Estudos Sociedade e Agricultura

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José Augusto Drummond

O manejo agroflorestal científico como um uso alternativo de recursos naturais na  Amazônia Brasileira*


Estudos Sociedade e Agricultura, 11, outubro 1998: 99-133.

Resumo: (O manejo agroflorestal científico como um uso alternativo de recursos naturais na Amazônia brasileira). Este texto examina a aplicabilidade do manejo agroflorestal de base científica às necessidades de dois segmentos da população rural da Amazônia brasileira: grupos tribais nativos e grupos ribeirinhos ou "caboclos". O texto apresenta um conceito contextualizado de manejo agroflorestal e faz uma revisão de uma parte da literatura pertinente. Focaliza o potencial que esse manejo tem de ajudar nativos e caboclos e criar ou ampliar uma produção agropecuária silvicultural direcionada para o mercado. O texto propõe que o manejo agroflorestal de base científica, combinado com práticas tradicionais de manejo, tende a gerar renda monetária para esses grupos a partir da produção confiável de bens com bom valor de mercado, além de dar mais segurança à produção de bens para subsistência.

Palavras-chave: manejo agroflorestal; florestas tropicais úmidas; Amazônia; culturas nativas; agricultura sustentável.

Abstract: (Scientific Agro-Forestry as an Alternative Use of Natural Resources in the Brazilian Amazon Region). This paper examines the applicability of scientific agro-forestry to the needs of two sectors of the rural population in the Brazilian Amazon region: Native tribal groups and "caboclos" (also known as "ribereños" in Spanish), the detribalised descendants of native groups living in relatively small communities or in remotes areas. The major focus is on its applications to the development of Native and "caboclo" market-oriented production. It is argued that scientific agro-forestry can combine with "traditional" agro-forestry practices, especially to enhance crops that allow small producers to obtain substantial cash income, besides, making subsistence activities more dependable.

Key words:  agro-forestry; Brazil; rain forests; Amazon Region; native cultures; sustainable agriculture.

José Augusto Drummond  é professor da UFF.


Introdução: objetivos e abrangência

Neste texto avalio o potencial do manejo agroflorestal de base científica para melhorar os padrões de vida dos agricultores rurais pobres de regiões isoladas ou de  fronteiras em países tropicais. Focalizo a América do Sul, especialmente os residentes das áreas de terras baixas da região amazônica relativamente isoladas ou incipientemente integradas às economia nacionais. No entanto, suponho que a maior parte do que exponho vale também para áreas recentemente ocupadas ou mesmo áreas mais integradas à economia nacional da mesma bacia amazônica coo um todo, e para outras regiões de floresta tropical na África e na Ásia, especialmente naquelas em que persistem a pobreza e o isolamento, associados a uma densidade populacional relativamente baixa.1

Sustento que o manejo agroflorestal, dentre numerosas alternativas de uso dos recursos naturais das terras florestadas amazônicas, parece ser a melhor opção para que muitos habitantes rurais da Amazônia comecem a produzir mais sistematicamente para o mercado - ou ampliem sua produção comercializável. Ele é especialmente - mas não exclusivamente - relevante para aqueles segmentos "tradicionais"  dos amazônidas que desenvolveram formas de habitar as paisagens florestadas sem eliminá-las - extração vegetal, caça, pesca, policultura de queimada e hortas - e que desejam manter as linhas gerais do seu estilo de vida. Refiro-me (1) tribos nativas dotadas de grau considerável de identidade cultural e estabilidade territorial e (2) caboclos ou ribeirinhos relativamente estabilizados em pequenas comunidades em muitos recantos da Amazônia, há décadas ou mesmo séculos. Os dois grupos, via de regra, praticam algum tipo de manejo agroflorestal tradicional, com diversos graus de complexidade.

Assim, o manejo agroflorestal de base científica não é, em absoluto, algo "novo" para esses grupos sociais, mas pode se combinar com suas práticas tradicionais para ajudar na criação de melhores condições de vida. No entanto, se essa adequação entre práticas tradicionais e práticas científicas permite um prognóstico otimista sobre os efeitos de sua maior aproximação mútua, de outro lado, há um número considerável de obstáculos e dificuldades a serem levados em conta. O texto pretende apresentar uma visão equilibrada dessas potencialidades e desses obstáculos.

 

Perfil socioeconômico dos grupos-alvo do manejo agroflorestal

A região amazônica brasileira, definida quer como bacia hidrográfica, quer pela área de abrangência de um complexo de flora e fauna, quer pela divisão político-administrativa do país, ocupa mais da metade do território brasileiro. Apesar de ocupada milenarmente por povos indígenas e de explorada por adventícios desde os tempos coloniais e a despeito de recentes e expressivas migrações internas para algumas de suas seções, ocorridas principalmente a partir da década de 70, a população da região amazônica, tal como a sua densidade populacional, continuam muito baixas ou apenas modestas. Os dados mais recentes indicam que a população total da Amazônia é de 18.748.490 pessoas, correspondendo a pouco mais de 12% da população brasileira. A densidade populacional média da região é de apenas 4 habitantes por quilômetro quadrado, com extensas áreas que registram densidades abaixo de 1 habitante por quilômetro quadrado. Apenas 5% do PIB brasileiro é gerado na região Amazônica Legal, embora ela corresponda a cerca de 60% do território nacional brasileiro (FIGBE, 1996 e Veja, 1997 são as fontes dos dados sobre a Amazônia apresentados nesta seção).

Uma característica notável da região é a sua urbanização "prematura": em 1996 pelo menos 61,35% dos amazônidas são classificados como urbanos em termos de sua residência (ver dados da Tabela I), sendo que cifra equivalente para 1991 já superava os 50%. Maranhão e Pará são os menos urbanizados (51,92% e 53,51%), enquanto Amapá e o Mato Grosso são os mais urbanizados (87,12% e 75,83%). As projeções indicam que essas percentagens - regional e estaduais - tendem a crescer, lenta mas firmemente.

Considero essa urbanização prematura porque a fronteira de terras e recursos naturais da Amazônia está longe de ser "fechada". Embora grande parte das terras amazônicas mais acessíveis - principalmente à beira de estradas - tenha caído recentemente sob propriedade privada na forma de grandes e médias propriedades )Almeida, 1992), de forma a tornar a propriedade das terras amazônicas tituladas mais concentradas do que no resto do país, existem na região grandes extensões de terras públicas ou "livres", nas quais ao menos teoricamente, poderia se instalar e viver uma massa razoável de habitantes. Ou seja, é razoável supor que essa disponibilidade de terras (e de recursos naturais conexos) relativamente abundantes estimule o crescimento relativo da população rural dedicada à agricultura, pecuária, extração mineral e outras atividades não urbanas. No entanto, não é isso o que vem ocorrendo nas últimas décadas. Encaro essa urbanização prematura como uma das muitas conseqüências sociais advindas da dificuldade de sobreviver em áreas rurais da Amazônia. Isso vem sendo apontado por diversos autores como um fenômeno importante da realidade socioeconômica da Amazônia, entre outros por Bertha Becker (1990). Viver nas cidades amazônicas, mesmo nas pequenas, tem se mostrado mais atraente, até para muitos dos migrantes recentes oriundos de áreas rurais de outras regiões do país.

 

Tabela I. População urbana, rural e total dos 9 estados amazônicos brasileiros, 1996.*

Estado

População

Urbana

%

População Rural

%

População

Total

Maranhão

2.711557

51,92

2.511.008

48,08

5.222,565

Pará

2.949.017

53,51

2.561.832

46,49

5.510.849

Tocantins

741.009

70,66

307.633

29,34

1.048.642

Amapá

330.590

87,12

48.869

12,88

379.459

Rondônia

762.864

61,97

468.143

38,03

1.231.007

Roraima

174.277

70,52

72.854

29,48

247.131

Acre

315.404

62,20

168.322

37,80

483.726

Mato Grosso

1.695.548

75,83

540.284

24,17

2.235.832

Amazonas

1.766.166

73.92

623.113

26,08

2.389.279

Total

11.446.432

61,35

7.302.058

38,65

18.748.490

* Incluí os municípios maranhenses que não fazem parte da Amazônia Legal.

Fonte: Contagem Populacional - 1996. Rio de Janeiro, FIBGE, 1997.

 

Os 38,65% dos amazônidas que vivem em áreas rurais - correspondendo a 7.302.058 e pessoas - e que provavelmente se dedicam a atividades agropecuárias, florestais e minerais podem ser divididos, para fins deste texto, em três grupos (que não esgotam a sua variedade), embora os dados não permitam dimensioná-los e localizá-los com precisão na enorme região. Vou tratar primeiramente dos dois grupos aqui considerados os principais alvos potenciais de programas de manejo agroflorestal de base científica. Primeiro, há tribos e nações indígenas, que chegam hoje a  cerca de 170.000 pessoas, perto da metade de todos os indígenas remanescentes no país. Os dados disponíveis indicam que as populações dos diversos grupos indígenas da Amazônia vêm crescendo expressivamente.

É um número pequeno, mas é preciso considerar que as suas terras, tanto as regularizadas quanto em processo de regularização, cobrem mais de 20% da região amazônica brasileira. As populações indígenas e suas terras estão espalhadas por toda a enorme região. Os grupos apresentam diferenças marcantes em termos de língua, cultura e de grau de interação com a sociedade nacional. Embora bem mais organizados do que há 10 anos, as suas habilidades de organização e de exercício da cidadania são de incipientes a recentes. O governo central tem sido notoriamente deficiente na proteção dos seus interesses. Mais recentemente, o apoio recebido de diversos grupos de direitos humanos sediados em outras regiões brasileiras e mesmo no exterior tem sido ao menos tão importante quanto a ação governamental para a prevalência dos direitos territoriais, políticos e culturais indígenas.

O segundo grupo, o de caboclos ou ribeirinhos, é composto de um número de pessoas que vivem de forma "tradicional" em áreas rurais, desde as mais próximas de centros urbanos até locais remotos. O seu número é difícil de precisar. Tipicamente elas vivem em pequenas  comunidades ou em casas individuais ao longo dos rios, igarapés, igapós, lagos e furos, historicamente as principais vias de movimento humano e de assentamento dentro da região. Embora possam ser encontradas também nas proximidades das estradas abertas na região nas últimas décadas, seu peso demográfico aí é um tanto diluído pela presença de imigrantes de outras regiões brasileiras, atraídos exatamente pela possibilidade de acesso rodoviário. Uma estimativa razoável é que os caboclos ou ribeirinhos componham cerca de 40% dos rurícolas da Amazônia - cerca de 3 milhões de pessoas, boa parte das quais estará, a qualquer momento dado, passando por mudanças mais ou menos profundas, mais ou menos permanentes no seu estilo de vida.

Os estilos de vida dos caboclos, suas ocupações e seu apego ao local de moradia são relativamente estáveis, principalmente ao longo dos rios, onde vivem como posseiros - ocupantes destituídos de titulação oficial das terras onde vivem e que exploram. O isolamento, o baixo nível de instrução formal, a pobreza e a dominação política tradicional impedem ou  inibem a sua organização política autônoma, embora haja exceções notáveis, como a dos seringueiros na última década. Embora formem um grupo social "marginal" na sociedade nacional, via de regra os caboclos se identificam mais com ela do que com quaisquer tribos ou nações indígenas. É provável que os números absolutos de caboclos estejam diminuindo, pois seus estilos de vida não são adotados pelos migrantes recentes de outras regiões e porque eles não são imunes a mudanças - são atraídos pela residência e pelo trabalho em áreas urbanas, ou por outras formas de vida e de trabalho no meio rural.

Como disse acima, considero esses dois grupos sociais rurais os que mais têm a ganhar com programas científicos de manejo florestal. Há vários motivos para essa suposição. Eles têm raízes milenares ou ao menos seculares na região e desenvolveram diversos modos de viver que não eliminam a cobertura florestal nativa. Ambos diferem marcadamente de um terceiro grupo, os migrantes  rurais recentes, oriundos de outras partes do país, quer espontaneamente, quer incentivados por programas governamentais e privados de colonização, ou atraídos por grandes obras públicas (estradas, hidrelétricas, linhas de transmissão etc.) Essas pessoas foram atraídas para a região pela possibilidade de desenvolver usos ou participar de atividades - monoculturas agrícolas, criação de gado, garimpo, mineração, construção de estradas e outras obras públicas - que em geral eliminam a cobertura florestal densa característica das matas tropicais amazônicas.

Esse terceiro grupo inclui pessoas com alto grau de mobilidade geográfica e outras com algum grau de estabilidade, formando talvez outros 40% da população rural da Amazônia, algo em torno de 3 milhões de pessoas. 2 Os migrantes menos enraizados fazem movimentos cíclicos ou contínuos, em busca de variadas oportunidades de sustento, por vezes trabalhando nas próprias cidades amazônicas. Eles são ocasionalmente bem organizados, ou pelo menos trazem experiência política ou sindical de suas terras de origem. No entanto, sua força econômica e política é debilitada pela sua própria mobilidade, pela vulnerabilidade econômica e pela precariedade da titulação de suas terras. Os números desses migrantes rurais recentes devem estar crescendo moderadamente, mas esse crescimento tende a se concentrar em áreas mais acessíveis - principalmente à beira de estradas de rodagem - e/ou em torno de grandes empreendimentos públicos e privados, hoje mais raros do que nas décadas de 70 e 80

Os migrantes recentes, quer como posseiros que desenvolvem pequenas culturas agrícolas ou pecuárias (e que podem se tornar temporariamente garimpeiros, coletores florestais, peões de obra ou assalariados rurais), quer como colonos de projetos particulares ou oficiais, não parecem um grupo inclinado a adotar o manejo agroflorestal, quer o tradicional, quer o científico. Interessados em usos que eliminam grandes trechos florestados e geralmente nascidos e criados em regiões cuja flora nativa foi eliminada, para eles o manejo agroflorestal tem escassa atratividade. Isso não significa afirmar que o  manejo agroflorestal seja incapaz de melhorar as suas condições de vida, nem que eles sejam incapazes de adotá-lo. Significa apenas que eles tendem a considerar a eliminação da floresta como condição necessária e mesmo prioritária para as atividades que preferem desenvolver.

Eles têm fortes motivos para pensar e agir dessa forma. Migram para a Amazônia vindo de regiões nas quais as florestas nativas foram eliminadas ou severamente reduzidas. Suas experiências e seus conceitos agrícolas e pecuários pressupõem paisagens abertas, livres de "obstáculos", como a flora e a fauna nativas. Eles não têm um conhecimento profundo nem avaliação positiva quanto à integridade da flora ou dos ecossistemas amazônicos, que lhes são estranhos. Além do mais, sua identificação com qualquer trecho específico das terras amazônicas é aleatória e fugaz, por causa (1) das dificuldades de alcançar estabilidade fundiária, (2) dos impactos ambientais de suas próprias práticas agropecuárias e (3) das condições tumultuadas típicas de regiões de fronteira, as quais favorecem a migração contínua ou cíclica (Becker, 1990; Velho, 1976; Fearnside, 1986 e Moran, 1981, identifica, enumera e comenta as diversas políticas governamentais e leis que incentivam o desmatamento na Amazônia; Schmink e Wood, 1992, focalizam uma região do Pará que sofreu migração maciça de brasileiros de outras regiões. Assim, a eliminação da cobertura florestal nativa da Amazônia é, para esses migrantes recentes, um pressuposto enraizado. O conceito de poupar, proteger, plantar e cultivar árvores tende a lhes ser estranho. Como todo fato cultural, é claro que isso pode mudar através da interação com os usos florestais de nativos e caboclos, ou de programas educacionais e de extensão, mas neste texto não exploro muito essa possibilidade.

Assim, entre nativos e caboclos, o público-alvo amazônico potencial - como eu o vejo- do manejo agroflorestal científico chega a cerca de 3,2 milhões de pessoa. Com algumas adaptações e em certas circunstâncias, ele pode atrair um número considerável de migrantes rurais recentes. Ainda com essa adesão, teríamos uma cifra modesta, e ela inclui contingentes rarefeitos e espalhados por regiões de difícil acesso. A cifra exclui, é claro, públicos-alvo de muitas outras regiões do país nas quais o manejo agroflorestal também tem muitas aplicações.

Minha análise está influenciada por outro pressuposto, bem distinto. Quase todas as propostas feitas para desenvolver atividades econômicas "modernas" na Amazônia focalizam algum bem a ser tirado de lá ou produzido lá para ser consumido em outro lugar (a esse respeito, ver Bunker, s.d., e Bunker, 1985). O manejo agroflorestal, pelo menos no que estimula a segurança alimentar, a fixação dos produtores e a obtenção de renda monetária, se distingue notadamente dessa tendência. Os sistemas agroflorestais têm, portanto, requisitos inerentes que significam benefícios para as populações locais. As reservas extrativistas, propostas desde 1986 por organizações de seringueiros brasileiros, representam um exemplo de manejo agroflorestal desenhado de forma a que benefícios locais se combinem com inserção no mercado de produtos florestais (ver Arnt, 1994, com diversos textos sobre as reservas extrativistas amazônicas).

No geral, no entanto, muitos tomadores de decisão e formadores de opinião no Brasil e no exterior, cientistas e empresas, políticos locais e nacionais tendem a compartilhar uma visão - raramente explicitada - de que a Amazônia se desenvolverá a partir do seu papel de periferia fornecedora de matérias-primas-minérios, petróleo, gás natural, energia hidrelétrica, culturas agrícolas, animais domésticos e selvagens, madeira e outros produtos florestais, recursos genéticos, fruição estética - elementos a serem retirados da região, pelas pessoas que lá residem, mas apenas mais raramente para o consumo dessas pessoas. Esse modo de pensar, combinado com o valor declinante e o baixo poder de troca das matérias-primas e dos produtos primários, conduz a um cenário pouco animador: os habitantes da Amazônia parecem condenados a uma pobreza permanente vis-à-vis os habitantes de regiões dotadas de sistemas produtivos intensivos de capital capazes de transformar essas matérias-primas e de vender os produtos finais. A expressão de Bunker (s.d.), "periferia extrema", descreve bem a Amazônia: (1) ela tem uma longa história como região exportadora de materiais não processados, (2) seus habitantes são em geral pobres e (3) ela contém uma grande variedade e grandes quantidades de recursos naturais ainda a serem explorados.

Os dois grupos sociais discutidos neste texto vivem nesse cenário, pois dependem de sistemas econômicos intensivos de recursos naturais, ou de "capital natural", em grande parte extraídos e em menor parte localmente transformado. Nas suas relações com mercados nacionais e internacionais, esses grupos enfrentam problemas como competição de outras áreas extrativas; trocas desiguais; a diminuição da demanda bruta por motivos como ganhos de produtividade; programas de reciclagem e substituição de materiais, para não mencionar outros processos como a domesticação ou a reprodução em cativeiro de plantas e animais nativos da região (Freudenberg, 1992, discute  as fracas perspectivas desenvolvimentistas das regiões extrativas contemporâneas).

Assim, abordo o manejo agroflorestal como uma forma particular de atividade agrícola. Ela se distingue do extrativismo, embora possa conviver com ele no mesmo espaço e até no mesmo tempo. Levo em conta a sua capacidade de atender às necessidades e melhorar os padrões de vida das populações  tradicionais da Amazônia dedicadas à exploração de recursos naturais. Nesse sentido, o manejo agroflorestal, para significar algo diferente, deve ser capaz de melhorar a produção de bens de subsistência , mas tem que gerar também uma cesta de bens comercializáveis a serem vendidos em mercados locais, nacionais e internacionais e que comandem um valor de troca substantivo. É claro que o manejo agroflorestal não supera necessariamente as limitações desenvolvimentistas inerentes aos produtos não processados ou apenas parcialmente processados, pois estes problemas só podem ser superados pela adoção de atividades industriais transformadoras das matérias-primas locais, ou pela criação de serviços. Embora importante para pensar as perspectivas de desenvolvimento regional, por falta de espaço não discutirei aqui a complexa questão da diversificação industrial e dos serviços das economias extrativas ou agropecuárias.

Vale acrescentar que o manejo agroflorestal tem ainda outra dimensão notável: sua capacidade de diminuir a destruição maciça de florestas nativas e secundárias, destruição essa característica de quase todas as demais atividades econômicas desenvolvidas nas áreas rurais amazônicas. Por fixar no mesmo lote produtores que de outra forma seriam itinerantes e por produzir alguns bens similares aos da floresta nativa, o plantio de árvores e arbustos diminui a pressão agregada sobre as florestas nativas remanescentes. Com a valorização recente das florestas nativas como sedes de grande biodiversidade, detentoras de grandes volumes de água potável ou reguladoras do clima planetário, o manejo agroflorestal de terras agrícolas existentes dentro do seu bioma ganha argumentos suplementares. Meu foco principal neste texto é a capacidade de esse manejo aumentar o bem-estar social, mas tratarei também, brevemente, do seu potencial de contribuir para estabilizar a fronteira agrícola através do uso mais prolongado e racional dos solos amazônicos, da criação de zonas de transição entre áreas exploradas e áreas preservadas e até da recuperação de áreas degradadas, na Amazônia e em outros lugares.

 

Um conceito de manejo agroflorestal para agricultores pobres

Paulo T. Alvim, um dos maiores peritos brasileiros no aproveitamento agropecuário de áreas tropicais florestadas, adota uma definição  dos "sistemas agroflorestais", de autoria de King e Chandler. Eis aqui a sua íntegra, como passo inicial para uma definição mais apropriada à região amazônica. Eles são sistemas sustentáveis de uso da terra que combinam, de maneira simultânea ou seqüencial, a produção de culturas (anuais) com a de frutas ou árvores da floresta e/ou animais, usando o mesmo lote de terra e adotando técnicas de manejo compatíveis com as práticas da população local (King & Chandler, 1978, citado em Alvim, 1981).

Esse conceito abrange desde plantações empresariais modernas, sistemas de subsistência e horas domésticas, até sistemas mistos comerciais e de subsistência. Ele tem a vantagem de excluir a mera extração de recursos naturais, atividade bem distinta que depende de produções, produtividades e distribuições naturais, ou seja, fatores não controlados pela cultura humana. Embora muitos povos tradicionais que adotam sistemas agroflorestais também pratiquem algumas formas de extração, e embora essa conexão possa ser até fortalecida com a ajuda do manejo agroflorestal de base científica, é importante manter a distinção conceitual entre extração e agricultura, no caso, o cultivo de árvores e arbustos (para uma discussão mais extensa sobre o extrativismo amazônico, ver Drummond, 1996 e Lescure et al., 1997).

Neste texto trato principalmente dos sistemas agroflorestais mistos comerciais e de subsistência, o terceiro tipo citado por King e Chandler, retendo a exigência de compatibilidade cultural. Na verdade, Alvim (1981 e 1990) não se ocupa especificamente dos grupos sociais aqui focalizados, pois presume que eles carecem dos requisitos de terra e capital, integrantes dos modelos agroflorestais que ele discute e propõe. No entanto, o conceito de King e Chandler serve aos meus propósitos, pois ele leva em conta (1) a valorização das tecnologias tradicionais dos amazônidas, (2) a relativa estabilidade territorial de nativos e caboclos (o manejo agroflorestal, para produzir a longo e médio prazos, exige a permanência dos produtores), (3) a importância de produzir bens para o mercado e (4) o imperativo da segurança alimentar. Considero que esses quatro aspectos  são todos necessários para que os sistemas agroflorestais de fato tragam melhores condições de vida para os habitantes rurais da Amazônia .

Vale mencionar um consenso relevante encontrado na literatura sobre manejo agroflorestal. Trata-se do reconhecimento de que existem "dois manejos agroflorestais", um tradicional e outro científico. O primeiro é um conjunto muito diversificado de conceitos e de práticas agrícolas de povos tradicionais em muitas partes do mundo. Suas origens remontam à pré-história e desde então ela passou por mudanças profundas, muitas desconhecidas (por falta de registros,), e muitas restritas a algumas regiões ou alguns povos. Em muitos lugares ele foi abandonado ou marginalizado por causa de avanços tecnológicos associados à revolução neolítica e por causa do desflorestamento. O segundo deriva de um trabalho ainda recente de botânicos e agrônomos de estudar e proteger as práticas tradicionais remanescentes contra a extinção e de desenvolvê-las com a ajuda da ciência e tecnologia modernas.

Nos últimos séculos, os preconceitos e as mudanças culturais, a extinção e o deslocamento de muitos povos de regiões tropicais florestadas fizeram com que a moderna ciência agronômica e botânica  nascesse praticamente cega para as virtudes dos manejos agroflorestais tradicionais. Tal como os missionários cristãos julgavam destituídos de religião os povos nativos das terras distantes da Europa, administradores coloniais, fazendeiros e cientistas europeus ignoravam ou desdenhavam de suas práticas agrícolas. Assim, existem  sérias barreiras entre a ciência agronômica e botânica moderna e as práticas agrícolas tradicionais, e o manejo agroflorestal de base científica ainda não foi capaz de aplainar todas elas.

Na verdade, boa parte da literatura mais importante até agora, gerado por cientistas contemporâneos que estudam o manejo agroflorestal, é composta de tentativas de reconhecer, entender e restabelecer a legitimidade dos sistemas agroflorestais tradicionais - gerando verdadeiras etnografias  de práticas "exóticas". Trata-se, portanto, de uma revisão - ainda minoritária- dos cânones científicos da agronomia e da botânica. Vergara (1987), por exemplo, enfatiza como os cientistas naturais, até bem recentemente, faziam uma distinção rígida entre os dois tipos de manejo agroflorestal, a ponto de não atribuir valor técnico algum aos sistemas agrícolas de queimada e plantio de muitos povos tradicionais . Eles freqüentemente acusavam a agricultura de queimada como completamente destrutiva dos recursos naturais. Vergara destaca que os cientistas sociais foram os responsáveis pelas apreciações mais equilibradas que muitos agrônomos e botânicos têm hoje sobre a agricultura de queimada, pois identificaram e avaliaram positivamente o manejo das terras em pousio, além da produção e da produtividade contínuas e estáveis geradas pelos manejos tradicionais.

Susanna Hecht trata da mesma questão de maneira mais incisiva. Para ela, a "ciência positivista" ocidental ignorava os sistemas de conhecimento  dos povos pré-letrados e os estudiosos atuais da "agroecologia"  estão investigando coisas que "os fazendeiros já tinham aprendido a fazer". Ela lista cinco campos de estudo e de intervenção nos quais se desenvolveu a agroecologia (o seu termo para manejo agroflorestal científico): ciências agrícolas sensíveis a abordagens ecossistêmicas, ecologia (especialmente a tropical), estudos multidisciplinares de sistemas produtivos indígenas, estudos sobre o desenvolvimento do Terceiro Mundo e ativismo ambiental (Hecht, 1987). No entanto, ela afirma que falta muito para que a ciência possa de fato auxiliar os manejos tradicionais, pois os paradigmas do establishment científico são ainda firmemente antitradicionalistas.

Outro consenso relevante na literatura sobre manejo agroflorestal é que os sistemas agroflorestais, tanto os tradicionais quanto os científicos, não satisfazem os requisitos e as expectativas de enriquecimento rápido. Isso ocorre, principalmente, por causa dos prazos relativamente longos exigidos para a maturação de plantas lenhosas (árvores e arbustos), protagonistas dos sistemas agroflorestais. Num contexto especulativo ou num cenário de  uma fronteira tumultuada pelo influxo e pelo trânsito de muitas pessoas em busca de recursos naturais para exploração imediata, tal como o de muitas sub-regiões da Amazônia, investimentos em sistemas agroflorestais  serão raros, pois exigem prazos longos de maturação e retorno. Assim, os que optam por sistemas agroflorestais viverão períodos mais longos de recuperação dos investimentos e estarão sujeitos, como qualquer empreendedor agrícola, a falhas técnicas, adversidades climáticas e retornos financeiros flutuantes, três fatores que diminuem sua competitividade num contexto de atividades especulativas de curto prazo.

Assim, outros usos da terra com retornos mais rápidos e mais seguros - ainda que menos permanentes - contam com argumentos de base econômica para criticar e eventualmente deslocar investimentos tradicionais ou modernos em sistemas agroflorestais. Esses argumentos tendem a ser muito fortes num contexto de apropriação privada desordenada de terras, ainda mais quando isso se combina com a capacidade desigual de organização política dos atores envolvidos. Num cenário desses, os sistemas agroflorestais podem muito bem  ser descartados como forma "inferior" ou "indesejável" de uso da terra, tanto por administradores públicos quanto por empresários rurais e mesmo pelos habitantes mais pobres do campo. Sabe-se que tais avaliações da agricultura tradicional e do extrativismo são ainda comuns entre muitos cientistas, administradores e empresários de muitos países, favoráveis a sistemas "modernos" de monocultura de plantas anuais. Populações pobres e carentes de meios de exercício de seus direitos políticos têm dificuldade de sobreviver a esse tipo de oposição, principalmente quando produzem apenas para a sua própria subsistência. Assim, é preciso realismo político e econômico: os sistemas agroflorestais de nativos e caboclos não se imporão pelas suas virtudes teóricas ou técnicas. Eles exigem base organizativa e política sólida e capacidade de competição econômica no mercado.

Não discutirei neste texto os sistemas agroflorestais empresariais, pois eles estão fora do alcance dos grupos sociais sob análise. No entanto, quero registrar que os sistemas empresariais de manejo conjunto de árvores, arbustos, animais domésticos e plantas anuais são uma parte econômica e ambientalmente legítima de um sistema macrorregional racional de aproveitamento dos recursos naturais amazônicos. Há um espaço evidente para sistemas agroflorestais maiores e mais capitalizados na Amazônia e, na verdade, eles se insinuam há algum tempo, na forma de plantações de árvores frutíferas regionais ou exóticas e em plantios consorciados diversos, principalmente no delta do rio Amazonas (ver a seção "Agroforestry", em Anderson, 1990).

A questão crucial a investigar quanto à sustentabilidade desses sistemas agroflorestais empresariais seria a sua capacidade de melhorar os padrões de vida dos seus empregados - através de salários e benefícios - já que os mesmos, como assalariados ou trabalhadores temporários, teriam menos tempo a dedicar a atividades de subsistência. No entanto, os salários rurais da Amazônia são sistematicamente baixos. Empresários raramente investem na Amazônia com a disposição de pagar bons salários, especialmente em suas áreas rurais. Assim, considero que o critério de sustentabilidade social deva ser aplicado à avaliação dos projetos agroflorestais de caráter empresarial, pois senão eles serão apenas mais uma forma de subordinar as populações locais a demandas que não são locais.

Na outra ponta da escala, as hortas domésticas, tipicamente de subsistência, podem ser melhoradas com técnicas agroflorestais modernas, mas essas não me parecem suficientes para elevar as populações tradicionais além do nível de subsistência. A melhoria das atividades de subsistência é uma vantagem inegável para os seus praticantes, mas não melhora significativamente os seus níveis de bem-estar. O manejo agroflorestal científico, se restrito às atividades de subsistência, não me parece capaz de mudar substancialmente a situação de pobreza e de subcidadania política de nativos e caboclos. Ele deve ser aplicado principalmente à sua produção de bens comercializáveis, sem eliminar a produção de bens de uso.

Como notou Anderson (1990) num excelente artigo, diferentes "pacotes" de tecnologia agroflorestal podem ser combinados no nível da propriedade  ou do campo de cultivo individual. Muitos caboclos residentes nas várzeas da baixa calha do rio Amazonas desenvolveram três sistemas ou seções agrícolas bem distintos em torno de suas casas: uma horta de subsistência, um lote de policultura e uma ou mais parcelas de florestas parcialmente manejadas (não necessariamente localizadas em lotes de policultura em pousio). Nessa terceira  seção, espécies arbóreas ou arbustivas, tais como palmeiras, seringueiras e árvores frutíferas, são protegidas ou introduzidas, em meio a outras árvores nativas sem utilidade imediata. São comuns também  as combinações de culturas anuais e de árvores nos lotes dedicados à policultura. Parece-me que as técnicas agroflorestais científicas seriam mais bem aplicadas nessas duas últimas seções do que nas hortas ou culturas exclusivamente de subsistência.

Assim, nesta discussão considero que as técnicas agroflorestais científicas são mais rentavelmente empregadas, do ponto de vista do interesse de nativos e de caboclos, quando melhoram a sua produção de bens comercializáveis, levando em conta também a necessidade de manter  e melhorar suas atividades de subsistência e de aproveitar técnicas tradicionais. Entendo ainda que as principais, na Amazônia dos nativos e dos caboclos, os lotes de policultura e as florestas manejadas.

Essas são as qualificações que acrescento à definição de King e Chandler de sistemas agroflorestais. Vejamos agora alguns detalhes técnicos sobre o manejo agroflorestal tradicional e os pontos principais de alguns textos que descrevem esses sistemas e apresentam sugestões para o seu desenvolvimento.

 

Valores de subsistência e valores de mercado no manejo agroflorestal de povos tradicionais

É necessário discutir aqui  as origens dos lotes de policultura em pousio e das florestas manejadas, que considero os principais pontos de encontro entre os sistemas científicos e tradicionais de manejo agroflorestal. Essas áreas surgem em associação com várias práticas da muito criticada agricultura de corte e queimada (no Brasil popularmente chamada de "coivara"; em inglês o termo usado na literatura é slash-and-burn agriculture). Esse sistema é praticado por povos residentes em áreas densamente florestadas de muitos ecossistemas distintos e ele é antigo, disseminado e, sob certas condições, sustentável (Myers, 1984). Aliás, hoje em dia se considera  que alguma foram de aplicação do fogo às formas vegetais nativas esteve associada às origens e ao desenvolvimento da agricultura em todas as latitudes, climas e biomas (Goudsblom, 1994; Pyne, 1988), nada havendo de especial, portanto no uso do fogo na agricultura tropical tradicional. De toda foram, a agricultura de corte e queimada em florestas tropicais exige (1) combinar a rotação de lotes e de culturas, (2) conhecer certas características da sucessão vegetal natural nas áreas alteradas da floresta e (3) adotar ciclos de uso e repouso dos lotes, por prazos que variam de alguns poucos anos a várias décadas.

Os lotes de policultura são abertos depois do corte seletivo de árvores e arbustos e outras formas vegetais (para ressecamento) e da aplicação do fogo à vegetação. Depois da limpeza do terreno, são cultivadas plantas domesticadas de ciclo curto - na América tropical são mais comuns o milho, o feijão, a batata, a mandioca etc. - por alguns anos. A questão mais importante nas relações entre esse tipo de agricultura e o manejo agroflorestal é o destino desses lotes depois dos poucos anos em que eles são cultivados exclusiva ou principalmente com plantas anuais. Dentro dos padrões da moderna agricultura comercial desenvolvida em países temperados, quando o cultivo das plantas anuais se desloca para um novo lote, considera-se que os lotes antigos são "abandonados". Isso indicaria um "desperdício" e mesmo a "preguiça" ou a "incompetência" dos agricultores tradicionais. Na perspectiva das culturas locais e da moderna ciência agroflorestal, no entanto, há muito trabalho, sabedoria e tecnologia inscritos nesses lotes em pousio. Na verdade, é duvidoso que se possa mesmo considerar que tais lotes estejam em "repouso".

O ponto crucial nessa discussão é o conceito de manejo. O manejo intensivo ou explícito, tal como novas aplicações de fogo, capinas ou novas semeaduras de plantas anuais, de fato é interrompido nos lotes mais antigos. No entanto, observadores cuidadosos registram dezenas de práticas de manejo menos "visíveis", mas nem por isso menos intencionais ou conseqüentes, nesses lotes antigos. Na verdade, uma boa parte da melhor literatura científica gerada pelos cientistas agroflorestais descreve com detalhes essas práticas de manejo dos lotes em pousio, a sua adequação ecológica e os múltiplos efeitos positivos que rendem para os seus praticantes. Esses livros, artigos e monografias são, na verdade, registros etnográficos de práticas culturais muitas vezes à beira da extinção, em virtude de processos de dissolução cultural, deslocamento e adoção de técnicas agrícolas modernas.

De forma simplificada, o manejo dos lotes em pousio consiste em (1) proteger do fogo as plantas úteis existentes na mata original, (2) plantar diversas árvores e arbustos úteis juntamente com as culturas anuais e (3) proteger seletivamente componentes úteis da flora nativa sucessional (aquela que rebrota espontaneamente). Com a passagem do tempo, várias mudanças ocorrem no lote em pousio: o  manejo passa de mais a menos intensivo; culturas anuais de raízes, grãos e legumes são substituídas por árvores e arbustos; e a diversidade de espécies de plantas úteis e inúteis aumenta.

Os lotes antigos manejados dessa forma têm dois destinos principais. Alguns são novamente cortados e queimados para reaproveitamento agrícola, quando o pousio do solo e a biomassa vegetal  a ser queimada são considerados suficientes para iniciar novos cultivos intensivos. De novo, as espécies úteis introduzidas de propósito ou que se insinuaram naturalmente serão protegidas do fogo e da derrubada. Esse é o destino dos lotes mais próximos das aldeias e vilas e/ou com boas qualidades agrícolas. Outros lotes, geralmente mais distantes das aldeias e vilas, se tornam verdadeiras "florestas cultivadas", mas não mais manejadas, visitadas intermitentemente durante expedições de caça e coleta.

Vale refletir sobre o alcance do efeito agregado dessas práticas sobre a composição natural das florestas em torno das aldeias e vilas. Autores como Denevan e Hecht sustentam convincentemente que essas práticas milenares, desenvolvidas por centenas de povos seminômades em contato uns com os outros, tiveram o efeito de modificar a composição natural da flora e da fauna de parcelas substanciais das terras inundáveis e altas da Amazônia. Assim, a diversidade biológica de muitos trechos da floresta vem sendo há milênios alterada antropicamente  de maneiras difíceis de saber, mas, impossíveis de se negar. Ela pode ter aumentado ou diminuído de acordo com o transporte de plantas domesticadas de uma área  a outra, com o favorecimento da dispersão natural de plantas úteis não domesticadas, com a maior ou menor fertilidade natural dos solos, com o uso mais ou menos intensivo do fogo, e assim por diante (Hecht e Cockburn, 1989; Denevan, 1992). Assim, ao contrário do que geralmente se pensa, o "tesouro" da biodiversidade amazônica foi conformado por ações humanas de longo prazo, nas formas de extração, agricultura e manejo florestal. A pesquisa científica dessas práticas tradicionais de manejo  é, portanto, fundamental não apenas para a combinação das duas ciências agroflorestais, mas também para entender melhor o próprio significado da biodiversidade dos biomas de floresta tropical.

Vejamos alguns exemplos de estudos sobre manejos agroflorestais tradicionais.3 Os estudos de casos publicados sobre a América Latina se dividem, grosso modo, em sistemas ameríndios - extintos ou atuais - e sistemas caboclos. Os primeiros tendem a ocorrer em áreas mais remotas ou de difícil acesso e têm características mais fortes de subsistência, estando mais isolados de influências do mercado e da moderna tecnologia. Os segundos, ao contrário, são tipicamente uma mistura de atividades de subsistência e de práticas que visam ao mercado.

Alcorn produziu um artigo de descrição e análise freqüentemente citado na literatura pertinente - de muitos sistemas agroflorestais "indígenas" de vários povos distintos de diferentes partes da América do Sul, basicamente voltados para subsistência (Alcorn, 1991). Fale a pena resenhá-lo para entender a importância dos sistemas nativos e perceber a potencialidade de sua associação com sistemas baseados na ciência e tecnologia modernas. A autora começa apresentando os sete traços desses sistemas "indígenas": (1) o uso de espécies nativas, (2) o uso de várias combinações de plantas cultivadas em diferentes lotes, (3) o aproveitamento intencional e intensivo das vantagens oferecidas pelos processos de sucessão vegetal natural, (4) a adoção de um número elevado de espécies cultivadas, (5) o manejo simultâneo de lotes diversificados, de módulos e de estágios, (6) o emprego de técnicas variadas em cada comunidade ou mesmo em cada residência e (7) a acessibilidade mútua dos vários lotes aos membros da comunidade. Ela faz etnografias de diversos "complexos" agroflorestais, tal com a "milpa" e os sistemas "iniciados" com base em trigo, cana-de-açúcar ou mandioca.

Vou seguir a sua descrição do sistema iniciado pela mandioca, chamado no Brasil de "roça", e na América de língua espanhola de "chacra". Em primeiro lugar, porque ele é largamente adotado nas terras baixas da Amazônia brasileira. Segundo, porque Alcorn o considera um "candidato ideal para a modernização", por ser sustentável, flexível e capaz de ser adotado até por migrantes recentes. Posso acrescentar um terceiro motivo: a mandioca é uma planta muito importante para a segurança alimentar dos brasileiros dentro e fora da região amazônica, apesar de suas notórias limitações nutricionais.

Alcorn registra até 100 espécies vegetais - incluindo arbustos e árvores - cultivadas ou protegidas nos sistemas agroflorestais iniciados pela mandioca. A mandioca é plantada no centro dos lotes recém-abertos a fogo, combinada com arroz, milho, amendoim, banana, cacau, abacaxi, batata-doce, fumo, árvores frutíferas ou cana-de-açúcar. As plantas lenhosas introduzidas são localizadas perto das bordas do lote. A mandioca pode ser colhida e replantada continuamente por alguns anos, mas quando os capins e ervas sucessionais se tornam mais difíceis de controlar, algumas árvores frutíferas (mamão, goiaba ou caju) plantadas no início do ciclo começam a produzir. A essa altura o sombreamento causado por essas mesmas árvores maiores, como a castanha-do-pará e a palmeira "pejibaye", começam a dar seus frutos. Nas bordas dos lotes, permite-se a regeneração natural de árvores e arbustos úteis e outras árvores são plantadas, como o guaraná.

Na medida em que predominam arbustos e árvores, passa-se de um manejo intensivo para um manejo extensivo, ou esporádico. Quando manejados esporadicamente por longos períodos, alguns desses lotes iniciados pela mandioca se transformam no que Alcorn chama de "florestas artificiais", similares às que Anderson estudou no delta do Amazonas. Alcorn chama a atenção dos cientistas para essas florestas, nas quais ele enxerga um "grande potencial para fazendas pequenas e modernizadas", pois elas podem ser combinadas, a custos mínimos de mão-de-obra, com lotes intensivamente manejados com o objetivo de produzir produtos florestais variados e bens agrícolas diversificados.

Além de lotes ativos e em pousio, e além de florestas manejadas, Alcorn identifica um terceiro componente agroflorestal nesses sistemas nativos da América do Sul: as hortas de quintal. Essas unidades, plantadas em torno das casas, combinam árvores e arbustos frutíferos, plantas ornamentais, medicinais e utilitárias, a maior parte para uso doméstico. Elas recebem manejo muito intensivo e as plantas cultivadas variam muito de uma região a outra. Alcorn sugere que "assentamentos planejados de colonização" reservem "espaço em torno das casas" para permitir o cultivo dessas hortas por migrantes. Ela menciona ainda três outros sistemas agroflorestais: os agro-silvo-pastoris (em que animais domésticos têm pastagens em meio a árvores, arbustos e culturas anuais),os de terras inundadas e os de cercas-vivas. Ela conclui seu artigo com um alerta: é urgente a necessidade de estudos de sistemas agroflorestais indígenas se se espera que o conhecimento sobre eles vá contribuir para o desenvolvimento de pequenas fazendas.

Denevan e outros (1984) produziram outro artigo clássico sobre sistemas agroflorestais nativos da América do Sul. Eles focalizaram um único grupo nativo numa única aldeia, os Bora, da Amazônia peruana. Os autores destacam como o manejo de lotes em pousio é comum entre indígenas e mestiços da Amazônia, mas não entre os migrantes recentemente transplantados para lá. O sistema dos Bora mantém os lotes em pousio, sob manejo de baixa intensidade, por períodos de até 35 anos. A essa altura, dizem os autores, predomina neles uma "vegetação inteiramente natural", não no sentido de que nasceram livres da intervenção humana, mas em que não ocorre mais trabalho humano algum de manutenção.

Os Bora adotam um sistema iniciado pela mandioca, tal como o descrito por Alcorn. A estratégia geral é combinar lotes abertos para cultivo de muitas plantas e o aproveitamento da regeneração florestal espontânea nos lotes em pousio. Denevan e seus associados estudaram a história do uso de cinco lotes distintos em torno da mesma aldeia, com diferentes prazos de pousio, descrevendo a interação ecológica e econômica de cultivos plantados, árvores originais protegidas e árvores secundárias invasoras. Eles notam que as propostas da moderna ciência agroflorestal guardam muitas semelhanças com o manejo tradicional dos lotes de pousio, pois ambos procuram imitar os padrões da "sucessão natural" dos ecossistemas florestais tropicais, ou seja, a sua capacidade regeneradora natural.

Eles lembram que crédito, transporte e processamento são variáveis virtualmente ausentes no estudo de caso dos Bora, mas são favoráveis à "incorporação de espécies florestais de valor comercial em sistemas agroflorestais" como os dos Bora. Eles concluem com uma cuidadosa avaliação da compatibilidade entre o manejo agroflorestal tradicional e os programas agroflorestais científicos desenhados para migrantes recentes à região amazônica:

Eles também recomendam que qualquer programa desse gênero combine culturas alimentícias e utilitárias com cultivos que gerem renda monetária (outros estudos importantes sobre sistemas agrícolas nativos e sobre o conhecimento nativo da flora tropical são Posey, s.d.; 1983: De Carlo e Drummond, 1998).

Padoch e Jong (1987) exploram uma outra questão relevante para os meus argumentos. Embora escrevam sobre sistemas nativos, eles enfatizam a "necessidade de estudar sistemas (agroflorestais) de comunidades não tribais" no Brasil e no Peru. Eles dizem que, ao contrário dos sistemas nativos "mais puros", os sistemas não tribais são ideais para serem aperfeiçoados por tecnologias agroflorestais modernas e serem adotados por grupos que chegam mais recentemente à região amazônica.  Eles pensam assim porque o caboclo interage mais com a sociedade e o mercado nacionais e é capaz de "reagir vigorosamente" a eles. Como os migrantes são orientados para o mercado, são os sistemas não tribais que devem ser estudados "em profundidade" em projetos de pesquisa de longo prazo. Essa conclusão dos autores está na linha de minhas argumentações de que os caboclos precisam de renda monetária e de que os migrantes recentes precisam ser convencidos a se dedicar a atividades que tirem vantagens da flora nativa e/ou plantem árvores e arbustos.

Passemos ao exame de um estudo sobre o segundo tipo de manejo agroflorestal, o influenciado por demandas do mercado. Padoch e outros fizeram um estudo cuidadosamente documentado de um sistema agroflorestal tradicional voltado para o mercado, numa única vila da Amazônia peruana, Tamshiyacu, com 2.000 habitantes não tribais, de origens indígena e mestiça (Padoch et al, 1985). Uma grande parcela da produção local se destina ao mercado, gerando renda monetária. Os moradores de Tamshiyacu, como muitos outros habitantes da Amazônia, combinam o cultivo de áreas inundáveis e de terras altas, a caça, a pesca e a extração, além de artesanato e indústria, associando subsistência com produção para o mercado.

Em ordem decrescente, as suas principais fontes de renda monetária são castanhas cultivadas (caju e pará), cultivos anuais (mandioca, banana, arroz, mamão e abacaxi), carne e peles de animais selvagens, carvão vegetal (fabricado a partir de árvores plantadas e de árvores nativas derrubadas), fibras vegetais e artesanatos delas derivados, frutas silvestres, palmito e plantas medicinais (cultivados e selvagens). Vemos aí uma combinação de produtos cultivados e silvestres, todos com bom valor comercial. Na maioria das casas pesquisadas as castanhas e os cultivos anuais respondem pela maior parcela da renda monetária. Padoch e seus associados mostram como esses produtos resultam de práticas "agroflorestais cíclicas", com ciclos de 25 a 50 anos, que protegem o solo e viabilizam o cultivo de árvores com bom valor de mercado, os habitantes da vila contam com regras comunitárias: escalonam os lotes produtivos em diferentes estágios de crescimento e com cultivos distintos, de forma a garantir um fluxo contínuo de renda monetária para o conjunto da comunidade.

Os autores dizem que os moradores dessa vila vivem melhor ou ao menos no mesmo nível que os moradores de vilas vizinhas, que não têm práticas agroflorestais e que dependem apenas de culturas anuais e de extração. Eles concluem: o manejo agroflorestal cíclico da Amazônia é claramente capaz de gerar empreendimentos comercialmente bem-sucedidos, além de fornecer bens necessários para as residências locais.

Uma restrição importante apontada pelos autores - comum a quase todos os empreendimentos amazônicos voltados para o mercado- é a dificuldade  de acesso aos mercados, especialmente no caso de produtos perecíveis. O transporte fluvial é geralmente lento, os equipamentos de preservação e a própria eletricidade são raros. No caso da vila estudada por Padoch e seus associados, a proximidade da cidade peruana de Iquitos garante a comercialização rápida dos produtos, mas em muitos casos na Amazônia os mercados mais próximos estão a centenas ou milhares de quilômetros e a muitos dias de distância dos produtores, dificultando a comercialização da produção.

 

O desenho de sistemas agroflorestais

Na última década, o manejo agroflorestal de base científica gerou um conjunto de conhecimentos que pode apoiar o desenvolvimento do manejo agroflorestal tradicional, especialmente no que toca à abordagem conjunta da subsistência e da geração de renda monetária. Assim, a ciência está fazendo bem mais do que a etnografia dos sistemas tradicionais. Nesta seção discuto, com base em alguns textos de pesquisa, algumas  dimensões do diálogo substantivo que ocorre entre os dois manejos agroflorestais.

Ewel (s.d.), num sólido artigo sobre o "desenho de ecossistemas agrícolas", apresenta uma série de vantagens, exigências e restrições relevantes. Ele lembra que as mesmas razões que favorecem a elevada produtividade biológica natural dos ecossistemas de floresta tropical conspiram contra a produtividade das monoculturas: excesso de calor, excesso de água e falta de uma "interrupção sazonal" (shutdown season) do crescimento vegetal, fatores que favorecem a erosão, a lixiviação de nutrientes e as "pestes", entre outras coisas. Esse problemas só podem ser superados com a aplicação sistemática de fertilizantes e defensivos de origem fóssil ou fabricados pela moderna indústria química. Ewel vê apenas duas opções "macro" para as regiões tropicais do planeta: ou elas trocam madeira de florestas nativas por alimentos e combustíveis, ou desenvolvem "ecossistemas agrícolas" sustentáveis. Ele é a favor da segunda opção e tenta construir uma moldura realista para o desenho de sistemas agrícolas tropicais ecologicamente sustentáveis.

Embora na maior parte do artigo ele focalize a ciência dos solos e das plantas, Ewel percebe e destaca a importância crucial do fator "cultural", principalmente a capacidade das culturas locais de manejar terras de pousio, de forma a criar "ecossistemas naturais". Ewel afirma que o entendimento adequado do "mecanismo de restauração da produtividade", presente no manejo das terras de pousio, fará com que a agricultura  tropical dependa menos de substâncias derivadas de combustíveis fósseis e de outros insumos químicos, reduzindo as possibilidades de fracasso. Ewel entra em detalhes técnicos sobre a agricultura sustentável nos trópicos, como a adição de materiais orgânicos aos solos cultivados, a adoção de plantas fixadoras de nitrogênio ou dotadas de raízes profundas, a proteção contra "pestes" e o "uso complementar" dos recursos. Para ele, a longevidade das plantas cultivadas nas terras de pousio manejadas é mais importante do que a diversidade estrutural e funcional do sistema, porque a cobertura contínua de uma abóbada florestal recicla nutrientes, acumula estoques de nutrientes, protege o solo e cria microclimas úmidos favoráveis à produtividade.

Uma grande limitação dos sistemas agroecológicos apontada por Ewel é a baixa produtividade de culturas arbóreas, especialmente as maduras, em comparação com as altas produtividades das culturas anuais. Em todos os biomas - inclusive os tropicais - as plantas lenhosas levam mais tempo para crescer que as demais, e crescem muito mais lentamente conforme envelhecem. Porém, isso pode ser compensado por dois fatores: (1) a combinação dos arvoredos maduros com o cultivo de plantas anuais e/ou (2) os preços geralmente mais elevados alcançados pela biomassa colhida em plantações de árvores (por exemplo, as castanhas-de-caju e do pará, o cacau e outras frutas, as madeiras nobres). Ewel conclui que os sistemas agroecológicos, para serem capazes de prover alternativas substantivas para o uso das terras tropicais, devem ser planejados de forma a permitir diversas combinações de recursos naturais, capital, trabalho e riscos: o desenho de sistemas de produção agrícola apropriados aos trópicos úmidos deve ser baseado numa avaliação detalhada dos recursos locais, do solo e das condições climáticas, dos insumos potencialmente disponíveis e da capacidade dos fazendeiros de assumirem riscos.

Levando em conta esses fatores, Ewel prescreve o desenvolvimento de "mosaicos", ou seja, sistemas diferentes que ocupam áreas vizinhas entre si e que sejam suficientemente pequenos para permitir modificações ágeis, através de etapas de tentativa e erro e de formas mais sofisticadas de monitoramento.

O artigo de Ewel mostra que é viável a combinação entre os dois manejos agroflorestais e dá um bom resumo das prioridades de pesquisa científica, de diretrizes políticas e das aplicações tecnológicas concretas. Os "mosaicos" que ele propõe parecem especialmente apropriados para áreas florestadas que sofreram grandes desmatamentos e foram sujeitas a usos diferenciados. A Amazônia tem um estoque considerável de terras com essas características (o trabalho pioneiro de Christopher Uhl sobre o destino das terras amazônicas entre outros textos seus, Uhk et al, s.d.,; ver ainda Unruh, 1988; sobre o potencial reflorestador do manejo agroflorestal em áreas desmatadas da Amazônia brasileira, ver Pádua, 1997).

Nair (1989), uma das maiores autoridades mundiais em manejo agroflorestal, escreve um texto sintético e muito útil para avaliar os benefícios e as oportunidades do manejo agroflorestal como opção de uso da terra nos trópicos. Ele também lista sistematicamente e comenta os seus custos e dificuldades. Seu artigo pode inclusive ser usado como um roteiro para desenhar programas específicos. Os aspectos positivos destacados por Nair são: a conservação da produtividade local; as baixas exigências  de capital e trabalho; a possibilidade de usos múltiplos de lotes e recursos; o potencial de diversificar a produção; o escalonamento das necessidades de mão-de-obra ao longo do calendário agrícola e a conseqüente possibilidade de atividades alternativas e simultâneas. Um programa bem concebido deve estimular o uso melhor da terra, do capital e do trabalho. Nair lembra que as árvores, personagens centrais do manejo agroflorestal, se transformam elas mesmas em capital, que pode ser usado em emergências. Os aspectos problemáticos ou negativos são: o rendimento decrescente de cultivos anuais e de alimentos (por causa do sombreamento das culturas anuais e do crescimento mais lento das árvores); restrições ao uso do fogo; obstáculos ao pastoreio de animais domésticos; dificuldades de mecanização e prazos longos para o início da produção de muitas árvores. Entre prós e contras, Nair é otimista quanto aos potenciais do "casamento" entre os dois tipos de manejo agroflorestal.

Como exemplo de um texto que chega bem perto das questões práticas de montagem de sistemas agroflorestais, comentarei o artigo de Clement (1989) sobre a palmeira "pejibaye" (Bactris gasipaes HBK). Ele é otimista quanto ao grande potencial dessa espécie de palmeira ser cultivada por pequenos proprietários  dedicados ao manejo agroflorestal. Ela fornece madeira, fibra, fruta, óleo e palmito. Tem ainda aplicações medicinais. Sua madeira pode ser usada para estacas, tacos, paredes e arcos e flechas. Ele acredita que a densidade dos bosques naturais pode ser substancialmente aumentada através de sistemas de manejo já empregados na Amazônia e que, dessa forma, o cultivo da palmeira podia ser atraente mesmo para migrantes recentes, se houver demanda de mercado. Clement detalha como a palmeira pode ser consorciada com diversas plantas e com animais domésticos (cf. Anderson e May, 1985, para uma análise similar).

Outro artigo que dá indicações práticas é de Alvim e Nair (1986). Eles fornecem uma boa revisão dos resultados de muitos anos de experimentações agroflorestais em estações de pesquisa e testes em fazendas particulares. O foco principal recai sobre a combinação seqüencial do cacaueiro com cultivos alimentares e com árvores de sombreamento. Experiências com essa combinação foram feitas na região costeira do sul da Bahia, em terras antes cobertas por matas da Floresta Atlântica. O objetivo era estimular novos investimentos em plantações de cacau, mas de forma a possibilitar produção e rendimentos ao longo de todo o ano agrícola. Experiências similares foram realizadas desde a década de 60  em estações de pesquisa brasileiras e ajudaram o Brasil a recuperar a sua posição de destaque entre os produtores de cacau.4

Alvim e Nair avaliam muitas espécies de árvores "companheiras" do cacau (ou seja, que podem ser vantajosamente plantadas em associação com o cacau). As mais bem-sucedidas são: seringueira (Hevea brasiliensis), várias palmeiras, o coqueiro, a piaçava (Attalea funifera), a pimenta do reino (Piper nigrum), o cravo (Syzigim aromaticum), o guaraná (Paulinia cupana) e o café (Coffea robusta). Especialmente bem-sucedida  foi a combinação de pimenta-do-reino com cravo, seguida pelo cacau e depois pela seringueira combinada com o mesmo cacau. Eles relatam experiências com o mamão (Carica papaya), a baunilha (Vanilla plenifolia), o maracujá (Passiflor edulis) e muitas outras espécies. Isso ilustra como o manejo científico pode combinar conhecimentos técnicos com os conhecimentos sobre os mercados para gerar sistemas capazes de produzir um "pacote" bem variado de produtos de boa aceitação comercial.

Outro bom texto "prático" é o de Raintree e Warner (1986). Os autores argumentam que o manejo agroflorestal de base científica pode contribuir para enraizar agricultores itinerantes e não nativos de maneira sustentável e politicamente viável. Assim, os autores tratam dos problemas e das potencialidades do grupo que eu chamo de migrantes recentes. Estes usam a agricultura de queimada, mas tipicamente não colocam em pousio os lotes usados, ou não o fazem por tempo suficiente para restaurar a sua produtividade. Ambos fazem com que a vida útil de cada lote seja curta, obrigando os cultivadores a migrar em busca de terras novas.

Os autores identificam os diferentes estágios de "intensificação" do cultivo itinerante, ligados ao crescimento da densidade populacional e aos incentivos de mercado. A partir de algum momento essas duas pressões crescem o suficiente para estimular o cultivo permanente dos lotes agrícolas, o que nas áreas de floresta tropical raramente é possível sem insumos adicionais de trabalho e capita. Essa é precisamente uma das razões das migrações cíclicas de produtores rurais amazônicos orientados para o mercado, pois a produtividade natural das "terras novas" lhes permite continuar a produzir sem ter gastos de manejo; eles preferem gastar com sua migração e com a abertura de novos lotes. Raintree e Warner sustentam que o manejo agroflorestal pode ajudar na intensificação, pois este acrescenta a dimensão de sustentabilidade. Ele pode ensinar os agricultores a enriquecer as terras em pousio, a adotar os cultivos em fileiras e a desenvolver hortas de subsistência.

Um texto de Maydell (1991) toca num último tópico relevante para minha análise: o papel do manejo agroflorestal em políticas de preservação dos ecossistemas naturais. O autor afirma que "a adoção deliberada do manejo agroflorestal com o propósito de preservação e manejo de florestas pode ajudar a servir tanto as populações quanto as florestas de uma forma equilibrada". Ele nota que a ciência agroflorestal tem se voltado mais na direção da produção de alimentos e da conservação de solos em terras agrícolas. Ele propõe o fortalecimento do componente florestal como um conjunto de tecnologias para manejar e preservar as florestas tropicais úmidas. Na sua opinião, proteger e preservar "algumas das terras potencialmente melhores para a agricultura " é mais urgente do que proteger ou recuperar terras marginais ou degradadas.

De acordo com Maydell, o manejo agroflorestal deve ser excluído dos parque e das reservas, mas pode ser empregado ativamente em zonas de transição nas quais usos destrutivos não são permitidos, possibilitando a produção de madeira e de outros produtos florestais, além de alimentos. Ele pode ser empregado ainda na recuperação de terras desmatadas. O sucesso desses dois esquemas contribuiria para aliviar as pressões sobre florestas primárias.

 

O manejo agroflorestal versus outros usos da terra na Amazônia brasileira

Paulo T. Alvim, grande conhecedor das alternativas da agricultura tropical no Brasil, afirma que o "cultivo de plantas perenes" (arbustos e árvores) é o mais "apropriado" sistema de produção da Amazônia, por causa da vocação florestal da maior parte de região. No seu ranking, seguem-se a criação  de gado bovino, a produção de madeira e as culturas temporárias (Alvim, 1990 e 1981). Note-se que ele inclui apenas atividades agrícolas ou pecuárias na sua lista. Embora Alvim não proponha explicitamente neste artigo o manejo agroflorestal, alguns dos sistemas "preferenciais" de cultivo de plantas perenes que ele propõe incluem o uso de diferentes espécies de árvores, ou a combinação do cultivo de árvores com o de plantas de ciclo curto.  Esses sistemas cabem no conceito mais amplo de manejo agroflorestal, discutido na terceira seção.

Os motivos pelos quais Alvim é favorável ao cultivo de árvores e arbustos são relevantes para este texto. Para ele, a agricultura só ajudará num processo de desenvolvimento regional sustentável da Amazônia se ela suprir os mercados locais com alimentos e matérias-primas, tirar vantagem de mercados internacionais, garantir retornos significativos para proprietários e trabalhadores e adotar tecnologias "ecologicamente apropriadas". Ele mostra que o cultivo de plantas perenes preenche esses quatro requisitos.

Alvim avalia diversas culturas de plantas lenhosas, como a palmeira dendê (Elaeis guineensis), a seringueira (Hevea brasiliensis), o cacau (Theobroma caco), o café (Coffea robusta) e diversas árvores frutíferas, como as integrantes mais recomendáveis de sistemas agroflorestais amazônicos, por motivos ecológicos e econômicos. Esses cultivos podem gerar uma renda confiável, inclusive em moeda estrangeira, de modo a tirar os produtores do nível de subsistência. Alvim insiste em que a "vocação" ecológica da Amazônia é para o cultivo de plantas lenhosas, ou seja, árvores e arbustos de muitas espécies. Os lotes agroflorestais, por definição, se compõem de árvores e arbustos que captam otimamente a alta produtividade biológica do bioma da floresta tropical úmida, além de se adaptarem e de protegerem os solos. As quatro plantas mencionadas têm a vantagem suplementar de contar com um enorme capital acumulado de conhecimentos agronômicos específicos, a maior parte deles gerado, aliás, por pesquisas e experiências realizadas fora do Brasil. Como produzem bens relativamente valorizados no mercado internacional, essas plantas atraíram recursos de pesquisa ao longo de várias décadas.

Os principais problemas dessas culturas são a flutuação de preços e, em alguns casos, o surgimento de materiais sintéticos substitutivos. No entanto, todos os produtos primários - sejam extrativos, agrícolas, pecuários ou agroflorestais, e até os minerais - estão sujeitos a essas contingências. De toda forma, Alvim não afirma que o manejo agroflorestal seja uma panacéia e, inclusive, prevê que ele não se espalhará muito pela Amazônia. Ele parece considerar que esse tipo de manejo é mais apropriado para nascer em "pólos" altamente favoráveis (por motivos de localização, facilidade de transporte, bons solos etc.) e atraentes para empresários, para depois se disseminar moderadamente, atingindo nativos e caboclos.

Alvim descreve brevemente vários sistemas de manejo agroflorestal: a seqüência de pimenta-do-reino e de várias plantas perenes e semi-perenes; o consórcio de cacau com mandioca, inhame e banana e, mais tarde, com palmeiras, coqueiros ou diversas árvores que dão madeira boa para construção ou combustível; o consórcio de seringueiras plantadas em alamedas nas quais se plantam arroz, feijão, batata-doce e amendoim e, mais tarde, árvores e arbustos tolerantes de sombreamento, como café, cacau e pimenta-do-reino; o sistema silvipastoril, combinando capins e árvores de madeira útil, plantadas esparsamente (Alvim, 1990). No Brasil esses sistemas estão ainda, na sua maior parte, nas fases de desenvolvimento em estações científicas ou em experimentação em fazendas particulares. Há boas indicações sobre a sua viabilidade ecológica, técnica e econômica, mas, falta muito até que sejam largamente adotados por fazendeiros particulares e transferidos sistematicamente para nativos e caboclos.

Uma pergunta fundamental para se pensar sobre o alcance social dos sistemas modernos agroflorestais no Brasil é a seguinte: Quem pode investir em sistemas agroflorestais modernos no Brasil ? Alvim e Nair, ao refletirem sobre a aplicabilidade e a aceitação ainda incipientes do sul da Bahia, dão uma boa indicação sobre a resposta: as principais tarefas no sentido de popularizar essas práticas (agroflorestais) seriam a escolha apropriada de culturas de ciclo curto, a identificação de seus requisitos econômicos, o treinamento de fazendeiros tradicionalmente monocultores no manejo e processamento de cultivos diversos e a segurança de comercialização para os diversos produtos. ... Esses sistemas de cultivos combinados ... são mais exigentes do que as monoculturas, não apenas em termos de mão-de-obra e capital, mas também de habilidades técnicas e administrativas (Alvim e Nair, 1986).

Os autores destacam também que a mecanização dos sistemas agroflorestais é muitas vezes "problemática" e que o uso mais intensivo de mão-de-obra pode ser um "desincentivo" para empresários. Esses dois fatores poderiam levar a um "confinamento" desses sistemas aos círculos de "pequenos fazendeiros" acostumados a realizar as tarefas manuais.

Estas últimas observações reforçam meu argumento geral. Pelo menos na Amazônia brasileira, onde a mão-de-obra rural é escassa e pouco qualificada e a mecanização é problemática, o manejo agroflorestal científico seria mais apropriado para agricultores pequenos e médios fixados em suas áreas e que trabalham manualmente. Nativos e caboclos cumprem esses requisitos e, além do mais, já praticam algum manejo agroflorestal. Por outro lado, a logística de treiná-los em técnicas agroflorestais modernas seria complexa e a possibilidade de eles adquirirem insumos modernos (sementes, mudas, equipamentos) seria pequena, a não ser por um grande programa de extensão e crédito. Essa "clientela" é em geral pobre, dispersa e tem escasso acesso à extensão e ao crédito. Com algumas exceções, suas organizações políticas são fracas, tais como suas conexões com o mercado. Aqui se chega a um paradoxo implícito na minha própria hipótese, aliás um problema clássico da extensão agrícola em países pobres: os grupos sociais com maiores possibilidades de se beneficiarem do manejo científico de sistemas agroflorestais geralmente não têm poder aquisitivo e capacidade organizacional para "comprá-lo".

Vergara (1987) identifica três exigências para a transferência de tecnologia moderna para agricultores pobres: (1) segurança fundiária (individual, comunitária ou cooperativa), (2) "serviços de apoio" adequados e (3) "marketing" eficiente da produção. Esses três fatores são raros na Amazônia brasileira. A terra titulada é mais concentrada na Amazônia do que no resto do Brasil. As reservas indígenas vivem uma situação ainda instável, embora tenham ocorrido alguns avanços importantes. Os caboclos são, por definição, posseiros, dispersos e com pouca experiência organizativa. Sua estabilidade tem dependido mais da localização remota e tem sido prejudicada onde quer que usos alternativos dos recursos naturais se insinuem. Serviços de apoio e marketing chegam com dificuldade a rincões isolados da Amazônia.

Migrantes recentes e mesmo assentados em projetos de colonização de outras regiões - que formam uma "clientela" complementar potencial para sistemas agroflorestais - freqüentemente sofrem, tal como indígenas e caboclos, problemas fundiários e de titulação. Respondem a esse problema com migrações contínuas dentro da região, ou mesmo para fora de e de volta à região. Para que eles adotem sistemas agroflorestais, precisam  antes da estabilidade fundiária que lhes permita criar raízes num mesmo lugar e por tempo compatível com o do crescimento e maturação de plantas lenhosas.

A aplicação dos sistemas agroflorestais para a recuperação de áreas degradadas teria outros obstáculos culturais e políticos a vencer. Em primeiro lugar, um número considerável de migrantes recentes teria que ser "educado" a respeito da flora local e das técnicas agroflorestais pertinentes à sua recuperação, pois é de se esperar que caboclos e nativos tenham sido previamente excluídos de tais áreas. Em segundo lugar, esses agricultores localizados na "retaguarda" da fronteira precisariam da mesma segurança fundiária que falta aos que "abrem" as novas fronteiras, o que talvez seja ainda mais difícil, porque as áreas desmatadas são os alvos preferidos dos movimentos especulativos.

Existem também desafios a serem superados para que o manejo agroflorestal se transforme num instrumento eficaz para auxiliar na preservação e no manejo sustentado de florestas. Em primeiro lugar, o governo federal e os governos estaduais têm controle por demais frouxo sobre os parques, as reservas e as florestas de exploração. Só recentemente (fins de 1997) o governo federal se dispôs a realizar a primeira licitação de exploração de madeira numa floresta nacional (a de Tapajós), e notou-se no processo que os objetivos de manejo ainda estão sujeitos a controvérsias dentro do próprio IBAMA, havendo ainda setores ambientalistas que não compreendem ou não aceitam o conceito de florestas produtivas. A questão, neste caso, não é tanto determinar o que o manejo agroflorestal deve e pode fazer, mas sim a definição do que os governos e as comunidades desejam dele como fator auxiliar de consolidação das unidades de conservação.

 

Conclusão

Como ficou claro, identifico numerosos obstáculos que trabalham contra a disseminação do manejo científico agroflorestal entre populações nativas e de caboclos amazônicos. Na verdade, mesmo os sistemas agroflorestais empresariais enfrentam dificuldades consideráveis na região amazônica. A remoção dos obstáculos passa pela estabilidade fundiária dos dois grupos sociais, pela sua organização política e efetivo exercício de cidadania, controles mais eficazes sobre as terras públicas, pressões migratórias reduzidas, reforma agrária (tanto na Amazônia quanto em outras partes do país), trabalho interdisciplinar de pesquisa básica, práticas inovadoras de extensão etc. - ou seja, um conjunto complexo de fatos e processos.

Muitos outros usos das terras amazônicas não foram discutidos aqui nem pela maior parte da literatura que citei (a principal exceção é o volume editado por Anderson, 1990; ver ainda, Redford e Padoch, 1992). Tais usos competem com o manejo agroflorestal por terra (e outros recursos naturais), mão-de-obra, capital, créditos, subsídios e até por credibilidade e atenção. A falta de espaço impede que se aborde aqui, mas a avaliação das possibilidades do manejo agroflorestal depende de um entendimento adequado mínimo dessas outras atividades. Farei apenas algumas ilustrações. Usinas hidrelétricas existentes e planejadas para a Amazônia inundam ou inundarão grandes trechos de terras, impedindo seu uso agroflorestal por grupos nativos ou empresariais. A Amazônia tem grandes províncias de depósitos minerais, cuja exploração em princípio compete diretamente com a agricultura, a pecuária e o manejo agroflorestal. A construção de estradas torna mais acessíveis grandes seções da Amazônia, e elas geralmente induzem novos usos da terra que competem com os de nativos e caboclos, cuja estabilidade é em geral prejudicada pelos influxos de grandes números de migrantes de outras regiões. Assim, não faltam usos alternativos para as terras e os recursos naturais da Amazônia, e esse contexto precisa ser levado em conta nas análises e estudos gerais e específicos sobre os sistemas agroflorestais (uma excelente revisão dos muitos usos das terras amazônicas está em Anderson, 1990).

Em suma, penso que nativos e caboclos são alvos fugidios de programas de manejo agroflorestal com base científica, pelo menos os que passam por instituições científicas, programas de extensão e sistemas de crédito. A sua pobreza e a sua falta de organização os tornam pouco "visíveis" para disputar atenção do establishment científico e político. Embora eles sejam ecologicamente e culturalmente os alvos ideais de tais programas, eles não detêm o "poder aquisitivo" nem o "capital social" necessários para "comprá-los". Esses grupos que já praticam manejo agroflorestal precisam, portanto, de apoio técnico e político de outros grupos para ter acesso sistemático à ciência e tecnologia moderna, no campo agroflorestal e em outros campos. Nesse meio tempo, a tendência é que o manejo agroflorestal de base científica continue a ser uma opção secundária ou terciária de grandes empresários agrícolas capitalizados e uma opção secundária para um número considerável de pequenos e médios produtores capitalizados, dentro e fora da Amazônia.

 

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Notas

* Agradeço a Becky Brown (University of Wisconsin, Madison, EUA) e Ronald Alvim (CEPLAC, Brasil) pela sua leitura cuidadosa desse texto, originalmente um paper redigido como trabalho final da disciplina "Agroforestry Systems", ministrada por ambos, que cursei no meu programa de Doutorado em Land Resources na University of Wisconsin, Madison, como bolsista da Capes. Archibald Haller (University of Wisconsin) e Tarcízio Querino (Embrapa) também fizeram sugestões ao texto, pelas quais lhes agradeço.

1 Embora na seqüência do artigo se discuta em detalhes o conceito de manejo agroflorestal, esclareço que me refiro a práticas agrícolas que incorporam sistematicamente o cultivo de plantas lenhosas (árvores ou arbustos), combinando-as nos mesmos lotes com culturas anuais diversas (grãos, raízes, folhas etc. ) e até com a criação de animais domésticos.

2 Os demais 20% dos habitantes rurais da Amazônia se dividem em categorias que não discuto neste texto, tais como garimpeiros, empregados e mineradores e concessionárias de energia elétrica, assalariados rurais diversos, pescadores etc.

3 A melhor publicação periódica para conhecer a produção dos cientistas naturais e sociais de todo o mundo, interessados em manejo agroflorestal em todos os continentes, se intitula  Agroforestry Systems. Publicada na Alemanham em língua inglesa, reúne artigos, notas de pesquisa e resenhas de cientistas de todo o mundo. Apresento aqui alguns textos em português referentes ao manejo agroflorestal, embora não os tenha comentado ou usado para este artigo: Pavan, 1996 (textos da seção  "A Ciência dos Índios e Caboclos no Manejo dos Recursos Naturais", v.I); Dubois, 1996, em Pavan 1996, v.III; May e Rocha, 1996; Cunha e Bastos Filho, 1996; e Altieri, 1989

4 Atualmente, essa posição foi novamente perdida devido a propagação da doença chamada "vassoura de bruxa" nas plantações de cacau no sul da Bahia.