Estudos Sociedade e Agricultura

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Roberto José Moreira

Renda da natureza e territorialização do capital: reinterpretando a renda da terra na competição intercapitalista


Estudos Sociedade e Agricultura, 4, julho 1995: 89-111.

Roberto José Moreira é professor da UFRRJ/CPDA.


Preliminares

Esta contribuição procura atender a proposta de programa que visa fundamentar noções conceituais associadas à compreensão da agricultura na Amazônia e, em especial, sobre a questão das inter-relações entre campesinato e ecologia. Apesar de não ser uma discussão específica sobre a Amazônia, e nem sobre o campesinato e ecologia na Amazônia, consideramos esta problematização pertinente ao tema proposto, como procuraremos demostrar.

Procurando não dissociar o todo da parte, em uma perspectiva de análise holística do social histórico, estaremos retomando as discussões sobre renda da terra, ressignificando-a como renda da natureza.[1] Estaremos pensando esta questão na perspectiva da competição intercapitalista pela apropriação do conhecimento sobre a natureza.[2]

Move-nos a noção geral de que a utilização das terras, e da natureza, está associada ao conhecimento que se tem sobre elas. A propriedade privada sobre estes recursos garante ao seu proprietário um lugar na disputa da apropriação deste conhecimento e da mais-valia social. Nossa hipótese é a de que o processo de mercantilização das terras, aqui entendido como territorialização do capital, associa a apropriação das terras à formação de uma fração da classe capitalista: o capitalista agrário, enquanto proprietário do capital imobilizado em terras.

Nosso esforço de reintepretação da renda da terra envolve, portanto, a reinterpretação da figura do proprietário de terras. Percorreremos este caminho começando por uma releitura do debate originário da renda da terra, enfatizando a perspectiva de classe dos autores envolvidos, em particular, os fisiocratas, Ricardo e Marx. Natureza como uma dádiva, como algo externo ao fazer humano. Nossa reinterpretação sobre a renda diferencial I, enfatiza a faceta da apropriação do conhecimento como um elemento da competição intercapitalista. Aqui elaboramos, também, o argumento de que a imobilização do capital dinheiro, em terras, é um processo de territorialização do capital. Apontamos, ainda, questões relacionadas com a especificidade da valorização desta fração do capital na disputa intercapitalista e discutimos a questão do tamanho e do poder de mercado a ele associado, procurando localizar o pequeno e o camponês mercantil, nesta esfera da competição. Finalizamos, com algumas reflexões e hipóteses de trabalho para a compreensão do caso brasileiro. A seguir apresentaremos algumas considerações sobre a questão do conhecimento, e da apropriação do conhecimento nas sociedades capitalistas.

A apropriação do conhecimento

A sociologia do conhecimento, que lida com a questão da construção social da realidade, elabora-se compreendendo o saber-fazer humano como um processo dinâmico e diacrônico de exteriorização, objetivação e interiorização. Neste processo, o social histórico conforma uma realidade objetivada nas instituições sociais e uma realidade subjetivada na psique, individual e coletiva. Esta percepção sobre a realidade do mundo da cultura implica no reconhecimento de uma realidade polimorfa e mutante. O mundo da cultura torna-se uma magma da significações e a própria realidade torna-se relativa.[3] Reconhecer estas realidades, como significações que informam sentidos para a ação e dão significado para a vida, significa o reconhecimento de diferentes realidades culturais. Realidades conformadoras do convívio dinâmico, da colaboração e da disputa: polimorfo e mutante; conservador e criativo; de futuro incerto e imprevisível.

Esta é uma das características básicas da percepção do mundo cultural, e da realidade, que está se convencionando denominar de pós-moderno, de pós-modernidade: a ordem da desordem.[4]

A dinâmica das sociedades capitalistas envidencia esta realidade polimorfa e mutante, tanto por suas diferenças no tempo histórico, quanto por suas formações sociais específicas. Em particular, os conhecimentos científico e tecnológico tornam-se o lócus privilegiado da inovação: a apropriação do conhecimento torna-se, nestas sociedades, um elemento chave de sua dinâmica econômica, social e cultural.

Estas considerações apontam para um embate cultural e uma dominação cultural não fixa; capaz de mudar, permanecendo. A dominação cultural, e suas críticas, conformam um campo de realidade polimorfa, onde valorizam-se determinados saberes, desvalorizando outros.

Em que sentido uma nova percepção sobre a natureza, em curso em nossa contemporaneidade, tende a valorizar ou desvalorizar a cultura, por exemplo, dos povos da Amazônia e o saber camponês? Como estes conhecimentos serão apropriados no contexto da lógica polimorfa e mutante da competição intercapitalista?

Nos processos da dinâmica econômica capitalista as crises desvalorizam capitais, setores produtivos, estruturas produtivas e padrões tecnológicos. As expansões valorizam novas esferas, ramos e tecnologias, como é, recentemente, os casos da informática, da automação, das comunicações e da biotecnologia.

A questão da institucionalização do conhecimento científico e técnico, no capitalismo contemporâneo,[5] coloca em pauta a análise da produção e da apropriação do conhecimento.

A questão do progresso técnico é um dos elementos básicos da competição intercapitalista. O conhecimento associado à questão ecológica contemporânea, e a possibilidade de configuração de um capitalismo ecológico, com a incorporação dos constrangimentos ambientais à lógica capitalista,[6] reintroduzem a questão da apropriação privada dos recursos naturais na ordem do dia. Colocam novos significados à territorialização do capital na Amazônia, à ação ambientalista do Estado e às ações diferenciadas, e diferenciadoras, das ONGs ambientalistas.

Pretendemos contribuir para a compreensão destes processos, retomando discussões sobre renda da terra,[7] competição intercapitalista e apropriação do conhecimento sobre a natureza.

Os processos de valorização da terra e da natureza serão aqui abordados como elementos da competição intercapitalista, como processos de mercantilização da terra e da natureza.

Fisiocratas, Ricardo e Marx: renda da terra e o embate ideológico

A discussão originária sobre a renda da terra se dá no contexto histórico da revolução industrial e das revoluções burguesas na Europa, em particular, no chamado período de transição. Este período histórico está associado à absolutização da propriedade da terra: sua transformação em mercadoria; livre de entraves.

Este processo é um

Processo social e político que envolve a ruptura da estrutura hierárquica e remontada de deveres, obrigações, honra e lealdade, circunscrita à propriedade feudal. As trajetórias constitutivas dos Estados absolutistas evidenciam, histórica e assincronicamente, a centralização do poder do rei e a desvinculação da propriedade de seus traços feudais, abrindo-lhe a possibilidade de adquirir forma mercantil, livre de quaisquer outros atributos que não os da condição de mercadoria (Smith, 1990: 340-341).

A discussão sobre a renda da terra envolve a elaboração interpretativa da fisiocracia francesa, a economia clássica inglesa e a interpretação de Marx, em sua crítica à economia política.[8]

Homogeneizar estas elaborações, sem situar o contexto histórico distinto no qual falam os autores, e sem buscar entender a posição de classe da qual eles falam, pode levar a algumas confusões interpretativas. Ricardo e os economistas clássicos promovem uma ruptura metodológica, que, também, não deixa de ser ideológica[9] com a fisiocracia. O mesmo se pode dizer em relação a Marx e sua crítica à economia política de sua época: é uma crítica à ideologia dominante.

Em Marx, um dos significados fundamentais da lei do valor, e da mais valia, tem a ver com a explicitação do caráter de classe do capitalismo. Sua teoria da exploração explicita sua visão sobre a natureza e o caráter destas sociedades. Os economistas clássicos não fizeram esta ruptura epistemológica/ideológica. Nem Smith, nem Ricardo, que muito contribuíram para o entendimento que Marx veio a ter sobre a questão da sujeição da força de trabalho ao capital, interpretam a existência das classes no capitalismo através de uma teoria da exploração.

A posição de classe,[10] associada às elaborações teóricas sobre a renda da terra, vai posicionar cada autor a favor ou contra a renda absoluta. A questão aqui tem a ver com a interpretação sobre o significado do monopólio de classe sobre os recursos da natureza, que vai justificar o rendimento sobre a propriedade da terra.

Os fisiocratas[11] afirmam o domínio da natureza. Eles visavam, na formulação de suas teorias, uma compreensão de sua época: o antigo regime na França. Tinham também a pretensão de reformar o antigo regime e defendê-lo ao mesmo tempo, na perspectiva de conservação da ordem e dos interesses dominantes. Estavam distanciados de uma perspectiva burguesa revolucionária, em seu combate aos mercantilistas. Este contexto imprime uma significação específica ao lucro empresarial do fermier. Ao interpretá-lo como “salário”, igualavam o fermier ao trabalhador agrícola, considerando-os como classe produtiva. Ocultando as diferenças, mascaravam uma possível exploração de classe na agricultura empresarial. Unificavam as atividades do comércio e da manufatura (atividades originárias da burguesia) e associavam-nas aos mercantilistas, interpretando-as como atividades improdutivas (classes improdutivas).

Afirmando o domínio da natureza e suas leis naturais, os fisiocratas sustentavam a existência e a preservação da propriedade com base na lei natural e, não no direito divino, ou de sangue, próprios da interpretação e justificativa da ordem feudal. Com base no laissez-faire, laissez-passer, advogavam contra os mercantilistas, seus privilégios e sua influência nas políticas do Estado. Estando a favor da liberdade de comprar e vender, estavam contra os monopólios mercantilistas, o que os colocava contra qualquer monopólio, inclusive aqueles associados ao direito divino, ou de sangue, sobre a propriedade patrimonial. Vão justificar a propriedade fundiária, base de sustentação da oligarquia agrária francesa, com o argumento de que a natureza é a fonte geradora do produto líquido.

O embate político e ideológico central é contra os mercantilistas. Na interpretação fisiocrática, o direito ao produto líquido não poderia aparecer, ou ser concebido, como direito de monopólio: o direito advém do caráter produtivo do trabalho associado à natureza. Não poderia surgir, portanto, a partir desta posição de classe, uma interpretação que conformasse uma teoria de renda absoluta, caracterizadora do monopólio sobre os recursos naturais, objetivados na terra.

Para a Inglaterra de Smith, Anderson e Ricardo, particularmente em Ricardo, a negação da renda absoluta vai ser um dos elementos decisivos em sua luta, política e ideológica, contra o poder dos landlords no Estado; a favor da burguesia industrial. Desta perspectiva, Ricardo questiona o monopólio da propriedade fundiária da oligarquia inglesa, associando-a a atributos feudais que impedem a livre compra e venda de terras. Esta “imperfeição”, no mercado de terras, sujeita os arrendatários ingleses, e a indústria, à vontade da oligarquia fundiária. Este monopólio, associado a elementos da ordem feudal, funcionaria como o elemento chave para a elevação dos preços dos produtos agrícolas e a transferência de valores gerados pela indústria aos proprietários de terra; concebidos como ociosos e improdutivos. Neste sentido, para Ricardo, a terra não é uma mercadoria plena.

Em Ricardo, a propriedade fundiária, como patrimônio aristocrático, está associada à negação da renda absoluta. Admitir teoricamente a renda absoluta seria, no plano ideológico e político, admitir a legitimidade da fonte justificadora desta renda: a legitimidade da propriedade patrimonial aristocrática. Esta negação é, também, a negação do direito do patrimônio herdado da ordem anterior.

Para Ricardo, a propriedade fundiária em si[12] não justificaria nenhum acesso à apropriação de parte do excedente econômico. Esta posição de classe, interpretativa dos interesses da burguesia industrial e dos arrendatários capitalistas ingleses de sua época, vai imprimir um significado específico, em sua concepção de renda da terra, como renda diferencial.

A renda diferencial I vai ser reconhecida como aquela parcela do valor dos produtos do solo que é paga ao proprietário pelo uso dos poderes originais e indestrutíveis do solo (localização e fertilidade). Sua idéia sobre renda diferencial esteve associada a dois pressupostos básicos. De um lado, a concepção malthusiana da lei da população e, de outro, a afirmação de que as terras que eram adicionadas ao uso, na margem, eram terras menos férteis e de pior localização. A demanda crescente de produtos da terra, devido ao aumento populacional, requer que piores terras entrem em uso. Isto viria a garantir um ganho adicional, diferencial, às terras já em uso. Estas diferenças, de fertilidade e de localização, entre as terras em uso, seriam os elementos explicadores e justificadores da renda da terra: a renda da terra propriamente dita.

Assim, em Ricardo, a renda fundiária propriamente dita (renda diferencial I) é aquela devida e explicada pelas diferenças naturais do solo. A propriedade privada do solo daria direito a este rendimento, como um rendimento da natureza.

A renda diferencial II refere-se aos benefícios remanescentes que o investimento do arrendatário deixa incorporado ao solo, tais como desmatamento para plantio, terraceamentos, drenagem, açudes, etc... Estes benefícios, não devidos à natureza, valorizam a terra e, também, garantem um direito de elevação do preço de arrendamento, nos próximos contratos.[13]

O que nos interessa, no momento, é ressaltar que, na tradição fisiocrática, e, também, em Ricardo, a apropriação da natureza é o único elemento justificador da renda propriamente dita. Qualquer outro elemento justificador da renda, tais como, o direito divino ou de sangue, próprios da interpretação e justificativa da ordem feudal, é negado como sendo legítimo. Para Ricardo é ilegítimo na ordem competitiva capitalista.

Como, no ver de Ricardo, a oligarquia fundiária inglesa impõe outros ganhos além daqueles devidos às rendas diferenciais, o monopólio da terra é considerado como entrave ao capitalismo industrial. Seus proprietários são considerados improdutivos. Não são uma fração de classe do capitalismo, mas um resquício da ordem anterior, que precisa ser combatido.

Em Ricardo, e, também, em Marx, a terra vai ser considerada como um elemento que atua na esfera da distribuição de valores; na circulação. Não é um elemento da produção. Os atributos da fertilidade e localização são considerados como dádivas da natureza aos homens. Como substrato natural da produção social. Não são considerados como elementos sociais da produção. Nossa reinterpretação, no próximo tópico, coloca esta questão de outra forma.

Marx, em sua perspectiva de compreensão das classes, como classes proprietárias e não proprietárias dos recursos materiais produtivos, vai interpretar a sociedade capitalista de uma posição de classe crítica à interpretação dominante: da posição da classe trabalhadora. Em sua teoria da renda da terra, a renda absoluta ganha significação como uma renda de propriedade, como monopólio de classe, como renda em geral,[14] da mesma forma que a propriedade do capital dá acesso a um lucro em geral.

A renda da terra, enquanto renda em geral, vai permitir conceber como unificados os interesses da classe proprietária de terras e os interesses da propriedade capitalista.[15]

Em Marx, a terra já é reconhecida como mercadoria, objeto de compra e venda. A lógica analítica de Marx se dá em cima do pressuposto de uma agricultura capitalista, portanto mercantil. A propriedade da terra, como mercadoria, vai permitir que ela funcione na competição intercapitalista como equivalente de capital. A renda absoluta aqui não pode ser concebida como uma renda patrimonialista, como resquício da ordem feudal: é uma renda de propriedade (monopólio de classe) de um tipo particular de mercadoria, no capitalismo.[16]

Enquanto os fisiocratas e Ricardo vão negar, por razões diversas, a renda absoluta, Marx vai argumentar que a propriedade privada, enquanto propriedade e enquanto essência da ordem capitalista, garante ao proprietário um rendimento vis à vis aos não proprietários dos bens de produção: os trabalhadores.

Esta postulação interpretativa associa, em algum nível, os interesses do proprietário de capital e de terra; em oposição aos interesses dos trabalhadores. Este é um dos sentidos da noção da mercadoria terra como equivalente de capital.

Esta noção abre espaço para a análise dos embates do interesses divergentes, entre capitalistas (financeiros, industriais, comerciais e arrendatários) e proprietários de terra, como um dos aspectos da competição intercapitalista; como parte componente da dinâmica do capital. Neste contexto, basta que a terra seja uma mercadoria plena, sem entraves no mercado de terras, e que a propriedade privada esteja na base de fundamentação do Estado.

Com a generalização do mercado de terras, a parte do capital social que se encontra imobilizado em terras vai funcionar como equivalente de capital; é, em nossa perspectiva, capital territorializado. Apresenta uma rigidez de localização, um limite à sua mobilidade, mas apresenta, também, uma potência produtiva múltipla devida à fertilidade.

O acesso ao uso da terra, fora do arrendamento capitalista, vai requerer, do aspirante a proprietário, a acumulação prévia de capital sob a forma de dinheiro: um requisito de comprador.[17] A análise da separação entre arrendatário e proprietário da terra, caso clássico da Inglaterra, ou a sua unificação em uma só figura social, como é a regra no caso brasileiro, teria que ser remetida às condições históricas das diferentes formações sociais capitalistas e ao contexto da competição intercapitalista nestas formações.[18] Voltaremos ao assunto nas considerações finais.

Renda da natureza como apropriação do conhecimento

A concentração da propriedade da terra, que define o funcionamento do mercado de terras, está associada ao acesso à terra e ao próprio caráter da democracia burguesa de uma formação social específica.[19]

Em geral, tanto na tradição ricardiana quanto na marxista, fertilidade e localização são tomadas, a-historicamente, como atributos da natureza: como doação da natureza ao fazer humano, como dados exteriores ao fazer e à cultura humana.

Esta concepção aparece associada à compreensão da especificidade da mercadoria terra, como elemento básico da circulação/distribuição e, não, aos processos produtivos no campo. A noção de que a terra não é produto do trabalho humano, não sendo, portanto, reproduzível, vai ser o elemento básico para diferenciá-la dos produtos do capital, em Marx, e como elemento exterior à “produção de mercadorias por meio de mercadorias”, na perspectiva neo-ricardiana de Sraffa.[20]

A incapacidade de compreensão deste fenômeno social está associada à idéia de produção de mercadorias por meio de mercadoria, sob a organização direta do capital produtivo. Como a terra e a fertilidade não são produtos de uma esfera produtiva capitalista específica, a incorporação delas na análise é apreendida como algo externo ao capital produtivo e ao capital social, tornando-se uma dádiva da natureza.[21]

A questão que coloco em discussão aqui é a noção de natureza e de natural associada à discussão da renda da terra e às discussões sobre os direitos sobre a natureza na ordem capitalista. Ao não entendê-la como natural, nos sentidos ricardiano e marxista, e, sim, como uma “naturalidade” da sociabilidade capitalista, cabe-nos indagar sobre o sentido e a significação das noções de fertilidade e de localização no contexto da apropriação capitalista.

Em relação à renda diferencial I, de localização, a localização que conta não é uma localização absoluta, mas uma localização em relação aos mercados.

No interior de uma nação, o que conta são os processos sociais de urbanização, que localizam uma determinada terra aos núcleos civilizatórios mercantis da urbanização. Os investimentos, públicos e privados, realizados fora dos espaços da propriedade agrária se objetivam na valorização da propriedade.[22]

Se concebermos que são os processos sociais de urbanização, transportes e comunicação, que localizam produtivamente uma terra, a valorização das terras se dá por fatores externos aos gastos de seu proprietário e ao trabalho aplicado diretamente na terra. Este dispêndio social, no entanto, se objetiva em suas terras, valorizando-as.

É a propriedade da terra que garante, e legitima, o lugar do proprietário na disputa destes benefícios, também disputados pelos capitais que se localizam no setor de transportes e de sua infra-estrutura. Estes ganhos são gratuitos, uma apropriação privada sobre o conjunto da sociedade.

No contexto capitalista, a fertilidade aparece como um conhecimento, como um saber social, e, não, como uma externalidade do social-histórico: como um dom da natureza ou como uma dádiva divina. O conhecimento sobre a natureza, e sua fertilidade, torna-se a chave para sua utilização produtiva: informa, e conforma, as técnicas e a ação produtiva.

A noção de fertilidade, como um elemento social-histórico, introduz as questões da produção social deste conhecimento, esteja ele associado à uma sociabilidade do trato cotidiano com as terras, próprio do saber camponês e das populações agrárias, esteja ele associado ao conhecimento científico e técnico institucionalizado, próprio das sociedades contemporâneas.

A questão da produção do conhecimento nos remete, novamente, à questão da apropriação deste conhecimento e à renda diferencial I.

O conceito de renda diferencial I tem esta questão como uma questão subjacente, que aqui procuramos analisar. O conhecimento sobre a fertilidade das terras e o uso produtivo dos recursos da natureza é variável social e historicamente.[23] Este conhecimento se objetiva nas terras e nos recursos da natureza. Com sua interiorização na psique passa a ser tomado como algo exterior ao próprio fazer humano, em um processo de reificação e fetichização do objeto material,[24] já referido em item anterior.

Se concebermos que, no geral, a sociedade despende parte de seu trabalho social na produção deste conhecimento, e que este dispêndio, ou investimento, não é diretamente aplicado à uma propriedade em particular, o direito privado sobre uma parte dos solos vai viabilizar que seu proprietário entre na disputa pela apropriação do trabalho social relacionado à produção deste conhecimento. Seu patrimônio se valoriza, em virtude desta apropriação indireta do conhecimento produzido: as terras férteis objetivam mais valores.[25]

Não há aqui um questão de uma fertilidade absoluta mas, sim, uma questão de uma fertilidade relativa às técnicas em uso. Mesmo que um proprietário de terras não despenda um níquel de seus recursos próprios, ou um minuto de seu tempo, na produção destes conhecimentos, a propriedade sobre às terras lhe dá o direito de disputa sobre os frutos do progresso técnico aplicado. Este é um poder de mercado, que a propriedade da terra apresenta na competição intercapitalista: ser grande ou pequeno, e estar em posse de terras férteis relativas ao seu tempo social histórico, tem a ver com o exercício deste poder.

Esta interpretação pode lançar nova luz sobre a análise do progresso técnico na agricultura e do desenvolvimento da ciência e da tecnologia aplicada à agricultura.[26]

Neste contexto analítico, a propriedade torna-se um elemento na disputa sobre o conhecimento que se tem sobre a natureza. A propriedade da terra é um dos caminhos ao acesso e uso: à apropriação deste conhecimento.

A valorização de um novo conhecimento tem a sua contraface: a desvalorização do conhecimento anterior.[27]

Parte do processo de valorização das terras está associado à este processo social que produz novos conhecimentos e novas utilizações. O processo de geração de tecnologias está institucionalizado na universidade, nos centros de pesquisa e de produção de tecnologia e no interior dos setores de pesquisa das grandes empresas.[28] O financiamento e as políticas científicas e tecnológicas direcionam a geração destas tecnologias. A questão da apropriação deste conhecimento é um dos elementos chave na configuração dos setores de ponta das economias ocidentais, como é, atualmente, o caso das biotecnologias.

As características de fertilidade e de localização, associadas ao conceito de renda diferencial I, envolvem processos sociais mais amplos do que as questões dos investimentos privados empresariais, expressos no conceito de renda diferencial II.[29]

Falando em termos de investimentos, podemos dizer que o capital social, em seus desdobramentos na esfera do conhecimento sobre a fertilidade e a localização das terras, garante o espaço da propriedade da terra na disputa intercapitalista, própria da ordem burguesa. Estas características, no contexto da renda diferencial I, vão significar uma apropriação gratuita sobre o conjunto da sociedade[30] e, diria eu, também uma disputa com outras frações capitalistas.

Teoricamente, na economia política esta perspectiva vai colocar a questão no nível da dinâmica e da concorrência intercapitalista ou, se preferirmos, no embate de interesses de capitais industrial, financeiro e comercial e de capitais-dinheiro imobilizados em terras. Os capitais imobilizados em terra buscam sua valorização pela apropriação de trabalho social (no conhecimento da fertilidade e na localização das terras) que se objetivam na terra e na natureza.

A valorização das terras e a territorialização do capital

As análises da rendas diferenciais I e II, referem-se ao campo analítico das terras em produção.

Na esfera da competição intercapitalista, a imobilização de capital-dinheiro em terras está associada a outros processos que não os diretamente ligados à produção agrícola. Não é só um processo de valorização das terras em produção, mas, também, a valorização das terras improdutivas que está em jogo.

Como viemos demonstrando, a terra se valoriza pela incorporação de trabalho aplicado diretamente nela. Este processo de valorização é captado, analiticamente, pelo conceito de renda diferencial II. Há ainda um processo, reconhecido na análise da questão, que visualiza a valorização das terras como associada à elevação da demanda social por alimentos. Nesta formulação clássica, de base malthusiana e ricardiana, aparece uma demanda social, externa à agricultura, por terras produtivas voltadas à produção agrícola, que se rebate sobre a agricultura e o estoque de terras. Associado às terras em produção, este processo social tende a ser captado analiticamente pelo conceito de renda diferencial I, de localização e de fertilidade, que reinterpretamos acima.

A terra, ainda, se valoriza como forma e resultado do processo de desvalorização do capital social,[31] que envolve a competição tecnológica, a obsolescência do capital produtivo imobilizado e a concentração e centralização de capitais.

A terra pode apresentar-se para diferentes usos produtivos, diferentemente da rigidez produtiva de uma estrutura produtiva industrial.

A aceleração da obsolescência tecnológica, no capitalismo monopolista, leva à desvalorização do capital produtivo imobilizado, fazendo com que, neste processo, parte do capital social produtivo deixe de funcionar como capital.[32]

Como capital-dinheiro imobilizado, a terra vai funcionar como reserva de valor. Pode entrar na disputa intercapitalista pela apropriação do excedente econômico, também como ativo financeiro. Entra na disputa pelo futuro como garantia de acesso à novas potencialidades e usos da terra, abertos pelo avanço do conhecimento, pelas novas tecnologias e pela formação de expectativas com relação ao futuro.

Uma das especificidades da mercadoria terra, frente à outras mercadorias, é a sua flexibilidade no uso. Seu valor de troca não está associado a um só valor de uso. Em geral, um estoque de capital produtivo está associado à produção de uma só mercadoria: a indústria de automóveis, por exemplo, só produz automóveis.

Um estoque de terras, apesar da rigidez de localização, apresenta, no entanto, uma possibilidade de uso bastante flexível: pode incorporar diversos valores de uso.[33] Neste sentido, podemos dizer que a terra tem a possibilidade de objetivar diversos usos presentes e futuros, respondendo à formação de expectativas sobre o futuro. Esta flexibilização dos usos da terra imprime ao capital imobilizado em terras uma particularidade frente ao capital industrial, cuja composição técnica visa a produção de uma mercadoria determinada, um determinado valor de uso.

No sentido capitalista, podemos dizer que a imobilização do capital em terras, produtivas ou improdutivas, significa a territorialização do capital. Não como algo estranho ao capitalismo, mas próprio dele. Os processos associados aos incentivos fiscais na Amazônia, em décadas recentes, por exemplo, significaram, no sentido que aqui estamos dando, a territorialização do grande capital.

As lutas pela apropriação da terra, e da natureza, que conformam aspirações dos povos da Amazônia não estão dissociadas deste processo de territorialização do capital, e do grande capital, nesta região. Não é algo estranho ao capitalismo, é parte componente de sua dinâmica. Os embates associados à apropriação da terra na Amazônia têm a ver com a dinâmica do capitalismo contemporâneo e a territorialização de seus interesses: a biodiversidade é um deles.

Valorização da natureza e o campesinato

Considerando a questão do poder de mercado, que está associada à análise da competição e da dinâmica intercapitalista, a questão do tamanho não é irrelevante: ser grande ou pequeno faz diferença.

Cabe, aqui, fazer um refinamento desta análise. Compreender a valorização das terras, como um processo de elevação dos preços das terras: devido à capitalização da renda das terras em produção, ou à formação de expectativas, frente ao futuro. A realização econômica desta apropriação só se dá totalmente no momento da venda das terras; quando o valor das terras se transforma em equivalente geral: em dinheiro. Aqui, a renda da terra capitalizada no preço da terra se transforma (muda de forma) em capital dinheiro.

Os processos sociais, que valorizam as terras em geral, tendem a ser favoráveis aos proprietários, sejam eles grandes ou pequenos; empresários ou camponeses. Socialmente, a territorialização do capital expressa um processo de valorização frente a outra formas de capital, em especial, frente ao capital industrial; mas também frente aos não proprietários: os trabalhadores sem terra.

Uma outra questão é a possibilidade dos proprietários de terras produtivas conseguirem captar a renda da terra como componente dos preços dos produtos agrícolas. Aqui opera, mais diretamente, sua posição, nos mercados dos produtos e nos mercados que conformam seus custos produtivos, na esfera intercapitalista.

Não conseguir captação do excedente econômico da renda da terra como parte componente dos preços dos produtos vai significar uma desvalorização da terra, enquanto terra produtiva. A propriedade de terras em produção não garante rotineiramente, ao proprietário, a renda diferencial I e II.

Este processo assume um caráter individual e está associado ao poder de mercado de cada produtor, seja ele capitalista ou camponês. Neste sentido, o capital-dinheiro imobilizado em terras produtivas tende a ser desvalorizado na competição intercapitalista. Apropriado por concorrentes nos mercados oligopolizados à montante e à jusante. O que deveria se constituir como renda da terra assume a forma de juros, lucros comerciais, de lucros agroindustriais, associados à redução dos custos agroindustriais, e de lucros industriais de setores produtores de máquinas e insumos.

Estes processos de redução progressiva da possibilidade de retenção da renda econômica da terras, nos preços dos produtos, afeta mais fortemente as menores propriedade, os menores proprietários e as menores produções: lócus de existência social dos camponeses proprietários e não proprietários.

Reflexões à guisa de conclusão e levantamento de hipóteses

No caso da formação social brasileira, como regra geral, não existiu, nem existe, uma classe de proprietários fundiários separada daquela que possui os meios de produção agrícola,[34] exceto em situações regionais específicas, como é o caso do arrendamento capitalista no arroz do Rio Grande do Sul, por exemplo.

A apropriação da terra, e da natureza, no Brasil conforma historicamente um proprietário de terras que é, também, o dirigente do processo produtivo. A formação da grande propriedade, da grande produção e das elites agrárias é um só processo na história brasileira.

Neste sentido, pode-se dizer que o rendimento econômico, apropriado por estes proprietários/dirigentes é um misto de renda da terra e lucro produtivo. Esta função de dirigente do processo produtivo não se limita, historicamente, apenas à esfera da produção agrícola, mas pode também englobar funções de financiamento, de beneficiamento e de comercialização de sua própria produção, de parceiros, colonos e moradores ou de outros produtores. Nestes casos, o rendimento envolve outros elementos, tais como juros, lucros agroindustriais (engenhos e usinas de açúcar, propriedades de máquinas de beneficiamento de café, arroz, por exemplo), transporte e comércio (barracões, atacadistas, por exemplo), bem como investimentos urbanos industriais. A fonte múltipla de rendimento das elites agrárias é diferenciada e estabelece regras de convivência social, próprias do clientelismo do período republicano.

O que quero reter aqui é que esta multiplicidade de rendimento é um elemento enfraquecedor da propriedade na disputa pela garantia da presença da renda da terra nos preços dos produtos, mesmo dos exportáveis.

A análise da apropriação da renda da terra, na formação social brasileira, deve englobar nossa origem colonial e o poder colonial de Portugal, bem como a conformação e o desenvolvimento do mercado de terras e de trabalho na ordem imperial e republicana, onde, cumpre ressaltar, a hegemonia do capital mercantil, financeiro e industrial inglês exerce um poder de mercado expressivo no momento histórico de vigência do modelo exportador mercantil-capitalista.

Contextualizando o argumento, de forma simplista, só para passar a idéia: a constituição das elites agrárias se dá em um contexto de preços relativos conformados por uma extração de excedentes por Portugal e pelo controle externo do mercantilismo escravista, em um momento, e pelo capital financeiro e mercantil inglês, em outro.

Não seria de todo equivocado formularmos a hipótese de trabalho de que parte da renda da terra se internacionaliza nas disputas capitalistas no mercado externo. A luta, por exemplo, da oligarquia cafeeira paulista na República Velha pela valorização do café pode significar uma melhoria nesta situação. A renda familiar dos proprietários-dirigentes não se origina apenas de sua condição de produtor agrícola, como tende a ser o caso dos pequenos.

A conformação originária dos preços relativos das mercadorias, em uma sociedade com elevadíssima concentração de renda, também merece um refinamento analítico para o entendimento de nossas raízes sociais da exclusão social e da fome. Fica, aqui, a hipótese de que na conformação dos preços relativos, os preços do produtos alimentares produzidos pelos pequenos produtores proprietários, parceiros, colonos e moradores tende a ser insuficiente para a captação da renda da terra, e dos lucros, por estes produtores diretos.

Esta conformação dos preços relativos, associada à origem do mercado de trabalho livre, é reforçada pela ação do Estado brasileiro no controle exercido nas políticas de preços mínimos dos produtos alimentares. Este mercado torna-se desfavorável àqueles em piores condições no mercado ou sem condições de competição na produção de exportação e empresarial de grande porte.

No contexto das dinâmicas capitalistas associadas a diferentes padrões de acumulação, a história social do camponês se objetiva na figura do pequeno: da pequena produção, da pequena propriedade, da pequena exploração, do pequeno capital.

O uso da noção de pequeno pressupõe a noção de seu oposto, o grande, oculto nesta formulação. No nível dos processos sociais não há esta separação: um é a contraface do outro. Nestes processos, a vivência histórica de um padrão de dominação e de relações entre a grande e a pequena propriedade no Brasil tem dado os limites da existência social do pequeno, bem como tem conformado os limites de sua reprodução.

Pode-se, também, afirmar, como tese geral, que nestes processos as piores condições naturais e de acesso, em termos de utilização produtiva, foram relegadas à apropriação dos pequenos, com efeitos negativos em sua rentabilidade econômica. É, também, sabido que, no geral, os benefícios das políticas agrícolas e tecnológicas governamentais têm sido, historicamente, apropriados preferencialmente pelos grandes proprietários.[35]

No contexto contemporâneo, a questão ecológica vai imprimindo novos significados à questão da propriedade da terra, redimencionando-a como valorização e apropriação da natureza. Neste contexto, esta reinterpretação da teoria da renda da terra pode lançar luz ao embate de interesses na apropriação privada da natureza na ordem competitiva e ao caráter que pode assumir a territorialização do capital, e do grande capital, na Amazônia.

Em ensaio anterior onde examino alguns significados da Eco-92 (Cf. Moreira, 1993a), a análise aponta para uma nova ordem capitalista internacional, associada às revoluções tecnológicas da comunicação, da automação e da engenharia genética. Esta última vertente, se desdobra nas questões dos genomas e dos direitos sobre a biotecnologia, ou seja, a questão da apropriação privada sobre o conhecimento.

A questão das florestas tropicais e a agricultura na Amazônia ganham um novo sentido na competição intercapitalista. A sustentabilidade, associada a estas discussões, parece apontar para a questão de uma nova adequação tecnológica e, não, para um questionamento da ordem social no interior destes países.[36] Este processo de reordenação da competição intercapitalista internacional, e nacional, está associado ao problema posto à nossa reflexão: campesinato e ecologia.

Assim, a questão ecológica, e a questão do desenvolvimento sustentável, colocam uma indagação: qual é o sentido e a significação que se tornará dominante no tratamento da questão camponesa e no trato da agricultura na Amazônia?

As questões contemporâneas da ecologia e do meio ambiente, neste contexto analítico, estariam associadas a um novo paradigma técnico e a um novo ordenamento competitivo, ainda, não claramente explicitados nas esferas produtivas. As expectativas, frente ao futuro, postas pela ciência dos ecossistemas, pela biotecnologia e pelos movimentos ambientalistas tendem a levar a uma revalorização da natureza e dos direitos de propriedade à ela associada.[37] Podem colocar novos limites ao uso privado da natureza.

Este campo sociocultural e a nova ordem capitalista podem abrir espaço para uma revalorização do saber e do fazer camponês e, até, a uma ampliação do setor camponês no contexto da sociedade. A perspectiva histórica, no entanto, coloca: esta revalorização camponesa só tende a se viabilizar se a apropriação deste conhecimento significar ganhos nas esferas da acumulação capitalista.

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Notas

[1] Ver Capra (1982) para a discussão de elementos de uma visão sistêmica e holística do saber científico e Moreira (1993a) para alguns significados da questão ambiental contemporânea.

[2] Castoriadis (1978: 135-157), em “O dizível e o indizível” e na linha da fenomenologia da percepção, argumenta sobre o caráter sociohistórico da percepção da natureza e da idéia de natureza, ou seja, sobre a historicidade do mundo “natural”. Ver também Thomas (1988).

[3] Ver Berger e Luckmann (1990) para a análise da sociedade como realidades objetiva e subjetiva e Castoriadis (1975: 201-258) para as significações imaginárias sociais.

[4] As noções de caos, de desordem, de dinâmica, de incerteza, de diversidade, de biodiversidade e de conjuntos nebulosos ajudam a avançar na percepção da realidade do social histórico.

[5] Ver Habermas (1968) em suas discussões sobre ciência e técnica como “ideologia”; onde aponta este saber como uma força produtiva do tardo-capitalismo e como legitimador cultural da técnico-burocracia. Esta questão nos remete também à compreensão da natureza intelectual do trabalho produtivo, do trabalho intelectual como trabalho produtivo, da proletarização do trabalho do intelectual e da rediscussão das sociedades de trabalho modernas. Coloca em crítica a noção cultural de que o saber técnico é neutro e exterior à própria dinâmica da competição intercapitalista. Esta temática nos remete ainda às questões relativas à mercantilização de bens culturais.

[6] Ver Moreira (1991) e (1993a) para uma visualização de processos conformadores de um capitalismo ecológico.

[7] Inicialmente levantado em Moreira (1979) e (1981) à luz da economia política. Ver também Moreira (1993b).

[8] Veja Galbraith (1989) para uma contextualização histórica destes pensamentos e suas significações.

[9] Heilbroner (1988: 78) concebe como ideologia “as opiniões da classe dominante mantidas de maneira profunda e inconsciente em qualquer ordem social.(...), as ideologias são sistemas de pensamento e de crença por meio dos quais as classes dominantes explicam a si mesmas como funciona seu sistema social e que princípios ele subentende. Por conseguinte, os sistemas ideológicos existem não como ficções, mas como ‘verdades’ —e não apenas verdades probatórias mas verdades morais. A ideologia capitalista tem exatamente a mesma função explicativa que a dos sistemas feudal ou tributário de crença”.

[10] Categoria analítica indicadora dos interesses de classe expressos na elaboração interpretativa dos autores, ou atores sociais.

[11] Eruditos e aristocratas franceses que exerceram influência significativa nos reinados de Luís XV e Luís XVI.

[12] Que em Marx está associada à noção de renda absoluta e à noção de monopólio de classe.

[13] Esta percepção leva Marx a concebê-la como frutos da incorporação de trabalho passado à terra. Refere-se portanto às terras já trabalhadas, onde o uso anterior deixa incorporado trabalho humano. Este também seria o caso do campesinato da fronteira que, expulsos, deixam terras desmatadas e prontas para o cultivo.

[14] Devo esta compreensão à Silva (1981), que reinterpreta a renda absoluta em um sentido originário em Marx. Para ele a renda absoluta não é logicamente demonstrável como uma parcela quantificável da renda da terra, ganha significado como renda da terra em geral.

[15] Reconhecer estes interesses como unificados, em geral, não significa concebê-los como idênticos. Há um campo de expressão desta diversidade: o campo da distribuição da mais valia; que é o campo da competição entre proprietários na apropriação do excedente econômico. O campo analítico é o da competição intercapitalista.

[16] A meu ver, é este o sentido que Marx atribui à “propriedade privada” em geral, como base do Estado moderno.

[17] Neste sentido pode-se dizer sobre um processo de territorialização do capital. Podemos, assim, pensar a oligarquia agrária como uma fração de classe do capitalismo; como capitalistas fundiários ou agrários.

As reformas agrárias burguesas, não associadas à transição, teriam que ser compreendidas como elementos de ruptura paradigmática no interior da ordem e da competição capitalista; como reformas desta ordem, não como sua negação. Como processos sociopolíticos de redução do poder de mercado dos proprietários de terra, frente ao poder de mercado do capital financeiro, industrial e comercial, incluindo suas representações e poderes no Estado, bem como, no exercício da hegemonia.

[18] A meu ver, concepção da propriedade da terra como barreira ao capital ou como limite do capitalismo no campo, que os analistas têm ressaltado como oposição entre a propriedade da terra e a propriedade do capital teria que ser repensada não como uma oposição entre classes não-capitalistas e capitalistas, mas como uma expressão da diferenças de interesses na competição.

[19] Imprime sua marca no político, na conformação das elites, na conformação dos processos de industrialização, em no caráter de excludência e de incorporação de massas trabalhadores, ao consumo capitalista. Ver Moreira (1978; 1981b; 1982; 1995) para algumas análises sobre o caso brasileiro no período Republicano.

[20] Colocando de outra forma: nesta perspectiva, as diferenças de fertilidade das terras em uso, ao potencializarem, de forma diferenciada, o trabalho aplicado às terras, vão conformar diferenças na produtividade do trabalho. Um mesmo conjunto técnico organizado pelo capital no campo vai apresentar uma eficiência produtiva diferenciada, que se reflete em diferentes custos unitários de produção. Frente a um preço único de mercado, a apropriação destas diferenças, pelos capitalistas ou pelos proprietários de terra, seria, portanto, a apropriação da natureza: de algo não social.

Esta concepção vai permitir a análise da renda da terra como ocorrendo apenas na esfera da distribuição. Como a fertilidade é concebida como um elemento exterior ao fazer humano, como uma exterioridade do mundo “natural”, não faz sentido pensá-la como um elemento potenciador do trabalho, portanto da produtividade do trabalho, no mesmo sentido que adquirem os instrumentos de trabalho.

[21] Em nosso esforço argumentativo, buscando uma redefinição conceitual, move-se a noção de que a natureza como fato social do capitalismo é um produto da sociabilidade humana: sujeito à apropriação privada. Também nos inspira aqui a tese de que a institucionalização do saber científico e técnico —e, portanto, da tecnologia aplicada— está associada à expressão dos interesses dominantes no desenvolvimento do tardo-capitalismo e ao exercício da dominação econômica, social e política e cultural, já apontada na discussão sobre a apropriação do conhecimento.

[22] A aventura civilizatória dos grandes descobrimentos não pode ser pensada sem o progresso das navegações, de um lado, e da valorização do produtos exóticos na Europa, de outro. Os investimentos públicos, em transportes, especialmente estradas, e a interiorização da urbanização podem significar ganhos relativos dos proprietários, no contexto da disputa intercapitalista. Neste contexto, não é irrelevante o traçado de uma ferrovia, de uma Belém-Brasília, de uma Transamazônica, de estradas vicinais e de barragens e açudes públicos. A história política brasileira é farta de disputas entre frações de suas elites agrárias pelo direcionamento dos investimentos públicos, que possam se rebater na valorização de suas terras.

[23] Como é o caso, por exemplo, do potencial produtivo das quedas d'águas, da expansão do gás e do vapor, do petróleo e do urânio. Estas dádivas da natureza, só para explicitar o argumento, não faziam sentido e não eram objeto de apropriação em tempos passados. Os ciclos extrativistas do pau-brasil, da borracha e os ciclos produtivistas da cana, do cacau e do café, por exemplo, são marcados por conjunturas nacionais e internacionais específicas.

[24] Base da cultura positivista e materialista e da operação do pensamento científico que reduz a realidade humana à realidade do objeto. Em uma perspectiva objetivista, a fertilidade é percebida como um elemento intrínseco às terras, independente do que se sabe sobre ela. O que estamos aqui ressaltando é que nos processos sociais há uma dialética entre o saber e o fazer, o saber que conta é aquele que se conforma em ação. Nas sociedades mercantis, a fertilidade que conta é aquela relativizada pelo aparato técnico-produtivo da sociedade.

[25] Neste campo, a questão da engenharia genética, dos genomas e da apropriação destes novos conhecimentos estaria associada a uma discussão sobre os direitos que uma nação e um proprietário em particular tem sobre a biodiversidade.

[26] Os processos de maquinação e de quimificação da agricultura colocam o capital industrial aplicado, na produção de máquinas, equipamentos, fertilizantes e defensivos, na disputa da apropriação do conhecimento sobre o uso das terras, plantas e animais. No caso dos melhoramentos biológicos, por exemplo, o poder do capital industrial já não é tão simples. Os melhoramentos biológicos, ou envolvem investimento público do Estado, que coloca o conhecimento ao uso indiferenciado dos produtores agrícolas em geral ou, na ordem privada, tem que envolver uma garantia de apropriação deste conhecimento técnico, seja o direito de patentes biológicas, seja a busca de matrizes que garantam o poder do capital investido. A semente de milho híbrido, e a perda de qualidade produtiva das novas gerações de grãos, está correlacionado à acumulação de capital no setor de sementes; na indústria de sementes, como é o caso da Agroceres.

[27] Não é inusual, no campo da cultura, um embate sobre diferentes noções de natureza. A dominação cultural da terra mercantil implica na desvalorização das noções de natureza associadas às culturas indígenas, por exemplo. O embate cultural associado a territorialização do capital na Amazônia envolve a desvalorização da cultura dos povos da Amazônia, de seus mitos e imagens sobre a natureza. No tempo do trator, nada vale o domínio da técnica do manejo do boi de aração, associado à cultura cabocla.

[28] Ver Moreira (1994b) para uma discussão sobre universidade e sociedade.

[29] Ver Graziano da Silva (1981). O campo analítico da renda diferencial II, envolve as questões dos investimentos produtivos realizados no interior da propriedade, que se incorporam na terra, tais como barragens, açudes, terraceamentos, recuperações de solo, etc., sejam eles realizados pelos arrendatários capitalistas, ou pelos próprios proprietários. Alguns autores vão caracterizar este elemento da renda da terra como renda da terra propriamente capitalista. Este campo analítico, de incorporação de trabalho diretamente à terra, engloba também a análise dos processos sociais de incorporação de novas terras por setores camponeses, como é o caso dos posseiros e a preparação de terras para cultivos em zonas de fronteira. No passado, as terras trabalhadas estiveram baseadas na exploração do trabalho escravo a elas incorporadas.

[30] É este o sentido das palavras de Martins (1983: 167) quando afirma que “a terra, através do proprietário, cobra no capitalismo renda da sociedade inteira”.

[31] Ver Moreira (1981a) para detalhes da argumentação.

[32] Processo que alguns autores têm denominados de queima ou sucateamento do capital industrial e, outros, de destruição dos capitalistas ineficientes.

[33] A flexibilidade na utilização das terras envolve não só uma flexibilidade na produção de diversas mercadorias agropecuárias, mas também uma flexibilidade de utilização não propriamente agrícola: usos urbanos, mineração, energia elétrica, lazer, turismo e, futuramente, está sendo considerada como a fonte da biodiversidade; seja o que isto venha a significar.

[34] Ver Smith (1990) sobre a especificidade da absolutização da terra em Portugal e no Brasil e a constituição do mercado de terra e de trabalho no século XIX. Ver Moreira (1994 a), para o padrão da 1ª metade do século XX e para referência a outros autores.

[35] Ver Moreira (1978; 1981b; 1982; 1991), para aspectos destes processos.

[36] Ver Moreira (1994a) onde discuto uma percepção dominante sobre a pequena produção familiar e a busca de tecnologias adequadas ao desenvolvimento sustentável destes produtores.

[37] Este campo incorpora uma nova elaboração da economia: a economia ecológica, que envolve entre outras questões a elaboração e validação de critérios de medição do valor da natureza.