que contém em seu seio riquezas que opulentariam nações”, mas que se encontrava “segregado pela falta absoluta de meios de comunicação”, obrigando ao êxodo parte considerável de sua população. E lamentava:

Habitado por população laboriosa, robusta e inteligente, (o sertão) vê-se hoje ameaçado de completo abandono pelo êxodo de seus filhos, a emigrar em massa para o estado de São Paulo. A falta de meios de transporte para o produto de seu trabalho, de capital para o arroteamento da terra e trabalho, o receio fundado de uma nova seca, qual a de 1888 a 1890, em que milhares de conterrâneos morreram, à fome, os levam sem fé e com desespero n’alma a abandonar o lar e o torreão natal.[11]

Mas apesar desse discurso emocionado e solidário às dificuldades dos sertanejos, quando aborda o problema da falta de braços para a lavoura, não considera a possível utilização desse grupo de “laboriosos e inteligentes trabalhadores”. A solução estaria na imigração e na instalação de fazendas de colonos europeus, tal como já acontecia no sul do estado no núcleo Virgílio Damásio, em Itaparica e nas Hospedaria de Montserrat. Os relatórios de 1894 e 1895 enfatizam o mesmo ponto, e o Projeto de Lei 173, de 11 de maio de 1895, procurava regulamentar a ocupação de homens e mulheres através de contratos em fazendas agrícolas e os estabelecimentos industriais.[12] No relatório de 1897 a valorização do trabalho do imigrante é ainda maior, provavelmente em face dos últimos acontecimentos de Canudos.

Mas além de pouco valorizado, o sertanejo enfrentava ainda os problemas decorrentes das novas relações de trabalho no campo, introduzidas com a Constituição de 1891. O artigo 64 da nova Carta determinava que as terras devolutas passassem a pertencer aos governos dos respectivos territórios estaduais, ficando a cargo dos governadores a criação de instrumentos legais para o registro dessas propriedades. Na Bahia essa determinação demorou a ser regulamentada pela Lei 86 de 18/7/1895, que institucionalizou não só a obrigatoriedade do registro, como o poder do estado para fiscalizar o não cumprimento das novas determinações. Essa demora deveu-se às dificuldades políticas por que passou o estado desde fins do império. Para ilustrar essa dificuldade basta mencionar que de 1889 a 1892 foram sete os governadores que tentaram estabelecer uma base política sólida e estruturar um projeto para a nova fase republicana, instabilidade que seguramente se refletiu na organização social e política do estado. Quanto à lei de 1895, parece claro que o maior ou menor rigor na sua aplicação esteve diretamente relacionada ao valor da terra em questão, o que, para o caso do sertão, pouco efeito concreto pôde ter.

Vimos que a relação dos sertanejos com os donos das fazendas que lhes serviam de pouso eventual não obedecia a qualquer procedimento formal ou legal, por se tratarem, quase sempre, de fazendas semi-abandonadas e com alto grau de absenteísmo de seus proprietários, exatamente por estarem situadas em área de baixíssimo valor econômico. A falta de produtividade, a hostilidade do solo e da vegetação, além das secas permanentes conduziam a uma alta rotatividade populacional que, aliada à presença da violência para solução de conflitos cotidianos, acabou transformando uma área de “sobra” em uma espécie de espaço reservado e autônomo de grupos de despossuídos.

Vale dizer, no entanto, que esse verdadeiro enclave do qual o “sertão de Canudos” fazia parte manteve-se, até a morte do Coronel Moreira César, em 1896, e apesar dos canudenses estarem em Belo Monte desde 1893, afastado das preocupações relatadas anualmente pelo governador baiano quanto à segurança pública. Eram os espaços mais produtivos, localizados ao sul do estado e reservados para receberem as colônias de imigrantes, que prendiam a atenção dos governantes e, segundo esses documentos oficiais, Canudos não foi, de 1893 a 1896, alvo de preocupação por parte das autoridades estaduais. Fora a advertência do relatório de frei Evangelista, de 1895, que acreditava ter encontrado em Canudos “uma seita político-religiosa” perigosa e hostil ao governo, mas que por se tratar de um aviso da igreja não surtiu nenhum efeito prático do ponto de vista repressivo,[13] não é possível apontar nenhum registro que indique que os habitantes da fazenda Belo Monte eram considerados perigosos ou desordeiros.

Essa afirmação pode conduzir a uma aparente contradição, posta pela expressividade numérica que terminaria por também notabilizar o arraial, que, segundo estimativas, teria chegado a reunir cerca de 25.000 conselheiristas, em 1897. Não temos, e talvez jamais tenhamos, como calcular o crescimento demográfico de Canudos entre 1893 e 1897. Todos os números disponíveis até hoje se baseiam em dados fornecidos por Euclides da Cunha em Os Sertões e indicam uma progressão verdadeiramente geométrica na população do arraial. Segundo a versão euclidiana, que acabou se convertendo em fonte indiscutível para o conhecimento da história de Canudos, já em 1893 a fazenda reunia cerca de 1.250 sertanejos, número que sobe para 5.000 em 1895 e chega aos 25.000 em 1897.[14] Ora, a freguesia do Cumbe, onde estava encravada a fazenda abandonada ocupada por Antônio Conselheiro, e jamais reclamada por seu desconhecido proprietário, só foi elevada à categoria de vila (povoação administrativa e geograficamente superior) em 1899 (cf. Barros, 1920: 840), e se é possível afirmar que o governo local não considerasse Canudos uma cidade, parece difícil imaginar que não se mantivesse atento para a impressionante concentração populacional que o arraial atraía.

Nessa perspectiva, é preciso cautela na utilização dos dados de Euclides da Cunha, sobretudo em face do aspecto literário e ficcional presente em sua obra, o que lhe eximiu de qualquer necessidade comprobatória de suas afirmações. Vimos que era alto o índice de migração sertaneja, fato apontado pelas próprias autoridades, em face da infertilidade do solo e das secas, o que nos explica os vínculos extremamente frágeis tanto com a terra como nas relações de trabalho. Por tudo isso, a hipótese mais cautelosa e plausível para o crescimento do arraial pode ser a que combina um processo continuado de exclusão e marginalização de camponeses itinerantes do sertão, praticamente ignorados pelos novos projetos econômicos do estado, que privilegiava a importação de mão-de-obra “ordeira e civilizada”, com o inesperado e não programado sucesso dos conselheiristas nas três primeiras expedições.

Por todo esse quadro, podemos, no mínimo, relativizar as explicações que aqui estou chamando de progressistas, quanto às intenções dos conselheiristas no que se refere à luta pela terra. Acostumados a uma vida errante e habitando terras sem grande valor produtivo, o que os obrigava a continuamente migrar para fugir da seca e da fome, poucos são os indícios de que o sentido da reunião sertaneja em Canudos tenha tido por base a luta contra o latifúndio. O abandono daquelas terras, tanto por seus proprietários como pelo próprio estado pode ser atestado, como já apontado, pelo fato da fazenda Belo Monte, em ruínas quando da chegada do Conselheiro, jamais ter sido reclamada por seu proprietário. A suposta reação dos latifundiários locais, sempre citada para comprovar a tese revolucionária dos sem terra, ainda carece de documentos para sua comprovação.

Os únicos documentos de que se tem referência sobre a reação dos latifundiários locais, pouco conhecidos e analisados por fazerem parte de acervo privado, são os artigos do Barão de Jeremoabo, bachareal Cícero Dantas Martins, publicados pelo Jornal de Notícias da Bahia, nos dias 4 e 5 de março de 1897 (cf. Sampaio Neto et al, 1986: 20-1). Senhor de terras no município de Itapicuru, onde o Conselheiro teria vivido muito tempo, Cícero Dantas teria “desde cedo” compreendido ser o estranho beato um “elemento perturbador da ordem e do trabalho em sua região”. Novamente faltam evidências quanto à precocidade das conclusões do barão, só tornadas públicas exatamente no momento em que o arraial se tornou o mais grave obstáculo à consolidação da ordem republicana.

Por fim, a todos esses argumentos lógicos, é preciso ainda agregar os diferentes papéis atribuídos à religião na luta sertaneja, aspecto esse que fez crescer ainda mais o número de interpretações de que Canudos tem sido alvo ao longo desse século. Pois, se o projeto político identificado pela corrente progressista procurou emprestar ao movimento uma racionalidade revolucionária, a forte e incontestável presença da religião católica na vida dos conselheiristas precisou se integrar a esse modelo explicativo e para isso assumir também um papel instrumental. À racionalidade/consciência do primeiro aspecto se juntaria, assim, à irracionalidade e inconsciência do segundo. A próxima seção pretende discutir a fragilidade dessa combinação.

“O sossego de um povo consiste em fazer a vontade de Deus”

A conjugação dos aspectos político e religioso nas análises sobre o movimento de Canudos nem sempre apresentaram os mesmos resultados. Alguns autores, ao valorizarem a presença do catolicismo na vida daquela comunidade sertaneja, acabaram por situá-lo no conjunto das rebeldias reformistas e conservadoras que pretendiam reordenar o mundo caótico e sem regras no qual estavam inseridos. Dentre os autores que defendem essa linha de argumentação está Maria Isaura de Queirós que, embora confira um sentido politicamente oposto ao da corrente progressista, acredita compreender a busca dos canudenses a partir de uma chave interpretativa que superdimensiona a figura do líder carismático como pólo de atração e condução de pobres almas desgarradas.[15]

Douglas Teixeira Monteiro também deslocou a questão política como base da ação conselheirista para defender a tese segundo a qual a religião foi um instrumento de insubordinação e desafio para as autoridades eclesiásticas. Nessa perspectiva, mesmo restrito à esfera da religião, e não à luta política explícita pela posse da terra, o movimento teria se revestido de um indiscutível caráter revolucionário (Monteiro, 1985).

Mesmo por caminhos diversos, pode-se encontrar em Maria Isaura a marca euclidiana que relegava à religião um sentido irracional e sempre negativo (identificado em última instância à monarquia), enquanto em Douglas Mon-teiro, a perspectiva revolucionária e positivada pós-euclidiana. Vale ressaltar como trabalhos mais recentes ainda se mantém presos a essa dicotomia, tais como o de Marco Antônio Villa, já mencionado, e o de Robert Levine, aqui considerados por serem frutos de pesquisas documentais expressivas.

O trabalho de Villa se mantém ao lado dos que percebem em Canudos a busca de uma sociedade alternativa ao “Estado dos landlords” (Villa, 1995: 12), não aceitando qualquer argumentação que tenha por base a vivência religiosa. Robert Levine, por outro lado, filia-se à corrente oposta, pois considera “Canudos como um movimento milenarista”, procurando encaixar a revolta sertaneja no contexto das “revoltas sociais rurais” para compreender sua “estrutura comunal forte e recíproca de deveres e compensações psicológicas”. Para Levine, Canudos foi apenas “um refúgio de penitência e de busca de salvação pessoal, e não um centro difusor de revolta ou subversão” (Levine, 1995: 33 e 344).

Todos os trabalhos que enfatizam o aspecto religioso do arraial são tributários do maior e mais antigo pesquisador da história de Canudos, José Calasans. Autor de um sem-número de trabalhos sobre o tema, Calasans (1950, 1959, 1986, 1988 e 1997) dirigiu suas análises para o aspecto messiânico do líder e do arraial, embora tenha oferecido indícios suficientes para contrariar qualquer interpretação que se baseasse em uma espécie de catolicismo primitivo e comunal. No opúsculo Quase biografia de jagunços, Calasans dedica uma parte aos negociantes e proprietários que viviam e administravam o arraial, deixando clara a existência de uma organização hierarquizada, da presença de relações de comércio e, confirmando o que já foi dito acima, a predominância do comércio de couros e de bens de primeira necessidade.

Mas de todas as análises dedicadas a Antônio Conselheiro e seu grupo, poucas foram as que utilizaram a fonte que, provavelmente, pode permitir uma aproximação maior com o sentido da luta dos canudenses. Refiro-me ao conjunto de prédicas[16] que foram atribuídas ao Conselheiro, encontradas no arraial depois da invasão das tropas legais. Como tudo que gira em torno do tema oscila entre pelo menos dois pólos, as referências sobre a obra manuscrita de Antônio Conselheiro foi considerada ora como “pobres papéis” que refletem o “turvamento intelectual” do “fanatizador dos sertões”, como disse Euclides da Cunha (1975: 159), ora produção de um “sertanejo letrado, capaz de exprimir-se correta e claramente na defesa das suas concepções políticas e sociais de suas crenças religiosas”, como quis Monteiro (1985: 25).

Ao todo são 49 prédicas, reunidas em quatro grupos de discursos: 29 sobre as dores de Maria; 10 sobre os dez mandamentos; um texto que reúne diversas passagens dos evangelhos e nove sobre assuntos diversos e circunstanciais (sobre a cruz; a missa; as maravilhas de Jesus; a construção e edificação do templo de Salomão; sobre o recebimento da chave da Igreja de Santo Antônio, padroeiro de Belo Monte; uma sobre a parábola do semeador e finalmente uma sobre a república).

Mesmo que não nos aprofundemos na análise desse vasto material, uma primeira observação de conjunto pode ser feita com razoável segurança: mais que indicarem o papel determinante de uma espécie de catolicismo popular na vida dos conselheiristas, estes textos nos informam sobre a extraordinária penetração nos interstícios das comunidades rurais brasileiras dos princípios e dogmas destacados pelo Concílio de Trento (1545-1563) e disseminados pelo trabalho missionário dos padres da Companhia de Jesus desde 1549. A valorização da missa, do matrimônio, da confissão, bem como a valorização do culto mariano sobressaem nos textos do beato sertanejo, impregnados pela lógica da sujeição e do sacrifício à ordem maior e única imposta pelo Senhor dos Senhores, o Pai da Criação.

Nessa perspectiva, Antônio Conselheiro assume o papel de missionário a alargar incessantemente o rebanho de Deus. A ética conselheirista é a do sofrimento resignado às leis supremas e em seus escritos não há qualquer promessa de vida eterna, fim dos tempos, previsões escatológicas ou salvação incondicional. Prega a continuidade da sujeição, mas deixa clara que deve obediência somente a Deus, rejeitando qualquer outra forma de ordenação do mundo dos homens.

Todas esses princípios são reafirmados em sua única prédica de fundo explicitamente político, Sobre a república. Nesse texto, Antônio Conselheiro deixa claro o limite de sua submissão e prega a desobediência e o descumprimento das leis civis, heréticas e infames. Os temas de suas pregações são o fim da Companhia de Jesus, a instituição do casamento civil, o fim da família imperial e a libertação dos escravos.

Para o Conselheiro o objetivo do novo governo era o “extermínio da religião (...) esta obra-prima de Deus que há dezenove séculos existe e há de permanecer até o fim do mundo”, pois “a república é o ludibrio da tirania para os fiéis” e “por mais ignorante que seja o homem, conhece que é impotente o poder humano para acabar com a obra de Deus”. E continua: “O presidente da república, porém, movido pela incredulidade que tem atraído sobre ele toda sorte de ilusões, entende que pode governar o Brasil como se fora um monarca legitimamente constituído por Deus; tanta injustiça os católicos contemplam amargurados.”

A república se baseava em um princípio falso, pois o “sossego de um povo consiste em fazer a vontade de Deus”, razão pela qual o Conselheiro não aceitava o casamento civil, “incontestavelmente nulo, ocasiona o pecado do escândalo” (“como pode conciliar-se o afeto que devéis às vossas filhas, entregando-as ao pecado proveniente de tal lei?”) assim como considerava inconcebível a família real não governar mais o Brasil, “ferindo assim o direito mais claro, mais palpável da família real legitimamente governar...”. O beato acreditava que a queda da família real se devia a uma espécie de retaliação por ter a Princesa Isabel libertado os escravos (“porque era chegado o tempo marcado por Deus para libertar esse povo de semelhante estado, o mais degradante a que podia ver reduzido o ente humano”). Para o Conselheiro,

Todo poder legítimo é emanação da Onipotência eterna de Deus e está sujeito a uma regra divina, tanto na ordem temporal como na espiritual, de sorte que obedecendo ao pontífice, ao príncipe, ao pai, a quem é realmente ministro de Deus para o bem, a Deus só obedecemos.

A luta sertaneja, portanto, se observada através das prédicas conselheiristas, é bem mais grandiosa do que a pretenderam seus intérpretes, mesmo os mais otimistas. Os canudenses lutaram contra a república em nome de Deus e para a manutenção de uma ordem na qual aceitavam a sujeição, desde que dentro dos limites de seu universo cultural e no qual a religião era a referência fundamental. Talvez melhor que falar em religião seja falar em religiosidade sertaneja, fruto de um catolicismo popular vulgarizado através de personagens muito próximos e familiares, como foi o caso de Antônio Conselheiro, que agindo como um verdadeiro intermediário cultural, era o tradutor da palavra divina para um grupo de sertanejos em grande parte analfabetos. A força de suas pregações em um meio onde a cultura era predominantemente oral e o fato de suas falas serem entremeadas por inúmeras citações em latim, certamente lhe conferia um poder que o distanciava positivamente, pois o tornava parte de uma cultura letrada e superior, de um lado, e o aproximava pela vivência prática e cotidiana do que pregava, por outro. Ao contrário dos párocos, o Conselheiro partilhava com seus adeptos um cotidiano de sofrimento e privações, forjando assim uma vivência religiosa muito concreta, palpável, diariamente renovada e alimentada e capaz, por isso, até mesmo de pegar em armas para defender seus princípios.

Esta hipótese, aqui apenas esboçada, propõe uma outra chave de leitura para a trágica saga conselheirista, chave esta que procura, dentro de todas as limitações já apontadas, estabelecer uma aproximação maior com aqueles homens e mulheres esquecidos numa área inóspita e decadente, utilizando para isso o conceito de cultura[17] como um conjunto de crenças e códigos de comportamentos próprios de uma classe ou grupo social. Nessa perspectiva, a religiosidade sertaneja não pode ser considerada apenas como instrumento de um projeto político específico, mas, mais que isso, o suporte cultural determinante e central da luta conselheirista. Ainda nesse sentido, no entanto, essa luta não seria, segundo a hipótese aqui levantada, igual a apontada por Douglas Teixeira Monteiro, que considerou a guerra sertaneja tão-somente uma guerra religiosa. Pois, na medida em que a vivência religiosa confere todo o sentido à vida dos que se instalaram em Canudos, uma vez deflagrado o conflito, ele assume seu caráter político no sentido mais pleno do termo: a manutenção de uma determinada ordem social, política e celeste, e a utilização de todos os meios disponíveis para defendê-la. Curiosamente acabaram ajudados e protegidos pela hostilidade do solo, da vegetação e do clima, que tanto dificultaram o acesso do inimigo e que toda vida os havia obrigado a vagar sem pouso.

O fato é que, seja ou não provável a hipótese aqui defendida, tentar compreender os conselheiristas a partir de modelos teóricos preconcebidos ou em nome de nobres causas políticas que seguramente estiveram fora do alcance de possibilidades daquele tempo e lugar, pouco nos ajuda a compreender melhor o que aconteceu em Canudos. Nesse sentido, o sangrento combate pela manutenção do arraial teve um significado bem mais amplo do que lhe imputaram as interpretações que tornaram o movimento como símbolo da luta revolucionária no campo, esquecendo até mesmo que Antônio Conselheiro era um monarquista assumido e defensor da volta do governo de direito divino da família real portuguesa. Se a luta pela terra chegou a ser relevante na impressionante resistência sertaneja às tropas legais, com certeza o foi obedecendo à lógica segundo a qual Canudos era considerado o último bastião da religião e da Igreja, em um mundo contaminado pelo erro e pelo pecado. A guerra sertaneja foi feita em nome da certeza de que Canudos era a terra dos homens de Deus.

Referências bibliográficas

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Fontes

[1] Rui Facó elaborou a segunda parte desse livro, dedicada a Canudos, em 1950, originalmente publicada em dois números sucessivos da Revista Brasiliense, 1958 e 1959, e na revista soviética Nóvaia i Novêichaia História, Moscou, 1959. Cf. Facó (1983).

[2] Moniz (1978) e Villa (1995: 244). Villa não aceita, no entanto, qualquer explicação de fundo religioso ou utópico para o movimento: “Descarto totalmente qualquer explicação do arraial como uma comunidade messiânica, sebastianista, milenarista ou socialista utópica e indico a necessidade de compreender a experiência conselheirista como um grande momento da história nordestina, onde os sertanejos lutaram para construir um mundo novo, enfrentando o Estado dos landlords” (Villa, 1995: 12).

[3] A análise de Euclides da Cunha foi fortemente influenciada pela teoria cientificista muito em voga na passagem do século XIX para o XX no Brasil, e utilizada pelo médico baiano Raimundo Nina Rodrigues, autor, dentre outros trabalhos de A Loucura Epidêmica de Canudos, editado em 1897. Para uma análise de Os Sertões e do trabalho de Nina Rodrigues, ver Hermann (1997a).

[4] Para uma análise das questões políticas que, segundo entendo, determinaram o trágico desfecho de Canudos, ver Hermann (1997b).

[5] A hipótese que defendo no texto Canudos destruído em nome da República é a de que a magnitude e a ferocidade do combate a Canudos foram resultado não do efetivo perigo restaurador representado pelos miseráveis sertanejos, nem tampouco do potencial revolucionário dos sertanejos em armas, como quer boa parte da historiografia dedicada ao tema, mas de um cenário político específico que fez da destruição de Canudos a prova necessária e urgente para a confirmação do compromisso da nova ordem política com os princípios republicanos.

[6] Estes relatórios foram encontrados no Arquivo Histórico do Exército (AIE), RJ.

[7] Termo de assentada do Subcomissário de Polícia (AIE), 26/5/1897.

[8] O depoimento dessas duas mulheres estava em Interrogatórios de testemunhas do inquérito a que foi submetido o padre Martinho Cordero y Martinez (AIE), 25/4/1897.

[9] Frei João Evangelista de Monte Marciano (1895). O frei foi recebido pelo Conselheiro e não encontrou nenhum obstáculo para rezar missas, fazer batizados e oficiar casamentos, mas acabou expulso do arraial depois de insistir para que os conselheiristas se dispersassem e aderissem à república.

[10] A palavra “nordeste” só é usada a partir da segunda metade do século XX, quando a seca finalmente se torna um problema de Estado e quando são criados órgãos específicos para minimizar seus efeitos. Cf. Cabral de Melo (1984: 13).

[11] Mensagem e relatório apresentado à Assembléia Geral Legislativa em 7/4/1893 por Joaquim Manoel Rodrigues de Lima.

[12] Synopse dos Trabalhos da Câmara dos Deputados da Bahia em 1895. Bahia, Typografia e encadernação Empreza editora, 1896: 119.

[13] Villa (1995: 68-70) cita um documento de 1894, recuperado em acervo particular, como tendo sido o primeiro relato a apontar a periculosidade de Canudos, onde seus habitantes afrontavam as autoridades e o próprio governo.

[14] Esses números foram usados recentemente por Ataíde (1993/1994: 88-99), que procura analisar exatamente os aspectos demográficos do arraial. A autora menciona claramente o trabalho de Euclides da Cunha como fonte para suas conclusões.

[15] Queirós (1977: 230). Mais de 10 anos depois a autora ainda mantinha a mesma interpretação (cf. Queirós, 1988: 59-83).

[16] As pregações atribuídas a Antônio Conselheiro estão em Nogueira (1978).

[17] Este conceito foi desenvolvido por Ginzburg (1986). A idéia de intermediário cultural anteriormente apontada foi formulada por Michel Vovelle (1987: 214): “Situado entre o universo dos dominantes e dos dominados, ele adquire posição excepcional e privilegiada: ambígua também na medida em que pode ser visto tanto no papel de cão de guarda das ideologias dominantes, como porta-voz das revoltas populares”.