Estudos Sociedade e Agricultura

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Matthias Röhrig Assunção

Exportação, mercado interno e crises de subsistência numa província brasileira: o caso do Maranhão, 1800-1860


Estudos Sociedade e Agricultura, 14, abril 2000: 32-71.

Resumo: (Exportação, mercado interno e crises de subsistência numa província brasileira: o caso do Maranhão, 1800 – 1860). O artigo analisa o setor algodoeiro e a sua inserção na economia atlântica, discutindo o impacto da Independência. Passa a examinar a seguir os diferentes tipos de crises que afetavam a população: crises de subsistência, crises de abastecimento e crises do meio circulante. Conclui-se que estas crises – mais que a sempre mencionada “decadência do algodão” – foram cruciais na gestação de movimentos sociais como a Balaiada.

Palavras-chaves: história econômica; história agrária; escravidão; crises de subsistência; campesinato; Maranhão.

Abstract: (Export, Internal Market and Subsistence Crisis in a Brazilian Province: The case of Maranhão, 1800 – 1860). The article first looks at the cotton sector and its insertion into the Atlantic market, and the impact of Brazilian Independence on regional economy. Then the different types of crises, which affected the population, are analyzed: crisis of supply and monetary crisis. The problems affecting the internal market were crucial for the outbreak of social unrest, such as the Balaiada uprising – more than the always-mentioned “decadence” of the cotton economy.

Key words: economic history; agrarian history; slavery; subsistence crisis; Maranhâo (Brazil); peasantry.

Matthias Röhrig Assunção, University of Essex.


No debate sobre as origens do subdesenvolvimento, a relação entre os diferentes segmentos da economia constitui-se num campo privilegiado para o confronto entre interpretações divergentes. Enquanto os “dependentistas” insistem sobre a exploração colonial e o imperialismo “informal” dobritânico para explicar o atraso da economia brasileira no século XIX, seus críticos sustentam que as estruturas internas foram às únicas responsáveis (Haber e Klein, 1997: 248). A ênfase sobre o setor de exortação distinguiu, durante muito tempo, a historiografia brasileira. Foi Roberto Simonsen (1937), quem introduziu a periodização da economia brasileira em “ciclos”, caracterizados cada qual por um produto de exportação dominante. A sucessão de ciclos (açúcar, ouro, café), constituiu-se em ortodoxia na história econômica do Brasil. Como seus críticos sublinharam (Linhares e Teixeira da Silva, 1981), esta concepção levou à subestimação dos outros setores da economia e mesmo de regiões inteiras – aquelas que não estavam passando por um “boom” nas exportações, ou aquelas onde este setor estava em crise e que, em conseqüência, eram tachadas de “decadentes”. Mesmo nos enfoques marxistas da década de 1970, a economia domestica ainda era considerada a variável dependente (Novais, 1979: 111; Gorender, 1978: 257), e identificada com uma economia de subsistência, de caráter predominantemente não-mercantil. Tanto Caio Prado Jr. (1963) – o primeiro a analisa-la – quanto Celso Furtado (1972), amalgamavam no conceito de economia de subsistência a produção para o consumo próprio e a produção para mercados locais e regionais.

Quanto às unidades de produção, Prado Jr. já distinguia formas específicas para cada setor da economia, ou seja, a grande plantation escravista na exportação e uma unidade menor (em geral chamada sítio), onde dominavam outras relações de trabalho, na economia de subsistência. Estabelecia-se desta maneira uma correspondência entre o nível macroeconômico e as respectivas formas de produção, em nível microeconômico. Mais recentemente Gorender, na sua construção de um “modo de produção escravista colonial” analisou a produção de alimentos no interior da plantation. Distinguiu dois segmentos (mercantil / natural), e atribuiu caráter absolutamente marginal à produção camponesa independente (1978: 241 – 267, 297 – 301). Na sua critica contundente à “bisegmentação” da plantation e ao conceito “economia natural”, Francisco Carlos Teixeira da Silva (1990: 21 – 68), tem apontado para a importância da produção mercantil não-capitalista, cuja existência foi comprovada em muitas formações sociais. Apoiando-se em autores como Kula e Mintz, conclui que estes mercados não-capitalistas eram caracterizados por escassez permanente, baixas taxas de lucro e acumulação, monetarização imperfeita, rigidez da oferta e concorrência limitada.

É o que emerge também das pesquisa das últimas décadas sobre a economia do Brasil Colônia ou Império: havia um substancial setor da economia colonial orientado para o mercado interno, constituído, às vésperas da Independência, de verdadeiro “mosaico de formas não-capitalistas de produção” (Fragoso, 1998: 144). Era formado por fazendas escravistas, unidades camponesas (usando ou não o trabalho escravo), e estâncias utilizando trabalho livre não-assalariado. Cada unidade de produção colonial podia inserir-se de várias maneiras na economia, produzindo ora para a auto-subsistência, ora para o mercado interno ou para a exportação. No caso do Maranhão, deparamo-nos com fazendas produzindo algodão e arroz para o mercado externo e alimentos para a sua auto-subsistência, enquanto as fazendas de gado, as fazendas de mandioca e as unidades de produção camponesas produziam para o mercado interno e sua auto-subsistência. Por esta razão, parece-me importante diferenciar claramente entre o setor monetário e o setor não-monetário da economia interna, e distinguir três setores, e não apenas dois, na economia: a produção de (auto-) subsistência (setor A), a produção par o mercado interno (setor B), e a produção para a exportação (setor C).

Qual era o peso de cada setor na economia e quais as relações entre os setores? Celso Furtado (1972: 95), estimou que o valor produzido pelo setor de exportação alcançava um quarto do valor total da economia brasileira em 1800 e um sexto em 1850. Para ele (1972: 93, 128), a principal razão para o atraso da economia brasileira no inicio do século XIX foi à queda das exportações, em comparação com o crescimento da população. Este raciocínio foi levado ainda mais longe pro Buescu (1970: 103):

A conclusão é que o aumento da população foi totalmente díspar com as possibilidades decrescimento da economia. [...] De fato, com o esgotamento dos ciclos, agentes econômicos ingressavam forçosamente na economia de subsistência, de menor produtividade e rentabilidade, reduzindo, desta forma, a capacidade global de expansão da economia.

Estas interpretações globais ainda se baseavam em dados e estimativas muito pouco confiáveis. Nos últimos anos multiplicaram-se os trabalhos empíricos que tentaram quantificar aspectos específicos da economia voltada para o mercado interno, ou mesmo de subsistência (Mattos, 1987, Teixeira da Silva, 1990; Libby, 1991; Fragoso, 1998). Devido, porém, às dificuldades inerentes a tal empresa – a maioria das fontes coloniais e oitocentistas é caracterizada por uma renda do Estado – trabalhos sobre o mercado interno continuam sendo escassos (Leff, 1997: 60). Tal situação é ainda mais freqüente em províncias periféricas como o Maranhão, que tiveram uma experiência bastante diferente da do Sudeste: o numero limitado de trabalhos empíricos recentes, baseados em pesquisas de arquivo, impediu a inclusão deste percurso singular na discussão mais geral.

Desta maneira, a insistência sobre a performance do setor de exportação e a “crise” do mesmo como razão exclusiva para explicar crises políticas e sociais do período tem caracterizado até interpretações mais recentes. Maria Januária Vilela Santos (1983: 35 - 42), por exemplo, atribuiu a crises generalizada na agricultura, cujos sintomas seriam notados desde o final do século XVIII, papel importante para explicar a eclosão da guerra civil da Balaiada. Cabe indagar sobre este conceito mesmo de crise, tão abundantemente usado pela historiografia maranhense, porém poucas vezes claramente definido.

De fato, segue-se geralmente um modelo de interpretação da economia regional que surgiu no inicio do século XIX, no breve período entre a abertura dos portos e a independência. Um pequeno grupo de intelectuais, ligados à grande lavoura ou à administração colonial, tentou refletir sobre os problemas que enfrentavam os lavradores naquela época, destacando-se Raimundo José de Sousa Gaioso (1818), e Garcia d’Abranches (1822), com seus clássicos tratados sobre a agricultura maranhense. Emerge, então, a “periodização ortodoxa” (Almeida, 1983: 49 – 55), na qual sucedem-se a “antiga barbaridade” (o período anterior a 1756), a época de ouro da “prosperidade” (o período até a década de 1810), e a atualidade, caracterizada por diversos “males” que afligiam os lavradores. Estes eram acentuados pela grande crise da economia de exportação, entre 1818 – 19. Entretanto, Abranches (1822: 35) concluía, mesmo depois desta crise, que “a Lavoura não está em tanta decadência como os lavradores”. Foi no período subseqüente a “decadência” da grande lavoura, às vezes também chamada genericamente de “crise” da agricultura, passou a constituir referência obrigatória de relatórios, tratados e historias do Maranhão. É significativo que mesmo trabalhos mais recentes contentem-se em reproduzir os dados dos clássicos, sem acrescentar-lhes dados novos que permitiriam relativizar esta periodização.

Em geral segue-se implicitamente o modelo de crise da economia de exportação já delineado por Furtado (1972: 135):

Dans les économies dépendantes, la [sic] crise se présente sous une forme totalement différente et commence par une chute de la valeur des exportations en raison de la réduction soit de la valeur unitaire des porduits exportés, soit de la valeur et du volume total de ceux-ci

No que segue quero enfatizar a importância de outros tipos de crises, mais ‘’internas’’, localizadas no setor de subsistência e no mercado interno de alimentos, cuja importância já foi demonstrada para outras regiões brasileiras. Enfocarei a economia maranhense como o conjunto desses três setores e analisarei a relação entre eles, sua performance, assim como os diferentes tipos de crise em cada setor. Meu argumento é: 1) a “decadência” da grande lavoura algodoeira só pode ser entendida se levarmos em consideração as estruturas de consumo, os investimentos na agricultura, a relação entre fazendeiros e negociantes, e a ação do Estado; 2) a chamada “decadência” significou, de fato, uma “interiorização” da economia, com o setor de exportação perdendo importância relativa e 3) as crises internas aos outros setores econômicos são igualmente relevantes para entender a trajetória econômica da província e explicar a convulsão social da Balaiada.

 

O setor de exportação e sua inserção na economia atlântica

A capitania do Maranhão era uma colônia periférica do império colonial português até a segunda metade do século XVIII. As peculiaridades desta fase inicial, como a preponderância dos jesuítas ou a especialização em “drogas do sertão” (baunilha, canela), ainda carecem de estudo mais sistemático[1]. Todos os trabalhos existentes concordam em ressaltar a pobreza da colônia nesta época e atribuir o ulterior “desenvolvimento” à política mercantilista do Marques de Pombal e à ação da Companhia Geral do Grão Pará e Maranhão (1756 – 78)[2].Sem dúvida, a Companhia criou as condições para o desenvolvimento de uma economia regional baseada na plantation escravista, produzindo para o mercado europeu, semelhante às demais capitanias do Nordeste e do Sudeste, aspecto sempre ressaltado pelos defensores incondicionais da Companhia como Dias (1970), e Viveiros (1954). Mas quais foram as conseqüências de o Maranhão ter se enveredado por esta via ao escravismo colonial, ou seja, através do monopólio comercial e do endividamento sistemático dos fazendeiros? Faltam análises mais pormenorizadas sobre este assunto. Podemos assumir, no entanto, que em poucas outras regiões brasileiras existia dependência tão grande dos fazendeiros em relação à burguesia comercial[3].

A industrialização na Europa, com sua demanda por algodão aumentando de maneira exponencial, garantiu, a partir de 1780, um mercado em expansão constante para o principal produto de exportação maranhense e ajudou a consolidar o crescimento do setor de exportação. O algodão passou a representar 75% das exportações brasileiras com 24,4%, logo depois do açúcar, com 34,7%. O Maranhão era então a segunda região exportadora do produto – depois de Pernambuco – e São Luís chegou a ser o quarto porto exportador do Brasil (Arruda, 1980: 353 – 354, 368).

No tempo da Companhia, os lucros dos comerciantes eram de 45% na importação de fazendas secas da Europa, com adicionais de 5% se a compra fosse a crédito, e eram provavelmente ainda mais altos na exportação. Lucros abusivos foram a principal queixa dos fazendeiros contra a Companhia e, pelo visto, esta situação não mudou muito com a abolição da mesma em 1778. O historiador Southey escreveu sobre São Luís no final do século XVIII:

Muito maior do que nas cidades comerciais do Sul era aqui a desigualdade das classes, e possuindo os mercados opulentos muitas terras e numerosos escravos, alguns deles de mil a mil e quinhentos, era também grande a sua influência (1977, III, XVLI: 406).

Referia-se ele a comerciantes portugueses como José Gonçalves da Silva, que tinha por alcunha o Barateiro, dono de 1.500 escravos, cuja fortuna foi estimada, depois de sua morte, em 1821, entre 6 e 7 milhões de cruzados (L 490.000). Outro comerciante e capitalista influente era José Antônio Meireles, que tinha empréstimos concedidos na praça num valor total de 1.200 contos (L 245.000)[4]. Esta desigualdade social, maior do que em outras capitanias, e a proeminência dos comerciantes são confirmadas também por outras fontes, como, por exemplo, Koster (1817, I: 217).

Arruda (1980: 566 – 570), calculou os lucros médios dos mais importantes produtos do comércio colonial brasileiro durante o período 1796 – 1811, distinguindo lucratividades baixa (menos de 30%), média (30 – 70%), alta (70 – 100%), e excepcional (acima de 100%). Os negociantes obtinham os lucros mais altos com os produtos brasileiros exportados para a Europa. O lucro nodo algodão chegava a 65%, e o do arroz a 101%. A lucratividade na importação de produtos europeus era mais baixa, se situando em geral entre 12 e 51%. Mesmo que os dados de Arruda não permitam conclusões a respeito de eventuais diferenças regionais de lucratividade, fica claro que os lucros docolonial superavam, de longe, as possibilidades de lucro dos fazendeiros no Maranhão.

Esta situação já fora percebida pelos contemporâneos. O juiz Bernardo Gama via nos altos preços dos produtos importados a razão da falta de solidez financeira dos fazendeiros.

Os descendentes [dos primeiros europeus], porem, [...] convencendo-se dos grandes interesses que lhes resultam daquele começado[do algodão], não lhes ocorre outra idéia senão plantar muito, para exportar muito, sem advertir que por muito poderosa que seja a agricultura, vem toda a sua produção a consumir-se nos altos preços por que mandam á Europa comprar todas as necessidades da vida. E desta forma perdem todas as vantagens do sistema agrário quando lhe faltam os adminículos dos sistemas subalternos que lhe devem ser inseparáveis. Desprezam as artes e a industria, tão necessárias ao País, para lançar mão de grossas lavouras e, por conseqüência, de grossos dispêndios em que consomem tudo, e ás vezes mais do que lucram. Trazem um grosso giro, mas sem solidez e sem resultado em favor dos primeiros fundos (Gama, 1981: 14).

Fazendeiros como Gaioso ou Abranches, no entanto, explicavam o endividamento dos lavradores e a sua conseqüente dependência dos negociantes pelos altos preços dos escravos. Nas palavras de Gaioso, já não se encontrava mais “lavrador”[5] sem dividas.

E bem fundada esta minha asserção que sendo infinitos os lavradores nacionais queantigamente tinham em cofre um bom sobre excedente da suas lavouras, e que com ele supriam não poucas vezes outros lavradores seus amigos, ou parentes, já para formar novos estabelecimentos, já para aumentar os que se achavam principiados, com o módico interessedo beneficio da lei, e até sem ele, apenas se achará hoje algum que ainda se possa incluir nessa classe; por quanto entre lavradores modernos de 20 anos a esta parte, é quase geral oempenho em que se acham constituídos para com os vendedores da escravatura (Gaioso, 1970: 241).

Abranches foi ainda mais longe, acusando os traficantes de escravos de terem criado um monopólio para fazer subir os preços, e reclamava também dos impostos “excessivos” (1822: 13, 31 – 32)[6].

A situação dos fazendeiros, a sua dependência dos negociantes, não se alterou muito com a abertura dos portos, em 1808. Platt (1971), e mais recentemente Haber e Klein (1997: 248), têm relativizado a importância da famosa abertura dos portos aodas nações européias. De fato, os produtos brasileiros já chegavam aos mercados ingleses desde os tratados anglo-portugueses de 1654 e 1730. Negociantes ingleses estabelecidos em Lisboa e no Porto compravam produtos brasileiros, havendo mesmo quatro casas inglesas estabelecidas em portos brasileiros antes de 1808 (Simonsen, 1957: 353). Platt, tentando refutar a tese do “imperialismo formal” inglês, argumentou que a Inglaterra não estava interessada em produtos latino-americanos e que os mercados latino-americanos eram insignificantes para a Inglaterra. Mas o Brasil constituía uma exceção a este respeito, recebendo mercadorias inglesas num valor que equivalia, nas décadas de 1820 e 1830, ao total das exportações inglesas para o Caribe. Este , como é sabido, era facilitado pelas baixas tarifas de importação (15%), que a Inglaterra conseguiu estabelecer nos tratados dede 1810 e 1827, ao passo que os produtos brasileiros continuavam a pagar impostos altos para entrar na Inglaterra (Simonsen, 1957: 397 – 399). Por isso historiadores têm insistido no fato de que o Brasil era “um mercado importante para manufaturas inglesas, mas somente uma fonte secundária de importação britânica” (Manchester, 1964: 98).

Neste quadro, o algodão era a grande exceção, representando o item de mais peso nas exportações brasileiras para a Inglaterra. O interesse pelo algodão explica o estabelecimento de comerciantes ingleses no Maranhão, logo após a abertura dos portos. Em 1812 já operavam mais de 12 estabelecimentos comerciais ingleses em São Luís (Viveiros, 1954, I: 122). A maioria se estabelecia com créditos do mercado de capitais londrino. Em pouco tempo, lograram dominar ode importação e exportação. Em 1812, 56% das exportações maranhenses já iam diretamente para a Inglaterra e 45% das importações provinham deste país. Em números absolutos, o valor das importações inglesas não chegou, no período 1812 – 1821, a alcançar o das exportações maranhenses (Schneider, 1975, tabelas 33 e 35)[7]. O Maranhão constituía assim uma província atípica no Império brasileiro, e mesmo na América latina: aqui os negociantes ingleses compravam mais do que vendiam.

A predominância inglesa no comércio exterior maranhense era o resultado não somente de tarifas preferenciais, mas também da maior eficiência dotransatlântico inglês. O frete de mercadorias para a Inglaterra custava, apesar da distancia maior, somente a metade do frete para Lisboa. Os prêmios de seguro também eram mais baratos (Xavier, 1956: 311). Alem do mais, os comerciantes portugueses da praça de São Luís sofriam com a falta de liquidez e de credito além-mar, como lamentou Xavier:

Esta também é a razão porque se acha paralisado odo Maranhão chegando a ponto de que havendo quem precize dali mandar dinheiros para Lisboa, não achar uma só Casa que possa sacar uma Letra ainda de pequena quantia, vendo-se os Portugueses na durapercisão [sic] de irem entregar os seus dinheiros a Ingleses no Maranhão para os ter emLisboa e pagar-lhes em cima o prêmio que eles exigem. Parece coisa repugnante, e oxalá que fosse isso quimera, mas por desgraça é fato!!! (Xavier, [1822] 1956: 314).

Oportuguês no Maranhão, que havia vivido durante décadas à sombra do monopólio colonial, não conseguiu resistir à invasão dos comerciantes da ascendente potência mundial. Como não existia aqui qualquer tradição de concorrência noe como a província oferecia o produto colonial que mais interessava aos ingleses, não é de estranhar que em São Luís a dominação dotransatlântico pelos ingleses fosse maior do que em outros portos:

Em nenhum grande porto do Brasil a posição da Inglaterra era tão forte como em São Luís. Osingleses determinavam as taxas de câmbio, os fretes, o valor das moedas e dos produtos do país. Tinham papel preponderante na importação e na exportação (Schneider, 1975: 420).

Esta situação levou os comerciantes portugueses a advogar medidas protecionistas (Xavier, 1956: 312; Gaioso, 1970: 272), mas tratava-se de mero combate de retaguarda, sem chance de êxito no contexto brasileiro. A questão que se coloca, então, é se esta rivalidade entre negociantes portugueses e ingleses chegou a afetar a situação dos fazendeiros maranhenses. Em teoria, poderiam ter-se beneficiado de preços melhores por causa da concorrência. Na prática, no entanto, não foi o que aconteceu. Segundo Gaioso (1970: 258 – 270), os compradores ingleses de algodão perceberam que competir com os negociantes portugueses só fazia subir os preços. Teriam entrado em acordos secretos (“monopólio oculto”), com aqueles, para manter o preço do algodão baixo na praça de São Luís, mesmo quando este estava subindo na Europa. Uma comparação dos preços do algodão em São Luís e na Inglaterra, durante os anos 1812 – 1819, parece comprovar as acusações de Gaioso. Desta maneira, a abertura dos portos não significou, de imediato, o fim do caráter oligopolista doludovicense. Os comerciantes ingleses na praça souberam explorar esta estrutura em beneficio próprio. Aproveitando a falta de liquidez crônica dos fazendeiros, negociavam compras a credito para as mercadorias por eles importadas, mas aceitavam como pagamento das parcelas apenas moeda de prata ou ouro, ou algodão a preços estipulados por eles. Os comerciantes portugueses, perdendo assim grande parte do lucrativo negocio importação / exportação, tiveram que reorientar suas atividades para tentar manter os seus lucros. Nesta situação mais difícil, muitos tentavam compensar prejuízos ganhando como prestamista. Isto foi facilitado pela liberação de fato dos juros. Durante a época colonial os juros para empréstimos eram limitados a, no máximo, 6% ao ano. Mesmo sendo abolido oficialmente, pela Regência, apenas em 1832 (carvalho, 1979: 16 – 17), nas décadas de 1810 e 1820 já se cobravam de fato juros de 2 – 3 ou mesmo 4% mensais. Parece-me que isto pode explicar também o aumento de execuções judiciais de devedores[8].

Viveiros (1954,I: 146), sempre simpático à causa dos comerciantes, patrocinadores da sua obra, afirmou que: “no geral, o espírito do comerciante português não se aprazia em promover desgraças”. Outras fontes indicam que, pelo contrario, este período foi o das “execuções cruéis” por parte dos negociantes:

E por que o mal é geral, e ali já não se acha numerário, senão em mui poucas mãos de capitalistas ambiciosos, e usuários, cujos nomes a decência manda calar, segue-se que ou osEscravos são vendidos em Praça por muito menos de a metade do seu justo valor, ou adjudicados aos exeqüentes na forma da Lei [...] (Xavier, [1822] 1956: 308).

Os negociantes ingleses não se arriscavam em negócios pouco seguros no interior, mas se concentravam node importação / exportação. Provavelmente por esta razão não sofreram represálias durante as guerras da Independência ou da Balaiada. Não lidavam diretamente com as classes livres pobres e nem com a maioria dos fazendeiros. “O Português”, pelo contrário, continuava a representar o comerciante avarento e mesquinho, que se enriquecia às custas do “povo”.

Neste contexto, houve pouco espaço para modernizações das técnicas agrícolas, no tratamento do algodão ou no sistema de transportes, tão necessárias para enfrentar a crescente concorrência internacional. O endividamento dos fazendeiros só explica em parte esta falta de inovações. De fato, quando os fazendeiros conseguiam retornos altos para o seu algodão, gastavam seus lucros na compra de mais escravos (até 1840), e em importações de luxo. Seda francesa compunha parcela significativa das importações. Mas a maior parte das importações maranhenses era constituída por tecidos de algodão ingleses (ver Schneider, 1975, tabela 40). O Maranhão exportava, portanto, algodão cru para reimportar sobretudo tecidos de algodão!

A falta de inovações técnicas teve como resultado uma produtividade estagnante. Nos Estados Unidos, pelo contrario, investimentos produtivos resultaram numa queda de custos e numa melhora da qualidade do algodão. Assim, o algodão norte-americano, já a partir de 1800, substituía gradualmente o algodão maranhense no mercado inglês. Só em períodos de guerra nos Estados Unidos (como 1812 – 14, 1861 – 65), logrou o algodão maranhense recuperar temporariamente a sua posição no mercado. A queda do preço do algodão levou os fazendeiros a tentar economizar no seu tratamento (safra e descascamento), provocando péssima reputação do produto maranhense depois de 1820 nos mercados europeus (Soares, 1977: 48 – 49).

No entanto, a queda dos preços do algodão e a crescente competição com outras regiões produtoras não levaram, de imediato, a uma reorientação ou mesmo a uma queda significativa da produção. Em termos de volume, o ano de 1830 assinala o auge da produção maranhense, com quase 80 mil sacas exportadas. E a produção conseguiu manter-se geralmente acima de 35 mil sacas até a década de 1870. Desta maneira, temos que ler os comentários contemporâneos sobre a “decadência” e a “crise” do algodão com certa cautela. Não se tratava necessariamente de queda do volume de produção. As crises maranhenses podiam resultar de queda de preços no mercado mundial, coincidindo com os ciclos descendentes da economia mundial (Fases B na linguagem dos historiadores econômicos). Na interpretação dos contemporâneos como César Marques (in Almeida, 1983: 106), “este aumento não contradiz o estado de decadência aludida”, porque a lavoura estava “onerada de dívidas” e “desfalcada de braços”, sugerindo que os lavradores intensificavam a jornada de trabalho dos escravos para enfrentar as condições adversas.

As crises podiam ainda ser o resultado de uma política cambial desfavorável do governo imperial. Leff (1997: 36), sublinhou que este seguia interesses regionais específicos e sugeriu que uma independência do Norte teria tido efeitos positivos sobre a economia da região.

Finalmente, as crises da economia algodoeira se originavam também localmente. Em 1819 – 20, por exemplo, houve uma crise aguda no Maranhão que só parcialmente coincidia com a crise européia. Mauro (1972: 46), já comentou sobre o fato desta fase de prosperidade ser mais longa no Brasil do que na Europa, onde preços começaram a cair desde 1815 – 17. No Maranhão, o preço ainda alto entre 1817 e 1819 provocou verdadeira euforia entre fazendeiros, que compraram muitos escravos a credito no intuito de expandir a produção. Talvez este preço alto tenha sido apenas o resultado da especulação, sem base na demanda européia[9]. Seja como for, quando o,preço do algodão caiu, a partir de 1819, muitos fazendeiros não podiam mais pagar suas obrigações. Vários negociantes, que já haviam comprado algodão dos fazendeiros na esperança de lucros altos, tiveram grandes prejuízos e alguns quebraram[10].

A guerra da independência resultou na desorganização da produção em 1822 – 23, mas a exportação chegou a outro máximo de mais de 70 mil sacas em 1825. No ano seguinte, houve outra crise relacionada tanto à queda local da produção (seca de 1824 – 25 no Maranhão), quanto a queda dos preços na Europa (crise de 1825 – 26). Outras quedas no preço ocorreram em anos subseqüentes, por exemplo em 1848. Não há, porém, uma correlação direta entre o volume da produção maranhense e o preço do algodão no mercado mundial, o que leva à conclusão que o volume de produção era sobretudo o resultado de fatores internos. Não existem estatísticas sobre o volume da produção do período 1835 – 1840, mas os dados sobre o valor total das exportações ou os valores do imposto do algodão deste período permitem afirmar que não houve queda significativa da produção antes do inicio da Guerra da Balaiada[11]. O preço do algodão tampouco andava muito por baixo em 1837 – 39. Desta maneira é difícil seguir autores como Santos (1983: 35 – 42), que usa a “crise da agricultura” e a “desagregação da economia” para explicar a eclosão da Balaiada: “a crise que se abateu sobre a lavoura e sobre os demais setores produtivos da Província, inevitavelmente, levou a depauperização das camadas populares a níveis insuportáveis”(1983: 34). Mas, as fontes citadas por ela referem-se apenas ao período 1811 – 22! Parece-me problemático estender o conceito de crise a uma duração de meio século e tirar conclusões sobre o estado geral da economia apenas com base no caso do algodão e sobre uma suposta crise da pecuária. Existiram crises pontuais na economia algodoeira, como em 1819 ou em 1825, mas não em 1838. Houve estagnação da produção e deve-se ver os aspectos do declínio. Mas não devemos confundir fenômenos de conjuntura, como as crises, com a longa duração e as tendências seculares.

Por esta razão, é necessário refletir da maneira mais abrangente sobre a economia regional, a relação entre seus diferentes segmentos e os problemas que enfrentavam os agentes econômicos no Maranhão. Precisamos redefinir os tipos de crise e entender melhor as contradições internas da economia, assim como a sua evolução neste período.

 

Crises e mercado interno

Devido à verdadeira obsessão das autoridades pela exportação, é difícil ter uma noção exata da extensão do mercado interno na primeira metade do século XIX. Levando em conta a escassa população em relação à superfície da província e o deficiente sistema de transportes (que se fazia só pelos grandes rios e por algumas estradas em péssimas condições, especialmente em época de chuva), é claro que o mercado interno enfrentava severas limitações. Alem do mais, uma grande parte da população de escravos e livres pobres era apenas parcialmente integrada à economia monetária, vivendo sobretudo na economia de subsistência. No entanto, até as populações mais afastadas dos centros coloniais, como os quilombolas vivendo nas matas além da “fronteira”, mantinham relações comerciais com outros segmentos da população.

É na documentação das câmaras, responsáveis pelo abastecimento da população, que encontramos as melhores informações a respeito do mercado interno de alimentos. Os principais alimentos comercializados eram a farinha de mandioca, a carne seca e a carne “verde” (fresca). Existia um mercado mais limitado para milho, feijão, rapadura, peixe, produtos lácteos, óleos, hortaliça e frutas[12]. São Luís com seus 20 mil habitantes na época da Independência constituía o mercado mais importante de alimentos, abastecido por produtos dos municípios litorâneos como Guimarães, Icatu e Alcântara. Itapecuru-Mirim, também chamada simplesmente de “a feira”, era o grande mercado de gado do interior. As outras vilas tinham importância sobretudo para o mercado local. Somente Caxias, no rio Itapecuru, alcançava importância supra-regional. Elevada a cidade em 1836, era situada na interseção de varias rotas comerciais ligando o nordeste com o sul do Maranhão e o litoral da província. Contava apenas 2.500 habitantes em 1821, entre os quais a única colônia portuguesa de alguma importância fora de São Luís, que vivia do(Lago, 1822; Paula Ribeiro, 1848: 50 – 51). Era a afluência de pessoas vindas de longe que fazia dela importante centro comercial:

É a vila de Caxias uma continuada feira, onde muito distante os povos dos sertões confinantes trazem à venda os seus efeitos, que constam de algodoes, solas, couros de veado e cabra, tabacos de fumo, gados, escravaturas da Bahia, cavalharias e tropas de machos, a quechamam burradas, levando em troco toda a qualidade de gêneros da Europa. Assim por isso, como por ser escala dos viajantes do Maranhão e Pará por terra para quase toda a América portuguesa ou ainda espanhola, é nela considerável a concorrência de muita gente e de muito , em comparação da insignificante importância do seu local (Paula Ribeiro, 1848: 52).

Desenvolveu-se também um substancial mercado para alimentos de todo tipo, no qual até escravos tentavam se inserir, como se vê pelas tentativas de regular a sua atuação:

Os Pretos, ou Pretas, que venderem Farinha, Milho, e Arroz, Feijão, Hortaliças, Frutas eoutros quaisquer gêneros a retalho, não poderão fazer Feira se não na praça de N. Senhora do Rosário, pena de pagarem mil-réis, ou dois dias de prisão, fica porem livre o transito dosTabuleiros pelas Ruas como até agora se praticava[13].

Esta postura não especifica se os escravos em questão vendiam por conta própria ou por conta do senhor, mas documenta a extensão do mercado de alimentos neste período. Outra postura deixa claro que a intenção da câmara era mesmo limitar a atividade autônoma dos escravos:

Ninguém poderá comprar a escravos objeto algum, ou comerciar com estes sem a permissão de seus Senhores, Administradores ou Feitores, sob pena de dez mil réis pela primeira vez, e o dobro na reincidência, sendo o negócio feito nesta cidade, ou em povoações, sendo em fazenda de plantação, ou criação, será a pena de 30$000, e na reincidência o dobro e oito dias de prisão[14].

A justificativa dada era sempre de impedir a venda de mercadorias roubadas pelos escravos. Podemos supor que era também uma maneira de limitar a participação dos escravos no que era considerado área exclusiva dos livres.

O mercado para alimentos perecíveis era mais limitado ao âmbito local. Segundo algumas autoridades, a economia de subsistência constituía o principal entrave ao : “é pela facilidade de subsistência que oe a navegação se acham em um estado deplorável, [...]” (Gama, 1981: 13). Na realidade, estes dois fatores se reforçavam mutuamente: eram também as condições precárias de transporte que desestimulavam os fazendeiros e camponeses a produzir um excedente. Fracassaram varias tentativas, por parte de particulares, de montar esquemas de comercialização regionais (Roteiro, 1900: 138 – 139), e mesmo o Estado teve de enfrentar muitos reveses nesta área.

Devido aos altos custos de transporte e à sua demora, somente um número reduzido de alimentos era comercializado além do nível local. Como em outras províncias, os mais importantes eram a farinha de mandioca, o gado, as carnes seca e “verde”, as bebidas alcoólicas e o peixe seco.

Serão analisadas a seguir as crises do mercado interno, ou seja, a relação entre safras, estruturas comerciais, e crises de abastecimento e subsistência com base nos exemplos da farinha – principal alimento para a população – e da carne verde.

No modelo proposto por Gorender (1978: 257), qualquer movimento de contração ou espanarão do segmento de “economia natural”, no âmbito da plantation, era determinado por um prévio movimento da “economia mercantil”. Para sua demonstração, ele utiliza um comentário sobre a falta de farinha no Maranhão. Segundo o autor anônimo do “Roteiro do Maranhão...”, esta falta era de responsabilidade dos fazendeiros, que desprezavam a agricultura de subsistência em favor do cultivo dos gêneros para exportação (Roteiro, 1900: 139 – 140). Embora não se saiba a que data exata (e, portanto, a que conjuntura), se referia o autor anônimo, é certo que houve crises de abastecimento no Maranhão, que podem ser relacionadas à conjuntura de preços altos do algodão e à concorrência entre as economias de exportação e de subsistência. Paula Ribeiro, viajando pelo vale do Itapecuru, exatamente na conjuntura de alta, em 1815, relata que:

[...] a opulenta Caxias, a mais comerciável de toda a capitania, é também a mais carecida dosgêneros de lavoura própria para a sua subsistência, porque é aqui preterida esta pela do algodão, assim como sucede em todo o Itapecuru povoado, fazendo este terrível sistema talvez uma parte do motivo das fomes que se experimentam na capital relativo ás farinhas depão, geral pão do Brasil, pela muita quantidade dela que aqui extraem aqueles lavradores para o sustento das suas escravaturas, em lugar da muita que lá podiam lavrar para esse fim, e para fertilizar também a referida capital...(Paula Ribeiro, [1819], 1849: 55 – 56).

Neste caso, tratava-se menos de uma crise de subsistência generalizada do que uma oferta limitada e preços altos da farinha nesta microrregião. Atingia os viajantes, como Paula Ribeiro, e sobretudo os pobres sem terra. Em outro texto sobre o assunto, o major se refere justamente a “fome geral da pobreza” – não a da população em geral. A falta de farinha atingiu também a população urbana de São Luís, porque os fazendeiros “não deixam de comprar em outros lugares assaz distantes esses gêneros para o seu sustento” (Paula Ribeiro, [1815] 1848: 51), o que fez subir os preços destes gêneros em São Luís. Mas estes impasses no abastecimento da farinha expressavam um fenômeno conjuntural, não endêmico como pretende Santos (1983: 60). Somente preços altos no mercado mundial podiam induzir os fazendeiros a gastar dinheiro e mandar vir farinha de longe. A crise de abastecimento de 1816 – 19 na praça de São Luís, portanto, também resultava das compras dos fazendeiros do Itapecuru, que passaram a competir com os habitantes da capital. Esta demanda não podia ser satisfeita a curto prazo. É provável que as microrregiões com tradição na exportação de farinha, como Guimarães e Icatu, certamente teriam incrementado as suas produções se esta demanda tivesse sido constante[15]. Mas com a queda do preço do algodão, os fazendeiros do Itapecuru voltaram a produzir farinha para o sustento dos seus escravos. Não encontrei dados para os anos 1830, mas em 1860 as microrregiões Baixo e Médio Itapecuru, onde viviam 22% da população, produziam quase 20% da farinha da província: não precisavam se abastecer em outros municípios.

No entanto, nem todas as crises de subsistência no Maranhão coincidem com as conjunturas de alta, o que nos deve levar a considerar um conjunto mais complexo de fatores. Assim, a crise de 1816 – 19 foi agravada pela inépcia do governador (Poranduba, 1891: 120 – 121). Linhares (1979: 125), distinguiu seis fatores na sua pioneira tipologia das crises coloniais: causas naturais; concorrência entre economias de exportação e de subsistência; formação de um mercado mais lucrativo pra alimentos, retirados do mercado local; recusa dos produtores de produzir excedentes quando desestimulados por entraves de natureza fiscal; dificuldades de transportes; e lucros de intermediários. Uma analise das crises maranhenses confirma a importância de cad um destes fatores, como veremos a seguir.

Uma causa natural, a seca, foi à razão inicial para a crise de subsistência de 1824 – 26 no Maranhão oriental. O agravamento da crise nos anos 1825 e 1826 se deve, porém, a outras razoes. Acudindo um pedido de ajuda da câmara do Brejo, o governo provincial mandou 200 alqueires (6.400 kg) de farinha em 100 sacas. Uma parte (21 sacas), chegou molhada e podre. O resto, reclamava a câmara, não dava nem para alimentar os “necessitados” durante um mês[16]. E havia municípios, como Tutóia, onde quase toda a população estava passando necessidade[17]. Assim o péssimo estado das vias de comunicação e a falta de meios do governo provincial neste período impediram uma ação mais eficaz. O presidente da província podia lançar mão de métodos mais radicais, como proibir o fabrico de tiquira (aguardente de mandioca), ou requisitar farinha ou tubérculos de mandioca em outras áreas, menos atingidas pela crise. Assim, aconteceu na vila Icatu, quando 512 alqueires de farinha e mandioca para produzir outros 500 alqueires foram confiscados em dezembro de 1825[18].

A crise de 1837 – 38 já era de outro tipo, ou seja, uma crise de abastecimento. A safra de mandioca de 1837 foi fraca, mas não catastrófica. O que precipitou a crise foi o abastecimento das tropas no Pará, que estavam lutando contra os cabanos. Além do mais, o Maranhão também exportava farinha para varias outras províncias. Como resultado, o preço, que em anos “normais” oscilava entre 600 e 1:500 réis por alqueire de farinha, subiu para 3:200 réis em março de 1837 em São Luís. Isto significava fome para a “pobreza”. (Publicador Oficial, 1837: 4.003, 4.006, 4.013, 4.079).

O governo tomou várias medidas: proibiu a exportação de farinha de mandioca (março de 1837), aboliu o imposto (décimo), sobre a farinha de mandioca e destinou 12 contos para compra de farinha fora da província, a ser vendida pelo preço de custo no Maranhão (Lei provincial 34 de 27 / 6 / 1837). O iate “28 de Julho” foi enviado para este fim para os portos do Piauí e do Ceará. Não encontrando quantidades suficientes para comprar, foi requerida a assistência dos presidentes da Bahia e de Pernambuco. As correspondências oficiais e os jornais indicam que “atravessadores” estavam ganhando com a crise. Provavelmente por causa deles a crise continuou no ano de 1838. Em janeiro deste ano a Câmara Municipal de São Luís advertia o presidente da província que:

Sendo a Câmara Municipal a atalaia do Bem Publico, e pertencendo-lhe o cuidado do provimento de viveres necessários para os habitantes desta cidade, deve ela por isso mesmo abastecer o mercado, e cautelar quando lhe for possível os monopólios, que se costumam a fazer das farinhas da Mandioca, e dos gêneros, que servem de alimento geral ao Povo, eevitar a falsificação que se usa nas medidas, em grande prejuízo da pobreza, e do Público em geral[19]

Segundo a Câmara, a estas alturas a falta de farinha já era conseqüência da ação dos especuladores:

A Câmara Municipal desta cidade, mui penetrada do grande vexame que vê sofrer os habitantes dos seus Distritos, principalmente os que pertencem as classes menos abastadas, com a carestia da farinha da terra (um dos mais importantes gêneros de primeiranecessidade) cuja carestia, não sendo proveniente da falta deste gênero, com evidencia se conhece que nasce do pernicioso Monopólio de certos indivíduos que, contando com a prontidão da venda, por ser o primordial alimento de todas as classes, animam-se a oferecer grandes preços, uma vez que seja vendida a prazo, para depois saciarem a sede de sua sórdida cobiça vendendo-a ao povo com exorbitantes lucros, sobre aquele alto preço, por quejá a compraram, [...][20].

Por esta razão, a câmara propunha a compra de uma reserva de farinha com fundos provinciais, a ser vendida a preço de custo para o “povo”:

A experiência já mostrou, Exmo. Sr. , a vantagem desta medida; por que no tempo da Câmara transacta, aparecendo uma igual crise, um Cidadão verdadeiramente filantropo, emprestou a aquela corporação Municipal certa soma para com ela comprar-se a dinheiro à vista farinha; colheu-se tão feliz resultado que, em menos de três meses desceu a farinha de 3:200 poralqueire (preço por que se vendia) a 1:280 réis e a menos[21].

No mesmo dia a câmara adotou a postura municipal obrigando qualquer individuo que desejasse vender farinha no atacado a oferecê-la primeiro no varejo, no mercado publico de São Luís, durante oito dias. Só depois poderia vender farinha no atacado. O presidente da província não aceitou tal medida intervencionista e no dia 9 de abril de 1838 decidiu suspendê-la, reintroduzindo a “liberdade” do . A proibição de vender farinha para outras províncias tampouco surtiu efeito, apesar das recomendações aos juizes de paz e inspetores de quarteirão de velar pelo acatamento da medida (Publicador Oficial, 1838: 4.079). Como o preço da farinha no Pará chegava ao dobro do preço no Maranhão (Idem: 4.074), é provável que muitos comerciantes maranhenses não tenham conseguido resistir a tentação do lucro mais alto...

No dia 9 de junho de 1838 foi decidido vender as reservas do exército para “a pobreza”, devendo os juizes de paz da capital supervisar a venda e garantir que só se venderia aos “pobres” e nunca quantidades superiores a meio alqueire por família. Seis meses depois começava a guerra civil também no Maranhão, provocando outra vez o colapso do abastecimento regional. Não é bem claro até que ponto a crise de 1837 – 38 atingiu toda a província ou somente as microrregiões abastecedoras de São Luís[22]. A safra de 1838 foi razoável, de maneira que a extensão da crise deveu-se, sobretudo, às estruturas comerciais – a ação dos monopolistas e a exportação para outras províncias. Estamos, portanto, em presença de outro tipo de crise. Não uma crise de subsistência, como a de 1825 – 26, nem uma crise generalizada em toda a província, mas uma crise local de abastecimento, que atingia especialmente a população pobre das cidades do litoral. Não encontrei referencias mencionando maiores problemas de abastecimento da população camponesa do interior e suponho que conseguiram viver da sua produção doméstica. Em conseqüência, não podemos estabelecer uma relação direta entre esta crise de 1837 – 38 e a Balaiada, já que nesta ultima a população pobre da cidade se manifestou. No entanto, o ódio da população urbana pobre contra os atravessadores da farinha de 1837 – 38 certamente aumentou os ressentimentos contra os comerciantes “portugueses”, que se expressaram com tanta força na Balaiada.

As câmaras municipais eram, desde a época colonial, responsáveis não somente pela aplicação exata dos pesos e medidas, mas também pelo abastecimento da sua população (Linhares, 1979: 84). Quando os seus fundos, sempre limitados, não eram suficientes para garantir o abastecimento com os gêneros de primeira necessidade, encarregavam particulares com esta responsabilidade. Geralmente, arrematavam um contrato em leilão publico. Os contratos de carne verde no Maranhão previam que somente o contratante podia abater gado e vender carne, por um preço fixado pela câmara. O contratante também assumia o compromisso de abastecer o município com carne suficiente em todos os dias da semana previstos no contrato. Isto abria possibilidades de monopólio lucrativo para alguns membros da câmara ou a sua clientela. Em São Luís, o já referido Antonio José Meireles foi acusado, em 1819, de haver assim roubado “o povo em 60 contos, fazendo subir o preço da carne, contra expressa clausula do contrato”[23]. Esta fama monopolista acompanhou Meireles durante as subseqüentes décadas. Ainda em 1838, o jornalista Rafael Estevão de Carvalho denunciava as intrigas do chefe informal da colônia portuguesa junto ao governo, acusando-o de tentar, outra vez, obter lucros ilícitos através do monopólio da carne verde[24].

A pratica de arrematar contratos para a venda de carnes verdes continuou no interior, depois da independência, mas também foi objeto de acirrados conflitos, como na vila do Rosário, em 1827. o comandante parcial deu o seguinte relato do conflito:

Participo a v. Exca., que quando tomei conta do comando Parcial desta Freguesia, achei como de costume era o Povo matar gado, naqueles dias em que o contrato não dá Carnes verdes: esta mesma ordem eu a deixei seguir pelo povo não passar extrema necessidade, pois que o contrato só dá carne nos Domingos, e dias Santos, e esta mesma muito péssima.

Tendo vir ter comigo o dito contratador, afim de não deixar matar gado algum naqueles dias em que ele não desse carne, respondi-lhe que não podia proibir [sic], pois que quando tomei conta do Comando já achei esta mesma ordem, [...][25].

Pertenciam ao termo do Rosário nesta época os campos de Anajatuba, onde viviam muitos pequenos criadores, interessados em vender carne no mercado local, mas eram impedidos de fazê-lo por este tipo de monopólio. Arrematavam-se contratos deste tipo ainda na década de 1830, levando à intervenção do governo provincial, orientado por princípios liberais. O conflito entre a câmara do Brejo e o governo da província exemplifica que nem dirigismo mercantilista nem liberalismo livre-cambista conseguiam resolver os problemas de abastecimento na província.

Em março de 1838, a câmara do Brejo assinou um contrato com Francisco Alves de Souza, prevendo que este deveria oferecer todos os dias quantidades suficientes de carnes verdes, por um preço abaixo do mercado, e ameaçava com multa de 10:000 réis qualquer pessoa vendendo carne, conquanto o referido Alves de Souza cumpria suas obrigações. O presidente da província declarou o contrato invalido no dia 2 de abril de 1838. Em carta à câmara, pedia explicações, já que este tipo de contrato estava em infração com a Constituinte do Império (Publicador Oficial, 1838: 4.279). A câmara respondeu que:

O Cidadão Francisco Alves de Souza representou-nos os monopólios com que meia dúzia desujeitos (se tanto são) praticam consumadas usuras no Comércio de Carne Verde, cujatrafecancia [sic] é aqui de nós bem conhecida. [...] carne má de gado empestado, e assaz enfezado, ou com sal empilhado, e lodosa no tempo de inverno, não será prejudicial asalubridade publica? Nós supomos, que sim, e tudo isso tem sido executado entre nós pelosnegociadores deste gênero; pois que estes praticando coisas que excitam o escândalo publicona ocasião de receberem o dinheiro adquirido com o suor do pobre, para lhes venderem umdos alimentos de sua primeira necessidade, se tornam insofríveis, já demorando-os bastante tempo com perda de seus afazeres, já lhes vendendo carne de gado enfezado, e até empestado (como tem acontecido ser proibida a venda pelo Juiz de paz); já enfim deixando de matar gado para venderem carne empilhada, e cheia de lodo como seca a 120 réis a libra, e omesmo fazendo com a 1ª. classe de cidadãos, avançam para com estes decterios [sic], que muito ofendem, e conhecendo V. Exa. Otimamente, que a sociedade é dividida em classes, cujas classes são ocupadas por aqueles de seus membros, que por sua circunstancias são adaptados para elas, está óbvio, que neste trafico, e nesta Vila poucos são os Cidadãos quese podem nele empregar, por que assim dividido não oferece vantagem que convide apessoas mais abastadas, o qual recaindo em Cidadãos sem outro modo de vida, e sem percepção necessária para conhecer os ditames da razão, e só ouvindo o rude interesse que os inflama, abusam da liberdade, e tornam seu comércio insofrível a quem dele depende, e por conseqüência a todos.

A vista de tanto abuso assim praticado, deste monopólio tão escandaloso, e duma usura tão desmarcada, que ao cidadão abastado é pesada, e ao pobre é insuportável, a Câmaraassentiu, como já dissemos, à representação daquele Cidadão Souza, [...][26].

Se tomarmos em conta que o “cidadão Souza” foi vereador da câmara na legislatura anterior, adensa-se a suspeita de que este episodio representava um conflito entre dois ou mais grupos de latifundiários e fazendeiros de gado, que brigavam pelo controle do mercado local de carne. Os consumidores pobres sempre acabavam prejudicados. A câmara de Brejo não se conformou com a introdução da “liberdade” no comércio local de carne pelo governo provincial. Em 1839, voltou a insistir na crise de abastecimento no município, pedindo a volta dos contratos de monopólio:

A final Exmo. Sr., o talho das Carnes Verdes posto em contrato, e por arrematação é deextrema precisão para o bem publico neste Município, por quanto se esta não existe de direitoexiste todavia de fato pelo monopólio usado dos negociadores deste gênero, e nem se diga,que a liberdade das carnes verdes promove abastança, por que a experiência tem mostrado o contrário, e principalmente neste lugar onde as pessoas que se empregam neste negociofazendo-o combinação entre-si, nunca aparecem ocorrentes, um só é quem mata o gadoquase sempre, e este pratica todos os gêneros de usuras, pelas maneiras mais execrandas, e desprezíveis; ora levando o preço ao maior auge, outras vezes, e pode-se dizer que quotidianamente diminuem o peso; cuja fraude não se pode evitar por que a sagacidade comque praticam ilude quaisquer diligencias, outras vezes vendem-a mor parte dos ossos, emandam retalhar a carne, na qual deitam imenso Sal, mandam empilhar, que tempo deinverno se torna lodosa, e de má qualidade, e ainda meia fresca a vendem por exorbitante preço, e os consumidores se vêem obrigados assim mesmo a comprar, por não terem para onde recorrer a vista da combinação dita, e além de praticarem tudo quanto temos expressado a V. Exa., a inda ousam fazer seleção na venda, pois que este, ou aquele cidadão não é do seu agrado, [...][27].

Sem duvida, esta crise, provocada pelo monopólio local das carnes verdes, aumentou a insatisfação da população pobre desta área do Baixo Parnaíba e contribuiu para endurecer a oposição entre um pequeno grupo de fazendeiros comerciantes e a “pobreza”, levando ainda mais gente para o campo rebelde, poucos meses depois.

 

A interiorização da economia

Podemos distinguir, então, três tipos de crise na economia maranhense. A primeira, provocada por um fator externo, a queda do preço do algodão, era, no entanto, também gerada pelas estruturas de produção e comercialização internas à colônia. Não resultava necessariamente numa queda do volume de produção, mas sim numa quebra da renda per capita e reforçava todos os sintomas da “decadência” da grande lavoura. Não deixava, portanto, de afetar negativamente o mercado interno.

O segundo tipo de crise era ocasionado por causas “naturais”, como a seca, resultando numa falta geral de farinha e alimentos de base na área atingida. Obviamente, estas crises de subsistência também eram o resultado da estrutura fundiária, que havia restringido a agricultura de subsistência às áreas mais desfavoráveis (terras de areia, zonas mais expostas à seca). Estas crises eram agravadas pela deficiência do sistema de transportes e pela ação dos especuladores e atravessadores.

Estes últimos fatores se tornaram preponderantes no terceiro tipo de crise, a crise de abastecimento, que atingia toda a população que não produzia os alimentos para seu sustento. Teixeira da Silva, na sua minuciosa análise das crises de subsistência na Bahia e no Rio, acrescentou a estes fatores as limitações ecológicas e as “falhas tecnológicas” como outros elementos causais[28], além do que ele definiu como “plantacionismo”:

A hegemonia do plantacionismo, com sua distinção entre cultivo de rico e cultivo de pobre,impondo regras desfavoráveis aos roceiros e promovendo, impiedosamente, a transferênciade renda do setor produtor de alimentos para o setor plantacionista, inscrita na imposição dos preços habilmente defendida junto ao Poder em nome do Bem Comum (1990: 403 – 404).

A hegemonia do plantacionismo, a existência de monopólios e a ação dos especuladores apontam para a importância do papel do Estado, que será analisado a seguir.

As crises expressavam as variações a curto prazo da conjuntura; não deixaram de provocar também mudanças mais profundas, de longa duração. Na Europa ocidental, a primeira metade do século XIX foi a época de crises “mistas”, anunciando a passagem das crises de antigo regime ou agrícolas (até 1848), às crises predominantemente industriais. No Maranhão, as crises também podiam ser mistas, sendo o resultado de um conjunto complexo de fatores, com uma combinação diferente para cada crise: podiam coincidir crise européia, crise de exportação, crise de subsistência e crise de abastecimento ou não. As crises afetavam ainda a relação entre os três setores econômicos (subsistência, mercado interno, exportação), já que todas as crises “caminham na mesma direção: mudam de natureza mudando as estruturas” (Bouvier, 1974: 34).

Os dados sobre mercado interno para os anos de 1801 e 1821 são baseados nos pagamentos do dizimo e por isto devem ser mais baixos que a produção real, já que este imposto só era cobrado nas feiras, ou era arrematado. Para o setor de subsistência, usei estimativas de produção de farinha, principal alimento, baseado na estimativa prudente de um consumo de quatro alqueires por habitante / ano[29]. A produção de farinha (tanto a vendida no mercado interno como a produzida em economia de subsistência), correspondia somente a 1/9 do valor do algodão em 1801. Mas, em 1821, já representava a metade, e em 1860 um valor superior ao do algodão e açúcar exportados. A economia de exportação perdeu a sua predominância, em termos de valor produzido, já na primeira metade do século XIX, o que relativiza a afirmação de Buescu (1967: 178), de que a participação do setor de exportação na economia teria permanecido constante (40%) neste período. O exemplo do arroz também é significativo: 90% da produção era exportada em 1801, contra 33% 3m 1821 e somente 5% em 1860. estes números explicam a pretensa “decadência” do arroz maranhense no século XIX. Na verdade, não houve decadência, mas reorientação da produção para o mercado interno. O arroz maranhense era consumido pela população em vez de ser exportado[30].

Que fatores provocaram esta interiorização da economia maranhense? A queda do preço do algodão no mercado mundial certamente foi relevante, mesmo sua importância tendo sido muitas vezes exagerada. Não explica, por exemplo, a redução do peso relativo do algodão na economia antes de 1820. Na minha opinião, o crescimento demográfico da população pobre e livre pode explicar porque a economia da província se orientara, já na primeira metade do século XIX, cada vez mais para o mercado interno. Os donos do algodão chamavam esta interiorização de “decadência” da lavoura. Estavam certos, na medida em que um pequeno grupo de abastados fazendeiros não mais podia obter lucros altos como antes de 1820.

A maioria dos estudiosos da história econômica brasileira considera que a renda per capita caiu na primeira metade do século XIX (Furtado, 1972; Leff, 1982; Buescu, 1970). Com isto, associam uma queda de produção e de consumo. O problema é que o indicador de renda per capita só é relevante para economia de mercado. Se mais pessoas trabalham no setor de subsistência, isto não significa necessariamente uma queda nas condições de vida da população. Neste sentido, afirmava o presidente da província em 1855: “se não temos, como então, grandes riquezas acumuladas, temos mais riqueza, e essa dividida pela população, que goza geralmente da mais abastança:[...]”[31].

Precisamos conhece melhor as conseqüências sociais desta interiorização da economia, lamentada pela elite regional como “decadência”. A reorientação da economia é vista por muitos autores como condição sine qua non para um desenvolvimento autônomo. Em geral, associa-se com este processo um forte crescimento do mercado domestico e eventualmente um processo de (proto-) industrialização, como aconteceu em Minas Gerais ou em São Paulo. No caso do Maranhão, porém, houve sobretudo uma “caboclização”, ou seja, uma extensão da economia de subsistência mesmo em áreas antigas de plantation. As razoes são várias: erosão das terras; inexistência de um mercado urbano suficientemente grande para estimular a produção mercantil; falta de capital (os eventuais lucros dos fazendeiros foram todos reinvestidos em escravos ou gastos em importações de luxo); distancia dos grandes centros consumidores. A grande proporção de escravos na população pode ter limitado também a expansão do mercado interno pelo menos até 1870. Além do mais, uma série de fatores de ordem político-econômica inibia o desenvolvimento de uma província tão periférica como o Maranhão: caos monetário, a política fiscal e o destino das rendas do estado.

 

A política econômica

Grande parte dos economistas reconhece a importância dos processos monetários para a atividade econômica (Pelaez e Suzigan, 1981: 11 –19). Uma base monetária, ou seja, uma oferta de moeda insuficiente pode comprometer seriamente a monetização da economia e qualquer processo de crescimento e desenvolvimento.

Até a chegada de Dom João VI ao Brasil, o ouro, a prata e o cobre constituíam a moeda legal na colônia. Uma das principais tarefas do primeiro Banco do Brasil, fundado em 1808, foi a emissão de papel-moeda, iniciada logo em seguida. Como o Banco emitia muito alem de suas reservas de metal, perdeu a confiança do publico, mais abalada ainda com a volta de Dom João VI a Portugal com todas as reservas de metal precioso do Estado existentes no Brasil. A falência eminente do Banco, que de fato somente ocorreu em 1829, levou à desvalorização do papel-moeda: neste ano, a moeda de cobre era negociada com ágio de 40% sobre o papel-moeda do mesmo valor nominal, enquanto a moeda de prata valia 110% e a moeda de ouro, 199% a mais do que as notas do Banco (Pelaez e Suzigan, 1981: 51). Depois do fracasso do primeiro Banco do Brasil, o tesouro nacional começou a emitir novo papel-moeda, que deveria substituir a moeda emitida por este.

A desvalorização do papel-moeda fez com que os negociantes estrangeiros, aportando em São Luís tentassem levar somente moeda de metal (ouro e prata), o que contribuiu para o aumento da crise do numerário[32]. Neste contexto, a moeda de cobre assumia a função cada vez mais importante como meio circulante, sobretudo para as transações miúdas. No entanto, a moeda de cobre prestava-se bem a manipulações; durante o período colonial, por exemplo, as moedas de 5,10 e 20 réis foram recunhadas, dobrando-se o seu valor nominal (Gaioso, 1970: 159 – 61). A imitação destas moedas grosseiras também era simples e lucrativa: com uma libra de cobre, que custava 360 réis na década de 1820, cunhavam-se moedas no valor de 2.000 réis (Ferreira Lima, 1976: 215)! A falta crônica de moeda miúda para troco era outra razão para particulares tomarem a iniciativa de cunhar moedas de cobre no intuito de manter o comércio local. Para o governo imperial, todas estas iniciativas questionavam o seu monopólio de emissão de moeda e eram, portanto, consideradas ilegais. Mas , devido à heterogeneidade da moeda cunhada pelo próprio governo, era difícil distinguir a moeda falsa da verdadeira. As províncias do Maranhão e do Pará tinham reputação de estarem submersas em moeda falsa, estimada em todo o Brasil em um terço da moeda de cobre em circulação. Somente na cidade de Caxias existiam três oficinas de cunhagem ilegais, e o governo repetidamente interceptou carregamentos de moeda falsa vindos do exterior (Viveiros, 1954, I: 178 – 179).

Nesta situação de caos monetário, o governo da regência decidiu substituir a moeda de cobre por papel-moeda a ser emitido especialmente para este fim. A lei de 3 de outubro 1833 previa a substituição no espaço de dois meses, devendo se recusar a moeda “falsa”. Os atrasos na emissão da nova moeda, no Rio de Janeiro, e a lentidão do transporte para as províncias do Norte levaram o governo provincial a decretar a emissão de um papel-moeda provisório e a recunhagem da moeda de cobre a ser recolhida por um quarto do seu valor. Estes deveriam circular na província enquanto a nova moeda do governo central não chegava, para evitar outra revolta em São Luís[33]. Estas medidas foram alvo de criticas de diversos grupos da população e também do governo central, já que abalavam o seu monopólio emissor. Os negociantes reclamavam da inutilidade da moeda provincial em transações para fora do Maranhão. Protestaram com veemência contra outra medida que os obrigava a pagar três quartos dos direitos de alfândega em moeda de prata (Echo do Norte, 1834: 118 – 119). Funcionários e soldados resistiam ao pagamento em moedas desvalorizadas na praça e os operários do estaleiro naval chegaram a fazer greve por esta razão (Publicador Oficial, 1834: 1.292 e 1835: 1.369).

Quem mais sofria com a crise do meio circulante era a “pobreza”, porque não dispunha de outros meios. A situação foi descrita por um juiz de paz nestes termos:

A esperança da próxima chegada do cobre punçado, e o receio de perder grande parte do cobre atual, a tal desaparecimento levaram o cobre nesta Vila que não é ele recebido emquase transação alguma, nem mesmo nos açougues. As classes mais abastadas têm orecurso de comprar a prata, ora a credito, más os pobres têm sentido um mal incalculável, visto que o cobre, única moeda que possuem, não lhes serve para comprar sequer os gêneros de primeira necessidade, grupos deles se tem apresentado aos Juizes de Paz, e o desesperoa que tem chegado fazia bem recear pela tranqüilidade desta Vila[34]

Receando revoltas, alguns cidadãos mais abastados tentavam remediar a situação. Em Caxias, 13 deles compraram farinha e gado com suas moedas de prata, para revende-los à “pobreza” contra a velha moeda de cobre. Em compensação, pediam ao governo provincial poder trocar 500$000 do cobre velho por igual quantidade de cobre novo. O governo provincial aceitou estas e outras iniciativas, temendo maiores convulsões (Publicador Oficial, 1834: 1.293, 1.257).

A chegada do novo papel-moeda tampouco resolveu de imediato a situação, porque não era bem aceito no interior, cobrando-se até 25% de ágio no seu uso, e porque não havia quantidades suficientes. A situação, em agosto de 1835, chegou outra vez a ser crítica e o presidente da província Costa Ferreira esperava a eclosão de uma revolução para depô-lo a qualquer momento[35]. Segundo Viveiros (1954, I:196 – 199) foi a burguesia mercantil de São Luís que salvou a situação, criando uma Caixa de Depósitos, garantida por moeda-papel e conhecimentos de frete marítimo, no valor total de 250 contos de réis. A caixa começou a emitir vales com valores pequenos e médios (de $500 a 20$000). Todos os comerciantes se comprometiam a aceitar os vales. A substituição da moeda-papel provincial pelo novo papel-moeda do governo central foi praticamente concluída até o final de 1836[36]  Mas a moeda de cobre, tanto a verdadeira quanto à falsa, ficou circulando no interior. Era difícil para a população pobre do interior entender os meandros da política monetária. Surgiam conflitos a respeito da definição de moeda “falsa” de cobre. As autoridades locais, para evitar problemas, tendiam a deixar circular moeda de qualidade duvidosa, no que eram recriminados pelo governo provincial[37].

Outra área de intervenção do Estado que passou por mudanças significativas foi o regime tributário. Desde o período colonial se cobrava um dizimo de 10% sobre todos os produtos agrários e pecuários[38]. Na pratica, porém, era cobrado somente sobre os produtos vendidos nas feiras e mercados[39]. Outros impostos coloniais, como o subsidio literário ou o subsidio real (rebatizado nacional e imperial), eram originalmente destinados a financiar despesas especificas e tributavam produtos já considerados para o dizimo, transformando o regime tributário em um sistema complicado e pouco eficiente. Novos tributos foram impostos em 1808 e mantidos depois da Independência (HGCB, 1985, II, vol. 4: 60 – 69). Havia duas maneiras de arrecadar os impostos: diretamente pelo Estado (por administração) ou por arrematação. Neste último caso, o Estado, mediante pagamento de uma soma fixa, cedia a um particular o direito de cobrar determinado imposto, em geral por três anos. Mas os dizimeiros muitas vezes tentavam cobrar o imposto relativo aos três anos de uma só vez, para fazer economias. Inútil dizer que este procedimento era especialmente impopular e que os habitantes procuravam subtrair-se do pagamento por todos os meios (Gaioso, 1970: 276; Gama, 1981: 13).

A partir de 1814, o dizimo sobre o algodão foi separado da cobrança dos outros e taxado diretamente no porto de exportação, o que acabou por transformá-lo, na prática, em imposto de exportação. Para calcular o dizimo tomava-se como base o preço médio do algodão da semana anterior, subtraía-se a soma fixa de 1$280 por arroba para compensar o produtor pelos custos de descascamento, ensacamento e transporte e cobrava-se o dizimo sobre o restante, a ser pago em moeda, não em algodão. Os fazendeiros protestaram com veemência contra este método de pagamento e os das áreas produtoras mais distantes, como Codó e Caxias, se sentiram lesados por este cálculo que não levava em consideração os custos diferenciais no transporte. Gaioso (1970: 279) chegou a equiparar esta forma de cobrança a “um ataque direto, ou indireto contra a propriedade individual”. Além do mais, havia, antes de 1814, o costume dos dizimeiros não cobrarem o dizimo sobre as “miunças”, ou seja, os produtos secundários como mandioca e milho, mas de cobrarem em compensação o dizimo sobre o algodão descascado. Com a reforma de 1814, passaram a cobrar as miunças de novo. Os comerciantes em São Luís, entretanto, não repassavam a gratificação de 1$280 aos fazendeiros por causa das dividas destes. Se acreditamos nas relações feitas à Assembléia Constituinte em 1823, os fazendeiros perdiam duplamente:

Sempre os rendeiros dos Dízimos Reais usaram dar ao agricultor salvas as Miunças por ele o beneficio do artigo algodão. Hoje porém as Miunças rematam-se pela Fazenda Nacional, eEsta paga a gratificação ao agricultor mil duzentos e oitenta pelo beneficio da arroba dealgodão dizimavel.

A Pluralidade dos agricultores são devedores aos Negociantes Centrais, a quem dão em pagamento o dito artigo. Não há um só negociante que pague ao agricultor a referida gratificação e com esta falta de paga tem o Comércio desde o ano de 1807 até hoje extraído[à] agricultura, seguramente dois milhões e meio de cruzados.

As Miunças em geral desta Província não podiam render tão grande soma: logo a FazendaNacional e Imperial é mais congruente dar o Dizimo de Miunças salvo e ficar de uma vezextinta a gratificação do beneficio do algodão dizimal. [...].[40]

De fato, os impostos sobre exportação pesavam principalmente sobre o algodão. Enquanto outros produtos pagavam apenas o “consulado” de saída de 2% o algodão era tributado pelo “imposto do algodão em rama”, estipulado em 600 réis por arroba (Carta Régia de 28.07.1808), além de um imposto de 100 réis por arroba para a Real Junta do Comércio. Para o pagamento destes dois impostos não se levava em conta nem a qualidade do algodão, nem o preço do mesmo no mercado mundial. Em tempos de preço alto, este imposto de exportação representava apenas 7% do valor da arroba de algodão, mas quando os preços baixavam, podia alcançar até 21%. Os fazendeiros tiveram que pagar este imposto alto durante os tempos difíceis da década de 1820. Este imposto agravava a crise por se tratar de valor fixo, que não levava em consideração a conjuntura. O cônsul inglês em São Luís também responsabilizou o imposto excessivo sobre o algodão pela capitalização insuficiente e pela decadência da lavoura (Hesketh, 1967: 178).

Devido a existência de impostos “mistos”, não é possível separar nitidamente os impostos internos e os impostos sobre a exportação. É claro, entretanto, que o Maranhão era uma província atípica no Império, na medida em que a maior parte da renda do governo central provinha dos impostos sobre a importação. No Maranhão, pelo contrario, os impostos sobre a exportação (incluindo o dizimo sobre o algodão), constituíam a maior fonte de renda do Estado, chegando a 53,8% em 1820 – 22 e ainda a 28,4% em 1828[41]. Estes dados sugerem o quanto o Estado central lucrou com a economia algodoeira maranhense e o quanto o algodão sofria com a sobretributação. Somente a partir de 1830, os fazendeiros conseguiram a equiparação do imposto sobre o algodão com os outros impostos cobrados nacionalmente[42]. Isso mostra que as repercussões negativas do centralismo sobre a economia maranhense foram maiores durante o primeiro Reinado.

Como parte do pacote de reformas liberais, a Regência separou os orçamentos provinciais do orçamento do governo central. Mudaram as regras do jogo sem, contudo, alterar a predominância do governo central. A Lei do Orçamento de 24.10.1832 fixava como exclusivos do governo central todos os impostos de importação e exportação, incluindo o dizimo sobre o algodão e outros produtos. Às províncias só deixava os outros impostos, em geral de pouco valor. A Lei de 31.10.1835 atribuía as rendas do dizimo as províncias, fazendo dele a principal fonte de renda dos governos provinciais[43]. No entanto, o governo central mantinha sob sua responsabilidade a cobrança deste imposto, o que desagradava à elite regional. Os deputados provinciais se queixavam à Assembléia Nacional que desta maneira não podiam controlar os altos custos resultantes da cobrança do dizimo:

[...] havendo vós decretado, [...] que a quota dos dízimos daqueles gêneros que os pagavam na exportação, a qual não foi convertida em direitos de exportação propriamente ditos, ficasse pertencendo daí em diante à Renda das Províncias, como será possível, Senhores, que asrespectivas Assembléias legislem sobre o modo de arrecadação desta Renda que se acha como encravada na geral, sem onerar a produção dos principais gêneros da nossa industriaagrícola, com um aumento de despesa que importa tanto como um aumento da imposição em pura perda, por isso que em casos tais perdem os particulares, e o Estado não lucra[44].

Apesar de ser o principal imposto provincial, o dizimo sobre todos os produtos de exportação foi baixado em 1836 de 10% para 6%. Também foram abolidos diversos outros impostos e criados alguns novos, refletindo a tentativa da Assembléia Provincial de simplificar o sistema tributário. Esta reforma mostra ainda que os fazendeiros de algodão , que dominavam a Assembléia, mudaram o regime tributário a seu favor quando a reforma constitucional deu-lhes meios para tal. No mesmo ano, o dizimo foi baixado mais uma vez para 5% e, em 1843, no auge de outra crise do algodão, para somente 3% para este produto. Também foram abolidos os dízimos sobre a maioria dos produtos comercializados no mercado interno, talvez como resposta às crises de subsistência ou ao fato de que o custo para cobrar as “miunças” ra alto demais em relação ao valor arrecadado. É difícil comparar os impostos que pesavam sobre a pecuária, devido à existência de vários impostos “mistos” até a década de 1830. Parece, porém, que a Assembléia Provincial tentou introduzir uma série de impostos sobre a criação de gado e de porcos, que deve ter desagradado aos criadores de toda a província[45].

Os rendimentos dos municípios eram tão insignificantes em relação aos da província, assim como estes eram em relação à renda do governo central. A maior parte da renda municipal provinha dos foros das terras da câmara e dos contratos arrematados para a venda de carne ou aguardente. Por isto as câmaras que não possuíam terras sempre reclamavam da sua falta de rendas junto ao governo da província ou insistiam em arrematar contratos[46].

Segundo o credo mercantilista, a função das colônias era contribuir para a riqueza da metrópole. Deste modo, era lógico que a maioria dos ingressos do Estado na capitania do Maranhão fosse transferida para Lisboa. A influencia da Ilustração e as tímidas reformas da ultima etapa do Antigo Regime não mudariam este principio (Novais, 1979). A diferença era que estes fundos passaram a ser transferidos para o Rio de Janeiro. Nos anos 1816 – 1821, a metade (e às vezes três quartos da renda), era transferida para fora da capitania, contribuindo substancialmente para as despesas da Corte[47]. Como continuavam, apesar da conjuntura econômica adversa no Maranhão, o governador português pedia a administração das remessas:

[...] porque esta capitania está bem à semelhança de um velho edifício em que por longosanos não se tem pregado um prego nem uma tabua. Conserva ainda alguma aparência, mas,em se lhe bulindo, descobre-se que tudo está podre e caindo aos pedaços[48].

Mesmo depois da Independência, esta situação mudou pouco: em 1828, por exemplo, quase a metade (48,2%), da receita do Estado na província do Maranhão foi usada para pagar juros e amortização da divida brasileira em Londres. Outro terço foi usado para manter o exercito e a marinha[49]. Com o diminuto resto devia-se pagar todas as outras despesas do Estado na província. É obvio que, desta maneira, despesas com a instrução pública ou medidas de investimento na infra-estrutura só podiam ser insignificantes.

Com a separação dos orçamentos do Estado central e das províncias, a partir de 1832 se criaram as bases legais para uma reforma descentralizante, advogada pelo movimento liberal. Mas a limitação dos ingressos provinciais aos impostos internos anulava, de fato, qualquer tentativa de descentralização. No orçamento para o não financeiro 1833 – 34, por exemplo, os ingressos do governo central foram estimados em 11.000 contos. Comparados com as outras províncias porém, os gastos do governo central no Maranhão ainda eram relativamente altos: em 1832 –33 significavam 8,6% do orçamento das províncias, enquanto a sua população representava apenas 4,2%. O Maranhão, junto com Rio de Janeiro e Pernambuco, fazia parte do grupo das províncias que recebiam um percentual maior, se comparado com o seu percentual de população, em oposição a províncias como Ceará e São Paulo. Isso pode ser explicado pela importância da receita maranhense para o governo central, mas também pela presença de políticos maranhenses no governo central neste período.

Depois da separação das despesas provinciais, as despesas do governo central no Maranhão se limitavam a manter as instituições nacionais (exercito, marinha, Tribunal da Relação, Alfândega, governo da província, deputados e senadores no Rio). As únicas despesas produtivas eram com o correio e a manutenção dos faróis para navegação. A maior parte das despesas do governo provincial se dava com as instituições repressivas (política e Guarda Nacional): uma média de 31,7% durante os anos 1832 – 40, contra 10,1% para educação e 0,8% para a saúde[50]. Inovações na área de educação, como a fundação do Liceu de São Luís e a introdução do método de Lancaster, foram proteladas por falta de recursos até as décadas de 1840 e 1850[51].

Uma soma considerável (16,9%), das despesas provinciais era utilizada em obras publicas, sendo a maior parte gasta no concerto de igrejas, na construção de prisões (consideradas prioridade pelos deputados), e na construção do canal do Arapapaí. Para este investimento a fundo perdido gastaram-se 550 contos, entre 1776 e 1858, sem que fosse terminada a obra[52]. O governo provincial considerava indispensável à introdução da navegação a vapor e prometia incentivos fiscais, mas nada foi feito até a segunda metade do século XIX por falta de capitais disponíveis. Desta maneira, as despesas realmente eficientes na área de transportes se limitavam á limpeza de alguns rios para a navegação e à manutenção de algumas estradas rudimentares.

Assim mesmo o governo não conseguia equilibrar o seu orçamento, cronicamente deficitário na década de 1830[53]. A solução era pedir socorro ao governo central, que controlava a maior parte das rendas fiscais. Como constatou Mello.

O governo imperial posava assim de pai magnânimo e compreensivo dos desmandos financeiros das províncias, a quem sorria benevolamente como a outros tantos filhos pródigos. Era ele, porém, o primeiro interessado e o principal beneficiário de um sistema que, ao mesmo tempo em que lhes negava os recursos que legitimamente lhes pertenciam, mantinha-as, graças a essa negação mesma, submetidos às ordens dos ministérios que, no Rio, exercessem eventualmente o poder, fossem liberais ou conservadores (Mello, 1984: 249 – 250).

Conclui este autor que houve uma transferência constante de recursos do Norte para o Sudeste durante o Segundo Império e que, desta maneira, o Norte se encontrava como numa situação colonial. Este julgamento é também valido para o Maranhão entre 1808 – 40. A exploração fiscal pelo governo central era uma queixa constante das províncias. Foi usada para justificar as revoltas pernambucanas de 1824 e 1848 (Mello, 1984: 251). Deveria também ser levada em conta na discussão das causas da Balaiada.

Celso Furtado (1972: 79 – 81), chamou o final da época colonial no Brasil, e em especial no Maranhão, uma fase de “falsa euforia”. Falsa porque o crescimento das exportações brasileiras e maranhenses, em volume e valor, era sobretudo devido a fatores conjunturais, como a Guerra da Independência norte-americana e o bloqueio continental de Napoleão. Para Arruda (1980: 631 – 638), no entanto, tratou-se de euforia efetiva, porque havia também razões estruturais que favoreciam a expansão econômica brasileira deste período, como a industrialização ou o crescimento da população européia. No caso do Maranhão, esta “euforia”, ou crescimento da economia de plantation, tinha seus limites. Os lucros se concentravam nas mãos de uma pequena elite de negociantes e fazendeiros. Como parte substancial dos lucros mercantis, depois de 1808, era realizada por negociantes ingleses, não houve processo de acumulação interna tão significativo como no Rio de Janeiro. Na capital do vice-reinado, como foi demonstrado por Fragoso (1998), “os homens de grossa aventura” conseguiram substancial acumulação mercantil interna através de várias práticas monopolistas. Quanto aos fazendeiros maranhenses, gastavam seus lucros para adquirir novos escravos ou importações de luxos, contribuindo, assim, pouco pra dinamizar o mercado interno. Estes hábitos de consumo e investimento eram frutos de uma longa tradição e mudavam com dificuldade. O seu crônico endividamento junto aos grandes negociantes também impedia inovações ou mesmo investimentos produtivos. Esta situação limitou o desenvolvimento econômico da capitania num período crucial de crescimento.

Depois de 1808, como vimos, os negociantes ingleses souberam aproveitar-se das estruturas oligopolistas do comércio colonial. A “interiorização da metrópole” (Dias, 1972), significava que o novo Estado nacional brasileiro se limitava a uma política de exploração fiscal. Os rendimentos tributários no Maranhão eram gastos, em grande parte, com finalidades que não tinham qualquer repercussão positiva para a província, como a dívida externa, a guerra no Uruguai ou as despesas da Corte no Rio.

Estas eram as condições estruturais da primeira metade do século XIX. Não podiam ser alteradas facilmente e significaram sério entrave para o desenvolvimento da economia maranhense. Os frutos desta euforia acabavam sendo colhidos e consumidos por Portugal, Rio de Janeiro e Inglaterra mais facilmente do que eram produzidos no Maranhão. Os resultados deste primeiro ciclo econômico baseado na plantation algodoeira foram, além do extermínio das sociedades indígenas, da deportação de milhares de escravos negros e da construção de alguns sobrados magníficos em São Luís, vastas extensões de selva destruídas, onde crescia uma vegetação secundaria de babaçu, imortalizado como símbolo pátrio por Gonçalves Dias no seu famoso poema ufanista “Minha terra tem palmeiras”. Este episódio “áureo” da economia maranhense gerou também uma classe de fazendeiros que não conseguiam mais plantar outro produto lucrativo para a exportação[54]. Por esta razão, não tiveram mais papel de destaque em nível nacional. Outro resultado imprevisto foi a formação de um campesinato nos interstícios da economia de plantation.

A crise do meio circulante, provocada pelo governo central. Aumentou a desconfiança da população nas autoridades e retardou a monetarização da economia maranhense, constituindo-se em outro fator negativo para o desenvolvimento da província. As crises de abastecimento, nas quais o governo provincial tinha parte da responsabilidade, possibilitaram a manutenção de antigos mecanismos de exploração da população, como a especulação e o monopólio do comércio com os gêneros de base. A política econômica deste período permaneceu profundamente marcada por princípios coloniais e mercantilistas, demonstrando como a expressava relações de dominação política.

Quanto as razões para a insurreição da Balaiada, deve ter ficado claro que as crises de subsistência, de abastecimento e do meio circulante, a dependência dos grandes negociantes, a exploração fiscal da província pelo governo central e a política econômica do governo provincial foram os principais fatores da ordem econômica que levaram ao acirramento das contradições entre uma elite de negociantes e fazendeiros do algodão, por outro lado, e d camponeses e fazendeiros produzindo para o mercado interno, do outro.

 

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Notas

[1] Para a monografia sobre  maranhense, da época colonial até o século XX, ver Medeiros (1954, I).

[2] Ver a este respeito à extensa monografia sobre a Companhia de , com numerosos quadros estatísticos, de Dias (1970).

[3] A situação era parecida no Pará, onde esta Companhia também gozou de monopólio comercial entre 1757 – 78. Outra exceção foi Pernambuco, onde também funcionou outra companhia de  monopolista. Mas, nesta capitania já existia uma economia escravista agroexportadora bem estabelecida desde o século XVI.

[4] Ver Viveiros, 1954, I , cap. XV para uma biografia destes dois comerciantes.

[5] Na linguagem da época, lavrador designava sempre o fazendeiro dono de escravos

[6] Alem do mais, a proibição do trafico transatlântico ao norte do Equador, em 1817, afetava mais particularmente São Luís, situada apenas três graus abaixo do mesmo.

[7] Não encontrei dados a este respeito para os anos 1830 – 41. Em 1844, ano de preços baixos do algodão, 64,5% das importações maranhenses ainda provinham da Inglaterra e 57% das exportações maranhenses iam para aquele país. Ver também Schneider 1975, tabela 40.

[8] A freqüência de execuções judiciais emerge também em uma analise recente de inventários de fazendeiros do município de Viana da época 1870 – 90. Ver Faria (1998: 66 – 74).

[9] Clapp (1966) relata que os comerciantes ingleses distinguiam tempos calmos (quiet times) e tempos especulativos (especulative times), cada qual requisitando procedimentos distintos no  transatlântico.

[10] Para uma descrição pormenorizada desta crise, ver relato do governador do Maranhão de 31/7/1821, reproduzido em Vieira da Silva (1972: 51 – 52), Marques (1970: 77) e Viveiros (1954, I: 329).

[11] Para o valor das exportações maranhenses entre 1835 – 40, ver Relatório do Presidente da Província (1841: 92 – 93) e, para a receita provincial deste período, ver Viveiros (1954, I: 329).

[12] Lago (1822, tabela 14), relata que 36 espécies de frutas eram comercializadas e que “há muitos, porem agrestes, que só as comem os índios, e negros”.

[13] Postura de 17 / 1 / 1834, Registro das Posturas da Câmara Municipal da Caxias, Livro de Atas da Câmara, Arquivo Municipal de Caxias.

[14] Postura de 2 / 8 / 1837, art. 1, idem.

[15] Esta possibilidade é também reconhecida por Gorender (1978: 251 – 252).

[16] Ofícios da Câmara Municipal do Brejo para o Presidente da Província, 16 e 19.10.1825, Arquivo Publico do Estado do Maranhão, São Luís (a seguir usarei a sigla APEM).

[17] Ofícios do Comandante da Tutóia, 20 / 1 / 1826, APEM.

[18] Oficio da Câmara de Icatu, dezembro de 1825, APEM.

[19] Ofícios da Câmara Municipal de São Luís, 23 / 1 / 1838, APEM.

[20] Ofícios da Câmara Municipal de São Luís, 23 / 1 / 1838, APEM>

[21] Idem.

[22] A Câmara de Alcântara pediu o envio de farinha ao presidente da província em carta de 16 / 3 / 1838 (Ofícios da Câmara de Alcântara, APEM).

[23] “Representação” de 22 / 2 / 1822, reproduzida na integra em Viveiros, 1954, I: 170.

[24] O Bemtevi, 1838: 39, 42.

[25] Ofícios do Comandante parcial de Rosário, 19 / 4 / 1827, APEM.

[26] Oficio da Câmara de Brejo, 21 / 5 / 1838, APEM.

[27] Oficio da Câmara do Brejo, 16 / 3 / 1839, APEM.

[28] Estes aspectos são também discutidos no primeiro capitulo da minha tese. Ver Röhrig Assunção (1993).

[29] Gaioso (1970: 224) estimou o consumo de farinha por habitante em um alqueire (32 kg) por mês. O Almanaque do Povo fez similar estimativa em 1867, para o “pobre” que não tivesse outros alimentos à sua disposição (citado em Marques, 1970: 272). Viveiros (1954, I: 172) estimou o consumo diário dos escravos em 280g de carne e 675g de farinha. É provável que estes números não levem em consideração o consumo inferior das crianças. No relatório do presidente da província de 1854, estima-se o consumo de São Luís (25 mil habitantes) em 120 mil alqueires, ou seja, cinco alqueires por habitante / ano. Ver também Teixeira da Silva (1990: 78).

[30] Para a produção do arroz no Brasil e a relação entre produção e oferta em perspectiva histórica, ver Costa (1989: 128 – 78).

[31] Relatório do Presidente da província, 1855: 32.

[32] Ver Xavier (1956: 314). Nas fontes de arquivo se encontram referencias ao confisco, pelas autoridades, de remessas de moeda de prata e ouro para o exterior. Ver, por exemplo, carta de Rosário de 02 / 2 / 1828 em “diversas Autoridades ao Presidente da Província”, APEM.

[33] Em setembro e novembro ocorreram duas revoltas em São Luís.

[34] Carta de um juiz de paz de 23 / 10 / 1834 reproduzido no Publicador Oficial 1834: 1.294.

[35] Para a descrição da situação, ver o artigo do jornalista João Francisco Lisboa no Echo do Norte, reproduzido em Viveiros, 1954, I: 195 – 196. Quanto ao medo do presidente, ver correspondência privada do mesmo em “Cartas de A. P. da Costa Ferreira a um seu amigo, sobre desordens, [...] da província Maranhense, 1835”. Biblioteca Nacional, Seção de Manuscritos, II – 32, 17.38, cartas no. 1 e 6. Ver também sua carta de 12.02.1835 reproduzida no Publicador Oficial (1835: 1.394) e o seu discurso à Assembléia Provincial (Relatório do Presidente da Província, 1835: 1.406).

[36] Ver o relatório da Diretoria da Substituição das Notas do Novo Padrão de 31 / 12 / 1836, reproduzido no Publicador Oficial (1837: 3.196).

[38] O dizimo sobre a farinha de mandioca, açúcar, aguardente e rapadura, por tratar-se de produtos já manufaturados, era de 5%, chamado vintena.

[39] Esta prática foi sancionada pelo decreto de 31 / 5 / 1825. Ver Trümper (1986: 39) e Suter (1926: 41).

[40] “Indicação do Cidadão João Teodoro da Silva”, mandada em dezembro de 1823 pela câmara de Caxias a São Luís . Outras petições repetiam a mesma reivindicação. Ofícios das Câmaras Municipais, Caxias, 1823, APEM.

[41] Para a renda do Estado do Maranhão, ver Lago (1822, tabela 10 para os anos 1816 – 1821); “Relação de todos os rendimentos e impostos que se arrecadam pela Junta da Fazenda Publica da Província do Maranhão [...]” (1820 – 22) e “Demonstração de Receita e Despesa da Tesouraria Geral da Junta da Fazenda Nacional da Província do Maranhão [...]”, (1828) in: Ofícios da Junta do Maranhão ao Ministério da Fazenda, 1810 – 1830. SPE, IF 1 – 48. Arquivo nacional, Rio de Janeiro. Ver também os sumários destes dados em Röhrig Assunção (1993: 447, 449 – 50, tabelas 4.17, 4.19 e 4.20).

[42] Ver Carta de Lei de 4 / 12 / 1830 reproduzida no Farol Maranhense de 15 / 3 / 1831.

[43] Reproduzida do farol Maranhense (1833: 1.613).

[44] Representação da Assembléia legislativa do Maranhão aos Representantes da Nação, com referencia à divisão da renda, de 6 / 6 / 1837. Seção de Manuscritos, II – 32, 17, 40. Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro.

[45] Ver § 22, art. 4, da Lei Provincial 52 de 27 / 7 / 1838. Foi abolida ainda durante a guerra civil da Balaiada (arts. 1 e 6, cap. 2, da Lei Provincial 89 de 16 / 6 / 1840).

[46] Para uma lista detalhada dos impostos municipais, ver cap. 2, art. 24 da Lei Provincial 183 de 15.11.1843.

[47] Ver Lago, 1822, tabela 7.

[48] Carta de 30 / 12 / 1819, reproduzida em Vieira da Silva, 1972: 9 – 11, Doc. N. 6. Os números fornecidos pelo governador não coincidem exatamente com os dados de Lago, mas a tendência é a mesma. É difícil separar nitidamente as despesas do governo central na província das outras despesas nos orçamentos da época.

[49] “Demonstração de Receita e Despesa [...]”, 1828, in: Ofícios da Junta da Fazenda [...] SPE, IF 2 – 48. AN.

[50] Ver Publicador Oficial (março de 1832), Farol Maranhense (1832: 1.497), e Leis Provinciais n. 14 de 15 / 5 / 1835, n. 32 de 29 / 7 / 1836, n. 52 de 5 / 8 / 1837, e n. 80 de 27.07.1838. Ver também tabela 4.23 em Röhrig Assunção, 1993: 453.

[51] Para análise da política de educação durante o Império, ver Cabral (1984).

[52] Para maiores detalhes sobre este episodio lamentável para as finanças publicas maranhense, ver Viveiros (1954, I: 221 – 235) e Lisboa (1976: 623 – 631).

[53] Ver os relatórios do Presidente da Província, reproduzidos no Publicador Oficial (1837: 4.869 e 1838: 4.310).

[54] O surto da economia açucareira, no Segundo Império, em algumas microrregiões da fronteira agrícola foi um fenômeno limitado, já que as exportações de açúcar nunca superaram em valor as de algodão. Ver Faria (1998: 65).