Estudos Sociedade e Agricultura

autores | sumário

 

Gian Mario Giuliani

O dilema dos transgênicos


Estudos Sociedade e Agricultura, 15, outubro 2000: 13-38.

Resumo: Os argumentos favoráveis e contrários aos produtos da bioengenharia nos levam a um dilema. De um lado, são apontados como os mais eficientes meios para enfrentar a ameaça da inexorável falta de alimentos e para resolver uma série de enfermidades. De outro,  são vistos como grande ameaça da ordem econômica e social, do meio ambiente, da biodiversidade e da própria saúde humana. O dilema persiste em três planos: argumentos de ordem filosófica a respeito da natureza e da natureza humana; de ordem científica, que transforma suas teorias em inelutáveis verdades; de ordem social e econômica, que avalia estes produtos somente do ponto de vista do custo-benefício ou da produção e consumo. O reconhecimento deste dilema torna necessário o diálogo entre cientistas, empresas de biotecnologia, organizações da sociedade civil e as agências governamentais.

Palavras chave: Transgênicos; biotecnologia; problemas ambientais.

Abstract: The Dilemma of Genetically Modified Organisms – Gmo. The arguments on genetically engineered products confront us with a dilemma. On the one hand, in spite of being defended as the only means to resolve the scarcity of crops threatening the future of humanity, these resources provoke strong resistance due to questions of technological monopoly, to the risks to the environment and biodiversity, and also to the possible injuries caused by the consumption of genetically modified organisms. On the other hand, the same scientific paths may lead to variety of important therapies able to control genetic diseases and even reproduce different species of living substances. The dilemma presents itself on three levels. The philosophic order, based on a mythical “human nature”; the scientific order,  which formulates interpretations of reality considered as necessary and ineluctable truths; and the social and economic order, which view the problems of MGO solely from the point of view of the cost and benefits of production and consumption.

Key words: Genetically Modified Organisms; Biotechnology; Environmental.

Gian Mario Giuliani é professor da UFRJ-IFCS-PPGSA

Trabalho apresentado no X Congresso Mundial de Sociologia Rural – IRSA, Rio de Janeiro, jul./ago. de 2000. O autor agradece a David Hathaway e a Renata Menasche pela constância com que o mantiveram atualizado a respeito dos transgênicos e também a Raimundo Santos pelas oportunas observações a respeito deste artigo.


Os rápidos avanços no campo da manipulação das componentes fundamentais dos seres vivos tornam os cientistas ainda mais responsáveis pela vida e saúde da população. Porém, os cientistas só podem exercer sua atividade se dispuserem de laboratórios adequadamente equipados e vultuosos fundos para realizar seus trabalhos. Cresce, com isso, um empasse difícil de se resolver. Os mais importantes laboratórios, os que fazem pesquisas avançadas no campo da bioengenharia, estão sob o controle das grandes companhias, preocupadas com as aplicações tecnológicas dos inventos científicos. Desse mecanismo não escapam nem os centros de pesquisa governamentais e das universidades públicas, já que seus programas recebem decisivas contribuições de grandes companhias privadas. Sendo assim, quando os resultados da ciência significam a possibilidade de altos lucros para as empresas que financiam as pesquisas, quem pode assegurar que tais produtos sejam realmente benéficos para os consumidores e o meio ambiente em geral? Os próprios cientistas? Os governos? As empresas produtoras? As organizações da sociedade civil? Assim começa o dilema dos transgênicos.

Os produtos transgênicos: benéficos ou perigosos?

A engenharia genética parece ter duas faces, uma benéfica e outra obscura e preocupante. A benéfica está ligada à sua capacidade de reproduzir a base dos medicamentos através de bactérias ou plantas (por exemplo, a produção de insulina), ou de poder transformar produtos convencionais em medicamentos (por exemplo, a banana-vacina),[1] ou até mesmo de conseguir realizar o seqüenciamento completo de bactérias que infestam nossas lavouras (Projeto Genoma).[2] Podemos dizer que essa face “prevalece”, porque ainda pairam algumas dúvidas sobre os benefícios de tais projetos. Em primeiro lugar, com relação à patente desses novos produtos: será permitido a qualquer um a sua fabricação ou o seu cultivo? No caso da banana-vacina, qualquer prefeitura das regiões mais pobres poderá manter uma plantação, ou terá que solicitar licença e pagar royalties para os “inventores”? Em segundo lugar, com relação à segurança do produto: a FDA (Food and Drug Administration) realmente testa os novos produtos para verificar sua segurança, ou simplesmente confia em sua “equivalência” com os convencionais, como no caso da soja, do milho, da batata e de tantas outras plantas transgênicas?

A face obscura e preocupante da bioengenharia se manifesta hoje com seus produtos transgênicos de uso igual aos convencionais.[3] É obscura porque a população, mesmo a mais instruída, tem muitas dificuldades para compreender os novos conceitos, como DNA recombinante, vetor de clonagem e enzimas de restrição, e muitos outros de origem latina ou grega. Os biólogos confessam não ter tradutores para sua linguagem e talvez esta seja, na opinião deles, a causa principal de tanta preocupação com essa tecnologia. Mas será somente um “problema de informação” ou de “linguagem”? Afinal, os processos da bioengenharia e seus produtos estão sendo divulgados e debatidos até nos meios de informação mais populares há vários anos. Por enquanto, a população não tem, a respeito dos transgênicos, os conhecimentos dos expertos, mas, pelo menos entre os internautas, começa a se formar uma opinião que aponta para uma crescente desconfiança, até chegar a uma clara rejeição.[4]

A polêmica (que chega às vezes a ser uma batalha) a respeito destes produtos ocorre em muito níveis diferentes: científico, técnico, político, econômico, social e filosófico, todos entrelaçados, difíceis de distinguir e com argumentos nos quais a confusão leva a um verdadeiro diálogo entre surdos. Os defensores dos transgênicos saúdam a nova era da biologia, que nos estaria liberando dos malefícios da química. Respondem às críticas sustentando que, por serem esses produtos a base de uma tecnologia contrária aos agrotóxicos, a forte reação aos transgênicos seria “pilotada” pela própria indústria de agrotóxicos, a mais interessada em uma moratória capaz de lhe dar o tempo de se adequar à nova tecnologia. Nesse plano, tais argumentos concluem com afirmações peremptórias do tipo “ou nós continuamos a nos intoxicar com os produtos químicos, ou vamos pela tecnologia biológica”. Para eles, a ciência, hoje, estaria adotando um novo paradigma cujos procedimentos tecnológicos ainda não podem ser compreendidos pela sociedade. Por isso, foram promulgadas leis capazes de assegurar a saúde da população e se instituíram entidades incumbidas de fazê-las respeitar.

Foram criadas entidades supranacionais, resultantes de acordos alcançados nas grandes conferências mundiais realizadas nesta última década, propondo-se justamente a regular a produção, a difusão e a utilização da biotecnologia. Talvez o acordo mais abrangente seja o chamado Protocolo de Biossegurança. O Protocolo nasceu como uma exigência da Convenção de Biodiversidade estabelecida na ECO-92 no Rio de Janeiro e suas negociações tiveram início durante a Segunda Conferência das Partes em Jakarta, em 1995. Como Protocolo da ONU, este será legalmente instaurado em todos os países que sejam seus signatários e poderá ser atualizado e modificado em encontros posteriores. O Protocolo reflete uma série de normas internacionais para transporte, manuseio e uso de organismos geneticamente modificados, principalmente cultivos comerciais de transgênicos. Reconhece-se que a liberação destes produtos no meio ambiente ameaça cultivos tradicionais e pode desequilibrar ecossistemas, inclusive reduzir a biodiversidade, além de haver implicações para a saúde humana. O Protocolo é pensado pela comunidade internacional exatamente para conter estes riscos. A maneira em que estas normas serão formuladas será crucial para a eficácia das mesmas. Deve-se registrar que os EUA e outros exportadores de grãos, como Canadá, Austrália e Argentina, têm sido os principais opositores a todas as cláusulas ambientais do Protocolo de Biossegurança.[5]

Existem, também, conceitos que expressam os procedimentos adotados para assegurar a inocuidade destes novos produtos. O principal conceito utilizado pelas empresas produtoras é o de “equivalência substancial”. Tal conceito aparece descrito pela primeira vez em uma publicação da OCDE, Safety Evaluation of Foods Derived by Modern Biotechnology: Concepts and Principles (1993), um relatório elaborado por um grupo de 60 expertos que passaram dois anos discutindo como considerar em termos de segurança os novos alimentos, em particular aqueles produzidos pela moderna biotecnologia. Com este conceito define-se que os organismos convencionais usados como alimentos, ou componentes de alimentos, podem servir como base da comparação quando se trata de avaliar a segurança dos alimentos, ou componentes de alimentos, novos ou que tenham sido geneticamente modificados. Estabelecida a equivalência, estes últimos poderão ter o mesmo tratamento dos primeiros, podendo entrar no sistema alimentar. A equivalência substancial não significa que os produtos comparados sejam idênticos, mas, sim, que eles são intercambiáveis em um conjunto de parâmetros usados para definir sua segurança. Também não pretende ser um substituto dos métodos de avaliação da segurança dos alimentos, mas simplesmente um instrumento útil entre os que são usados para este fim. Para os organismos geneticamente modificados são necessárias informações detalhadas e completas relativas às características moleculares, bioquímicas, nutricionais, toxicológicas, alergênicas, assim como às técnicas de sua transformação e ao uso a que se destinam.

O conceito de equivalência substancial para a definição da segurança alimentar é aceito internacionalmente e defendido por vários cientistas. Segundo um importante pesquisador britânico, Ben Miflin, da Universidade de Nottingham,[6] nada é seguro e, por isso, o que interessa é o “risco relativo”, tendo a tecnologia de modificar alimentos a possibilidade de reduzir riscos. Os alimentos alterados geneticamente, argumenta o cientista, podem ser até mais saudáveis do que os próprios alimentos orgânicos. Para Miflin, já que a natureza não é boa, mas somente indiferente e amoral, é um nonsense afirmar que produtos orgânicos são melhores. Estes podem ter níveis mais altos de micotoxinas (substâncias produzidas por fungos, que podem causar câncer, gangrena e alucinações) do que os transgênicos.[7]

No entanto, desde 1999, o critério da equivalência substancial vem sendo criticado como um mecanismo não suficientemente seguro e, muitas vezes, resultante mais de um julgamento comercial e político do que científico.[8] Com efeito, Karen Suassuna, da Campanha de Engenharia Genética do Greenpeace, divulgou pela internet (São Paulo, 7/10/99) um comentário de um artigo publicado na prestigiosa revista científica inglesa Nature, no qual os autores Erik Millstone, Eric Brunner e Sue Mayer formulam sérias críticas ao conceito de “equivalência substancial” sobre o qual se baseia a maioria das legislações internacionais, inclusive a brasileira, em matéria de segurança dos alimentos transgênicos. Na nota, Karen relata que o artigo da revista Nature classifica a “equivalência substancial” como um conceito “pseudocientífico” e carente de uma definição aplicável. Na prática, a comparação acaba considerando seguro um alimento após um número limitado de testes que não mostram diferenças na composição entre o cultivo geneticamente modificado e as variedades de cultivos convencionais. Por uma série de razões técnicas, no entanto, afirmam os autores do artigo da Nature, esta avaliação pode não detectar os efeitos imprevisíveis da engenharia genética, incluindo-se alterações inesperadas. De fato, os testes compreendidos no conceito de “equivalência substancial” muitas vezes lidam apenas com toxinas já conhecidas. Os genes estrangeiros introduzidos no organismo, tornando-o transgênico, podem não ser adequadamente testados em relação ao seu potencial alérgico. Assim, o conceito de “equivalência substancial” e os alimentos transgênicos estão longe de apresentar uma visão consensual no que se refere à segurança. Não obstante, tal conceito teria sido o argumento decisivo utilizado pelos órgãos reguladores de alimentos geneticamente modificados em outros países para aprovar a soja transgênica da Monsanto para o consumo humano, mostrando que as diversas advertências estariam deliberadamente sendo ignoradas.

Em geral, são apontadas diversas preocupações com relação aos produtos transgênicos, pelo menos em três ordens de problemas: 1) quanto à segurança alimentar, é reconhecido pelos próprios pesquisadores o fato de que ainda não se sabe como funcionam as toxinas ou as substâncias alergênicas nos produtos modificados, nem quais podem ser os efeitos destas a longo prazo e como podem afetar a cadeia alimentar; 2) quanto ao meio ambiente, ainda não se sabe: como é possível controlar a eventual criação imprevista de novas plantas e de plantas daninhas; como se pode controlar a transferência de genes para parentes próximos de maneira a não poluir outras plantações;[9] como calcular as eventuais perdas em termos de biodiversidade e, portanto, como controlar o desperdício de recursos biológicos; como prever efeitos adversos aos vários ciclos ecológicos; 3) quanto aos aspectos socioeconômicos, ainda não sabe: como limitar o poder oligopólico das empresas produtoras de sementes; como controlar a concentração do conhecimento; como regular a questão da propriedade intelectual; como atenuar a competitividade no setor agrícola; como reduzir, de fato, a fome no mundo.[10]

A Europa reúne o grupo de países mais decididos na recusa dos produtos transgênicos e coloca-se como principal freio à sua expansão. Um dos aspectos importantes da política de oposição ao uso destes produtos refere-se à questão de ser ou não necessário rotular os produtos transgênicos ou que tenham componentes desse tipo. O dirigente da Informações sobre Organismos Geneticamente Modificados (Infogm), Frédéric Prat, garantiu que Alemanha, Portugal e França estão deixando de plantar produtos alterados para não perderem mercado. O caso mais notório é o da França, que plantava dois mil hectares em 1998 e em 2000 não cultivou nenhuma semente modificada.[11] Grupos industriais franceses criaram produtos livres de transgênicos, mas a preços mais altos para os consumidores. Calcularam que o frango alimentado com proteínas de soja convencional custaria de 15% a 20% mais caro que o correspondente alimentado com soja transgênica, sendo que este custo maior na carne e nos ovos seria repassado aos consumidores. Os empresários esperam ver se estes se disporão a gastar mais em troca de uma maior transparência sanitária e de uma maior confiabilidade dos alimentos. Estes empresários também exigem dos produtores que mantenham suas culturas a uma determinada distância de hipotéticos lugares de contaminação, como fábricas químicas e centros de incineração.[12] Para a representante da Fundação Gaia em Londres, Helena Paul, os europeus ganharam a batalha contra os transgênicos a partir da aprovação da lei que obriga a rotulagem.[13]

Do outro lado da trincheira, estariam os EUA e o chamado Grupo de Miami (Canadá, Argentina, Chile e Austrália), todos grandes produtores de soja e milho transgênicos. Estes seriam os vencedores na última Convenção sobre Biossegurança da ONU (realizada em fevereiro de 1999 em Cartagena, Colômbia), quando conseguiram bloquear, contra a postura de 170 países, a sanção de um novo protocolo.[14] O subsecretário de Estado para Assuntos Econômicos Comerciais norte-americano, Alan Larson, ainda antes da Conferência de Seattle em 1999, deixou clara a disposição dos Estados Unidos de lutar contra a União Européia sobre o tema dos transgênicos. Estimava que as barreiras da União Européia a produtos transgênicos dos EUA pudessem representar perdas potenciais de um bilhão de dólares por ano para os norte-americanos. Larson falou em 200 milhões de dólares anuais de prejuízo para o seu país causado pelos bloqueios já existentes. Larson argumentava que é óbvia a preocupação com segurança nos EUA, já que os produtos transgênicos não são apenas produzidos, mas também consumidos nos EUA (Lins da Silva, 1999), porém a rotulagem compulsória só faria sentido se houvesse risco à saúde do consumidor, o que não existiria no caso dos alimentos transgênicos, afirmando que: “A rotulagem só iria causar confusão entre os consumidores e solapar a confiança no sistema todo.[15]

No entanto, um conterrâneo de Larson (nascido e criado, como ele, no Estado de Iowa, importante produtor agrícola do Meio-Oeste dos EUA), o professor John Fagan, em seminário no Rio Grande do Sul, manifestou-se de maneira bastante diferente. Segundo Fagan, que trabalhou na FDA, os defensores dos alimentos transgênicos escondem importantes etapas da engenharia genética. Para ele, a situação atual dos transgênicos é similar à do pesticida DDT em 1947, quando só seus efeitos positivos eram conhecidos. Foram necessários 20 anos para que fossem comprovados os malefícios à saúde humana provocados pelo pesticida.

As indústrias produtoras de transgênicos estão preocupadas com o temor dos consumidores a seus produtos, o que está afastando acionistas e fazendo com que o valor de suas ações caia. Também a rejeição de sementes transgênicas por parte dos agricultores norte-americanos está surpreendendo as companhias de biotecnologia. Tem contribuído para essa rejeição o fato de grandes empresas terem pedido a seus fornecedores a suspensão da compra de sementes geneticamente modificadas e de outras terem proibido o uso de ingredientes geneticamente modificados na formulação de seus produtos.[16] No México, que em 1998 comprou mais de 500 milhões de dólares de milho americano, o grupo Maseca, companhia líder na produção de farinha de milho usada para fazer as tortilhas (o alimento básico no país), em 1999 recomendava evitar a importação de grãos modificados geneticamente. Na Corea do Sul, outro país grande importador de grãos norte-americanos, as empresas de transformação de milho afirmavam estar considerando a opção de comprar milho da China em lugar dos EUA, devido ao temor dos transgênicos (Paterson e Iglésias, 1999).

Os transgênicos no Brasil: autonomia ou alinhamento?

O Brasil está investindo muita energia e somas bastante elevadas em diversos campos da bioengenharia, obtendo reconhecidos resultados. O último e mais famoso sucesso decorre de sua participação no já mencionado Projeto Genoma. Depois de se tornar o primeiro país da América Latina a decifrar um genoma, o Brasil busca agora decodificar o código genético da cana-de-açúcar. Com o apoio da Fapesp, está em curso o mais ambicioso projeto de genomas vegetais do mundo. Por enquanto, o projeto reúne 20 laboratórios paulistas e outros laboratórios de seqüenciamento de genes implantados nos estados de Alagoas e Pernambuco, através de acordos com as respectivas fundações estaduais de amparo à pesquisa. Tendo já decifrado as bases químicas de 42 mil dos cerca de 50 mil genes da cana, o projeto adquiriu proporções bem maiores que os programas americanos, europeus e japoneses que investigam o DNA da soja e do milho. O projeto já identificou genes que prometem levar à criação de uma variedade de cana para produzir açúcar que não engorda e também permitiu descobrir um grupo de genes ligado à produção de açúcares especiais, que até agora não se sabia que a cana pudesse produzir.[17] Também na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da USP, há seis anos um grupo estuda o isolamento dos genes do milho resistentes à ferrugem do gênero Puccinia e das espécies polysora e sorghi, esta última com ocorrência no Rio Grande do Sul. O que, de fato, os cientistas buscam é a redução das perdas da produtividade.[18]

As leis brasileiras impõem que o cultivo de um produto geneticamente modificado seja efetuado em áreas restritas e que, antes de ser liberado para produção, comércio e uso, seja monitorado pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio)[19] e seus consultores durante cinco anos, a fim de que se possa avaliar o impacto ambiental que o produto provoca. O cultivo comercial de sementes geneticamente modificadas é proibido por decisão judicial, mas empresas públicas e privadas desenvolvem uma série de experimentos nessa área.[20] A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), que tem convênio com a Monsanto e outras empresas que trabalham com transgênicos, em outubro de 1999, divulgou que, num prazo de um ano e meio, estará pronta para lançar uma linhagem de soja transgênica resistente ao herbicida Imazapir. Segundo o pesquisador Francisco Aragão, do Centro Nacional de Recursos Genéticos (Cenargen), de Brasília, a pesquisa da Embrapa começou há 10 anos e a planta está passando por testes de segurança nutricional e ambiental, processo que exige cerca de três anos.[21] O pesquisador avalia que os riscos ambientais dos transgênicos são pequenos. Não haveria possibilidade de cruzamento com outras plantas e o perigo de contaminação da soja convencional seria de apenas 1%. Para o pesquisador, o maior problema é a capacidade da erva daninha adaptar-se ao herbicida ao qual a cultura é resistente, eliminando o possível benefício da transgenia. O ideal seria desenvolver uma soja com diversas resistências para que o agricultor pudesse usar herbicidas diferentes (idem).

Os que estão interessados no aprofundamento da bioengenharia e na difusão de seus produtos demonstram insatisfação com as restrições impostas pela lei, argumentando que a questão do impacto ambiental estaria diretamente relacionada com as dimensões do plantio. Para eles, não faria o menor sentido avaliar o impacto ambiental através de pequenos cultivos, para extrapolar depois os efeitos em grandes áreas. Por isso, a moratória reivindicada pelos ambientalistas teria como resultado a perda da possibilidade de se avaliar o real impacto ambiental dos produtos transgênicos. A estes argumentos, os ambientalistas respondem que, ao se fazer a experimentação em grandes áreas, já se pode comprometer irremediavelmente o meio ambiente através da polinização que contamina todas as plantas.[22] Além disso, a biossegurança não é assegurada somente pelos testes de laboratório e pelos cultivos monitorados, e nem mesmo por uma boa legislação sobre o assunto. É preciso que as leis sejam respeitadas e o Estado demonstre saber tomar iniciativas claras para inibir os fraudadores de alimentos. Nesse sentido, o Brasil é um país que dispõe de uma legislação bastante satisfatória, mas reconhecidamente pouco respeitada,[23] o que gera fortes polêmicas nas quais os contendentes acabam falando de fato línguas diferentes.

Um exemplo é dado pelo I Congresso Brasileiro de Biossegurança realizado no Rio de Janeiro pela CTNBio e pela Anbio,[24] no qual os organizadores foram duramente contestados pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC) e pela organização ambientalista Greenpeace. Os ambientalistas entraram com representação na Procuradoria Regional de Brasília contra a CTNBio por esta ter organizado o evento com o patrocínio de quatro empresas multinacionais interessadas no produto: AgrEvo, DuPont, Monsanto e Novartis. Segundo os ambientalistas, como órgão regulador a quem cabe zelar pela saúde da população e pelo meio ambiente, a CTNBio deve se manter independente daquelas empresas hoje acusadas de promover danos à saúde e ao meio ambiente. Ambientalistas e a presidente da CTNBio, em 1999, discordaram sobre o binômio “segurança-rotulagem”, uma das bandeiras do Idec. A presidente desta entidade acusou a CTNBio de haver passado por cima do Ministério do Meio Ambiente e do próprio Código de Defesa do Consumidor, quando aprovou rapidamente a soja Roundup Ready, sem impor a obrigatoriedade da rotulagem do produto geneticamente modificado. A presidente da CTNBio respondeu que a rotulagem nada tem a ver com a segurança, já que a análise de segurança do alimento geneticamente modificado estaria utilizando o mesmo sistema de controle usado para o alimento não modificado, afirmando: “É só analisar e comparar os dados; se não houver nenhum tipo de alteração da segurança do produto, seja com animais ou com humanos, pode-se dizer que é um alimento seguro”.[25]

Em face do que consideram uma atitude fortemente ambígua do governo brasileiro para com os produtos transgênicos, importantes ONGs nacionais e internacionais[26] promulgaram um manifesto chamado: Por um Brasil livre de transgênicos, ao qual aderiram mais de 20 outras ONGs regionais. Tal manifesto é um protesto contra a imposição de produtos de risco promovida pelas empresas multinacionais e a embaraçada aceitação do governo brasileiro, no qual se afirma que, “... sem discutir com a sociedade, o governo brasileiro vem rápida e discretamente atendendo às demandas das empresas multinacionais. Já foram autorizados 636 testes de campo para 176 variedades transgênicas de arroz, milho, batata, soja, algodão, cana-de-açúcar, fumo e eucalipto. Quase 90% destas variedades foram patenteadas por seis empresas multinacionais. E cinco variedades transgênicas da soja, chamadas Roundup Ready, obtiveram parecer técnico favorável da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) para o cultivo comercial – o que não significa autorização final, pois ainda não foram concedidas autorizações dos Ministérios da Saúde e do Meio Ambiente, além de estar suspensa, por decisão judicial, sua eventual aprovação final.”

As polêmicas, os entraves e as disputas no Brasil

A luta a favor e contra a introdução dos transgênicos não se trava somente no plano dos debates científicos e institucionais, mas se dá também em diferentes níveis: da informação, do embate político e da ação jurídica. Dois casos que se tornaram mais visíveis ultimamente podem ser considerados emblemáticos: o do estado do Rio Grande do Sul e o do navio carregado de milho transgênico que vinha da Argentina com destino aos criadores de aves pernambucanos.

No primeiro caso, a luta se trava no plano da ação política e da informação. Aquele estado é importante produtor de soja e grãos e o governo, do Partido dos Trabalhadores (PT), defende, de forma muito decidida, a proibição de plantar e comercializar quaisquer sementes transgênicas. Durante a primeira metade de 1999, circularam, por diferentes meios, comentários, nunca realmente confirmados, de que muitos produtores estariam plantando soja da Monsanto e de sua subsidiária Monsoy, contrabandeada da Argentina através do Paraguai, e que o plantio desse produto na safra 1999-2000 já alcançaria um milhão de hectares, isto é, 1/3 do total plantado.[27] O Governo do estado negava repetidamente que tal fato fosse verídico e, justamente, David Arthway, consultor da AS-PTA e incansável opositor dos transgênicos, sublinhou esse tipo de “notícias” tem como principal objetivo criar um fato consumado de uso em grande escala daquele produto ainda proibido no Brasil, desmoralizando sobretudo as autoridades estaduais.

A luta não se mantém somente no plano da informação, mas se concretiza também na ação prática e política. Ainda no Rio Grande do Sul, alguns prefeitos já ensaiaram promulgar leis que liberavam o plantio e comércio de produtos transgênicos em seus municípios[28] e também há denúncias divulgadas na internet a respeito da presença persistente de vendedores da própria Monsoy, fazendo dias de campo e vendendo a soja RR a agricultores dos municípios de Ijuí, Passo Fundo e outras áreas. Testemunhas que viajaram pelas áreas de produção de soja do estado comentavam que, segundo a estimativa dos próprios agricultores, em torno de 30% da soja plantada na região dos municípios de Ijuí e Passo Fundo já era transgênica. Os produtores justificavam essa “ação clandestina” argumentando que o custo da produção de soja transgênica é mais baixo: além de usar uma dose menor de pesticidas, para o cultivo desta soja seriam necessárias 27 sacas por hectare, contra as 39 utilizadas no cultivo da soja convencional.

Do outro lado, os denunciantes alegavam que estes resultados existiam só nas promessas dos vendedores da Monsanto, já que a produtividade da soja transgênica nos EUA seria bem inferior e já que, até então, não havia qualquer estudo sobre a experiência na Argentina capaz de garantir que tais promessas chegassem a se confirmar. O fato concreto é que tais produtores estariam correndo o sério risco de ver toda sua produção apreendida e incinerada pela justiça do estado, ou pelo agricultores contrários aos transgênicos.[29]

O caso da carga de milho transgênico no porto de Recife é, sem dúvida, revelador de uma recente evolução nas frentes opostas. Durante a primeira semana de julho de 2000, um navio carregado com 38 mil toneladas de milho proveniente da Argentina provocou uma forte polêmica envolvendo o Sistema Judiciário, a CTNBio, os ambientalistas, os produtores de aves e o Governo brasileiro. Por ser suspeito de ser transgênico, o milho não foi autorizado ao desembarque. No entanto, a CTNBio aprovou, com 15 votos a favor e uma abstensão, a importação de milho transgênico para que fosse usado na ração animal, argumentando que não havia provas de que esse milho representasse riscos para a saúde. Segundo o jornal O Globo de 1/7/00, a comissão considerou que também os produtos derivados de rebanhos alimentados com milho transgênico não seriam prejudiciais. A estas conclusões a CTNBio chegou sem fazer qualquer teste de laboratório próprio (o que seria obrigatório para tomar tal decisão), porque, segundo sua presidente, a comissão confiava na isenção dos testes feitos no exterior. Também não foi realizado qualquer teste de impacto ambiental. Considerados tais elementos, um juíz reafirmou a proibição do desembarque. Os produtores de aves de Pernambuco, então, promoveram uma grande manifestação de protesto, distribuindo 20 mil frangos vivos à população, alegando que não tinham mais milho para alimentá-los.[30] Vários ministros (de Ciência e Tecnologia, da Saúde, da Justiça, do Meio Ambiente e da Casa Civil), liderados pelo ministro da Agricultura, Pratini de Moraes, entraram na polêmica e divulgaram uma nota em defesa da introdução dos transgênicos no país. Outro juiz liberou a carga para o desembarque e a resposta de um terceiro juiz, após os recursos dos ambientalistas, foi de bloqueá-la novamente, para ser depois liberada pelo Supremo Tribunal.

É interessante refletir sobre os argumentos do ministro da Agricultura. Em primeiro lugar, alega que o preço do frango já teria aumentado na Paraíba em 25% e que este aumento seria ainda maior nos próximos dias, com grande prejuízo para o consumidor: “Proibir o uso de milho transgênico em ração animal é uma sandice, uma desinformação, uma forma de criar confusão na cabeça do povo, o que é muito ruim. Não há nenhum teste que prove que o milho geneticamente modificado faça mal aos animais que o ingerem como ração. Conversei por dois dias com 36 PHDs de universidades e técnicos da Embrapa e eles me disseram que alimentos transgênicos não transmitem nenhum resíduo para o animal que o ingeriu”. O ministro se declarava convencido de que os produtos transgênicos não fazem mal à saúde porque já estão sendo consumidos por todo o mundo. O Governo também argumentava que a proibição de importação de milho transgênico (a ser usado na composição de ração animal) causaria grave dano à ordem econômica, em virtude da redução da produção de frangos no Nordeste.

Contudo, o embate não permanecia somente no terreno da economia e na questão da saúde, mas a polêmica agudizava-se também devido a uma componente ideológica. O Ministro argumentava que: ... é preciso separar a discussão científica da discussão emocional e até ideológica, pois existem grupos marxistas que se consideram darwinistas e não aceitam modificações genéticas por questões ideológicas(O Globo, idem). Esta acusação tinha como principal alvo a resistência aos transgênicos imposta pelo governo petista do Rio Grande do Sul. Segundo Pelaez e Schmidt (2000), a resistência desse estado tem raízes no final dos anos 70, com o questionamento do modelo de desenvolvimento agrícola que favorecia as indústrias multinacionais fornecedoras de insumos, máquinas e equipamentos. Este questionamento pode ser conectado com facilidade à idéia de que um governo de esquerda e seus aliados consideram a biotecnologia o novo instrumento do poderio das grandes empresas multinacionais que pretendem quebrar a autonomia dos produtores e torná-los dependentes de seus produtos.

Assim, a luta travada no plano jurídico é de fato política e econômica, e é nesse nível que uma pronta resposta à atitude do Governo Federal vem do secretário de Agricultura do estado do Rio Grande do Sul, José Hermeto Hoffmann, decidido opositor à adoção dos transgênicos. Segundo o secretário, a sandice seria abrir o país aos produtos transgênicos, já que: O Brasil é hoje o único país grande produtor agrícola que tem oferta de grãos suficiente como alternativa de mercado para os países europeus, contrapondo-se aos grandes produtores e empresas de alimentos transgênicos dos EUA, Canadá e Argentina.” (idem). Para Hoffmann, o Governo estaria se submetendo às pressões desses países e dessas empresas e perdendo a oportunidade de se afirmar como mercado produtor livre de transgênicos. E conclui sugerindo que a carência momentânea de grãos para ração animal poderia ser contornada exigindo o certificado que ateste a convencionalidade do produto: Na Argentina 75% do milho não é transgênico, portanto há oferta suficiente e saudável do produto” (idem).

A mais imediata batalha será travada no campo da rotulagem dos produtos alimentares, cuja regulação federal deveria ser definida ainda em outubro de 2000. O próprio ministro da Agricultura expressou suas preocupações quanto à definição do limite mínimo de componentes transgênicas a serem obrigatoriamente declaradas na embalagem: se até 5%, como se faz no Japão, ou até 1 ou 2%, como em certos países da Europa. Os argumentos do ministro se concentram nas dimensões econômicas, afirmando que, se o percentual for muito baixo, subirá muito o custo de análise e da detecção de organismos geneticamente alterados, o que tornará mais caros os produtos e inflacionar o agribusiness.[31]

O homem ajuda ou combate a natureza?

Em defesa da adoção dos organismos modificados geneticamente, tornou-se um argumento corriqueiro o de que os produtos vegetais e animais já começaram a ser modificados desde que os homens se dedicaram ao pastoreio e à agricultura. Ao longo da história humana, os cruzamentos entre espécies e raças produziram animais sempre diferentes dos que existiam originalmente, assim como as plantas cultivadas se distanciavam cada vez mais das selvagens. Tais processos, ditos de “melhoria genética”, jamais causaram preocupação, portanto, para certos cientistas, não se justifica a forte reação negativa de que atualmente são objeto os produtos transgênicos. A resposta a este argumento é de que as modificações introduzidas pela moderna engenharia genética não podem ser consideradas equivalentes àquelas produzidas pela melhoria genética tradicional. Com efeito, nos procedimentos tradicionais o homem propõe, mas quem realiza a modificação ainda é a natureza, já que os cruzamentos propostos respeitam a complexidade dos organismos, as características das espécies e os processos naturais. Se a natureza não conseguir fazer a operação de forma satisfatória para o homem, este aceita e formula outra proposta. De maneira bem diferente, com a engenharia genética o homem impõe suas decisões à natureza, sendo as operações realizadas através de métodos que aquela desconhece. O reducionismo que leva a recortar e recombinar os códigos genéticos, ou que permite atingir um gene predefinido alterando uma única via metabólica, é de fato a negação da complexidade que caracteriza todos os processos biológicos.

Sacchetti (1990), poucos anos atrás, observou que estávamos vivendo um “delírio tecnológico”. Hoje, parece estar se difundindo muito rapidamente um novo “delírio biotecnológico” que nos mostra um possível caminho para eliminar as mais graves doenças da civilização, mas que, ao mesmo tempo, nos deixa profundamente inseguros por estar introduzindo modificações em equilíbrios globais cujas conseqüências ignoramos candidamente.

A ciência tem traçado uma linha que separa o “artificial”, aquilo que é produzido pelo homem com a natureza, do “natural”, aquilo que a natureza produz sem o homem. Desta separação, a cada dia menos clara, talvez reste somente o que distingue o “doméstico” do “selvagem”, sendo que o uso para alimentação humana de plantas e animais selvagens sempre mais se restringe às populações ditas “tradicionais” (quando não “primitivas”). O homem civilizado domesticou seus alimentos e a sociedade urbana moderna os industrializou. Para os meninos da cidade, o mundo da vida é um mistério. Eles conhecem os animais pela televisão, pelos livros e pelo zoológico, e vem as plantas nos parques e nos jardins botânicos. Os alimentos que consomem estão no supermercado e têm todos nomes de empresas.

O homem moderno e urbano perdeu completamente sua capacidade natural de distinguir entre os bons e os maus alimentos. Os animais selvagens não erram em se alimentar, evitando no meio natural os alimentos nocivos a seu organismo,[32] ao passo que o homem, orientado pela cultura do grupo em que vive e garantido pela confiança nas instituições e na indústria, muitas vezes acaba cometendo erros irreparáveis. As conseqüências desses erros aparecem somente quando se manifestam como sintomas ou quando são detectados por meio de exames específicos. Neste momento, porém, o equilíbrio já está afetado ou até comprometido. Uma complicação a mais está no fato de o homem ser o organismo mais complexo e apresentar respostas com uma certa dose de individualidade, tornando menos confiáveis as regras gerais.[33]

Talvez Lazlo esteja certo, ao afirmar que nossas sociedades sofrem de uma overdose de pragmatismo, combinada com um pessimismo generalizado, mas vago.[34] E aqui podemos formular uma questão à qual a ciência não pode responder, mas sobre a qual o cientista tem que refletir. O que é, afinal, a “coragem”? É vencer o medo e enfrentar o perigo, como nos tempos da honra e da cavalaria? Ou é reconhecer nossos limites e evitar o perigo, como nos tempos da razão? Lazlo relata como, 100 anos atrás, uma personalidade da literatura inglesa, o reverendo Sydney Smith, se perguntava: Qual seria o motivo, a não ser o medo, que levou a todos os melhoramentos feitos na nossa Constituição?” (idem, ibidem). Pensando nos dias de hoje, não teria sido o medo que desenvolveu a consciência ecológica e que sensibilizou para o valor de uma atitude “prudentemente racional” (Morin, 1997), levando à definição do “princípio de precaução”?[35] E não teria sido o medo que levou os governos a produzir, intensificar e difundir leis de proteção do meio ambiente?

Dimensões, velocidade, potência e impacto são aumentados vertiginosamente. O homem é preso a mecanismos que não compreende e não controla e dos quais sempre duvida que estejam respondendo aos seus verdadeiros interesses. Além disso, algo mudou profundamente na relação entre a tecnologia e a sociedade. O medo das conseqüências imprevisíveis e as retroações desconhecidas de um real percebido como sempre mais complexo transformaram o velho imperativo tecnológico “se algo pode ser feito, deve ser feito”, em um princípio arrogante e perigoso (Lazlo, 1989).

Embora gostemos de dizer que estamos na sociedade pós-industrial e que o centro do poder econômico e político está no sistema financeiro, o instrumento de criação material e transformação da natureza mais poderoso continua sendo a indústria e seu setor agregado, a agricultura. É reconhecido o fato de que a indústria, em seus atos produtivos que simplificam, concentram e reproduzem em série seus objetos, tem produzido uma ruptura sem precedentes com a natureza, provocando imprevisíveis reações em cadeia na biosfera (Sachetti, 1990). Isto, no entanto, não parece abalar os responsáveis por estas rupturas, já que eles sempre vêm expressando uma grande confiança nos corretivos a serem pesquisados no plano tecnológico e biológico para reduzir ou eliminar as conseqüências não desejadas. Com efeito, faz somente poucos anos que as grandes indústrias começaram a demonstrar preocupação com o meio ambiente, sem abandonarem, no entanto, o princípio do crescimento como motor da economia e subestimando os limites físicos da expansão quantitativa.

A industrialização da agricultura tem levado a um extraordinário aumento da capacidade de produzir alimentos. Isto permite gerar uma justificativa moral para seu desenvolvimento e universalização: sua capacidade de resolver o problema da fome no mundo. Porém, como diz Sacchetti, não é verdade que o objetivo do desenvolvimento industrial seja aliviar a fome no mundo, nem proporcionar um melhor nível de nutrição para todos os povos, mesmo nos países mais desenvolvidos. O principal objetivo da indústria é vender seus produtos à agricultura e receber desta matérias-primas para sua produção. O agricultor é persuadido e feito cúmplice com a promessa de uma maior produtividade do trabalho e da terra.[36]

O que fazer?

A questão dos transgênicos está se tornando o mais explícito campo de enfrentamento entre duas concepções de ciência: uma que a considera como o suporte direto das forças produtivas e outra que lhe atribui o dever primordial de garantir a melhoria da qualidade da vida e do meio ambiente. Às vezes é difícil distinguir os argumentos de uma e de outra, porque ainda é forte a convicção de que o crescimento da capacidade produtiva proporcionado pelos avanços da ciência levaria automaticamente à melhoria da qualidade da vida. Tal afirmativa, hoje seriamente contestada, ganhou sua maior credibilidade quando dominava, incontestado, o pensamento reducionista, o que nos tem levado a buscar o conhecimento sempre mais aprofundado das partes do objeto decomposto em fragmentos sempre menores. Este paradigma nos deu a sensação de que estariam finalmente abertas ao homem as portas para o seu domínio sobre a natureza. Paradoxalmente, quanto mais se aprofundam os conhecimentos e mais se percebe que a natureza se torna inatingível.[37] De fato, comprova-se que os resultados de laboratório não podem ser transportados para a natureza devido à nossa profunda ignorância do real concebido em toda sua complexidade.

Isto é ainda mais verdadeiro quando se trata da vida, sem dúvida o reino da mais absoluta complexidade e indeterminação. Como apropriadamente observa Sacchetti: “O homem tecnológico parece incapaz de compreender a vida porque seus esquemas culturais são preparados para compreender a máquina... A vida é muito mais que funcionamento; ela é nascimento, morte, criatividade, história, imprevisão. Isto não significa que não possa ser compreendida pela ciência, mas é necessária uma abordagem nova, capaz de superar o reducionismo imperante... O que é experimentalmente reproduzível em biologia é a destruição da ordem, a morte, e não a criação da ordem, a vida... O alfabeto da vida não pode ser modificado sem anular tudo que com ele foi escrito até agora. O poema da natureza perderia sentido e legibilidade” (Sacchetti, 1990: 85).

O homem que se autodefine sapiens tem que viver e trabalhar junto à natureza. Se continuar pensando que seu progresso é medido pelas batalhas vencidas contra ela, acabará perdendo a guerra. Tem que se empenhar na reforma de alguns valores. Em primeiro lugar, deixar de pensar que os parâmetros econômicos e o lucro das empresas são os fundamentais instrumentos de avaliação da hoje superestimada “eficiência” e assumir que a verdadeira eficiência, como afirma Lazlo, deve estar ligada à produção de bens e serviços socialmente úteis e à utilização inteligente de toda a força de trabalho disponível, mesmo que isso reduza os lucros no breve período (Lazlo, 1989). Em segundo lugar, tornar positivo e hegemônico o “princípio de precaução”, antes de acabar se comportando como a rã de que nos fala Gregory Bateson. Esta rã é posta dentro de uma panela de água fria; a panela é grande e a rã se acomoda à vontade. Então, aumenta-se a temperatura muito gradualmente, de maneira que nenhum momento possa ser identificado como aquele em que a rã deveria pular fora. Se o calor for aumentado de maneira bastante lenta, a rã acabará cozida sem perceber. Para pular fora, a rã deveria conservar a memória das velhas sensações e, ao mesmo tempo, perceber e ter consciência do desenvolvimento da situação. Mas este ser vivo não pode realizar uma operação desta complexidade; seus dispositivos de alarme naturais, neste caso, não seriam suficientes. São necessários instrumentos da cultura e da razão, os únicos que permitem estabelecer relações compreensíveis entre o passado, o presente e o futuro. Se, como a rã, nos apequenarmos no presente, acabaremos perdendo não somente o passado, mas também o futuro (Bateson, 1986 apud Cianciullo, 1992: 12).

Em matéria de alimentos, o verdadeiro problema hoje não é a quantidade. A sua produção cresceu mais rapidamente do que a população mundial e há consistentes reservas de grãos. Se fossem efetivadas políticas para uma justa produção e uma eqüitativa distribuição, acredita-se que poderiam ser alimentadas corretamente entre oito e 12 bilhões de pessoas. Já se sabe que a fome no mundo está recrudescendo não por falta de alimentos, mas porque uma parte crescente da população não tem acesso aos meios para produzi-los, ou dinheiro para comprá-los. Mas é o problema oposto, o que se refere à população que se alimenta em excesso ou se alimenta erradamente, que também passa a ser grave. Segundo Gardner e Halweil (2000), cerca de 1,2 bilhões de pessoas, no mundo, comem menos do que deveriam; 1,2 bilhões comem mais do que deveriam e dois bilhões comem erradamente (apud Moraes, 2000).

De fato, um problema tão grave quanto a falta de alimentos que se projeta para o futuro a médio e longo prazos refere-se à qualidade dos produtos para nossa alimentação. Os transgênicos representam o maior passo (após a quimicização da agricultura e a industrialização dos alimentos) de nossa separação da natureza. Depois de ter perdido todos os sistemas de alarme naturais, restam aos homens os instrumentos da cultura, sua experiência e sua capacidade de agir politicamente para protestar e reivindicar.

Quanto à cultura, Cianciullo nos remete a um caso interessante. Para reagir à síndrome do vinho envenenado, um certo produtor inventou um experimento singular. Na frente de uma centena de pessoas trouxe duas caixas de vinho, uma contendo garrafas de vinho tratado a metanol e outra de vinho genuíno. Depois ele próprio experimentou dos dois tipos, explicando à platéia as diferentes sensações que estes produzem. Finalmente, convenceu o público a provar os vinhos no escuro, sem saber qual deles estaria bebendo. O resultado foi o 85% dos que participaram da experiência distinguiram o vinho genuíno do vinho manipulado (Cianciullo, 1992: 50). Isso mostraria que um gosto treinado não se deixa enganar e também que a batalha contra a manipulação dos alimentos deve ser conduzida não somente em nome da saúde, mas também da reapropriação das sensações e dos gostos em via de extinção.

Talvez seja isto que separe europeus e americanos.[38] Em matéria de alimentação, especialmente os franceses, os italianos e os espanhóis ainda mantêm vivos valores da passada cultura camponesa, que exaltava a naturalidade do produto e de seus componentes, garantidos pela tradição e pelos processos de preparação e, muito importante, sempre procurando identificar o lugar de origem e o próprio produtor. Não é por acaso que as empresas de alimentos da Europa, ao contrário das americanas, onde a cultura camponesa praticamente nunca existiu, enaltecem os seus produtos pelo respeito às tradições nos processos de fabricação, que os torna mais “personalizados” (no sentido de “mais apropriados”), e pela chamada “denominação de origem controlada”, que identifica o lugar de proveniência e torna visível sua natureza. Isso não quer dizer que a indústria alimentar européia esteja isenta de fraudes, nem que seus processos de fabricação respeitem realmente as tradições. Mais simplesmente torna compreensível como os consumidores europeus, ao manter aqueles valores da cultura alimentar, rejeitam alimentos produzidos em laboratório, cuja proveniência é absolutamente desconhecida.[39]

Além da cultura, a experiência também pesa nas decisões. A recusa aos produtos transgênicos por parte dos europeus não expressa somente um apego às tradições (ou, como os defensores de tais produtos maliciosamente sugerem, “um instrumento político para criar barreiras comerciais”), mas também uma resposta sincera a temores muito reais. Depois do impacto sofrido pelos escândalos das “vacas loucas” na Inglaterra e dos frangos contaminados com a dioxina na Bélgica, há de se considerar que a moratória aos produtos transgênicos decretada pela Comissão Européia em 1999, provavelmente até 2001, responde a um verdadeiro pavor dos consumidores em comprar alimentos não genuínos.[40]

Concluindo, pode-se até admitir que todos os biólogos trabalham seguindo o “princípio da contenção” (fazer com que as modificações genéticas permaneçam no âmbito dos experimentos), mas todas as polêmicas a respeito dos transgênicos deixam claro a incapacidade de responder às simples perguntas: os alimentos transgênicos fazem mal a quem os consome? Se os transgênicos escaparem de sua área de cultivo, quais serão as conseqüências para a biodiversidade? Essas indagações simples e vitais impõem a necessidade de que os cientistas assumam a responsabilidade de suas simplificações perigosas executadas no âmbito mais complexo e desconhecido da natureza, a vida, colocando de forma clara e transparente no horizonte de suas ambições, não somente os resultados, mas também as conseqüências de seus estudos. Um cientista ingênuo pode se tornar tão perigoso quanto um cientista que só busca fama e prestígio. Defender o “princípio de precaução” não significa propor a paralisia e a volta a formas antigas com medo do desconhecido, nem mesmo defender o fim da pesquisa ou da engenharia genética. Ao contrário, significa exigir: 1) que se realizem mais e mais pesquisas; 2) que possa ser socialmente controlado o poder que a indústria tem de impor seus produtos; 3) que o Estado seja vigilante, eficiente e eficaz no seu papel de assegurador da vida da população; 4) que a esta sejam dadas todas as informações necessárias para que suas escolhas se tornem conscientes; e 5) que se suspendam a produção e a comercialização dos alimentos geneticamente modificados, até que tenhamos conhecimentos mais sólidos a respeito de seus efeitos sobre a vida dos consumidores, o meio ambiente e a biodiversidade.

Referências bibliográficas

Agrosoft Online, n. 92, 7/4/00.

Azevedo, Ana Lucia. Genoma da cana põe Brasil à frente na genética. O Globo, 21/5/00.

Bateson, Gregory. Mente e natura, Adelphi, Milano: 1986.

Cianciullo, Antonio. Atti contro natura: la salvezza dell’ambiente e i suoi falsi profeti, Feltrinelli, Milano: 1992.

Cigana, Caio. Zero Hora. Porto Alegre, 9/10/99.

Cini, Marcello. Oltre il riduzionismo. In: AAVV, Gli Ordini de Caos. Manifestolibri, Roma: 1991.

Correio do Povo, Porto Alegre, 6/6/00.

D’Eramo, Marco. L’abisso non sbadiglia piú. In: AAVV, Gli Ordini de Caos. Manifestolibri, Roma: 1991.

Ferrarotti, Franco. Sociologia. Lisboa: Teorema, 1986.

Folha de São Paulo, 15/9/99.

Frei Betto. Morra pela boca, Correio da Cidadania, 1999.

Gardner, Gary e Halweil, Brian, Nourishing the underfed and overfed, The State of the World, Washington, 2000.

I Congresso Brasileiro de Biossegurança e I Simpósio Latinoamericano de Produtos Transgênicos – Hotel Marina Palace, Rio de Janeiro, 26-29/9/99.

Jornal do Brasil, 7/9/99 e 9/6/00

Lacerda, André, Jornal do Brasil, Ciência, 8/7/00. Dados de 1999, Fonte: Vital Signs 2000, Worldwatch Institute.

Lazlo, Ervin. The inner limits of mankind: heretical reflections today’s values, culture and politics, 1989.

Lins da Silva, Carlos Eduardo. EUA desaconselham proibição a transgênicos. Folha de São Paulo, SBPC - Jornal da Ciência, JC E-mail - n. 1373, 10/9/99.

Marti Octavio, de Paris para “El Pais”, Madrid. SBPC, JC E-mail, - n. 1.369, 5/9/99.

Menasche, Renata. Frankenfoods e representações sociais. X Congresso Mundial de Sociologia Rural – IRSA, paper 419, Rio de Janeiro, ago., 2000.

Mitchel J. Fruta-vacina é oferecida ao Brasil, Jornal do Brasil, 5/10/99.

Moraes, Antonio Ermínio de, Entre a gula e a fome, Folha de São Paulo, 23/7/00.

Morin, Edgar. Por um pensamento ecologizado, in: Castro, E. e Pinton, F., Faces do trópico úmido, Belém-São Paulo, Cejup, 1997.

Pelaez, Victor e Schmidt, Wilson. A difusão dos OGM no Brasil: imposição e resistências, Estudos Sociedade e Agricultura, n. 14, abr., 2000.

Petersen M., e Iglesias H. Temor dos consumidores provoca crise entre produtores de transgênicos: Japão se une a empresas européias e não importará milho modificado dos EUA.  Madri. SBPC - Jornal da Ciência (JC E-Mail - n. 1.365, 1/9/99.

Sacchetti, Aldo. L’Uomo antibiologico: riconciliare societá e natura. Feltrinelli: Milano, 1990.

SBPC, JC E-Mail - n. 1.377, 16/9/99 e n. 1.391, 4/10/99.

Tiezzi, Enzo, “Il capitombolo di Ulisse”, Milano: Feltrinelli, 1991.

Zero Hora. Biotecnologia. Porto Alegre, 5/10/99.

______________________

[1] Nos EUA, foi criada uma banana, alterada geneticamente, capaz de funcionar como uma vacina contra a diarréia em crianças. O novo tipo de vacina, na prática a própria banana, foi liberado pelo FDA (Food and Drug Administration), agência americana de controle de alimentos e remédios. Obviamente este produto atraiu a atenção do Brasil e deixou a esperança de que a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e outras entidades nacionais também possam produzir vacinas similares, seja em regiões produtoras de banana, seja em Centros de Fruticultura da Embrapa (Mitchel, 1999).

[2] O Instituto Ludwig da Suíça desenvolveu, a partir de 1997, em parceria com a Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), com universidades públicas e privadas e centros de pesquisa brasileiros, um projeto que resultou no seqüenciamento completo da bactéria Xylella Fastidiosa causadora da praga “amarelinho” que ataca as lavouras de laranja. Esta primeira fase, chamada “Genoma”, terá continuidade com o seqüenciamento genético de alguns tipos de câncer provocados pela bacteria. O amarelinho provoca perdas nas lavouras de mais de 100 milhões de dólares por ano, comprometendo um dos maiores itens de exportação do Brasil. O projeto envolveu cerca de 200 pesquisadores que trabalharam em um mutirão virtual (via internet), no qual cada centro de pesquisa realizou uma parte do seqüenciamento.

[3] Como se sabe, grande parte dos produtos transgênicos se concentra em três países: EUA, com 28,7 milhões de hectares plantados, correspondentes a 72% da área mundial plantada com transgênicos; Argentina, com 6,7 milhões de hectares plantados, 17% do total; e Canadá com 4,0 milhões de hectares plantados, 10% do total. Na América Latina, o México é outro país que mais planta transgênicos, porém em níves muito inferiores à Argentina. Os produtos que mais são objeto de modificação genética são: milho, tomate, batata, algodão e melão, entre outros. Nos EUA, o controle das sementes modificadas está nas mãos das empresas Monsanto (88%), Aventis (8%) e Novartis (4%).

[4] Os resultado da pesquisa on-line do jornal O Globo, no dia 19/9/99 mostravam que 44,13% dos que responderam consideravam que o alimento transgênico faz mal à saúde, contra 18,19% que achavam que não, e 37,69% que não sabiam se definir. Na Enquete Invest News, da Gazeta Mercantil de junho/2000, à pergunta: “Você é a favor do alimento transgênico?”, as respostas foram as seguintes: “Não, faz mal à saúde” (37,41%); “Não, é uma manobra de multinacionais para ganhar dinheiro” (23,09%) ; “Sim, garante maior produtividade ao agricultor” (20,36%); e “Sim, é um processo irreversível” (19,14%). Na soma, 60,5% eram contra e 39,5% a favor. Em outra pesquisa de 3/7/00 da Globo on-line, 3.088 votantes responderam à pergunta “Você é favorável à venda no Brasil de alimentos transgênicos?” da seguinte maneira: Não (72%) e Sim (28%). Em uma pesquisa on-line de 16/7/01 da CorreioWeb (Correio Brasiliense), à pergunta: “Você consumiria alimentos geneticamente modificados, os chamados transgênicos?”, dos 4.079 que responderam, 70% disseram Não e 29% Sim. Pesquisas divulgadas pela internet por David Hartway.

[5] Folha de São Paulo, 15/9/99.

[6] Também ex-diretor do Instituto de Pesquisa de Sementes Araveis, órgão financiado pelo governo britânico.

[7] “Pesquisador britânico defende transgênicos”, JC E-Mail, 16/9/99 - n. 1377 - Serviço da SBPC.

[8] Ainda são fortes as repercussões dos resultados da pesquisa do Doutor Arpard Pusztai, apresentados clamorosamente na televisão inglesa, mostrando os efeitos devastadores no sistema imunológico de ratos alimentados com batatas transgênicas. Mesmo que para outros cientistas tal pesquisas não seja digna de fé por conter erros metodológicos, é consenso que dos testes aplicados não se podem prever os efeitos biológicos ou toxicológicos a longo prazo sobre os seres humanos.

[9] Já existem experiências mostrando que o meio ambiente é contaminado pelos transgênicos: “Sementes não transgênicas de colza exportadas dos Estados Unidos para a Europa apresentaram em testes realizados na França fragmentos de transgênicos. As pesquisas mostraram que o cruzamento ocorreu por polinização feita por insetos ou pela ação dos ventos, devido à presença de outra lavoura de colza, esta transgênica. Na Inglaterra, o cientista Andreos Heissenberger comprovou a existência de pólen geneticamente modificado em mel produzido próximo a lavouras experimentais de transgênicos. O cientista alemão Heinrich Kattz comprovou a transferência de genes de plantas transgênicas para outros seres vivos. Sem falar no lixo do Primeiro Mundo.” (Entrevista com José Hermeto Hoffmann, Secretário de Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul, Jornal do Brasil, 9/7/00).

[10] O Jornal do Brasil reporta um documento da organização britânica ActionAid, por ocasião do Encontro Mundial das Sementes, patrocinado pela Ista (Associação Interna-cional de Testes de Sementes) em Cambridge, na Inglaterra, segundo o qual as plantas geneticamente modificadas, e as patentes que as protegem, representam uma ameaça para milhões de agricultores pobres. O que era visto como mero assunto técnico ganhou dimensão política. Para a agroindústria que controla o mercado, as colheitas geneticamente modificadas são uma forma de obter acesso aos mercados dos países em desenvolvimento, onde 80% dos agricultores costumam reservar suas melhores sementes para plantar a colheita seguinte. Para a ActionAid, as patentes beneficiam a grande indústria que, em parceria com a pesquisa científica, realiza ricos dividendos às expensas dos pobres. Semente com gene alterado preocupa, Jornal do Brasil, 7/9/99.

[11] Prat garantiu que até os Estados Unidos estão reduzindo o plantio de transgênicos por não encontrar mercado. O relatório divulgado pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, porém, aponta para 2000 a presença de transgênicos em 54% da área de soja, contra 52% do ano anterior.

[12] Grandes grupos industriais franceses criam produtos livres de transgênicosOctavio Marti, de Paris para El Pais, Madrid , JC E-Mail, 5 de setembro/99 - n. 1369 - Serviço da SBPC.

[14] Petersen e Iglesias, 1/9/99.

[15] Nos EUA é proibido rotular os alimentos, e as empresas que tentaram colocar em suas embalagens a natureza não transgênica de seus produtos foram obrigadas a retirar este rótulo.

[16] Segundo o relatório de Perspectiva de Plantio do Ministério da Agricultura dos EUA (USDA), em 2000, 52% dos plantios de soja foram feitos com sementes transgênicas, ao passo que em 1999 foram 57%. A produção de milho transgênico deve cair 24% e o de algodão, que em 1999 representava 55% do total, será de 48% em 2000. Agrosoft Online, n. 92, 7/4/00.

[17] “Esse tipo de açúcar só era conhecido em fungos. Ele não é metabolizado pelo organismo humano, o que significa que não engorda. No futuro, esses genes poderiam ser usados para criar uma variedade de cana que produzisse o açúcar que não engorda em maior quantidade” (Azevedo, 21/5/00).

[18] Correio do Povo, Porto Alegre, 6/7/00.

[19] A CTNBio é composta, além do Presidente, por 17 membros, a saber: oito cientistas (dois das áreas humanas; dois da área vegetal; dois da área animal; dois em área ambiental); um representante dos Ministérios de Ciência e Tecnologia, Saúde, Meio Ambiente, Educação e Relações Exteriores; um representantes do Ministério da Agricultura; um representante do órgão da Defesa do Consumidor; um representante de órgão para a Defesa do Trabalhador; um representante das Empresas de Biotecnologia.

[20] Em 1999 já estavam submetidos à CTNBio 595 pedidos de liberação para milho transgênico, 32 para soja, seis para cana-de-açúcar, três para algodão, dois para eucalipto, dois para fumo, um para arroz e outro para batata (Betto, 1999).

[21] O pesquisador explicou que o desenvolvimento de uma linhagem transgênica requer a produção inicial de 200 plantas resistentes ao herbicida. Dessas, selecionam-se as 10 mais estáveis, com maior capacidade de gerar descendentes também resistentes, que são submetidas a doses de herbicida três vezes superiores às aplicadas nas lavouras convencionais. Daí separam-se as cinco melhores, mas apenas uma delas será levada aos testes de segurança. Segundo o pesquisador, o custo das experiências com a linhagem final alcançam R$ 1 milhão. O orçamento chega a R$ 4 milhões, considerando-se o trabalho desde sua fase inicial. (Zero Hora, 5/10/99).

[22] Cf. JC E-Mail – n. 1391, 4/10/99, Serviço da SBPC.

[23] Frei Betto (1999) alerta: “Pesquisa recente do Departamento de Alimentação e Nutrição Experimental da USP constatou, ao analisar 30 marcas de leite, que muitos contêm vitaminas em quantidades distintas das anunciadas em suas respectivas embalagens. Há produtos com teor de vitaminas 50% abaixo do declarado e, outros, com teores de vitamina até 100% acima... Das marcas de leite em pó analisadas, apenas uma apresentou índices de vitamina E correspondentes ao registrado no rótulo... Recente pesquisa do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) analisou 20 qualidades de sal. Em alguns, encontrou iodo em níveis inferiores aos admitidos pela legislação... Ou seja, não há controle de qualidade dos produtos.”

[24] I Congresso Brasileiro de Biossegurança e I Simpósio Latino-americano de Produtos Transgênicos, 1999.

[25] Cf. JC E-Mail, 4/10/99 – n. 1391 - Serviço da SBPC. A presidente da CTN-Bio, em nota à imprensa de 24/9/99, também declarou que a equivalência da composição química da soja transgênica com a soja convencional foi comprovada por avaliações que empregam metodologias científicas aceitas e publicadas em revistas científicas indexadas e, por conseguinte, submetidas a análise do corpo editorial dessas revistas de circulação internacional.

[26] Actionaid Brasil, Ágora, AS-PTA/Rede PTA-SE, CE-IPÊ/Rede TA-SUL, Esplar/Rede PTA-NE, Fase, Fórum Brasileiro de Segurança Alimentar e Nutricional, Greenpeace Brasil, Ibase, IDEC, Inesc e Sinpaf.

[27] Esta notícia foi divulgada também em São Paulo pelo presidente da Associação Brasileira de Produtores de Sementes.

[28] São os prefeitos dos municípios de Jóia, Cruz Alta e Redentora.

[29] Em outubro de 1998, no município de Júlio de Castilhos, na região central do Rio Grande do Sul, foram apreendidas 22,5 sacas de 60 quilos de soja transgênica. Em fevereiro, no mesmo município, agricultores queimaram 67 pés plantados em uma estação experimental da Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária (Fepagro). Em março, no município de Jóia, uma plantação de 1,5 hectare foi destruída por militantes ligados ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra MST. (Cigana, 1999).

[30] O estado de Pernambuco é o maior produtor de aves e ovos do Nordeste e precisa importar, neste ano, 300 mil toneladas de milho. O milho transgênico foi adquirido pelos avicultores através da Cargill Agrícola, numa prática que já se tornara rotineira. Desta vez, houve problema porque a entidade ambientalista internacional Greenpeace alertou para a possibilidade de o produto ser transgênico.

[31] Gazeta Mercantil (Distrito Federal), 6/10/00.

[32] “Os ratos, animais muito desconfiados, deixam algum macho voraz experimentar um alimento desconhecido e ficam esperando as conseqüências; se este morrer os outros ficam alertados... Só é possível enganá-los quando a ação do veneno é muito lenta de maneira a ocultar a conexão com o alimento mortal.” (Sacchetti, 1990: 89-90).

[33] Observa ainda aquele autor: ... a lógica do desenvolvimento científico na medicina, fundada na simplificação da relação causa-efeito, chegou a sua consagração quando encontrou as causas específicas (os agentes patogênicos) das doenças infecciosas que dizimavam a população... Mas hoje nós enfrentamos uma série de doenças cujos agentes patogênicos são totalmente desnorteantes e que são reconhecidamente atribuíveis à civilização ocidental. Arteriosclerose, hipertensão, infarte, tumores, úlceras, distúrbios hepáticos, asma, alergias, neuroses, distúrbios da personalidade etc. são quadros patológicos inexistentes nos povos primitivos e nos animais selvagens” (idem: 90-91). Pesquisas realizadas nos anos 60 entre tribos do Sudão meridional e as populações Masai evidenciaram não somente a maior longevidade, mas a ausência de todas aquelas síndromes degenerativas. Sua vida média era mais curta devido às péssimas condições de higiene que causavam uma muito alta mortalidade infantil, porém aqueles que sobreviviam gozavam de uma saúde de ferro (idem).

[34] Lazlo, 1989: 53.

[35] O “princípio de precaução” é um conceito que surgiu na Alemanha no começo dos anos 70 e que foi depois introduzido na legislação de muitos países da Europa e nos EUA, assim como em muitas convenções internacionais que regulam sobre o meio ambiente. O “princípio de precaução” está presente na declaração da Convenção Mundial sobre Meio Ambiente proclamada no Rio de Janeiro em 1992.

[36] “Este tipo de agricultura, sensível às razões do laboratório e indiferente às particularidades do solo e do ambiente, aparentemente é rentável, mas custa caro. Empobrece o terreno com drogas e sem descanso, exige sempre maior quantidade de água e reduz as espécies vivas. Das 80 mil plantas comestíveis, somente 150 são cultivadas em larga escala e, destas, menos que 20 produzem o 90% dos alimentos.” (Cianciullo, 1992: 31).

[37] A ciência clássica considerava-se capaz de atingir uma racionalidade absoluta e perfeita e atribuía a um estado provisório de ignorância ou de dúvida as dificuldades e contradições que encontrava... A ciência contemporânea, pelo contrário, considera que nunca é possível alcançar esse estádio de racionalidade, e que esta consiste em um processo de fatigante, incerta e problemática aproximação da verdade. (Ferrarotti, 1986: 12).

[38] O manifesto Por um Brasil livre de transgênicos relata que na Europa uma pesquisa de opinião, realizada em janeiro de 1997 pela empresa More (Market and Opinion Research), mostrou que os transgênicos são rejeitados por 78% dos franceses, 65% dos italianos e holandeses, 63% dos dinamarqueses e 53% dos ingleses. Na Alemanha, outra pesquisa aponta 78% de rejeição entre os consumidores.

[39] A respeito das relações entre alimentação e identidade cultural, ver Menasche, 2000.

[40] Ainda a esse respeito, é interessante observar como a polêmica entre os políticos e os homens comuns (os consumidores) também já ganhou a Europa. Recentemente, o presidente da Comissão Européia e o próprio comissário europeu do Meio Ambiente, assim como vários ministros dos governos de países europeus, deram declarações favoráveis ao desenvolvimento da biotecnologia, com uma certa abertura em relação aos produtos transgênicos.