Estudos Sociedade e Agricultura

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Rogério Cordeiro Fernandes

Os Sertões: uma interpretação sobre Canudos


Estudos Sociedade e Agricultura, 9, outubro 1997: 58-75.

Resumo: Este trabalho desenvolve algumas reflexões sobre a obra fundamental de Euclides da Cunha, Os Sertões. A análise procura encontrar em sua estrutura formal, elementos que demonstre como o autor estiliza um paradoxo que se encontra no interior de sua própria formação intelectual. O procedimento crítico utilizado parte de uma reflexão sobre a razão e o jogo mimético como fontes inspiradoras do livro. A obra procura refletir sobre acontecimentos sociais importantes à época, servindo de fonte historiográfica. O resultado obtido pelo autor o coloca em uma posição ímpar no panorama da literatura brasileira do primeiro século, mostrando que sua obra concentra elementos formais difíceis de serem igualados.

Palavras-chave: História social; República brasileira; literatura.

Abstract: Os Sertões: an interpretation on Canudos.This work develops some reflections on Euclides da Cunha’s masterpiece, Os Sertões. The analysis attempts to discover within the formal framework of this work, elements which convey how the author stylizes a paradox existing within own intellectual formation. The critical procedure adopted is based on a reflection on reasoning and mimetic play as sources of inspiration for the book. The work aims to reflect on important social events of the time, which serve as historiographical source and the achievement places the author in a unique position in the panorama of Brazilian literature of the early twentieth century, demonstrating that his work condenses formal elements which are hard to be matched.

Key words: Social history; Brazilian republic; literature.

Rogério Cordeiro Fernandes é aluno do programa de doutorado em Literatura Brasileira da UFRJ.


A relação entre história social e obra literária nunca poderá aparecer despida de uma fratura – muito produtiva para a crítica dialética, para a qual os defeitos e virtudes artísticos excedem a importância de seu autor denunciando problemas objetivos mais complexos. A forma fraturada demonstra a presença e o acento de um problema social que vale a pena ser analisado. Daí, passo a construir uma interpretação crítica com base numa falibilidade mimética, constitutiva de sua própria faculdade operatória posto que a mimese desempenha-se numa sutil dialética entre verdade e verossimilhança: a palavra (instrumento operatório uma vez que tratamos de literatura) tornaria o mundo plenamente  cognoscível àquele que o conhece, ou apenas o manteria meramente definível? O problema é dotar ou não a palavra de transparência o suficiente para fazê-la idêntica à sua representação, isto é, fazer coincidir o conceito e o concebido. Tendo em vista esse impasse operatório, arrisco uma interpretação. É que, para a interpretação literária ter fôlego e saúde, é preciso que se busque sentido onde ele já se esgotou, é preciso dobrar o entendimento da palavra, pois esta sempre guarda e esconde um segredo.

Em resumo: este estudo busca penetrar a estrutura formal de Os Sertões –uma estrutura fraturada mas coerente– e reconhecer nela uma via de entendimento da sociedade, que lhe dá prumo e equilíbrio. O interesse é pôr em confronto o que vai entre as duas capas do livro –intenções do Autor, instrumental filosófico, notação histórica, matéria imaginada, linguagem em uso– compondo um todo único e estruturado, ao que chamo forma literária.

1. As primeiras linhas de Os Sertões dizem muito sobre os problemas que procuro pôr em destaque. Vê-se na exposição inicial sobre os objetivos e o método que seu Autor persegue.

Nesse investir, aparentemente desafiador, como os singularíssimos civilizados que nos sertões, diante de semibárbaros, estadearam tão lastimáveis selvatiquezas, obedeci ao rigor incoercível da verdade. Ninguém o negará. E se não temesse envaidar-me em paralelo que não mereço, gravaria na primeira página a frase nobremente sincera de Tucídedes, ao escrever a história da guerra do Peloponeso – porque eu também, embora sem a mesma visão aquilina, escrevi “sem dar crédito às primeiras testemunhas que encontrei, nem às minhas próprias impressões, mas narrando apenas os acontecimentos de que fui espectador ou sôbre os quais tive informações seguras.”[1]

Intenções explícitas, exposição compositiva, averiguação do método; noções de verossimilhança, recurso à tradição universal, espírito combativo da escrita; não faltou sequer boa dosagem de ideologia. A passagem é rica, complexa e variada, basta escolher e dar sentido. Ao esclarecer o método de aproximação à matéria tratada, buscando mesmo garantir credibilidade a ela, Euclides insere dupla fragilidade com conseqüências para a composição: uma no terreno da historiografia, outra no da literatura. Desta trataremos adiante, bastando fazer notar que, num como noutro caso, os elementos dissonantes e contraditórios funcionam no interior da narrativa, configurando uma escrita contrita e altamente problemática, no que tange à representação. O Autor nos faz notar que o que vai escrito não sofreu intercessão que lhe alterasse ou conduzisse a representação da verdade, sequer cedeu às “próprias impressões”. Neste caso, a narrativa, no âmbito restrito das intenções de seu Autor, se deixa fixar em um padrão isento de valores subjetivos, prevendo verdadeiro o que há de “puro” no sujeito do conhecimento e enjeitando qualquer ideologia como consciência socialmente falsa. Este axioma se baseia numa dicotomia entre valor factual e valor axiológico, mas tal dicotomia inexiste uma vez que, isolados, ambos aparecem falsos. O propósito de compreender as particularidades da empiria à maneira exata firmaria uma confiabilidade insuspeita no procedimento unívoco de acesso aos fatos. É importante se opor a este axioma e lembrar que a faticidade pura, desconhecendo oposição entre essência e fenômeno, ser e aparência, eleva os fatos à essência – e ainda assim o conhecimento não seria verdadeiro, pois nenhum conhecimento dirigido à imediatez seria por isso verdadeiro. Conduzido pelo viés cientificista então em moda, Euclides repisa o método segundo o qual as ciências sociais –é notória sua filiação às principais correntes da História, Geografia, Antropologia, Psicologia Social etc.– seriam elevadas ao status de uma ciência empírica, ordenada pela imparcialidade e neutralidade axiológica. A passagem acima citada deixa claro que o objetivo do Autor é transformar tal axioma em um método compositivo, como maneira mais eficiente de lhe garantir confiabilidade, e por todo o livro há sinais enviados ao leitor nesta direção: “[o] historiador precisa de certo afastamento dos quadros que contempla” (p. 208); seu objetivo é não “sofismar a história” (p. 164). Deste modo o axioma da objetividade subordina o conteúdo narrado à fidegnidade. Isto decorre da convicção de que investigação e avaliação científicas não podem confundir impunemente a aparência do fato com o próprio fato. Girando o assunto para os interesses específicos da literatura, a idéia de subjetividade cognoscente que corresponde a esta concepção não deixa margem à sua própria atuação produtiva, isto é, não faria o menor sentido refletir sobre a questão da forma uma vez que a relação entre empiria e cognoscibilidade estaria deslocada para fora da subjetividade humana.

Uma questão, no entanto, é anterior a todo esse debate e lhe dá novas idéias com as quais pensar: na Nota introdutória, como vimos, o Autor atribui a si mesmo o papel de espectador, mas, se averiguarmos, esta afirmação aparece falsa. Refazendo seu intinerário como correspondente a serviço do jornal Estado de São Paulo, vemos que Euclides da Cunha chegou a Salvador em 7 de agosto de 1896, aí permanecendo até o dia 30 deste mês, encontrando-se em Monte Santo apenas no dia 7 de setembro. Permaneceu 21 dias no campo de batalha (entre 10 de setembro e 1o de outubro), um total de 14% do tempo em que a 4a Expedição levou em campanha, ao todo 110 dias (o tempo total da batalha entre os conselheiristas e o exército brasileiro foi de aproximadamente um ano). Somente duas vezes foi ao campo de batalha, vendo-lhe ruínas e fumaça; por conta de uma doença, permaneceu a maior parte do tempo no acampamento ou na enfermaria. Isto posto, convém ressaltar com todas as letras que, apesar de atribuir a si próprio isenção e confiabilidade, Euclides não testemunhou nada. Comparando os relatos de Os Sertões com sua Caderneta de campo, percebe-se nesta –anotações feitas durante a campanha– que o Autor demonstra desconhecer fatos que, no entanto, descreve com riqueza de detalhes no primeiro, levando crer que obteve outras informações (dando “crédito às testemunhas que encontrou”) e as tratou de juntar às suas. Outro dado importante a notar refere-se a certos descuidos de composição, como datas e detalhes sobre personagens e acontecimentos passíveis de dúvida, números mal definidos dos contentores envolvidos, feridos ou mortos na campanha, etc. Outros descuidos ainda mais graves tocante a problemas que o próprio Autor deixa à deriva: registra na narrativa medo e espanto entre os conselheiristas quando avistam um canhão, mas o já haviam visto antes (p. 271); relata um ataque surpresa inverossímil pois, segundo nos informa, todas as vias de acesso ao arraial estavam sob a guarda de piquetes (p. 307); redescreve com o mesmo requinte, detalhes de um mesmo local (o Alto da Favela) (p. 347).  Estes casos são importantes para os argumentos que venho tecendo, não tanto por confrontar o que é ou não é verídico na narração, mas principalmente porque põem a nu a aporia –sempre interna– que constitui a teoria do conhecimento sobre a qual Euclides fundamenta sua narrativa. Caso levasse a cabo este desígnio, o texto apresentaria em sua economia final um resultado inteiramente outro, de interesse menos literário que documental. O imbroglio não foge à atenção do escritor: “O que escrevemos tem o traço defeituoso dessa impressão isolada, desfavorecida, ademais, por um meio contraposto à serenidade do pensamento, tolhido pelas emoções da guerra” (p. 112). Não é meu propósito confrontar as convicções expressas no nível do enunciado, isto seria produtivo mas não alcançaria meu objetivo; acresce que afirmações deste quilate são poucas e por si mesmas pouco convencem. É necessário ultrapassar o enunciado e buscar nos mistérios e enigmas da forma, a suspeição necessária para a crítica social da literatura.

2. Ficou dito em algum momento que submetida à neutralidade de valores e afetos, a palavra tornaria o mundo transparente à cognoscibilidade. Parte constitutiva deste movimento é o processo de identificação, num esforço ímpar de garantir conhecimento e domínio da subjetividade sobre a empiria. A conseqüência dele esperado, e que em outro momento garante sua expansão, é a configuração mensurável da subjetividade a partir de sua projeção imaginativa de conhecimento. Isto é, esse processo necessita reificar a empiria, que por definição é heterônoma, reificando aquele que a conhece. Trata-se de um corolário racionalista que concebe o sujeito, mediador do processo de conhecimento, quando de fato a mediação se dá fora dele, isto é, na própria realidade social.[2] O poder mimético da palavra, é bom repisar, é posto em pauta num processo de desidentificação (Nietzsche, 1987). Assim sendo, a palavra se constitui num óbice à função meramente denotativa que a narrativa procura conferir, invertendo o curso de identificação, chamando a atenção da crítica para a supremacia do  processo (mimético) sobre o objeto (matéria). Neste caso, à matéria propriamente narrada, se sobrepõe uma potência artisticamente narrável: o que aparece filosoficamente delimitado surge, à luz da representação, como elemento passível de mimese. Ou seja, à pretensão de univocidade e objetividade que o discurso euclideano procura inferir à sua matéria, a virtualidade da palavra interfere na condição de dobra, pois para atualizar-se no texto a mimese precisa torcer a realidade, fazendo-a funcionar, na fatura do texto, como “significante do signo” (Lima, 1980). A partir daí, percebe-se que as referências à cultura universal contida na narrativa a desequilibra, pondo em ata o que venho expondo. Interrompendo seu curso, a pretexto de melhor descrever a paisagem do sertão nordestino, a narrativa com freqüência interpõe o dado imaginado ao descrito. São paisagens buscadas alhures, personagens e acontecimentos, históricos ou literários, mas sempre de domínio universal, que ajudam definir e dar sabor ao traço local. Sob esta lógica encontramos no sertão nordestino resquícios do domínio romano na África (p. 133); o alinhamento das rochas recordam “muramentos desmantelados de ciclópicos coliseus em ruínas” (p. 99); sua paisagem “dura  e desértica” se assemelha às “geleiras” (p. 106); nela se conserva a história de todos os tempos, momento de transformações geofísicas imemoriais (p. 108); torna-se a Terra da Promissão, a “Canaã sagrada, que o Bom Jesus isolara do resto do mundo por uma cintura de serras” (p. 217); os canhões Krupp, utilizados pelo exército, são representados como os “carros de Shiva”, instrumentos do Deus hindu da destruição (p. 263); o Conselheiro, lembrado como uma espécie de presentificação dos místicos do passado, sejam os “montanistas da Frígia”, os “adamistas”, “ofiolatras”, “budistas”, “discípulos de Markos”, “encratistas”, e tantos outros (p. 197); os soldados, como cavaleiros das cruzadas, pois “a luta pela República, e contra os seus imaginários inimigos, era uma cruzada (p. 395). Os exemplos são múltiplos e variados, estendê-los traria poucos frutos, bastando configurar o movimento. Em outro nível, essas passagens revelam um deslocamento do processo construtivo da narrativa cuja atenção à faticidade perde seu poder de encanto –leia-se credibilidade– conduzida a um grau diverso de abstração, pois a narrativa prescinde do andamento puramente descritivo para remeter a uma realidade distante no tempo e no espaço –uma realidade imaginada– que vê seu sentido dobrado por um processo de desidentificação. Dizendo de outro modo: descrevendo a realidade dada do sertão, passível de ser reconhecida uma vez que descrita, remetendo-a a referências literárias e históricas, a narrativa realiza o paradoxo de desidentificar o sertão de si mesmo. É de um sutil paradoxo que estou tratando, e que tanto é do domínio do axioma epistemológico do Autor, quanto do âmbito da história e da narrativa, como ainda veremos. Em outro fuso, o movimento que garante desidentificar a matéria narrada da própria narração –isto é, torná-la intransparente no processo mesmo de construção do significante– funciona e apruma a prosa.

Naquela hora matinal a montanha deslumbrava. Batendo nas arestas das lajes em pedaços, os raios do sol refrangiam em vibrações intensas alastrando-se pelas assomadas, e dando a ilusão de movimentos febris, fulgores vivos de armas cintilantes, como se em rápidas manobras fôrças numerosas ao longe se apercebessem para o combate. Os binóculos entretanto, percorriam inùtilmente as encostas desertas. O inimigo traía-se apenas na feição ameaçadora da terra. Encantoara-se. Rentes com o chão, rebatidos nas dobras do terreno, entaliscados nas crastas –esparços, imóveis, expectantes– dedos presos aos gatilhos dos clavinotes, os sertanejos quedavam, em silêncio, tenteando as pontarias, olhos fitos nas colunas ainda distantes, embaixo, marchando após os exploradores que esquadrinhavam cautelosamente as cercanias.

Caminhavam vagarosamente. Atulhavam as primeiras ladeiras cortadas à meia encosta. Seguiam devagar, empurradas pelos canhões onde se revezavam soldados ofegantes em auxílio aos muares impotentes à tração vingando aquêles declives.

E foi nesta situação que as surpresou o inimigo (Cunha, 1966, 270).

A narrativa descreve poeticamente o local onde ocorrerá um combate, descreve o movimento da tropa, dos conselheiristas, suas apreensões e cada mínimo gesto, e deste modo marca os acontecimentos que surgem para melhor definí-los. Mas tendo em conta que o Autor não esteve presente à ação, não a presenciou, nem “deu crédito às testemunhas” –e mesmo que o fizesse, como milimetrar cada sentimento de angústia, apreensão e expectativa?– , sua descrição perde autoridade fidedigna uma vez que é resultado de sua imaginação. A palavra sublinha sua falibilidade, uma vez que interfere atraindo para si a atenção que deveria ser dispensada aos acontecimentos (matéria). Desta forma a mimese trabalha em duas vias: atribuindo à palavra competência para transcender a mera faticidade e intercalando a hierarquia entre verdade e verossimilhança, bem posta pelo Autor (Nota introdutória). Assim percebemos que onde reside grande falha no terreno da historiografia, isto é, na construção narrativa, cujo lastro é garantido pelo complexo nexo filosófico de cunho cientificista, encontramos indícios de uma arquitetura intrincada e cheias de nuances, bastante difícil de deslindar. Esta arquitetura revela o grande potencial de sua narrativa, repleta de significações as mais variadas, refletindo sobre dificuldades empíricas, construindo reflexões bem balizadas, descrevendo situações fora de foco, estilizando dificuldades da criação de formas. Essas considerações levam a uma reflexão de fôlego crítico mais fundo, fazendo reconhecer em Os Sertões sua disparidade estrutural, que não é outra que aquela que rege o processo constitutivo da mimese.

3. Convém escrutinar os meios com os quais o método empregado, um método construído em tensão entre o enunciado e sua significação, é absorvido numa concepção da história, uma absorção que mantém a estrutura já identificada. Seguindo sua lógica, a história possuiria uma mecânica que deveria ser bem compreendida, seria necessário uma “razão histórica” que regesse o pensamento, construindo uma noção de tempo baseada num rijo princípio de causalidade como também numa idéia de continuidade infinita e regular, cujo telos viesse a ser o resultado de um processo acumulativo.[3] Para fins de instrumentalidade epistemológica, esta noção necessita de um método invariável e constante que impeça qualquer elemento estranho interfirir em sua lógica. É uma construção típico-ideal, resultado de uma filosofia da história forjada na premência de atualizar a sociedade brasileira a todo custo: elevando a matéria social a objeto de reflexão e inseri-la no ramo ocidental civilizado. Segundo esta concepção –uma mecânica da história– a República extirparia o nódulo que vinha pôr à prova nossa inserção compulsória na modernidade. Num certo momento, a lógica euclideana, numa franca e fraca oposição manique-ísta, estende aos sertanejos todos os atributos que os relacionem com o atraso, a perversão e o barbarismo; contrapondo-os simetricamente à República.

No seio de uma sociedade primitiva que pelas qualidades étnicas e influxo das santas missões malévolas compreendia melhor a vida pelo incompreendido dos milagres, o seu viver misterioso [do conselheiro] rodeou-se de não vulgar prestígio (...)

[A multidão] precisava de alguém que lhe traduzisse a idealização indefinida, e a guiasse nas trilhas misteriosas para os céus...

(...) E cresceu tanto que se projetou na História (Cunha, 1966: 202-203).

Segundo a lógica narrativa, apenas uma sociedade rústica e involuída poderia fazer surgir e projetar um personagem dotado de características tão espantosas e insanas, posto que, apartada da História, desconhecia o moderno sistema jurídico-político de participação e representação, denunciando uma “inap-tabilidade do povo àquela legislação superior do sistema político recém-inaugurado” (p. 281), deixando-se abandonar às semidemências de um líder carismático que “entrou para a história como poderia ter entrado para o hospício” (p. 193). Nesta ambiência, a “razão histórica” não havia feito valer suas prerrogativas: a idéia de uma história cumulativa, cuja concepção normativa do tempo se dá em orientação para o futuro. Ao contrário, a comunidade de Canudos reagia imóvel à evolução do tempo, estava “fora do nosso tempo. [Estava] de todo entre êsses retardatários que Fouilée compara, em imagem feliz, à des coureur sur le champ de la civilisation, de plus em plus en retard.” (p. 207). Para Euclides, Canudos era um fenômeno extemporâneo indicando incompletude em nossa marcha: “Aquele afloramento originalíssimo do passado, patenteando tôdas as falhas de nossa evolução, era um belo ensejo para estudarmo-las, corrigimo-las ou anularmo-las.” (p. 328) Em contrapartida, a República representava o centro para onde convergiam as forças do progresso e da atualização.

Vivendo quatrocentos anos no litoral vastíssimo, em que pelejam reflexos da vida civilizada, tivemos de improviso, como herança inesperada, a República. Ascendemos de chôfre, arrebatados no caudal dos ideais modernos, deixando na penumbra secular em que jazem, no âmago do país, um têrço de nossa gente (Cunha, 1966: 231).

Caberia à República “salvar” os conselheristas de seu estado de barbaria: “É que neste caso a raça forte não destrói a fraca pelas armas, esmaga-a pela civilização.” (p. 168; grifo meu). Seu papel é redentor e apresenta alto desígnio: acelerar o tempo da civilização, fazê-lo chegar às frações excluídas de seu modelo de modernização. A guerra realizaria esta missão.

No banquete, preparado na melhor vivenda, ao mesmo tempo se ostentava o mais simples e emocionante gênero de oratória –a eloqüência militar, esta eloqüência singular de soldado, que é tanto mais expressiva quanto rude– feita de frases sacudidas e breves, como as vozes de comando, e em que as palavras, mágicas –Pátria, Glória e Liberdade– ditas em todos os tons, são tôda a matéria-prima dos períodos retumbantes. Os rebeldes seriam destruídos a ferro e fogo... (...) Era preciso um grande exemplo e uma grande lição. Os rudes impenitentes, os criminosos retardatários, que tinham a gravíssima culpa de um apêgo estúpido às mais antigas das tradições, requeriam corretivo enérgico. Era preciso que saíssem afinal da barbaria em que escandalizavam o nosso tempo, e entrassem repentinamente pela civilização adentro, a pranchadas (Cunha, 1966: 263).

Essa passagem, como outras, demonstra uma estrutura dual no julgamento e na análise empreendida pelo Autor (os “rudes impenitentes”, os “criminosos” que desafiam o tempo da civilização, o “nosso tempo”), mas, para além do enunciado, subverte tal estrutura mostrando uma captação peculiar e inusitada da história. A passagem retrata o ambiente dos soldados em clima cheio de otimismo, boa acolhida e esforço pátrio; mas em seguida mostra os meios pouco redentores a serem empregados e a finalidade última das forças legais: integrar os rebeldes à bala. Um orador, que concentra em suas palavras o discurso oficial, ao relacionar aquele dever militar às palavras “Pátria, Glória e Liberdade”, para em seguida revelar a “tática” a ser empregada. Neste momento, a linguagem atinge um ponto precioso de sua virtualidade: “Pátria, Glória e Liberdade” só seriam alcançadas por meio da destruição à “ferro e fogo”, tal como na linguagem apocalíptica em uso entre os conselheiristas “bárbaros”. Trata-se de uma linguagem que apontava expectativas (“modernas”), mas que vinha carregada de um sentido de destruição e impiedade. Para além da ênfase do discurso oficial –e do discurso narrativo explícito– civilização e barbárie equilibram-se sobre uma distinção em tudo permeável uma à outra. Essa interpretação busca inserir em negativo o sentido oculto das imagens criadas na narrativa, quer dizer, busca extrair de uma passagem uma lição da história que deste modo possa interpelar o sentido evidente e explícito e o faz dobrar diante de uma problematização arbitrária mas efetiva. Assim, a interpretação oferece uma espécie de recuo crítico e questionador de uma concepção mecanicista da história que serve à narrativa como um meio de consagração triunfalista da República. Neste caso, a matéria perde sua aparência de autonomia de algo constituído em-si e para-si (idéia que resulta da ilusão de separar conteúdo e forma), enfraquecendo o critério de definição que o método narrativo explícito procura impor, mas é desautorizado. Este recuo crítico não é mera retórica que venha mostrar a erudição do Autor, mas aponta impasses constitutivos da narrativa, intencionalmente presa a critérios filosóficos de outra extração.

4. Imagens cujo sentido, ao mesmo tempo, oculta e conserva significados históricos passíveis de “representação”: este é um filão rico a ser escavado em Os Sertões.[4] Representam um acesso do conhecimento ao mundo empírico através das formas, mostrando a história social, complexa e contraditória, passível de ser interpretada no momento mesmo em que oferece ao saber perigo, fugacidade e falibilidade à sua possibilidade de compreensão: matéria e cognoscibilidade se encontram traspassadas pela inconstância e volatilidade que cada uma suscita.

Como procurei mostrar na passagem acima citada, a recorrência a essas imagens suspendem as convicções manifestas de Euclides no que diz respeito ao método compositivo (as imagens desautorizam a transparência de sentido) e à filosofia da história (binária e evolucionista e que o leva a aderir sem restrições à República). Ela exerce sua capacidade cognoscível na fratura existente entre a palavra e o seu sentido, e de fato daí retira o extrato de sua significação.

A megera assustadora, bruxa rebarbativa e magra –a velha mais hedionda talvez dêstes sertões– a única que alevantava a cabeça espalhando sôbre seus espectadores, como faúlhas, olhares ameaçadores; e nervosa e agitante, ágil apesar da idade, tendo sôbre as espáduas de todo despidas emaranhados, os cabelos brancos e cheiros de terra – rompia, em andar sacudido,  pelos grupos miserandos, atraindo a atenção geral. Tinha nos braços finos uma menina, neta, bisneta, tataraneta talvez. E essa criança horrorizava. A sua face esquerda fôra arrancada, havia tempos, por um estilhaço de granada; de sorte que os ossos dos maxilares se destacavam alvíssimos, entre os bordos vermelhos da ferida cicatrizada... A face direita sorria. Era apavorante aquêle sorriso incompleto e dolorosíssimo aformoseando uma face e extinguindo-se repentinamente na outra, no vácuo de um gilvaz.

Aquela velha carregava a criação mais monstruosa da campanha. Lá se foi com seu andar agitante, de atáxica, seguindo a extensa fileira de infelizes (Cunha, 1966: 486).

Fica claro que Euclides abandona o partido da República, uma vez surpreso com os resultados da guerra, suas conseqüências para aqueles miseráveis suas vítimas. Mas interessa interpretar esta passagem como uma imagem alegórica que concentra todo significado de que é capaz. Ela conserva, na face descarnada da criança, o choque do tempo: a face descarnada, arruinada e apodrecida é conservada dividindo espaço no terreno movediço da interpretação com sua outra metade, bela e nova. O retrato completo daquele rosto expõe na depuração voraz do tempo, a caveira, cuja força representativa está na própria corrosão a que está submetida. A passagem também é sintomática para o âmbito da narração, cujo tom triunfalista, submetido a uma (falsa) épica totalizante, interrompe-se e se prende, como expressão de sofrimento, ao pormenor –a face mutilada de uma criança, a figura esquálida de uma senhora, os gritos mudos dos sobreviventes, os mortos, as ruínas, a caveira– porque estas são as verdadeiras provas do tempo que quer representar.[5] Não o tempo do triunfo, da civilização e do progresso, mas o tempo da destruição, da angústia e do desespero; o tempo empírico no qual se descortina a história social (“esta página sem brilhos”, p. 463) construída às duras penas.

5. O exemplo de Vendéia leva água ao moinho, valendo uma análise.[6]

A Revolução francesa que se aparelhava para lutar com a Europa, quase sentiu-se impotente para combater os adversários impalpáveis de Vendéia – heróis intangíveis que se escoando céleres através das charnecas prendiam as fôrças republicanas em inextricável rêde de ciladas...

(...) Êste paralelo será, porém, levado às últimas conseqüências. A República sairá triunfante desta última prova (A nossa Vendéia, in: Cunha, 1966, vol. II: 578).

De acordo com a interpretação corrente,[7] Vendéia seria uma metáfora inadequada para representar Canudos (o próprio Euclides o reconheceria), porque nem os conselheiristas tinham pretensões restauradoras, nem os restauradores tinham força para restaurar o que quer que fosse; acresce que mesmos estes não viam com bons olhos a relação entre a monarquia e um bando de fanáticos miseráveis. Assim, a metáfora euclideana é entendida como mera propaganda republicana (“A República sairá triunfante desta última prova”) e desqualificada como método interpretativo. Insistindo nos argumentos que venho utilizando, a imagem que Vendéia nos apresenta não seria uma metáfora, que insistiria numa evidência de sentido, mas uma alegoria, que constrói um diferencial de significações como critério interpretativo. Seria assim fundamental compreender a imagem euclideana sem um sentido literal, sem a imediaticidade da interpretação, mas a deixando entrever o poder de expressão da palavra e o declínio de seu conteúdo verdadeiro – nunca alcançado.

Na passagem supracitada fica definido o propósito comparativo, onde Euclides realça a Revolução Francesa como um paradigma para o imaginário político e social no Brasil, sempre correndo atrás de atualização. A proclamação da República veio trazer, com 100 anos de atraso, os caros ideais liberais à ordem do dia, e a imagem de uma “Vendéia nacional” demonstrava (não havendo à época da Proclamação nenhum movimento popular que a legitimasse ou a contestasse, que a colocasse no panteão das causas universais) por meio do atraso, nossa atualidade. A utilização de um esquema binário (“Ven-déia”/Vendée ) leva a uma interpretação fácil mas deficiente, pois o que está em pauta não é apenas uma confrontação espacial, mas estrutural: o desajuste da imagem denuncia um dado mal assimilado por nossa elite, que insistia em tornar paralelo um processo político ao mesmo tempo que fazia vista grossa para a disparidade interna. Neste ponto a imagem é bem empregada, ela reproduz um refluxo na interpretação da inteligência nacional ao tratar de questões internas. A imagem alegórica se arremete contra sua possibilidade de representação, demonstrando que, remetendo ao universalismo, a narrativa se refere a uma atualidade mal compreendida, mas ao mesmo tempo efetiva, e desta maneira lhe dá consistência como matéria para reflexão.[8]

6. Conhecimento e história são dois momentos distintos, mas, traspassados e transitivos, ganham densidade e sentido no âmbito da técnica, isto é, esse traspassamento conflui e se realiza na narração. Anteriormente referi que ao definir um método de composição baseado na verdade e na fidedignidade aos fatos, Euclides da Cunha lhe inseriu dupla fragilidade. Venho argumentando em favor da primeira, no terreno da história, e acentuando as conseqüências que sua teoria do conhecimento traz para o interior do volume; a outra, no campo da linguagem, vem desdobrar tais conseqüências mais que apresentar-lhes outra solução. No limite se esperaria que a fidedignidade sustentasse a estrutura de Os Sertões, o que, como vimos, não ocorre. Apenas um leitor desatento ou mal intencionado não confrontaria o enunciado (a Nota Introdutória) com a fatura da obra, e, neste caso, percebemos que o andamento da prosa perde em objetividade, que se retrai frente a uma linguagem elaborada e em nada despretenciosa. Caso levasse o axioma da neutralidade axiológica até o fim, isto é, se configurasse e definisse a estrutura formal de sua obra, Euclides obteria um resultado inteiramente outro daquele alcançado. Neste caso, submeteria Os Sertões a um conjunto único e hierarquizado de conceitos (sejam epistemológicos, históricos ou ainda miméticos) lançando o livro em um patamar inferior, posto que não possui fôlego para comprovar acontecimentos.

Isto posto, vale apresentar a hipótese que tento dar consistência: a narração concentra, sob uma arquitetura formal densa e díspare, as contradições já apontadas entre conhecimento do real e fatura literária. São dois momentos constitutivos e estruturados que marcam a composição, mas para tanto é necessário entender conhecimento e história dotados de sentidos múltiplos e variados, passíveis de falibilidade. O que venho sugerir é que esta relação entre método compositivo e história é depositária de uma contrafação, que acarreta uma narrativa falsamente épica, na qual os acontecimentos encadeiam-se uns aos outros e nesta condição, palavras traduzem –em si mesmas, na construção frásica– o encadeamento do real, ou seja, traduzem a certeza de uma continuidade histórica num duplo sentido de continuidade dos eventos e da narração: descontinuidade narrativa aparece sob a forma contínua e sem fraturas. A este movimento proponho a inserção –arbitrária mas producente– de outra interpretação possível: atentar para a função crítica e anti-rítmica que a imagem representa no processo de construção do conhecimento, pois ela não compartilha do encadeamento das palavras, neste momento torna a fratura do tempo histórico interna à linguagem, acolhendo sua descontinuidade.

Em acordo com as intenções explícitas de Euclides, a sua narrativa apresentaria uma acumulação de eventos que, organizados dentro de uma lógica inteiriça, comporia uma saga civilizatória sem igual.  A inserção de uma interpretação imagética, interrompe o fluxo narrativo, o tom legitimatório, para forçar e deixar aparecer a representação propriamente, isto é, deixar aparecer o encadeamento de imagens (resíduos da história) e o próprio processo de sua criação, o próprio processo imaginativo. E ali, na imagem alegórica, onde o sentido corre o risco de se perder, ali ele retoma fôlego negando a evidência. É um movimento interno à narração e à história, que põe a confiabilidade na evidência do sentido à deriva e desta forma também atinge o método, subtraindo a sua intenção de descrever aprioristicamente a história da sociedade, mas realizando-se juntamente com ela.

Na perspectiva de uma “épica” orientando e sustentando Os Sertões, a história empírica garantiria a redenção humana de seu estado de barbaria, e o campo de batalha seria o palco de sua encenação: ali se constituiria um sujeito social pleno, cujo aprimoramento seria acumulativo, uma vez inserido na civilização. Reproduzindo tal movimento, a marcha triunfalista, levada a efeito pelos representantes da “civilização e do progresso”, contamina a narrativa.

[Os] assaltos subtâneos, intermeados de longas horas de repouso relativo, traduziam sempre uma inversão de papéis. Os assaltantes [os soldados] eram, por via de regra, os assaltados. O inimigo encantoado, é quem lhes marcava o momento angustioso das refregas, e estas surgiam sempre de chôfre (Cunha, 1966: 398).

O movimento de batalha demonstra a medição de forças entre os contentores, mostrando os soldados, laureados pela narrativa, espremidos diante do inimigo. Para efeito de composição, a narrativa internaliza o seguinte movimento: as expedições sucessivas repisam os erros e amargam derrotas; a guerra se mostra um refluxo do tempo, não evolui, os mortos mantêm-se presentes, espelhando-se nos vivos (p. 402).

E sôbre tudo aquilo uma monotonia acabrunhadora... A sucessão invariável da mesmas cenas no mesmo cenário pobre, despontando às mesmas horas com a mesma forma, davam aos lutadores exaustos a impressão indefinível de uma imobilidade no tempo (Cunha, 1966: 379; grifo meu).

Como resultado (formal), a narrativa não avança, é travada por digressões, reflexões filosóficas, novas referências ao cabedal universal do Autor, descrições puramente informativas sobre os números de soldados, armamentos, datas, nomes; enfim, uma infinidade de dados que protelam o andamento da narrativa e sua aproximação do fim. Quando a guerra parecia definida, novas ações dos sertanejos (“[a batalha] permanecia indecisa”, p. 481) ou outras informações, sem função, são incorporadas. A narrativa retoma as descrições, e aquilo que se demonstra sem novidades, sem novidades é incorporado, revelando monotonia e involução. A interferência desta observação é crítica uma vez que, fruto de uma observação empírica, é trazida ao nível da técnica, deixando perceber uma interrupção no andamento orgânico da prosa –uma quebra de ritmo–, demonstrando que narração e história estão ligados em um movimento único e estruturado.

7. O leitor percebeu que o presente texto acompanha um movimento pendular. Procurei demonstrar os limites de uma vontade manifesta por Euclides da Cunha, uma “vontade” obediente às suas premências filosóficas, mas que se desenvolve sob o imperativo de uma aporia. A hipótese é que a narrativa, em sua potência de engano, isto é, potência de mimese, vai minando as convicções mais profundas do Autor. Neste caso, o corolário racionalista, que se exerce na teoria do conhecimento, na filosofia da história e na narração, sofre uma obliteração crescente em seu curso, criando uma estrutura compositiva ao mesmo tempo díspare e combinada; contraditória e coerente. Esta estrutura equilibra o livro no detalhe e no movimento, arrumando num processo miúdo e desconcertante, a arquitetura narrativa.

Uma obra de arte realmente significativa funda um estilo ou o transcende. Sua importância é tanto maior quando as duas coisas se dão ao mesmo tempo. É assim que Os Sertões surge no panorama de nossa literatura: ele desafia o conceito instrumental e superficial de gênero e estilo, pois os altera; ele funda um espaço próprio que somente a ele cabe, uma vez que sua estrutura formal se movimenta ininterruptamente para longe de deduções apriorísticas. Ao contrário, a crítica que se ocupe em estudá-lo deverá iniciar o processo de interpretação sempre de novo, incansavelmente. Podemos então falar em “formação de um cânone”, posto que Os Sertões funda seu próprio leitor e o desafia a formar-se a si mesmo. Por isso a crítica literária que busque ser profunda, atual e questionadora, deve fazer mais que pretender o entendimento de seu objeto ou da sociedade que o viu surgir, deve fazer mais que aplicar-se com afinco e atenção a este entendimento. Deve, fundamentalmente, se atualizar juntamente com ele, pois nada fará da crítica mais merecedora deste nome que a busca por compreensão de sua própria época, a época que faz despertar o interesse por um objeto qualquer. É isto que move este estudo: tentar compreender, através da arquitetura geral de Os Sertões, o momento que fez aparecer o interesse por eles: o nosso próprio tempo: tão sutil e complexa é a dialética das formas.

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Notas

[1]  Cunha, 1966: 93-94 (grifo meu). As referências a Os Sertões, foram coligidas da edição de Obra completa, v. 1.

[2] O positivismo expurga de sua lógica formal o caráter duplo da sociedade, que é, ao mesmo tempo, sujeito e objeto do conhecimento. “Subjetivamente, a sociedade, por remeter aos homens que a formam, e inclusive seus princípios de organização, remetendo à consciência subjetiva e sua forma de abstração mais universal, a lógica, é algo essencialmente intersubjetiva. Ela é objetiva, porque na base de sua estrutura de apoio, sua própria subjetividade não lhe é transparente, já que não possui sujeito global e impede a instauração deste em virtude de sua organização. Um tal caráter duplo, porém, altera a relação de um conhecimento científico-social ao seu objeto, e disto o positivismo não toma notícia. Ele trata sem mais a sociedade, potencialmente o sujeito que se autodetermina, como se fosse um objeto a ser determinado a partir do exterior. Literalmente, ele transforma em objeto, o que por sua vez causa a objetivação e a partir da qual a objetivação há que ser explicada. Uma tal substituição de sociedade como sujeito, por sociedade como objeto, constitui a consciência coisificada da sociologia.” (Adorno, 1983: 233)

[3] Comte, cuja influência marcou nosso Autor durante os anos de estudante na academia militar, desenvolve esta tese em sua “lei dos 3 estados”.

[4] A formulação filosófica que me inspira a esta operacionalidade do termo, encontra-se em Walter Benjamin: “No curso do seu desenvolvimento, a emblemática adquiriu novas ramificações, e na mesma proporção essa forma de expressão se tornou menos transparente. (...) Como ela se infiltrou em todas as esferas espirituais, da mais ampla à mais limitada, da teologia, ciência natural e moral até a heráldica, a poesia de circunstância, e a linguagem amorosa, o estoque de seus instrumentos imagísticos é ilimitado. A expressão de cada idéia recorre a uma verdadeira erupção de imagens, que origina um caos de metáforas.” Neste sentido a idéia de imagem traz conseqüências profundas para o terreno da estética: “Essa circunstância nos conduz às antinomias do alegórico, cuja discussão dialética é incontornável, se quisermos de fato evocar a imagem do drama barroco. Cada pessoa, cada coisa, cada relação pode significar qualquer outra. (...) Pois a alegoria é as duas coisas, convenção e expressão, e ambas são por definição antagonísticas. Mas assim como a doutrina barroca compreendia a história em geral como uma sucessão de eventos criados, a alegoria em particular, embora uma convenção como qualquer outra, era vista como criada, da mesma forma que a escrita sagrada.” (Benjamin, 1984: 194-197) - grifos meus.

[5] Interessante uma menção à teoria barroca da história segundo a significação imagética da caveira. “A história em tudo que nela desde o início é prematuro, sofrido e malogrado, se exprime num rosto - não, numa caveira. E porque não existe, nela, nenhuma liberdade simbólica de expressão, nenhuma harmonia clássica da forma, em suma, nada de humano, essa figura, de todas a mais sujeita à natureza, exprime, não somente a existência humana em geral, mas, de modo altamente expressivo, e sob a forma de um enigma, a história biográfica de um indivíduo. Nisto consiste o cerne da visão alegórica: a exposição barroca, mundana, da história como história mundial do sofrimento, significativa apenas nos episódios do declínio” (Benjamin, 1984: 188).

[6] Euclides da Cunha escreveu dois artigos sobre “Vendéia” (os artigos foram escritos para o jornal Estado de São Paulo com o título “A Nossa Vendéia” publicados, respectivamente, em 14 de março e 17 de julho de 1897, e coligidos em Cunha, 1966: vol. II: 575-582) em meio à grande comoção nacional causada pela derrota da expedição Moreira César e a preparação da 4a Expedição. Em seu artigo Euclides compara Canudos à Vendée, cidade ao sul da França que resistiu à Revolução Francesa, lutando pela Restauração. É importante notar que enquanto Euclides se empenhava em relacionar os dois episódios, em Os Sertões este objetivo se arrefece, pois o Autor reavalia a sua posição que, ele mesmo o reconhece, era exagerada.

[7] Vários autores se referem a este episódio, Olímpio de Souza Andrade, Luiz C. Lima, Marco Villa, Walnice N. Galvão, entre outros. Vale destacar a interpretação de Roberto Ventura, (1990), da qual, no entanto, minha interpretação difere.

[8] Com isso pretendo desarmar um juízo tão comum quanto insuficiente por parte da crítica, segundo o qual uma reflexão social a respeito de Os Sertões deve necessariamente repousar um principio dualista - que opunha litoral a sertão, civilização a barbárie, atraso a progresso. Como pretendo demostrar, o livro concentra, de maneira variada, um problema de estrutura. Para tanto é imprescindível que a crítica ultrapasse o sentido evidente de seu enunciado