Estudos Sociedade e Agricultura

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José Augusto Pádua

"Cultura esgotadora": agricultura e destruição ambiental nas últimas décadas do Brasill Império


Estudos Sociedade e Agricultura, 11, outubro 1998: 134-163.

Resumo: ("Cultura esgotadora": agricultura e destruição ambiental nas últimas décadas do Brasil Império). O autor revisita os debates sobre a "crise da lavoura" brasileira que tiveram lugar na cena pública das últimas décadas do Império, relevando algumas dimensões ecológicas já presentes no pensamento brasileiro.

Palavras-chave: Brasil Império; destruição ambiental; pensamento social.

Abstract: ("Exhaustive Cultivation": Agriculture and Enviromental destruction in the last years of Imperial Brazil). The author revisits the debates over  Brazil´s "crisis of cultivation" that occupied the public scene in the last decades of the Empire, revealing some ecological dimensions already presents in Brazilian thought.

Key words: Imperial Brazil; Environmental destruction; social thought.

José Augusto Pádua é professor-visitante da UFRRJ/CPDA.


Há 375 anos que a cultura rotineira e esgotadora, arvorando em sistema de produção o machado e o facho, a derrubada e a coivara, arranca das férteis terras brasileiras os elementos de grandeza e prosperidade de futuras gerações (Nicolau Moreira, 1875: 6).

E assim como oescravo tem que desaparecer da lavoura do Brasil, para dar lugar ao trabalho livre, a derrubada, o fogo, a encoivaração hão de ser substituídos pelo arado e pela grade; a incineração resultante da queima por outros meios de estrumar a terra; a lavoura extensiva pela intensiva; a grande pela pequena propriedade (Nicolau Moreira, 1884: 140).

I

Em meados da década de 70 do século passado, após um período razoavelmente longo do crescimento contínuo da grande lavoura de exportação, que se confundiu com a expansão do café pelas serras e vales do interior da província do Rio de Janeiro, começaram a aparecer sinais evidentes de que a agricultura brasileira estava vivendo uma crise profunda. Uma atmosfera de temor quanto ao futuro disseminou-se entre políticos, proprietários e publicistas, pois o edifício social e político da monarquia erguia-se sobre aquela atividade econômica. Diante da crescente inquietação, o Ministério de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, então dirigido pelo liberal João Lins Cansansão de Sinimbu, decidiu convocar um "Congresso Agrícola", que teria como objetivo ajudar o governo a "obter informações seguras, esclarecimentos indispensáveis para firmar opinião que seja o móvel de suas deliberações".1 Estas informações, configurando o espírito essencial do congresso, deveriam ser obtidas dos próprios agricultores, que seriam convidados a examinar e discutir "os diversos e mais urgentes problemas que entendem com os melhoramentos da agricultura".2

A natureza destes problemas, tal coo foi percebida pela esmagadora maioria dos participantes, já estava indicada nas próprias perguntas formuladas pelo programa convocatório do congresso. Ela podia ser resumida no binômio "braços e capitais". O programa indagava, em primeiro lugar, se existia falta de braços no país e, em caso afirmativo, quais seriam os mecanismos mais adequados para enfrentá-la. Não havia mais dúvidas quanto ao fato de a escravidão viver os seus momentos finais do Brasil, especialmente a partir da lei do "ventre livre" de 1871. As alternativas em pauta, tais como o incentivo à colonização européia, a importação de trabalhadores chineses ou indianos, a mecanização da produção rural ou a educação e qualificação da mão-de-obra nativa levantavam problemas e possibilidades significativamente diversos dos que podiam ser encontrados na tradicional ordem escravista. A segunda pergunta referia-se à questão do crédito, inquirindo se a grande lavoura sofria falta de capitais, e em caso afirmativo, se esta era resultante de um problema estrutural do país ou de um momento de depressão. O programa também pedia sugestões sobre os meios e instrumentos para levantar o crédito agrícola. A difícil conjuntura financeira dos anos 70, posterior à Guerra do Paraguai, justificava a presença desta preocupação. Mas ela também ecoava a existência de dilemas mais profundos, que diziam respeito ao modo de inserção do Brasil na economia capitalista do Século XIX, crescentemente fundada em escalas superiores  de investimento e fluxo de capitais. A terceira pergunta, por fim, relacionava-se com os "melhoramentos" da lavoura, com as mudanças técnicas e administrativas que nela deveriam ser introduzidas. Nesta pergunta era possível detectar um outro elemento central da crise: a tecnologia rudimentar e a baixa produtividade da agricultura escravista brasileira. Uma característica que a tornava cada vez menos competitiva diante de uma agricultura internacional que começava a incorporar com mais vigor a mecanização e a química aplicada. 3

Os debates efetivamente realizados no congresso obedeceram, de maneira geral, aos três conjuntos temáticos mencionados acima, apesar de o problema dos braços e capitais ter ofuscado significativamente as questões técnicas e produtivas. Estas últimas foram levantadas por uma minoria de participantes, recebendo quase sempre uma abordagem pontual e apressada, centrada na necessidade genérica de incrementar a educação dos produtores. A maioria dos grandes proprietários, ao que parece, acreditava no potencial de continuidade do seu sistema extensivo de produção, desde que continuasse dispondo de crédito barato e mão-de-obra abundante (e também barata). As longas discussões sobre a conveniência ou não de importar trabalhadores asiáticos, ou sobre as bases para a criação de um banco de crédito real ocuparam muito mais tempo do que as reflexões sobre a maneira de aumentar a quantidade e a qualidade da produção.


Diante deste contexto, torna-se ainda mais surpreendente o discurso proferido no congresso por Manoel Ribeiro do Val, apresentado como sendo um lavrador de Paraíba do Sul. O discurso não apenas centrou-se nas questões produtivas como também, no que serve para introduzir o tema do presente artigo, priorizou dentro das mesmas a problemática ecológica. Segundo Val, destoando abertamente dos outros participantes, era um

erro grave e imenso supor-se que a deficiência da nossa produção é proveniente unicamente da falta de braços e capitais. Só quem não pensa e estuda, só quem não acompanha e examina atentamente e de perto o nosso sistema de explorar o terreno sem arte e ciência, e a marcha que a lavoura tem seguido, e as revoluções meteorológicas e mudanças climatéricas por que tem passado o Brasil neste último quarto de século, é que pode avançar em absoluto uma semelhante proposição (Congresso Agrícola, 1988 [1878]: 163).

A crise da lavoura, aos olhos daquele fazendeiro, era essencialmente ecológica, derivando dos "efeitos negativos da nossa plantação". A prova disso estava no fato de que "quando nos bons tempos tínhamos chuvas abundantes de princípios de agosto até fins de maio do ano seguinte, intercaladas apenas por um curto veranico, que nunca excedia 15 dias, colhíamos abundantes roças e boas safras de café". Agora os produtores tinham que se deparar com a irregularidade das estações, a falta de chuvas, o aumento das temporadas de seca, o empobrecimento biológico dos cafezais, as pragas, as formigas  a "degeneração das plantas, dos animais e até da nossa própria raça" (Congresso Agrícola, 1988 [1878]:163:4). O resultado era que a produção do café estancava, mesmo com  o aumento na extensão das plantações e no número de trabalhadores empregados. Caso este sistema de exploração continuasse, de nada adiantaria o governo aumentar o fornecimento de capitais e braços à grande lavoura, pois "é fácil de prever-se que ela, com estes recursos, tratará unicamente, como até agora, de explorar o resto de suas matas, e não de melhorar sua produção, que é o essencial, adiando por mais alguns anos a sua queda, mas não evitando que ela se realize, e então ainda mais desastradamente". (Congresso Agrícola, 1988 [1878]:164).

Na verdade, dizia ainda Val, apesar da depressão do crédito, causada em boa parte pelo abuso dos que sacavam adiantado contra o futuro "na esperança sempre de grandes colheitas que faltam", ainda se podia obter capital a juros módicos e amortizações fáceis. O que se via era que " a maior parte dos grandes proprietários que possuem grandes capitais disponíveis e acumulados são justamente os que menos tratam de melhorar suas lavouras, e muito menos na parte produtiva". A permanência deste descaso com a produção impedia a criação de um sistema de crédito real, já que as grandes propriedades não ofereciam, "na vida de seus cafezais e no elemento servil", garantias para amortizações de longo prazo. A maior parte desta lavoura, ao fim de 20 anos, estaria "velha e esgotada", não cumprindo seus compromissos e levando à ruína os bancos que nela apostassem (Congresso Agrícola, 1988 [1878]:164).

A causa central do problema tinha que ser buscada no sistema de exploração em vigor. Por causa dele a natureza, que havia sido "pródiga e liberal para conosco em nossa infância", estava hoje retirando-se e negando "água e pão do Norte ao Sul". O município de Vassouras, que antes fora o mais rico produtor de café, estava agora em decadência, devido "unicamente ao exaurimento do terreno e não à falta de braços e capitais". As grandes cidades produtoras do vale do Paraíba estavam decaindo em diferentes graus de intensidade, "conforme a maior ou menor quantidade ainda existente de suas matas, e a natureza fria ou quente dos seus terrenos", sem deixar atrás de si "nem ao menos vestígios de uma outra qualquer indústria". Algumas já estavam tornando-se "centros mortos, sem atividade, sem escola, sem alunos, sem indústria". A fértil província do Rio de Janeiro, com "a rotina que vai seguindo", em breve ficaria "abandonada ao sapé e ao capim melado" (Congresso Agrícola, 1988 [1878]:161:3).  A única esperança de reverter este quadro estava na promoção de um conjunto de transformações tecnológicas que poderiam ser realizadas a partir de uma combinação entre reforma agrária e colonização européia. Val era extremamente crítico em relação à grande propriedade, que havia concorrido apenas para "o atraso agrícola e industrial do nosso país e sua educação". Era preciso promover o seu "retalhamento" para poder seguir a marcha dos "países mais civilizados" (como os Estados Unidos e a Bélgica). O método mais apropriado para implementar esta reforma seria a criação de núcleos de colonização, especialmente de colonos "anglo-saxões" ou "centro-europeus". Tais núcleos seriam "exposições permanentes do trabalho e da indústria", introduzindo a "ciência agrícola", o "arado", a "estrumação", a "poda", a "criação" e outras práticas semelhantes. Esta "pequena lavoura educada" serviria de amparo, auxílio, de escola e farol" para a grande lavoura. Os núcleos de colonização, com o tempo, tenderiam a apoderar-se "de uma grande parte dos terrenos improdutivos da grande propriedade que, forçada pela necessidade, pelas heranças e pela falta de braços, e mesmo pelo abandono, irá cedendo impreterivelmente ao colono o excesso dos seus terrenos em proveito de ambos e, ainda mais, do país". A bem-sucedida colonização do Sul do Brasil, que estava provocando uma grande renovação social e tecnológica, deveria ser introduzida na própria província do Rio de Janeiro, coração da grande lavoura nacional, de forma a "refazer suas forças produtivas". Este processo tinha que ser realizado com urgência, enquanto esta região ainda possuísse "restos de sua antiga grandeza e fertilidade" e pudesse atrair "a cobiça e o interesse imediato do colono" (Congresso Agrícola, 1988 [1878]:161-3).

É interessante observar que o discurso de Val, apesar de ter sido um dos mais profundos eloqüentes do encontro, não provocou grande reação na platéia. Não foram registradas perguntas, apartes ou exclamações de apoio ou protesto (que ocorreram em outros pronunciamentos). A sessão do dia foi encerrada logo após o discurso, sem maiores comentários, e os oradores das sessões seguintes não o mencionaram ou o tomaram como referência.  As críticas de Val, provavelmente, não faziam parte do leque de questões que os outros fazendeiros estavam interessados em discutir. Ou então, em outra perspectiva, eram questões que eles evitavam discutir, pois seu real enfrentamento implicaria mudanças profundas nas práticas e estruturas firmemente estabelecidas. A menção ao relacionamento  entre crise produtiva e degradação ambiental ocorreu de maneira apenas ocasional em alguns dos outros oradores, e mesmo assim de forma ligeira e superficial. É verdade que uma representação de lavradores de Juiz de Fora e Paraíba do Sul chegou a afirmar que "a agricultura extensiva, tal qual se pratica e se praticará por muito tempo ainda, longe de melhorar as terras e produzir incremento no valor da propriedade, tende ao assolamento e à degradação" (Congresso Agrícola, 1988 [1878]:71). Também é certo que o comendador Luiz Resende, de Valença, reconheceu que na província do Rio de Janeiro já existiam "muitas terras abandonadas, exaustas com o café" e Ricardo Guimarães, fazendeiro de Barra Mansa, que "a mudança atmosférica e a irregularidade das estações  que têm reinado no país de 1856 em diante" originou a "praga da lagarta na folha dos cafeeiros" e "a diminuição do fruto e da colheita" (Congresso Agrícola, 1988 [1878]:53 e 198). Estas observações, contudo, não foram apresentadas no bojo de uma crítica ecológica consistente e genérica, como no caso de Val, mas sim como elementos ilustrativos em favor de demandas específicas: a formação de associações mutuárias para os lavradores, a introdução da sericultura para Resende, e o alívio da dívida dos agricultores com o comércio para Guimarães.  O que prevaleceu em vários outros momentos, de fato, foi uma atitude desatenta e indiferente em relação aos problemas ambientais, um elogio heróico do avanço da fronteira do café sem qualquer consideração quanto às conseqüências negativas dos métodos que estavam sendo utilizados, especialmente no que tange à destruição florestal.4 Parece correto afirmar, pelas evidências disponíveis, que esta última postura era amplamente dominante entre os senhores de café, apesar das poucas vozes que começavam a surgir, representadas no congresso por Val, destacando a tecnologia predatória, a destruição das matas, os desequilíbrios climáticos e a esterilização dos solos como causas imediatas e centrais na crise geral que assolava o vale do Paraíba.

 

II

As surpreendentes idéias ecológicas de Val, apesar de isoladas no âmbito do congresso de 1878, não devem ser tomadas como um fenômeno histórico singular. Elas se inserem, mesmo que indiretamente, em uma tradição intelectual brasileira que remonta o século XVIII. Nas décadas finais daquele século, e nas primeiras do século seguinte, uma vertente minoritária da geração de estudantes nativos formados na Universidade de Coimbra começou a produzir escritos e memórias onde se condenava duramente o tratamento predatório dado ao meio natural no Brasil. Este grupo, em geral, era formado por discípulos mais diretos do naturalista ítalo-português Domingos Vandelli, cujas lições incluíam uma forte crítica da destruição ambiental em Portugal e suas colônias.5 Tal destruição, no caso do Brasil, era considerada uma herança equivocada da mentalidade colonial, já que dilapidava de forma inconseqüente um rico conjunto de formações e recursos naturais que seriam fundamentais para o desenvolvimento futuro do país. Esta tradição original de crítica ecológica brasileira, que encontrou sua formulação mais ampla e consistente nos escritos de  José Bonifácio de Andrada e Silva, influenciou toda uma linhagem posterior de intelectuais que garantiram a sua continuidade ao longo do período monárquico.6

Entre os eixos centrais desta tradição, desde os primeiros momentos, esteve presente a crítica das práticas agrícolas. Não seria possível repassar, no âmbito do presente artigo, todas as ricas elaborações que foram feitas neste sentido desde o século XVIII. Daí a opção por privilegiar o problema do café no Vale do Paraíba, que constituiu, de toda forma, o universo amplamente dominante do debate sobre a agricultura nas últimas décadas do  Brasil monárquico, inclusive nos seus aspectos ambientais. É importante lembrar, neste contexto, que os primeiros questionamentos e críticas quanto ao modelo que estava sendo implantado no vale não surgiram na década de 70, quando a percepção da crise já era bastante generalizada, mas sim nas décadas de 40 e 50, quando ainda se vivia os primeiros momentos da eufórica expansão do café no interior do Rio de Janeiro.

Um dos primeiros alertas, curiosamente, surgiu de um grande proprietário que se beneficiou imensamente desta expansão, podendo ser considerado o mais típico dos barões do café no Paraíba: Francisco Peixoto de Lacerda Werneck.7 Já em 1847, na sua Memória sobre a Fundação de uma Fazenda na Província do Rio de Janeiro, Werneck expressava seu desejo de "ter um eco que repercutisse em todos os ângulos do Império", para com ele poder criticar o espírito  perdulário com que os cafeicultores tratavam a questão das matas. Segundo Werneck, era "tal o desmazelo que há sobre este importante ramo que mete dó e faz cair o coração aos pés daqueles que estendem duas vistas à posteridade e olham para o futuro que espera a seus predecessores" (sic). O barão valeu-se de uma linguagem eloqüente para condenar o "inferno de fogo" das "grandes derribadas que, em menos de uma hora, deixam em cinzas aquilo que a natureza levou séculos para criar". Ou então a "ruína das preciosidades que, reduzidas a cinzas, nem vós, nem a vossa décima geração, tornarão a encontrar nesta terra devastada" (Werneck, 1985 [1847]:59-60). Por trás desta forte retórica, porém, pouco vamos encontrar de substantivo em termos de propostas para modificar o caráter predatório daquela agricultura. O autor não sugere qualquer método específico de conservação das matas, ou mesmo alguma forma de cultivo que fosse diferente da rotineira coivara. Ao contrário, ele apresenta uma descrição detalhada da maneira pela qual as queimadas deveria8m ser feitas, reconhecendo que " se não pode lançar abaixo e cultivar nossas matas sem se lhes lançar fogo".8 A única correção firmemente advogada, um problema de mínima racionalidade econômica mais do que de consciência ecológica, era a de aproveitar em outras atividades as madeiras de lei derrubadas, ao invés de simplesmente queimá-las ou deixá-las apodrecer como faziam "quase todos os lavradores". Também se faz um apelo para que o governo comece a "dar atenção a este estado de atrasamento em que cegamente marchamos", mas não no sentido de limitar as derrubadas, e sim de ordenar aos fazendeiros que plantassem ao longo dos caminhos "certa porção de paus de lei" (Werneck,  1985 [1847]:60). Esta última proposta era obviamente meritória, tendo em vista a quase inexistência do plantio sistemático de árvores no Brasil até a segunda metade do século XIX, mas estava muito aquém do que seria necessário para corrigir a insustentabilidade da cultura do café. O próprio Werneck constatou esta realidade na prática, pois  herdou de seu pai uma fazenda que teve que ser abandonada devido à esterilização do solo.9 Mas, em 1847, ao que parece, ainda existiam matas suficientes para permitir a continuidade do nomadismo agrícola  e obscurecer a necessidade de medidas mais radicais.  O desastre ecológico do vale do Paraíba era sem dúvida uma realidade razoavelmente distante.

Um outro diagnóstico precoce, bem mais amplo que o de Werneck, foi publicado em 1858 por Guilherme Capanema, um dos intelectuais mais completos e lúcidos do Brasil do seu tempo, que ademais circulava com desenvoltura pelos ambientes da corte e era amigo íntimo do Imperador. Em um pequeno livro denominado Agricultura: Fragmentos do Relatório dos Comissários Brasileiros à Exposição Universal de Paris em 1855, Capanema contrastou os avanços tecnológicos observados naquela exposição com o caráter rudimentar e predatório da lavoura brasileira, cuja explicação histórica remontava à formação colonial do país:

observando a marcha da nossa lavoura, desde o seu começo, conhecemos depressa que na maior parte de seus ramos ela ficou completamente estacionária. Os primeiros colonizadores encontraram terreno inteiramente virgem, produzindo em qualquer lugar com fartura tudo quanto nele plantavam, e por isso viram logo quanto era desnecessário adubá-lo etc., como faziam na terra pátria. Acresce a isso o diminuto custo dos braços escravos, que formavam um capital depressa amortizado... Debaixo destas circunstâncias é muito natural que ninguém se importasse com os melhoramentos da lavoura, e ficasse firmada uma rotina que depressa fazia esquecer tradições a quem vinha se estabelecer nesta abençoada terra do Brasil (Capanema, 1858:2).

Esta mesma rotina,  que originariamente estava adaptada à realidade do mundo colonial, agora ameaçava o futuro da agricultura brasileira, uma vez que o contexto do século XX era completamente diverso: "hoje tudo está mudado - na vizinhança das grandes cidades estão os terrenos cansados e não produzem às vezes nem a semente que se lhes confia. Os braços quase gratuitos desapareceram, o escravo representa um capital muito notável, que aumenta cada vez que uma epidemia vem causar seus estragos. O nosso mercado não é mais um pequeno ponto da Europa, que comprava e vendia nossos produtos a bel-prazer. O mercado agora é todo o mundo civilizado" (Capanema, 1858:3).

Era preciso, portanto, pensar segundo variáveis bem mais amplas do que as que vigoravam no antigo sistema de monopólio. Estava claro para Capanema que a continuidade dos velhos padrões coloniais inviabilizaria a realização de uma verdadeira reforma modernizante. Sua maior lucidez, contudo, foi a de perceber que a introdução de modernizações parciais, sem o rompimento com aqueles padrões, poderia até mesmo ser superficial, especialmente levando em conta a questão ecológica. As ferrovias, por exemplo, ao invés de servir como um instrumento necessário ao progresso agrícola, poderiam tornar-se um "instrumento de devastação".

Se não procurarmos mudar o nosso sistema de agricultura, e se não o fizermos com toda energia, acreditamos que as nossas estradas de ferro, em vez de nos serem úteis, virão a ser prejudiciais. Em torno da nossa capital não vemos senão colinas cobertas de capoeiras. Os seus matos primitivos desapareceram, e também as lavouras que se lhes substituíram: hoje está o terreno exausto e improdutivo, e quem quer boas colheitas vai para longe procurar terrenos virgens. Os cafezais próximos a beira mar, que ainda há vinte anos eram rendosos, hoje estão desprezados e não crescem outros. Só serra cima é que produção é excelente, mas no fim de alguns anos também lá será preciso abandonar o solo cansado para buscar uma zona fértil afastada, o que fará com que as estradas tenham de atravessar muitas léguas de terras em descanso para só na sua extremidade encontrar carga e ligar centros de população, os quais ficarão por sua vez desertos quando uma estrada de ferro passar além e eles deixarem de se os empórios de uma zona cultivada. Só com o melhoramento da lavoura podermos evitar que as estradas se tornem um instrumento de devastação (Capanema, 1858:4).

A lavoura praticada no Rio de Janeiro, apesar de viver um momento de auge, expandindo-se serra acima de forma "excelente", possuía requintes de irracionalidade e ineficiência que prenunciavam a sua crise futura. Após a derrubada dos matos virgens, segundo o autor, quando a terra cobria-se com folhas e galhada miúda, seria correto esperar que o apodrecimento deste material produzisse uma camada humífera rica em sais alcalinos. Para o agricultor brasileiro, porém, "seria trabalhoso esperar por esta decomposição". A prática usual era a de queimar tudo, impossibilitando o surgimento do húmus  e fazendo desprender os mencionados sais (que acabavam sendo levados pelas chuvas). Com esta técnica o cultivo do terreno não podia durar mais do que três ou quatro anos, sendo este posteriormente abandonado. Esta lavoura, acostumada "ao sistema de destruição e esbanjamento de força útil", seguiria decaindo rapidamente e, à medida que fossem faltando os braços escravos, os preços de seus produtos tenderiam a subir em progressão espantosa. O Brasil estava ameaçado de importar até mesmo o feijão, a farinha e a carne seca, alimentos da classe pobre (Capanema, 1858: 3-6).

O modelo negativo que vinha sendo adotado no país não era inevitável. Na Europa, ainda segundo Capanema, todos os anos se podia cultivar o mesmo terreno, introduzindo-se máquinas e produtos químicos que podiam centuplicar o trabalho humano e arrancar" os meios de sua subsistência a uma natureza que, cansada, parece obstinadamente querer negá-los". A modernização  da agricultura era viável, mas devia ser implantada por etapas. Não era ainda o caso, por exemplo, de introduzir uma agronomia industrial. O uso de máquinas esbarrava no fato de "não termos em nosso país quem as aplique, nem sabermos ainda quais as circunstâncias locais que nos possam obrigar a modificar esta aplicação". Também  a agroquímica, ao estilo de Liebig, não podia ser usada no ambiente brasileiro de forma abstrata, carecendo-se de pesquisas que definissem os padrões corretos para a sua utilização local. Mesmo assim era possível fazer mudanças técnicas intermediárias que, no nosso caso, já seriam um avanço. Era possível usar o arado com juntas de bois e a adubação com estrume e matérias orgânicas. À medida que estas inovações fossem ganhando terreno, e a pesquisa agronômica autônoma se desenvolvesse no país, seria possível introduzir máquinas e adubos minerais que reduziriam em mais de 5 vezes o número de escravos em cada propriedade. Entre outras medidas preparatórias constava ainda a criação de uma cadeira superior de química agrícola, inexistente no país (Capanema, 1858: 1-8).

As soluções propostas por Capanema, de certa forma, contradiziam a lógica do seu diagnóstico inicial. Após fazer uma forte crítica da modernização parcial apresentada pelas ferrovias, defendendo a importância de uma mudança mais profunda no modelo agrícola, a terapêutica por ele apresentada não vai além de um conjunto de medidas tecnológicas. Esta limitação fica ainda mais clara na sua sugestão quanto os meios de educar os lavradores para estas novas tecnologias. Neste campo não lhe ocorre nada mais profundo  do que o velho esquema da "fazenda-modelo", quer seria criado pelo estado para educar jovens lavradores e oferecer aos proprietários de terra uma demonstração de como plantar de forma mais inteligente. Uma proposta que, de fato, já constava do livro de José Gregório de Moraes Navarro sobre os melhoramentos da economia rústica nacional em 1799!(Navarro, 1799). Não se pode negar que é bastante patético observar no Brasil de 1858, e até bem depois, a presença de reflexões sobre a necessidade de introduzir o arado e outras técnicas simples de melhoria agrícola (propostas que também já estavam presentes em Navarro e seus contemporâneos setecentistas). Também surpreende que um intelectual brilhante como Capanema pretendesse fazer crer, como consta do seu trabalho, que a mera criação desta "fazenda-modelo" seria capaz de transformar todo o cenário rural do país, de forma que "os alimentos se tornarão baratos, e a imigração estrangeira virá animada aportar a nossas praias, e... indústria, tão vacilante entre nós, começará a tomar pé, e então não se dará o fato de mandarmos o nosso algodão para foram, comprando-o tecido e fiado depois de ter pago os fretes de ida e volta" (Capanema, 1858:16). Na verdade, propostas muito mais ousadas que combinavam modernização agrícola, reforma agrária e superação do escravismo haviam sido formuladas trinta e cinco anos antes por José Bonifácio.10

Esta discrepância entre a argúcia do diagnóstico e a pobreza da terapia, presente no livro de Capanema, revela os limites dentro dos quais era obrigada a viver a crítica ecológica cultivada por alguns personagens do grupo social ao qual o autor pertencia ( o grupo dos intelectuais e naturalistas que orbitavam em torno de Pedro II e dirigiam as grandes associações culturais do Império, como o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e o Museu Nacional).11 Por não poderem enfrentar abertamente a questão estrutural básica, que era a vigência do escravismo, sua inconformidade com a destruição ecológica e o atraso tecnológico padecia de uma permanente irregularidade teórica, atingindo em certos momentos uma capacidade crítica superior para, logo em seguida, cair na ingenuidade e no auto-interesse (pelo tom do trabalho é possível inferir, com algum espírito especulativo, que o autor almejava a direção da fazenda-modelo por ele recomendada). Quanto assim o queria, e podia, a capacidade crítica de Capanema era capaz de atingir um alto patamar no contexto do Brasil em seu tempo. A proposta de uma reforma agrícola e agrária mais abrangente, no entanto, implicaria forçosamente o enfrentamento direto do embaraçoso tema do escravismo12 e da concentração fundiária, algo que ele evitava fazer, pelo menos através de publicações formais.

É significativo que no ano seguinte ao da publicação do livro de Capanema, um autor dotado de maior independência político-social, o empresário e agrônomo Caetano da Rocha Pacova, foi capaz de produzir uma análise crítica bem mais profunda e abrangente do modelo agrícola em vigor. Em seus Apontamentos sobre a Necessidade de uma Escola de Agricultura, de 1859, Pacova logrou estabelecer um conjunto de objetivos amplos que deveriam ser atingidos para impulsionar a lavoura e reduzir a carestia dos gêneros alimentícios - que ele informava estar produzindo privações no povo que magoavam o próprio Imperador,  segundo a fala do trono daquele ano (Pacova, 1859:3). A agricultura brasileira, com exceção do café, estava definhando devido a uma combinação de fatores que podiam ser resumidos nos seguintes itens: Falta de instrução profissional e tecnologias modernas, falta de crédito, dificuldades de transporte, escassez de braços e destruição ambiental. Um dos pontos fortes do raciocínio de Pacova foi o de perceber que este leque amplo de problemas era profundamente interdependente. A ignorância dos lavradores, por exemplo, impedia a introdução de máquinas modernas (muitas estavam paradas por não ter quem as soubesse  manejar ou reparar). O crédito agrícola era escasso porque as propriedades não ofereciam a necessária garantia de valor, já  que os capitais estavam "precariamente comprometidos" em escravos e os recursos naturais das fazendas cada vez mais destruídos (Pacova, 1859:5). O tão falado problema da falta de capitais possuía uma clara dimensão ecológica, não podendo ser entendido apenas no âmbito financeiro. A lavoura brasileira era "nômade pelo seus sistema de trabalho, como em geral o são os nossos estabelecimentos rurais; ao contrário do que acontece nos países de cultura permanente, eles perdem sua importância com o tempo, porque o solo, perdendo todos os anos parte dos seus princípios nutrientes, necessários aos vegetais, torna-se avaro, improdutivo e portanto sem valor". O crédito para estas propriedades apenas se consolidaria a partir de uma reforma tecnológica que fizesse com que "o solo, em vez de ser exaurido, receba cada ano uma soma de trabalho amelhorador   e de matérias fertilizantes, de modo a torná-lo mais rico e produtivo". (Pacova, 1859:11). A questão da falta de estradas, por outro lado, que era uma outra fonte constante de reclamações dos produtores, não podia ser vista sem levar em conta o modelo agrícola, pois ligava-se ao modo nômade da agricultura, ao sistema de produção que estava "sempre em procura de terras virgens", aumentando assim "a distância dos mercados" e agravando "cada vez mais sua situação já tão desvantajosa" (Pacova, 1859:13).

A soma destes fatores interdependentes, ainda segundo Pacova, gerava um quadro de sério risco político, que não devia ser obscurecido pela aparente estabilidade das instituições. A sociedade brasileira descansava "sobre as cinzas de um vulcão que labora internamente", pois " a produção é ineficiente" e "só a agricultura, quando for convenientemente estudada e protegida, pode trazer-nos a solução da crise econômica e financeira para que caminhamos" (Pacova, 1859:14). Esta solução tinha que passar por um conjunto igualmente múltiplo e integrado de medidas. A colonização deveria substituir o trabalho escravo, mas não a colonização em florestas distantes das cidades, onde os colonos morriam de "febre amarela, cólera ou desânimo". Esta opção de "tentar-se a colonização no centro das nossas florestas, longe dos povoados e distante de todos os cômodos  recursos" estava diretamente relacionada com o sistema agrícola dominante, que "exige constantemente terras virgens, onde o machado e o fogo vão exercer sua ação devastadora" (Pacova, 1859:12). A verdadeira colonização, bem como a reforma da agricultura brasileira, tinha que se concentrar inicialmente nas áreas próximas das grandes cidades e mercados, voltando-se para a recuperação das suas "terras cansadas". Também seria necessário a diversificação das culturas - combinando-se a café, o açúcar e algodão com a mandioca, o arroz, o feijão e o  milho, base do consumo popular - e uma política de conservação das florestas. A permanência destas últimas era uma questão crucial que influía "não só sobre a prosperidade de uma nação, como mesmo nas condições de sua existência". O futuro do Brasil estaria comprometido se não houvesse uma conversão das práticas agrícolas no sentido de superar o sistema das queimadas e derrubadas. Para isso seria fundamental a disseminação da educação rural - o autor nota que a pequena ilha de Cuba possuía mais escolas técnicas do que o Brasil - e a introdução da agroquímica e da maquinaria modera (Pacova, 1859:15-19).

A mensagem essencial de Pacova,  especialmente nos seus aspectos propositivos, supunha uma transformação integral no modelo agrícola, que incluiria mudanças nas relações de trabalho, nas tecnologias, nas práticas educativas, nas relações com o meio natural, na infra-estrutura, no financiamento das atividades produtivas etc. Tratava-se de uma proposta bem mais ampla do que a "fazenda-modelo" de Capanema 13, apesar de compartilhar com esta última o mérito de ter sido formulada antes da grande crise do café.

Este conjunto de análises, questionamentos e propostas produzido de forma precoce por autores como Werneck, Capanema e Pacova, particularmente este último, enriquece a história da reflexão ecológica  e da própria cultura brasileira. Ele apresenta um universo surpreendente para os que acreditam ser já crítica ambiental um fenômeno recente e importado na cena intelectual do país. O impacto histórico concreto destas reflexões, no entanto, em termos de influenciar uma mudança efetiva nas práticas agrícolas da época, foi praticamente inexistente.  A rotina predatória continuou seu curso em levar em conta as relativamente poucas advertências que eram feitas quanto à sua insustentabilidade. Esta realidade permaneceu inclusive no período posterior à década de 60, quando o problema da degradação ambiental na pátria do café já despertava um número maior de consciências. Em 1864, o próprio  ministro da agricultura, Domiciano Ribeiro, em seu relatório anual à Assembléia Legislativa, criticava o fato de que o "lavrador entre nós é um nômade, que hoje cria e destrói aqui, para amanhã criar e destruir acolá". Por este motivo ele se permitia dizer, a "respeito dos municípios mais florescentes", que "o dia da sua maior prosperidade é a véspera de sua decadência".14 No excelente livro que escreveu sobre a trajetória de um destes municípios, a cidade de Vassouras, Stanley Stein coletou  um certo número de manifestações locais sobre a decadência ecológica regional, incluindo artigos de jornal, relatórios técnicos, inventários, pronunciamentos nas Câmaras Municipais etc. Até o subdelegado de polícia J. Caravana, após prender um grupo de pessoas que incendiaram uma mata secundária na propriedade vizinha,  declarou, em 1887, que "a terra cultivada no município está diminuída, e ninguém pode tentar novas plantações, porque15 solo está estéril e apenas produz ervas daninhas".

Um dos documentos mais extraordinários elaborados naquele contexto foi o artigo escrito em 1878 por Luiz Corrêa de Azevedo, um fazendeiro do município de Cantagalo, intitulado Da Cultura do Café. Este artigo dissecou com especial lucidez a marcha destrutiva que estava sendo seguida. Mais uma vez o principal alvo dos ataques era a chamada  "rotina", a continuidade irrefletida e automática das práticas agrícolas predatórias. A rotina é classificada por ele como "fanatismo da velha lavoura" e "pertinácia no erro". Através dela instaurou-se uma dinâmica de colher "sem nunca indenizar o terreno dos frutos que prelevava: tirar e nunca repor" (Azevedo, 1985 [1878]:188  198). A perspicácia maior do autor, no entanto, esteve em perceber que as conseqüências negativas da rotina não se limitavam a um determinado município ou região, manifestando-se em uma escala crescente de implicações políticas.:

à  proporção que terreno descortinados e plantados se iam esgotando, ou provando serem 'secas' as terras, administradores e fazendeiros, que só miravam materialismo lucro do momento, iam sem dó nem consciência derrubando novas matas em demanda de terras novas. A única razão que davam era: - que as terras eram de sua propriedade, e que podiam delas dispor a seu prazer. Se esse abuso só prejudicasse ao dono da localidade, bom seria; é às vezes útil deixar um inconsiderado correr após sua fantasiada vontade até parar ante a triste realidade da desilusão. Esse abuso, porém, em larga escala, prejudicava aos vizinhos, ao município, à província, ao Império todo, e até à nação, cujos créditos e rendimentos abalava. Prejudica aos vizinhos, porque a falta de matas produz a falta de chuvas, transformando as qualidades do solo. Prejudica ao município, porque de rico e abençoado que era, começa a diminuir suas colheitas e a depauperar suas terras. Prejudica à província porque as falhas de café, nenhum rendimento dão a suas barreiras ou coletorias, e inutiliza grandes capitais empregados em uma custosa estrada de ferro. Prejudica ao Império, porque diminui-lhe os créditos de país de pequenas colheitas, quando haviam sido antes abundantes. Prejudica à nação, porque os créditos da civilização que ela adquiriu reclamam de toda parte, de ciências, artes, indústria e lavoura, a máxima perfeição e progresso, as melhores doutrinas reunidas às práticas mais dignas de serem seguidas pelo mundo, que se adianta à custa de experiências e labores próprios, não só, como também à custa do exemplo elevado das outras nações cultas (Azevedo, 1985 [1878]: 193).

Esta passagem,  como se vê, apresenta uma típica reflexão de ecologia política, revelando a forma pela qual a interação destrutiva entre práticas sociais e ambiente natural produz uma cadeia de impactos econômicos, sociais e culturais mais amplos que pode abalar a sobrevivência e o destino de uma sociedade. Também está presente o confronto entre estas práticas e um ideal progressista da nacionalidade - que requeria a busca de padrões superiores de perfeição institucional e prestígio civilizatório. A continuidade do texto vai direcionar o espírito desta reflexão para o espaço local, estabelecendo uma meta política concreta: a salvação das fazendas de Cantagalo. Esta última tinha que passar pela busca de uma maneira viável de "renovar seus cafezais sem a barbaridade das derrubadas" (Azevedo, 1985 [1878]: 224). Para isso seria preciso adotar uma série de inovações técnicas16, como a poda dos cafeeiros, o uso de arados, e estrumação da terra e o aprendizado de plantar o café na sombra das florestas.17 O mais importante, porém, seria a realização de reformas institucionais e culturais, que substituíssem o trabalho escravo pelo livre e disseminassem uma nova racionalidade entre os proprietários. Era necessário que os fazendeiros entendessem não ser a agricultura apenas uma "coisa para fazer dinheiro", mas sim uma forma de "dar ocupação e felicidade aos vindouros, que por força hão de ser filiados à escola do progresso e da cultura". Era imperativo criticar  aqueles que, apesar de "saírem ricos", deixavam "a miséria estampada no solo ao qual com violência extorquiram safras, descuidando-se do porvir". Deveriam ser condenados todos os que "só cuidam de transformar terras em capital, ainda mesmo sugando-lhe a última seiva de sua vida vegetal, sem se importar de formar o patrimônio futuro dos filhos e dos vindouros, guarnecido de todos os meios que garantam a perpetuidade da uberdade do solo" (Azevedo [1898]:195 e 224).

 

III

O espírito crítico que esteve sendo comentado, até então expresso através de iniciativas isoladas de autores independentes, foi retomado de forma coletiva, constante e sistemática nas páginas da Revista Agrícola do Imperial Instituto Fluminense de Agricultura (IIFA), editada no Rio de janeiro entre 1869 e 1890. Para entender esta dinâmica, bastante inusitada em muitos sentidos, é necessário analisar de forma um pouco mais fina o contexto sociológico e cultural daquela publicação e do organismo que a patrocinava. O IIFA foi fundado em 1860, sendo parte de um esforço pessoal do Imperador no sentido de promover a pesquisa agronômica no país e aproximá-la dos proprietários rurais, de forma a atualizar e impulsionar a grande lavoura. Os Imperiais Institutos de Agricultura, que foram criados em algumas províncias além do Rio de Janeiro, não eram órgãos estatais, mas sim entidades semi-privadas que contavam com o patrocínio do Imperador e podiam receber fundos públicos através de convênios e doações. Eram espaços associativos que reuniam intelectuais, políticos, fazendeiros e outros membros da elite imperial.18 Não é de se estranhar, portanto, que vários analistas tenham interpretado a existência do IIFA, para não falar dos outros institutos, como um lugar privilegiado de representação ideológica dos proprietários rurais e a Revista Agrícola como um órgão "patrocinado pela classe senhorial" (Heynemann, 1995: 61 e 57). Não haveria espaço no presente artigo para discutir em detalhes esta questão, mas penso ser necessário problematizar e qualificar melhor a representação acima mencionada. Um ponto importante, por exemplo, diz respeito à própria biografia dos editores da revista. Seus primeiros dez anos foram dirigidos por Miguel Antônio da Silva, um intelectual progressista e modernizador, tão preocupado com o problema da destruição ambiental quanto Guilherme Capanema, de quem se considerava um discípulo. Com a morte de Silva, o lugar foi assumido por Nicolau Moreira, um médico que participava ativamente dos debates sociais e ambientais da época. 19 È bastante significativo, portanto, o fato de o principal órgão de reflexão sobre os problemas agrícolas no Brasil monárquico, um dos poucos meios existentes para a comunicação direta com os proprietários rurais, estar entregue nas mãos de dois intelectuais que eram profundamente críticos das práticas adotadas por estes mesmos proprietários, condenado seguidamente a destruição ambiental, a monocultura, a concentração fundiária e o escravismo. A escolha destes dois editores, por outro lado, estava diretamente ligada à presença na presidência do IFFA de Luiz Pedreira do Couto Ferraz, o Visconde do Bom Retiro. Este personagem, apesar de ser um dos quadros mais destacados da elite dirigente do Império, compartilhava várias das posturas críticas adotadas por aqueles especialistas, especialmente no que tange ao tema da degradação ambiental. 20 Não se pode ignorar, desta forma, a existência de uma lógica própria no vínculo teórico e pessoal estabelecido entre Couto Ferraz, Miguel Antonio da Silva, Nicolau Moreira e outros intelectuais que se preocupavam, entre outros temas centrais, com a destruição ecológica no Brasil do seu tempo. É verdade que todos eles, uns mais do que os outros, eram membros da elite social do Império. Mas também partilhavam um recorte próprio, uma articulação associativa e política que delineavam um projeto reformista para o país, projeto que os destaca da elite a qual pertenciam.

Não penso que seja incorreto analisar uma possível articulação entre as idéias divulgadas pela Revista Agrícola, que está merecendo um estudo monográfico mais profundo e sistemático, e certos movimentos estratégicos da classe senhorial brasileira. Mas esta articulação deve ser feita de forma cuidadosa, sem perder de vista a existência de linhagens intelectuais dotadas de dinâmicas e identidades específicas, que não podem ser entendidas como simples elos de transmissão para interesses mais amplos de classe. Muitas das idéias difundidas pela Revista Agrícola, apesar de apresentadas com a tintura legitimadora da modernidade, chocavam-se tão frontalmente com a realidade em vigor que dificilmente poderiam ser reconhecidas pelos setores dominantes da economia. É significativo constatar, neste sentido , que o "Congresso Agrícola" de 1878 a presença do IIFA praticamente não se fez notar. Couto Ferraz e Miguel Antônio da Silva não estiveram presentes. Nicolau Moreira compareceu como representante da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional, mas não teve oportunidade de discursar, apesar de suas teses contra a importação de trabalhadores asiáticos terem sido freqüentemente mencionadas. A principal Revista Agrícola do país, ao que parece, não era considerada uma voz desejável, ou pelo menos essencial, no debate estabelecido pelos congressistas. 21

A presença destas questões sociológicas torna ainda mais interessante o conteúdo da Revista Agrícola, até porque o grau de sofisticação e universalismo agronômico apresentado pelos seus colaboradores foi bastante significativo, especialmente no que se refere aos temas ambientais. José Saldanha da Gama, por exemplo, a partir de observações feitas no "Congresso Internacional dos Agrônomos" ocorrido em Viena, discutiu a importância dos pássaros para a agricultura, manifestando receios quanto à extinção de algumas espécies  especialmente necessárias. Dentro do enfoque dominantemente antropocêntrico e intervencionista que caracterizou a crítica ecológica oitocentista no Brasil, sua proposta era desenvolver programas voltados para "conservar a todo o transe as espécies úteis e destruir as que vivem somente para embaraçar-nos" (Gama, 1874: 101). Nicolau Moreira, por outro lado, inspirando-se nas teses de Liebig22, analisou o problema global do esgotamento dos solos, refletindo sobre a dimensão ecológica da questão política (que ele denominava " física das nações"). Segundo Moreira, o que "ajunta ou dispersa as sociedades humanas", o que "faz desaparecer as nações e os estados", ou então "os torna grandes e poderosos", é sempre o solo. O seu esgotamento deve ser considerado como um "veneno que lenta e seguramente penetra os tecidos e ataca as fontes da vida". Os países costeiros do Mediterrâneo estavam sofrendo abertamente as conseqüências  deste processo que, de  fato, acontecia em quase todos os países, pois por toda parte se praticava uma agricultura que rompia o equilíbrio entre as "substâncias que fazem a força geradora do solo e os produtos que dele se extraem" (Moreira, 1869:244-5). Esta "decadência dos povos" poderia ocorrer de forma vagarosa - necessitando séculos "para que o empobrecimento da terra se declare e a população decresça" - mas certamente estava "marcado o dia em que os filhos deverão pagar as conseqüências das faltas dos pais". A história fornecia muitos exemplos deste tipo de colapso, revelando casos onde nações "famosas antigamente por sua fertilidade" ficaram "completamente estéreis". Soluções parciais, como o uso do guano, não resolveriam o problema, pois o autor contatava que "todo guano descoberto está em exploração" e a "sua massa diminui de dia a dia".23 A verdadeira solução tinha que ser de maior alcance, baseada em um sistema permanente de restituição à terra dos elementos químicos dos quais ela era despojada em cada colheita. Para isso era necessário organizar, ademais da pesquisa agroquímica aplicada, um sistema abrangente e sistemático de reciclagem de materiais, que teria como eixo os esgotos urbanos. Este sistema teria a vantagem adicional de garantir a autonomia dos países, pois com a importação dos fertilizantes " o aumento das colheitas e das subsistências se acha submetido a acontecimentos fortuitos de que as populações não são senhoras" (Moreira, 1886: 228).

Se questões tão globais de ecologia agrícola atormentavam aqueles intelectuais, o que dizer da realidade específico do Brasil, que além de compartilhar todos estes problemas universais padecia também da dominância de práticas e instituições particularmente arcaicas e destrutivas ? De fato, as avaliações feitas por Miguel Antônio da Silva e Nicolau Moreira sobre a evolução da agricultura brasileira impressionavam pela contundência condenatória. Em suas Indicações Agrícolas para os Imigrantes que se dirigem ao Brasil, de 1875, Moreira começa relatando, como era da tradição, a riqueza e os benefícios da natureza do país, com seu clima, suas montanhas, a abundância das águas, a uberdade do solo e as formidáveis e valiosas florestas. A ação humana sobre este magnífico território, no entanto, é apresentada como a própria negação desta generosidade como um reinado de 375 anos de "cultura esgotadora" (ver a citação no início deste artigo). Dois anos mais tarde, em um artigo publicado na Revista Agrícola, Silva adotou este mesmo eixo analítico de forma mais explícita e detalhada. O ponto de partida era a constatação de que "apesar de tão auspiciosas promoções da natureza brasílica, a agricultura nacional, mui longe de apresentar ridente quadro ao lavrador, jaz abatida e decadente, e debate-se nas agonias da próxima e completa ruína". As explicações para este quadro não podiam ser encontradas apenas no presente, requerendo um diagnóstico histórico que começava nos primórdios da ocupação colonial:

os primeiros colonos portugueses que aportaram a esse abençoado torrão da América, depararam com mateiros de fertilidade incrível, verdadeiros tesouros acumulados por séculos e séculos em solos virgens; esta fertilidade fascinou-os, julgando-a inexaurível, e tal foi a causa primordial do fatalíssimo sistema que iniciaram de espoliação das terras, verdadeiro roubo; sistema que desde os tempos coloniais ficou profundamente arraigado nas nossa práticas agrárias... Entregavam desajeitadamente aos golpes do machado e ao fogo as matas primitivas, e sobre os terrenos virgens de toda cultura lançavam a semente.... Os terrenos forçados por excessivas culturas, e sem nem um princípio racional que lhes servisse de guia na prática, foram gradualmente perdendo a sua fertilidade e reduziram-se por fim a completo estado de esterilidade. Neste momento, a terra ficava cansada, como se tão cruelmente despojado na véspera, por outro novo o virgem, e as mesmas cenas de devastação a ferro e fogo recomeçavam de idêntico modo. O mesquinho valor das terras de cultura e o baixo preço do trabalho escravo (triste legado dos nossos antepassados) influíram notavelmente sobre o desenvolvimento da lavoura, feito sem reflexão nem critério, e condensaram em larga escala os elementos para a crise em que se debate atualmente a nossa indústria fundamental. Hoje em dia os terrenos cultiváveis subiram tanto de valor que os braços escassearam, e a imprevidência dos exploradores  primitivos, de depredação em depredação, levou fatalmente ao estado de quase completa esterilidade a zona de terrenos entregue ao feroz sistema de cultivação do solo (Silva, 1877:134).

Diante da persistência histórica de uma tal realidade era possível esperar sentimentos de verdadeiro desespero. Em alguns momentos eles de fato aparecem, como quando Dionísio Martins, um agrônomo baiano que freqüentemente escrevia na Revista Agrícola, menciona "os males produzidos nas áreas cultivadas pelo cancro da imprevidência",  profetizando que "o clamor das necessidades que surgirão das vicissitudes infalíveis em tais condições viciadas, se encarregará de patentear o abismo cavalo pela exageração de um lucro aparente, porque transitório, que além de ferir os interesses da sociedade, destrói irremediavelmente o futuro da família" (Martins, 1871: 10). Na maioria das vezes, contudo, em uma atitude aparentemente paradoxal, a visão daqueles autores sobre o futuro do Brasil apresentava uma boa dose de otimismo. Apesar de as imagens do passado e do presente serem extremamente negativas, o futuro poderia ser diverso . Esta confiança  repousava em dois motivos fundamentais. Em primeiro lugar, existia o argumento da riqueza única do meio natural brasileiro. O próprio Nicolau Moreira, quando falava dos "375 anos de cultura esgotadora", não deixava  de notar que apesar disso a "urberdade" do solo não deixou uma só vez de corresponder às esperanças do lavrador inteligente, que lhe pede a alimentação e os meios de satisfazer  as necessidades da vida social e de servir de fonte inesgotável de recursos para as urgências do estado". Mesmo com o domínio das práticas predatórias, que muito já haviam devastado, a natureza ainda resistia, proporcionando condições para elevar o país " ao grau de primeira nação agrícola" (Moreira, 1875:6). É verdade que estas palavras foram escritas para animar migrantes potencialmente propensos a estabelecerem-se no Brasil, tendendo a exagerar os aspectos positivos do que eles poderiam encontrar na nova terra. Mas elas não eram inconsistentes com outros escritos do mesmo grupo intelectual. E neste ponto manifesta-se segundo o fator de otimismo. Ele tinha a ver com o caráter inconcluso  do Brasil oitocentista, que apresentava extensas margens abertas para a ocupação e os desenvolvimento. O enorme e rico território brasileiro estava majoritariamente desocupado e subexplorado. A população do país era pequena e a sociedade ainda imatura. O Brasil estava quase todo por fazer, existindo um campo de manobra considerável para construir uma verdadeira civilização. O futuro dependia  da abertura desta fronteira sob novas bases, que também deveriam orientar a renovação geral do país. Os autores da Revista Agrícola compartilhavam o discurso civilizatório que estava presente em setores importantes do pensamento brasileiro da época.  Os intelectuais do IIFA, segundo Dionísio Martins, deveriam ser "zeladores do progresso", cuja missão fosse "espalhar as verdades úteis por entre as classes da sociedade, tornando aquelas os seguros esteios sobre os quais se levante o edifício futuro" (Martins, 1873:3). O ponto a ser ressaltado no presente artigo, porém, é o de que eles apresentavam uma vertente alternativa daquele ideário progressista, que afirmava certos elementos de racionalidade ausentes no discurso dominante da elite, a começar pelo tema ecológico.

Nas já mencionadas Indicações Agrícolas, publicadas em 1875, Nicolau Moreira divulgou um conjunto de propostas que ajudam a visualizar o projeto daqueles autores para o meio rural do país, pelo menos enquanto quadros de referência, expondo o que ele tinha de comum ou alternativo em relação às teses gerais do progressismo brasileiro do século XIX. Em primeiro lugar, era necessário uma melhoria no sistema de transportes e comunicações (estradas de rodagem, ferrovias, navegação a vapor, telégrafo etc.), de forma a integrar o território e encurtar a distância entre os centros produtivos e os mercados consumidores. Em segundo lugar, era preciso disseminar novas tecnologias de cultura intensiva, que aumentassem a produção e fossem ambientalmente benéficas, superando a rotina predatória.  As tecnologias ideais, numa definição bastante semelhante à que hoje em dia é utilizada para identificar o "desenvolvimento sustentável", seriam aquelas que  "enriquecem as gerações" ao invés de "felicitar os pais e empobrecer a progênie". Estas tecnologias deveriam incluir o arado, a estrumação, a aclimatação de espécies úteis e a redução radical das queimadas. Uma atenção especial deveria ser dedicada à preservação das florestas pois, segundo afirmava o autor  em outro texto, "a conservação das florestas deve ser, e é, um dos primeiros interesses da sociedade e, por conseguinte, um dos primeiros deveres do governo. Todas as necessidades da vida se ligam à sua conservação. Necessárias aos indivíduos, as florestas não são menos aos estados; sua existência é um benefício inapreciável para os países que as possuem" (Moreira, 1882: 183-4). Um terceiro ponto, quase uma extensão do segundo, estava integrado de fazenda-modelo, institutos, asilos e escolas que propagassem as novas tecnologias. Em quarto lugar, estava a importância de introduzir imigrantes e fundar colônias e núcleos de pequena propriedade ao redor das cidades. A lei do "ventre livre" de 1871 já havia "estancado as fontes da escravidão", sendo aquele o momento apropriado para promover e consolidar o trabalho livre. Em quinto lugar, era fundamental apoiar o espírito de associação e de iniciativa, criando-se bancos e organizações que gerassem crédito, cooperação e fomento rural. Esta reforma administrativa deveria incluir o estímulo à divisão do trabalho, com a formação de fábricas e engenhos centrais que bonificassem a produção agrícola antes da sua exportação (Moreira, 1875: 8-10).

Toda essas medidas, de fato, serviriam para promover o objetivo geral de criar uma ética do trabalho na sociedade brasileira, através da qual esta não mais veria "no operário a máquina bruta do trabalho, porém o homem que, vivendo de sua dignidade, se emprega à força física e procura, ao mesmo tempo, libertar-se das algemas do labor ignorante para seguir a atividade racional" (Moreira, 1875: 9). O conceito de "atividade racional" é chave para entender a proposta de Moreira e do grupo intelectual ao qual ele pertencia. A idéia básica era de que o princípio da racionalidade deveria pautar a dinâmica agregada da sociedade e o comportamento individual do produtor.  Tal racionalidade, por sua vez, tinha que passar pelo cuidado ambiental. Uma das apostas intelectuais do grupo era no sentido de conciliar o progressismo liberal com o imperativo de conservar o meio natural.

Agir em favor da atividade racional seria acompanhar os ventos da história. Em um texto escrito nove anos mais tarde, com o objetivo de comentar as perspectivas da cultura do algodão no Maranhão, Moreira distinguia com nitidez os caminhos que se abriam diante do produtor rural brasileiro. Ele precisava escolher entre o velho sistema classificado com "extensivo", "rotineiro", da "derrubada", do "ferro e fogo", e o novo sistema "intensivo", calcado na terra "adubada, arada e plantada pelo sistema racional". Para o autor, apesar da existência de algumas tentativas fracassadas de introdução dos arados no Brasil, não havia dúvidas quanto à superioridade e à necessidade do segundo modelo. Através dele o lavrador tornar-se-ia estável, deixando de ser "o nômade à procura de novos lugares para assentar por alguns anos sua tenda, pronto a ir para mais longe, assim que tiver cansado as terras que lhe ficam na circunvizinhança". Pelo sistema racional ao contrário, seria possível permanecer na terra e evitar o malefício de "acabar com as florestas virgens" e "tornar as boas madeiras raras neste país". O "sábio conselho" que se poderia dar aos lavradores, portanto, era o de aceitar a realidade e preparar-se para "essa transformação", adotando "desde já, aquele que puder, o novo sistema" (Moreira, 1884: 140).

O receituário apresentado pelos autores da Revista Agrícola, como se vê, não estava distante da linha de raciocínio presente nos textos já comentados de Val, Capanema, Pacova e Azevedo. A conjuntura histórica e pessoal de cada autor variou, assim como o grau de abrangência e radicalidade das suas propostas, mas ainda assim é possível identificar uma certa identidade conceitual subjacente. Esta identidade vai estar ligada ao processo de reflexão acumulada que, de forma direta ou indireta, constitui uma tradição de pensamento ecológico-político no Brasil dos séculos XVIII e XIX. Entre os elementos comuns que a caracterizam  encontra-se a forte presença de uma postura antropocêntrica, cientificista e progressista. Em nenhum dos autores brasileiros que criticaram a destruição ambiental naquele período, até onde eu tenha podido investigar, apareceu uma defesa da conservação do meio natural e da vida selvagem a partir do seu direito autônomo à existência e do seu valor intrínseco, seja biológico, espiritual ou estético.24 A idéia de conservação estava sempre calcada no valor instrumental da natureza para a sociedade e o país. A questão não estava em isolar, o meio natural da ação humana, mas sim em promover o seu uso inteligente e cuidadoso, buscando conciliar o aumento da produção econômica com a continuidade dos recursos naturais.

Esta defesa da racionalidade científica e do progresso associava-se, normalmente, com o elogio da infra-estrutura e as tecnologias vigentes na moderna civilização européia. No que se refere ao meio rural, de forma mais específica, isto significava o apoio à difusão de estradas, ferrovias, escolas, máquinas e produtos químicos. E também de técnicas mais simples que ainda não eram aplicadas na lavoura brasileira, apesar de estarem disponíveis, como o arado, a charrua, a grade, a estrumação, a poda e a variação de cultivos. É importante observar que esta modernização da agricultura não era considerada uma fonte de degradação ambiental, mas, sim uma panacéia contra a mesma. A destruição do meio natural derivava da utilização de práticas rudimentares herdadas do passado colonial, sendo mais um "preço do atraso" do que um "preço do progresso" (como  hoje em dia, em geral, se concebe; cf. Pádua, 1987).  Para o olhar atual, obviamente, este otimismo tecnológico soa ingênuo, especialmente diante da constatação retrospectiva dos danos ecológicos causados pela agricultura industrial e pela agroquímica. Não é possível entender a ecologia política do Brasil setecentista e oitocentista, no entanto, sem perceber a identificação por ela estabelecida entre a modernização tecnológica e a superação do desastre ecológico.

É verdade que esta recepção positiva da modernidade não ocorreu de forma totalmente incondicional. A modernização que se queria, com algumas exceções, estava relacionada muito mais com o progresso do mundo rural do que com uma opção pelo mundo urbano e industrial. A persistência de uma certa postura fisiocrática é bastante evidente neste caso. O mundo urbano chegou a ser percebido, em algumas passagens, como uma variante indesejável da modernidade européia, pelo menos no que se refere ao seu estabelecimento no Brasil.  Em um livro-texto publicado em 1870 por Nicolau Moreira, a partir de uma versão original do engenheiro Frederico Burlamaque, o Catecismo da Agricultura, os jovens oriundos do meio rural são exortados a não abandonar "o lar doméstico pelo engodo das cidades" e não trocar "as paisagens de pano pintado pela natureza, a estufa pelo sol e grande ar, as fadigas estéreis por uma útil atividade, os prazeres puros, em uma palavra, a vida fictícia pela vida real". Mais ainda, os autores pedem aos jovens que não se ofusquem com o "falso esplendor das cidades" e com as "maravilhas que as indústrias ali reúnem ", pois elas "ocultam nojentas chagas, o vício, a preguiça, a lepra da mendicidade" (Burlamaque e Moreira, 1870: 2). A suposta vocação agrícola do país, mais do que uma evidência de atraso histórico irremediável, era considerada por alguns dos seus defensores como uma vantagem comparativa em termos civilizatórios, desde que a paisagem rural fosse racionalizada e modernizada.25

A pregação dos autores analisados em favor de uma transformação do meio rural brasileiro, como foi possível constatar, não se restringia ao problema tecnológico. Também se defendia, de forma complementar, a necessidade de reformas sociais mais amplas. Estas reformas não fugiam aos princípios do liberalismo e da economia de mercado, mas estabeleciam horizontes claros de mudança em favor da pequena propriedade e do trabalho livre. É verdade que tal pregação reformista se deu de forma diversa no que se refere à radicalidade e à profundidade da argumentação de cada autor. As propostas podiam transitar da promoção de uma reforma agrária abrangente e compulsória, que já havia sido defendida na década de vinte por José Bonifácio, à defesa de um esforço mais ou menos voluntário de colonização e loteamento das fronteiras e das grandes propriedades. Todas elas convergiam, no entanto, para o reconhecimento da importância da pequena propriedade para o progresso do país. O mesmo pode ser dito quanto ao tema do trabalho livre. Os autores da Revista Agrícola, em geral,  eram abolicionistas moderados, que não chegavam a defender  a "abolição imediata e sem indenização" (para lembrar um lema de André Rebouças26). No Catecismo de 1870, por exemplo, a escravidão não foi abertamente condenada. Os autores afirmam claramente que a agricultura não é "um simples ofício manual que pode ser exercido por ignorantes e explorado por braços escravos"  (Burlamaque e Moreira, 1870:18). Mas não chegam a atacar o escravismo como algo inaceitável do ponto de vista moral, já que ele também poderia ser objetivo de um comportamento ético: "qualquer que seja o pessoal empregado, homens livres, servos ou escravos, o que governa os outros deve ser justo e humano" (Burlamaque e Moreira, 1870: 18). A escravidão é apresentada, de fato, como uma herança do passado, assim como  as práticas agrícolas rudimentares ("vossos pais herdaram a enxada e o escravo"), sem que se dê o passo decisivo de estabelecer o fim do trabalho servil como condição  necessária para a reforma ecológica da agricultura. Era possível, mesmo com a manutenção dos escravos, "extrair da sua herdade tudo quanto pode ser necessário ou útil a si mesmo e à sociedade, sem todavia estragar a terra" (Burlamaque e Moreira, 1870: 19-20). Em suma, era viável atingir uma maior produtividade e equilíbrio ambiental sem acabar com a escravidão. De toda forma, seja através desta visão mais moderada, seja através do novo radicalismo introduzido por André Rebouças e Joaquim Nabuco, o fato é que o trabalho livre afirmava-se cada vez mais como um fator básico na reforma da agricultura brasileira, inclusive no plano ambiental.

Em linhas gerais, desta forma, a aposta histórica dos autores que estiveram sendo examinados, como se desprende da citação de Nicolau Moreira colocada no início do artigo, passava pela superação do trabalho servil, da derrubada, da queimada, da lavoura extensiva e da grande propriedade em favor de uma ordem rural calcada no trabalho livre, na lavoura intensiva e na pequena propriedade. Uma aposta histórica que, guardadas as grandes diferenças de contexto, não perdeu totalmente a sua atualidade, continuando a ser, ainda nos dias de hoje, um desafio necessário para a democratização da sociedade brasileira.

 

Referências bibliográficas

1-Fontes Primárias

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2 - Fontes Secundárias

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Notas

1 "Programa divulgado em 12 de julho de 1978", publicado em Congresso Agrícola, 1988 [1878]:1.

2 Congresso Agrícola (1988 [1878]:1). O congresso realizou-se na cidade do Rio de Janeiro, limitando seu alcance às províncias do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Espírito Santo. Durante cinco dias, de 8 a 12 de setembro de 1878, reuniu cerca de trezentos proprietários rurais e profissionais da agricultura provenientes destas quatro províncias.

3 Congresso Agrícola (1988[1878]:2). Para uma análise do contexto social e político das questões discutidas no congresso ver Carvalho, 1988.

4 Manoel Lacerda Werneck, por exemplo, pediu um voto de agradecimento pela "coragem indômita" com que a geração pioneira "desbravou nossas florestas e nelas implantou estabelecimentos rurais" (Congresso Agrícola, 1988 [1878]:231.

5 Para uma discussão sobre a importância de Vandelli (1730-1815) no desenvolvimento do naturalismo científico em Portugal ver Munteal Filho (1993). Para suas reflexões sobre a destruição ambiental ver Pádua (1997: capítulo 2).

6  Para uma análise detalhada das origens e da evolução histórica desta tradição intelectual ver Pádua (1997).

7 Um estudo sobre a trajetória de Werneck, barão de Pati do Alferes, pode ser lido em Silva (1984).

8 Werneck (1985 [1847]:59).  O ponto de partida para o cultivo do café, segundo Werneck, estava em identificar na floresta a concentração de certos tipos de árvores, para através delas conhecer a qualidade do solo que seria aproveitado após a queimada.

9 Werneck descreveu a Fazenda de Santa Anna, em 1858, como a "muito velha e estéril fazenda, de cujo solo tirou meu pai toda a sua fortuna, mas que deixou estragada complemento". Citado por Silva (1984: 147).

10 Para as propostas de Bonifácio, ver Pádua (1987; 1997:capítulo 3).

11 Para uma discussão mais profunda desta questão ver Pádua (1997: capitulo 4).

12 É de se notar que a fazenda-modelo de Capanema os filhos dos fazendeiros "esqueceriam que têm escravos" e teriam que trabalhar com as próprias mãos (p.15). O valor do trabalho livre é apresentado indiretamente como um princípio educativo, e não como o eixo de uma mudança substantiva na vida rural brasileira.

13É verdade que Pacova também pediu o apoio do governo para a criação de uma fazenda modelo, só que apresentando a idéia como mais um item do seu projeto de mudança rural, e não como o instrumento central do mesmo.

14 "Relatório apresentado à Assembléia Geral Legislativa...", p. 4. Citado por Silva (1984:135).

15 Citado por Stein (1970:224).

16 Azevedo não se limitou à reflexão teórica sobre estas inovações, aplicando-as também na prática. Em um artigo publicado em 1877, no "Auxiliador da Industria Nacional", ele descreveu os bons resultados que estavam sendo obtidos com o uso da poda e do arado na fazenda "Ibicaba" de São Paulo, propriedade de José Vergueiro, e na fazenda "Bem-posta" de Cantagalo, pertencente à sua família. Ver Azevedo (1877). O uso de métodos alternativos, mais produtivos e ambientalmente sadios, era perfeitamente viável na cafeicultura oitocentista. A persistência na rotina pedatória não repousava em qualquer tipo de impossibilidade técnica. Sobre este ponto ver também Dean (1995: capítulo 8) e Drummond (1997: parte I-8).

17 Azevedo, 1985 [1898]:187. O autor sugeria que este último experimento fosse feito na floresta nacional da Tijuca, que com tanta eficácia vinha sendo regenerada.

18 Sobre a evolução do IFFA, ver Sedrez, 1993.

19 Moreira foi chamado por José do Patrocínio de "veterano dos abolicionistas brasileiros" (Patrocínio, 1996:48).

20 Ferraz deu o impulso decisivo, por exemplo, quando ministro do Império entre 1853 e 1856, para a realização de reconstituição da floresta da Tijuca, a mais bem-sucedida política ambiental executada no Brasil Monárquico.

21 A Revista Agrícola, em sua edição de março de 1879, noticiou e descreveu de forma elogiosa os trabalhos do congresso. Os redatores da revista estavam interessados em dialogar com os fazendeiros, que provavelmente não tinham o mesmo interesse em escutar suas opiniões.

22 A tese central de Liebig era a da necessidade de substituir a agricultura de espoliação do solo, que até então prevalecia, por uma agricultura de restituição. Suas pesquisas de química aplicada, voltadas para este objetivo, marcaram o surgimento da moderna agricultura industrial. Bem menos conhecido, porém, é o fato de que Liebig também recomendava a reciclagem constante dos materiais orgânicos na produção de adubo (incluindo o uso do esgoto produzido pelos habitantes das cidades). Além disso, ele criticava duramente os latifúndios e a urbanização desmensurada, que considerava incompatíveis com a construção de uma agricultura racional. Sobre este ponto ver Alier e Schlupmann, 1991: capítulo 1.

23 Moreira (1886: 227-8). Os estoques de guano, que se concentravam em algumas regiões costeiras do Peru, acabaram sendo explorados até a exaustão comercial ainda no século XIX. Este processo vem sendo estudado como um caso histórico exemplar no que se refere ao uso imprevidente dos recursos naturais. Ver Alier e Schlupmann (1991: 55-63).

24 Este tipo de enfoque não estava ausente do pensamento ambiental oitocentista, podendo ser encontrado, por exemplo, em autores norte-americanos coo John Muir e Henry David Thoreau. Ver a respeito Fox (1981).

25 Esta perspectiva lança novas luzes sobre a polêmica entre os defensores da vocação agrícola e da vocação industrial do Brasil nos séculos XIX e XX, analisada no estudo clássico de Luz, 1975. Em alguns autores a defesa do rural não se confundia com uma postura conservadora, mas sim uma visão agrarista da modernidade.

26 Alguns autores abolicionistas, especialmente André Rebouças e Joaquim Nabuco, produziram  importantes reflexões críticas sobre a agricultura, inclusive com forte ênfase na questão ecológica. Os argumentos essenciais podem ser encontrados em Rebouças, 1883. Estes abolicionistas adotavam, em geral, uma proposta modernizante próxima da apresentada por Silva e Moreira, apesar de explicitar com muito maior intensidade a tese de que sem a superação do escravismo seria impossível uma verdadeira transformação  e modernização da agricultura brasileira. Optei por não discutir as posições ecológico-políticas dos abolicionistas no presente artigo, considerando que a sua riqueza e complexidade requer a elaboração de um trabalho específico. Uma análise inicial, bem mais completa, pode ser lida em Pádua, 1997: capítulo 4.