Estudos Sociedade e Agricultura

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Ariane Luna Peixoto, Hugo E. Barbosa de Rezende, José Antônio S. Veiga, José Carlos Netto Ferreira, Manlio Silvestre Fernandes e Roberto José Moreira

Enquete universitária


Estudos Sociedade e Agricultura, 3, novembro 1994: 13-44.

Os entrevistados ocupam ou ocuparam cargos na alta direção da UFRRJ.


Dentre as questões colocadas para a sociedade brasileira neste final de século, identifique duas que o(a) senhor(a) julga mais relevantes. Quais são os entraves que a seu ver se colocam para a universidade brasileira em relação ao enfrentamento destas questões em seu campo de ação?

José Carlos Netto Ferreira - A sociedade brasileira tem se defrontado, neste final de século, com um sem número de questões, pontuais algumas e globais outras, de grande relevância. Entretanto, a que mais afeta esta mesma sociedade, e que portanto transcende em importância a todas as outras, é sem dúvida a questão da crise ética que nos afeta a todos. Não podemos reduzir a dimensão do problema a uma dúzia de delinqüentes que assaltaram o Tesouro Nacional, através de emendas ao Orçamento da União. A realidade atual nos leva a concluir que o afastamento de padrões éticos passou a ser o modelo comportamental da nossa sociedade.

Infelizmente também a universidade pública tem sofrido deste mal. Desvios de conduta, objetivando auferir vantagens pela defesa de interesses nem sempre transparentes, passou a ser quase regra, ao invés da rara exceção. Isto não só por parte de indivíduos, como também de grupos. Exemplos de comportamento antiético no meio universitário não são difíceis de serem citados. Assim, a crescente transformação do que é público em privado; a utilização do servidor público como empregado particular; a falta de compromisso no uso do recurso público, tanto aquele advindo de verbas orçamentárias quanto o originário dos órgãos financiadores da pesquisa; a defesa intransigente da corporação, em sua menor cédula, o departamento, resultando quase sempre em vantagens aos docentes e grandes prejuízos à Instituição; a aceitação do caráter privatista de certos financiamentos à pesquisa, os quais levam invariavelmente à perda da liberdade no direito de escolher os rumos da investigação a ser desenvolvida e o comprometimento, nem sempre saudável, com o setor produtivo, que está acostumado a ver na universidade uma fonte barata de mão-de-obra especializada, pronta a ser espoliada, passaram a ser incorporados ao elenco de atitudes comportamentais que ferem a ética e conspurcam a universidade.

Não podemos e não devemos chegar ao paroxismo da proposta de Marilena Chauí, em recente artigo na revista Ciência Hoje, de recomeçarmos a universidade pública, mas urge que a comunidade universitária se conscientize de que só com um comportamento ético inatacável por parte de seus membros ela poderá deixar de ser um dos alvos preferidos dos meios de comunicação, que defendem interesses que não são os legítimos da sociedade brasileira. Essa mesma sociedade aguarda, ansiosa, que a universidade pública assuma o compromisso ético de ser a grande contribuinte no processo de construção de uma sociedade mais justa e democrática, na qual haja igualdade de oportunidades para todos.


O debate político sobre a e no interior da universidade brasileira tem levantado uma série de críticas à qualidade e eficiência da prática universitária no país. O jornal O Estado de São Paulo de 26/7/94 (p. A14) divulga uma tabela de Índice de Qualificação Docente das Universidades Brasileiras (anos de 1981, 86, 91 e 92) classificando as vinte melhores (a UFRRJ estaria na 18a posição em 1992) e as vinte piores em um total estudado de 106 instituições universitárias (públicas e privadas). Considerando sua experiência neste campo, como é que o(a) senhor(a) vê esta questão da qualidade e da eficiência nas universidades brasileiras?

Ariane Luna Peixoto - Neste fim de século se antevê uma nova revolução industrial chamada de revolução técnico-científica. Essa revolução industrial já provoca hoje alterações nos processos produtivos e nas técnicas de gerenciamento da produção, aumentando e valorizando enormemente a produtividade do trabalho humano. A tabela de Índice de Qualificação Docente das Universidades Brasileiras, bem como a lista de docentes produtivos da Universidade de São Paulo, publicada anteriormente, é parte desse modelo. A primeira estabelece o ranking das universidades baseado unicamente no número de mestres e doutores. A última é baseada unicamente no número de papers publicado por cada docente. Ambas não contemplam a universalidade do conhecimento nem tão pouco o trabalho do educador.

A filosofia desse modelo entrante, claramente estabelecido pelo neo-liberalismo, conforme afirma o Conadu (Confederação Nacional de Docentes Universitários da República Argentina), abre caminho para a fragmentação e a divisão do tecido social, empurrando todos para a salvação individual, rompendo todos os vínculos de solidariedade. As universidades, com base nos rankings estabelecidos, passam a disputar verbas orçamentárias, gerando contradições entre os setores com regimes diferenciados de dedicação à docência. Nesse caminhar, o enfraquecimento das universidades que não podem disputar maiores recursos é eminente, o que vai gerar distorções no sistema universitário como um todo, podendo levar à desagregação, quem sabe, o primeiro passo para a privatização.

A meu ver, o processo de qualificação das universidades é muito mais complexo, iniciando-se com a questão da própria inserção da universidade na sociedade e daí partindo para um sistema amplo e transparente de avaliação que contemple toda a gama de atividades desenvolvidas por docentes, discentes, técnico-administrativos e pessoal de apoio, individualmente e em conjunto, nas suas unidades acadêmicas com o todo da universidade, de forma interativa, não-fragmentária e desta na sociedade. Através de um processo de avaliação global a universidade vai perceber quais os seus limites (em qualidade e eficiência?) para o efetivo exercício do seu papel nas transformações sociais nesse final de século. Através de um processo de avaliação global da universidade pública, creio, seremos capazes de, no nosso labor diário de geração e transmissão de conhecimento, definirmos e trilharmos novos caminhos para uma sociedade com oportunidades e liberdades ampliadas.

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Hugo E. Barbosa de Rezende - É fundamental e prioritário que as universidades se preocupem com a qualificação do quadro docente. Participei desde 1972 do programa de qualificação docente da UFRRJ e considero que foi, sem dúvida, dentre os inúmeros programas, o de maior sucesso, o mais bem resolvido. Estão visíveis os resultados, traduzidos pelos excelentes núcleos de pesquisa bem como pelos cursos de pós-gradução.

Lamenta-se apenas a lentidão na implantação de cursos que já deveriam estar funcionando e que inexplicavelmente ainda permanecem em fogo brando, causando prejuízos irrecuperáveis para a Instituição. Cito como exemplos o mestrado em Zootecnia e o doutorado em Medicina Veterinária.

Para quem conhece o sistema, fica fácil explicar a importância da pós-graduação, do professor qualificado para a existência da pesquisa, a melhoria do ensino, as condições para a extensão, enfim, a solução de problemas crônicos de infra-estrutura.

Entretanto, afirmar que a qualificação docente resolve os problemas da Instituição no que diz respeito à eficiência é exagero e exige cautela. As razões são muitas. Diploma não é sinônimo de competência. O título de doutor confere ao cidadão as condições de "preparado" para iniciar-se na pesquisa e não de pesquisador ou professor. O bom professor não é feito na pós-graduação, é preciso muito mais e também são raros os cursos que se preocupam com esta importantíssima parte da formação docente. Há ainda a se considerar a falta de planejamento do Departamento (há exceções), de diretrizes, o que deixa liberdade para o docente candidato à pós-graduação, trazendo como nefastas conseqüências o doutor que nada tem a ver com as linhas de pesquisas do departamento ou mesmo as mínimas condições para quando retornar dar continuidade à sua formação. Fica deslocado. Seu destino, outra universidade ou o desestímulo, a acomodação, a inércia.

Outro grave problema resultante desta liberdade é o docente escolher, por facilidade, cursos da própria universidade em áreas sem qualquer vínculo ou aparente correlação, deformando completamente sua formação inicial e conseqüentemente com drásticos resultados para o Departamento.

Assim, a verdadeira avaliação para os índices de qualificação docente será aquela em que a titulação for acompanhada do desempenho, da produção técnico-científica, da avaliação. Enfim, provas cabais de competência e adequação com as metas da Instituição.

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José Antônio de Souza Veiga - Na verdade, o "Índice de Qualificação Docente" expressa o somatório de pontos atribuídos à titulação dos docentes filiados a cada universidade. São pontuados, de forma gradual e não-linear, os títulos de Doutor ou equivalente, os títulos de Mestre e os de especialização stricto sensu. É um critério de estratificação e de avaliação ancorado na missão histórica e cartorial das universidades brasileiras de emissão de títulos. Obviamente é aceito com tranqüilidade acadêmica, pois prestigia os valores vigentes. Portanto, é válido no contexto atual e não rejeitado por falta de sistemas de avaliação consistentes e alternativos.

Fica latente, também, a pretensa sinonímia entre qualificação e titulação.

Na teoria da organização, há muito evoluiu-se para patamares referenciais, como qualidade total e eficácia, que permitem açambarcar a relatividade de variáveis sociais, econômicas e políticas e não só o pragmatismo expresso na produtividade. A questão apresentada encontrará sua resposta ao trilhar-se a razão de ser de cada instituição universitária no contexto da sociedade brasileira e da sociedade regional em que estiver inserida.

O querer da sociedade concretiza-se através da estrutura de poder, democraticamente eleita, e no enunciado da política educacional do governo federal. O alinhamento com o querer regional é perceptível pela própria comunidade universitária e não pode se distanciar, agudamente, do contexto maior. O grau de eficácia e de qualidade total serão estipulados, tendo como parâmetros estas condições contextuais.

Há tempos, observa-se uma total abstração destes princípios, predominando os interesses do grupo politicamente dominante, no âmbito da instituição universitária, como referência de avaliação. Estes, por não serem sustentáveis academicamente, não alcançam o grande público e permitem referenciais cartoriais.

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Manlio Silvestre Fernandes - O recente levantamento, feito aparentemente por um membro do Conselho Federal de Educação, que estabelece o ranking das universidades, classificando nossa instituição entre as 20 melhores do país, é na verdade uma simplificação de um problema muito mais complexo. Não se pode tentar qualificar as universidades brasileiras exclusivamente pelo número de mestres e doutores, embora reconheçamos que esse é um importante parâmetro. Vamos ver o caso, por exemplo, da Universidade de Ibirapuera, São Paulo, colocada logo acima da Universidade Federal de Minas Gerais nesse ranking. Quantos doutores terá a Universidade do Ibirapuera? Talvez uns trinta, oriundos de um processo de aposentadoria prematura estimulado pelo desastroso governo liberal de Collor. Quantos doutores tem a UFMG? Setecentos e quarenta. Qual é o impacto que a UFMG tem sobre o processo de geração de conhecimento e qual a contribuição que ela dá para a cultura brasileira? Todos nós sabemos, extremamente importante. Qual o impacto que teria a Universidade do Ibirapuera neste mesmo processo? Irrelevante. Portanto, esse ranking diz alguma coisa, mas não é suficiente. O processo de qualificação das universidades é algo mais complexo, exige uma avaliação institucional, exige uma abordagem ampla, exige verificar qual a inserção da universidade na sociedade a que ela pertence. É neste sentido que nós achamos que a avaliação é importante, e deve ser feita, porém não sabemos se este é o tipo ideal, se é possível criar um ranking de universidades neste momento. É tarefa principal das universidades brasileiras criar um sistema de avaliação amplo, complexo, aberto, transparente, que mostre para a sociedade brasileira qual é a contribuição efetiva das universidades ao processo de geração e transmissão de conhecimento.


A história recente da universidade brasileira parece estar refletindo uma profunda crise interna da organização e do poder acadêmico no interior destas instituições. A busca de uma solução democrática para os impasses acadêmicos vivenciados no interior das universidades federais tem sido a conflagração de processos estatuintes. A seu ver podemos de fato falar em uma crise da universidade? Qual é a natureza desta crise? O processo estatuinte e seu resultado esperado —um novo estatuto- poderão estabelecer novas regras de convivência acadêmica que leve à superação desta crise?

Ariane Luna Peixoto - Há de fato uma crise dentro do sistema universitário. Neste final de século, a crise se torna mais clara porque a própria ciência está em crise. Durante todo o século trabalhou-se buscando especializações, aprofundamento de idéias individuais ou de equipes, priorizou-se o conhecimento de partes dos sistemas e não dos sistemas como um todo. Os avanços nas ciências exatas e da vida, no presente século, foram norteados pela tentativa do entendimento do todo através do conhecimento das partes. Neste final de século, a ciência tem um acúmulo imenso de conhecimentos detalhados de muitos fatos carecendo muitas vezes do conhecimento do todo. Os problemas do homem e da natureza, globais intrinsecamente, persistem.

A valorização e a busca de conhecimento de populações e ecossistemas, nas ciência da vida, por exemplo, mostra com clareza esse retorno ao estudo do todo de forma integrativa, que de resto está acontecendo em todas as ciências. A valorização de áreas como fitossociologia (no caso das plantas), interação entre distintas espécies de plantas ou de animais e entre plantas e animais, retratam bem essa busca. Não que se relegue o estudo das partes constituintes, mas o re-conhecimento de que o todo harmonioso e distinto da soma das partes é premissa cada vez mais aceita em todos os campos. Esse quadro, exemplificado nas ciências da vida, aparece nitidamente na universidade. Disciplinas e áreas de pesquisa, antes e ainda fragmentárias, já promovem discussões e buscam a prática, por enquanto incipiente, da inter e transdisciplinaridade nos currículos, na execução de pesquisas ou em trabalhos de extensão. E o reconhecimento de que há um funcionamento global que foge ao controle do estudo em separado das partes.

A deflagração de processos estatuintes nas universidades é, a meu ver, claramente a busca dessa discussão do todo. Da definição do que é a universidade hoje e de quais as suas metas. É a mudança paradigmática esperada. O processo estatuinte, entretanto, não deve acabar em si, com o estabelecimento de normas e organogramas, embora este estabelecimento seja essencial para a implementação das idéias surgidas durante o processo.

Com o estabelecimento do processo estatuinte cria-se um espaço e uma atmosfera propícia às discussões amplas e comprometidas com mudanças. A meu ver, a discussão iniciada nas estatuintes, nas diferentes universidade, terá espaço para se tornar constante e continuada abrindo caminho para o estabelecimento de transformações sempre que necessárias à harmoniosa convivência acadêmica, intra e extramuros.

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Hugo E. Barbosa de Rezende - À semelhança do que ocorre com o país, se estatuto resolvesse os problemas das universidades, a Constituição de 1988 teria resolvido os problemas do Brasil. Muito pelo contrário, assim como a nova Constituição complicou, dificultou e agravou o progresso e desenvolvimento do Estado, uma estatuinte - e conseqüentemente um novo estatuto- além de não solucionar os impasses acadêmicos poderá complicar ainda mais os graves problemas existentes. Estão aí os resultados de algumas estatuintes, medíocres e devastadoras para as instituições.

Estatuinte neste momento, tem ainda um sério agravante. Na ausência da Lei de Diretrizes e Bases da Educação que ainda tramita no Congresso Nacional, impossível discutir, decidir sem os parâmetros e pré-requisitos essenciais dela emanados.

O mesmo raciocínio é válido para o absurdo de algum Estado da federação discutir sua Constituição antes de concluída a Lei Maior.

Para o nosso caso, e infelizmente, optou-se por usar a estatuinte como bandeira, levantada ao longo dos últimos oito anos, por uma minoria historicamente organizada, que desejando alcançar o poder, manipulou, induzindo principalmente estudantes, alegando ser este o caminho para a solução dos problemas da universidade. Assim, ambicionando o poder, tudo fizeram ao longo destes anos, obstruindo, fazendo oposição a qualquer custo para as administrações, com evidentes prejuízos para a Instituição. Nunca conseguiram, no entanto, sensibilizar a maioria, docente, servidores ou discentes, que mesmo agora continuam, desinteressados, alienados e apáticos, deixando o assunto, tão sério, nas mãos de grupos oriundos da mesma minoria.

Corre-se, portanto, sérios riscos de se ter um documento final eivado de casuísmos com o corporativismo nocivo, identificado hoje como a maior praga das universidades públicas, fortalecido por conceitos atrasados, retrógrados, garantindo-se sempre mais direitos e menos deveres.

Finalmente, inoportuno ainda, porque está vindo antes de providências outras mais urgentes, exeqüíveis e imprescindíveis, que exigem coragem, desprendimento e idealismo, caminho para recuperar o comprometido e péssimo conceito que desfruta junto à sociedade.

O atual Estatuto da UFRRJ, para os que o conhecem, é muito bom. É claro que, decorridos 20 anos precisa ser atualizado. A estrutura precisa ser rediscutida, repensada. Deve ficar mais enxuto, restrito ao essencial. Deixar para o regimento tudo o mais, com o detalhamento necessário, principalmente porque a universidade tem autonomia para modificá-lo a qualquer tempo, atualizando-o quando necessário.

A realidade, no entanto, mostra com clareza que a prioridade não é o estatuto e sim uma série de medidas que entravam, estrangulam a universidade e que, para serem superadas, exigem isenção político-partidária, seriedade, honestidade, competência e, além disso, a união de pessoas com este perfil que são os que se constituem nos verdadeiros professores.

Algumas dessas mudanças aparecem sempre nos movimentos reinvidicatórios (greves), onde as pautas trazem: verbas para a educação; autonomia universitária; ensino público, gratuito e de qualidade; salários dignos, etc.

Tudo se esvai, no entanto, com os tradicionais acordos salariais.

Quando foi que se assistiu a uma mobilização séria, capitaneada pelas associações docentes e de servidores, voltada para a solução dos reais problemas da universidade? Assiduidade ao trabalho; Cumprimento da carga horária - 20 - 40 - DE; Dedicação ao ensino ou ao serviço; Expansão do número de vagas; Interação com o setor produtivo; Revisão dos cursos oferecidos à luz de novas demandas, com especial ênfase para cursos noturnos; Revisão dos currículos em favor da carreira e do aluno e não das conveniências dos professores; Educação continuada; Horários em favor dos estudantes, favorecendo disponibilidade de tempo para o trabalho, estágios, bolsas, residência veterinária e zootécnica, laboratório, campo, produção, prestação de serviço, convênios, etc.; Legislação em benefício do bom estudante e não mecanismos absurdos que asseguram ao mau aluno permanecer 9-10 anos na universidade.

Finalmente, e mais importante, avaliação à vista do Plano Departamental. Mecanismo de aferição da produção técno-científica. Da qualidade do ensino, da pesquisa, da extensão e da administração. É inconcebível à universidade conviver com professores e servidores sabidamente incompetentes, perniciosos, ineficientes e, mais, contaminando e minando pelo contato e exemplo os que se dedicam com seriedade.

Tratando-se ainda do atual Estatuto, nele vamos encontrar todos os instrumentos para democraticamente buscar os caminhos e soluções para os graves problemas levantados e muitos outros não citados, que se constituem nos verdadeiros impasses acadêmicos.

Entretanto, toda vez que se deseja discutir estes assuntos com seriedade, dentro dos conselhos, departamentos e até com a comunidade acadêmica, tem-se como respostas barreiras intransponíveis para quaisquer tipos de mudança, a ponto de se pretender primeiro avaliar o MEC e só depois avaliar a universidade. A certeza que se tem é de que não se quer discutir estes assuntos. Daí surgirem artifícios que não levam a mudanças onde elas deveriam ocorrer, nos indivíduos, nos departamentos, na coletividade.

É absolutamente essencial numa universidade que anseia prestígio, respeito, a excelência pela qualidade e eficiência do ensino, pesquisa, extensão e administração. Um mínimo de organização que permita aos administradores defender com orgulho a Instituição com argumentos irrefutáveis. Para isto, é preciso união dos bons, humildade para olhar para as universidades que são exemplos e coragem para mudar.

P.S. Tomo conhecimento do editorial publicado em O Globo de 13/8/94 do vice-reitor da UnB, professor Sérgio Barroso de Assis Fonseca e fico estarrecido.

Quando reitores têm a chance de mudar e se unir às poucas universidades que adotaram e defenderam a qualidade universitária e que lutam por novos rumos para a educação do terceiro grau, assistimos, mais uma vez, a vitória do corporativismo nocivo, infelizmente da maioria, desejosa de manter a incompetência no emprego correto dos recursos públicos e, conseqüentemente, de costas para o povo brasileiro.

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José Antônio de Souza Veiga - Por mais encasteladas e corporativas que sejam as universidades, como organização não conseguem ficar à margem das profundas transformações econômicas, sociais e políticas por que passam o mundo e o Brasil.

Estas profundas ocorrências são geradas pelo repensar dos valores e modo de vida das novas gerações, ao se tornarem a classe dominante em suas sociedades.

A tal decantada crise nada mais é do que a adoção de novos valores e princípios de vida, sendo, portanto, individual, inerente à evolução de cada indivíduo, projetando-se daí para as organizações, para as instituições sociais, para o Estado.

O processo estatuinte, portanto, não passa de uma tentativa de alguns grupos em viabilizar o acesso ao poder ou uma via de perpetuação destes grupos no poder. Há um ar de constitucionalidade nestes espúrios documentos, projetados pela utopia soberana vislumbrada por aqueles grupos.

As organizações, quaisquer que sejam suas áreas de atuação e, portanto, as universitárias também, apresentam uma cultura própria e, obviamente, uma dinâmica de funcionamento. Só pelo autoritarismo, uma norma, no caso o novo estatuto, poderia gerar uma convivência acadêmica harmoniosa e eficaz.

Um estatuto, no contexto de uma nova era, deve ser leve e enxuto. Deve apresentar poucos artigos e abordar princípios gerais e duradouros. Deve, também, permitir que os conselhos superiores da Instituição, democraticamente representativo da comunidade universitária e da sociedade como um todo, possam estabelecer, de forma flexível, as normas que irão reger as relações entre os indivíduos e os segmentos da comunidade universitária.

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José Carlos Netto Ferreira - Antes de mais nada é preciso ficar bem claro que a conflagração de processos estatuintes, no âmbito das universidades públicas brasileiras, não é decorrente somente de uma busca de soluções para os impasses acadêmicos vivenciados em seu seio. O que se está buscando, ao lado de uma efetiva redistribuição de poderes, é se enterrar de vez um dos últimos instrumentos do arbítrio, imposto às universidades pelo regime autoritário do qual fomos vítimas por mais de vinte anos. Sob a égide de uma administração universitária democrática, à própria comunidade universitária cabe o papel de estabelecer uma nova estrutura institucional, definindo competências e responsabilidades, em todos os níveis, para uma administração que deve ter como norma ser participativa, democrática e eficiente. Para ser democrático, e atender aos anseios da comunidade que o gerou, a qual portanto deve se sentir responsável pelo seu funcionamento pleno, o processo estatuinte deve ser necessariamente o da construção coletiva, cabendo às administrações superiores das universidades públicas simplesmente deflagrarem o processo e criarem condições para o seu funcionamento, e não apenas apresentarem à comunidade uma proposta acabada de estatuto.

Olhando a questão sob a ótica da crise interna da organização universitária, diversos pontos de estrangulamento administrativo podem ser levantados, os quais refletem sobremaneira a dificuldade que o administrador hoje encontra na solução dos problemas cotidianos. Alguns deles vão listados a seguir, não tendo sido, entretanto, estabelecida nenhuma prioridade no seu diagnóstico.

Falta de um estudo sistemático para a definição do dimensionamento dos diversos departamentos acadêmicos, ora extremamente fragmentados, ora demasiadamente inchados; Existência de uma estrutura administrativa arcaica que faz com que as decisões emanadas dos departamentos estejam demasiadamente distanciadas dos órgãos responsáveis pelo poder decisório, isto é, os colegiados superiores; Excessivo envolvimento administrativo por parte da chefia dos departamentos acadêmicos e da direção dos institutos. Falta de definição do papel a ser executado pelas chefias de departamento e coordenações de curso, gerando, muitas das vezes, relações conflituosas. Desvinculação entre as áreas básicas de conhecimento e as áreas profissionalizantes afins; Inexistência de uma vinculação administrativa clara para os coordenadores de cursos de graduação e de pós-graduação; Ausência de mecanismos que permitam à universidade caminhar em direção à sua vocação atual, qual seja a de uma forte cooperação interdisciplinar; Superposição das áreas de atuação dos conselhos superiores, isto é, Conselho Universitário e Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão; Excessivo envolvimento do Conselho Universitário com questões administrativas, levando-o a abrir mão do que talvez seja a sua maior atribuição, qual seja, a de definir, junto com a Administração Superior, as políticas estratégicas de atuação da universidade; Indefinição acerca da área de atuação de alguns órgãos suplementares à Administração Superior, assim como a ausência de vinculação destes órgãos às áreas acadêmicas de atividade correlata; Inexistência de uma avaliação institucional sistemática, em todos os níveis e, por conseguinte, a dificuldade de se estabelecer um planejamento estratégico que permita o encaminhamento de soluções para os problemas institucionais; Excessiva concentração do poder decisório na Administração Superior.

As soluções para estas questões, obviamente, cabem aos representantes estatuintes, não sendo pertinente aqui o encaminhamento de sugestões, uma vez que há um foro privilegiado para isto. É necessário, entretanto, que a comunidade universitária compreenda a necessidade premente de se avançar rapidamente na definição de um novo estatuto e regimento, uma vez que os documentos legais vigentes, após sofrerem um sem número de modificações por parte dos conselhos superiores, não refletem mais a nossa realidade política, administrativa e acadêmica.

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Roberto José Moreira - Não tenho dúvidas de que podemos falar em uma crise da universidade. Esta crise se revela em muitos aspectos. Vou destacar aquele que, a meu ver, é o fundamento do poder na universidade: o poder acadêmico.

Há uma crise paradigmática do pensamento científico, e não nos damos conta de sua importância. A tradição do pensamento científico moderno toma como realidade a realidade da matéria, do objeto. A noção norteadora da tradição da análise científica é a de que o todo é a soma das partes. A parte, separada do todo, é o objeto das disciplinas. A realidade é reduzida à realidade da parte. Esta é a base da disciplinaridade e das profissões e que se torna o fundamento da organização acadêmica das universidades. É uma ciência reducionista, também em sua lógica: pressupõe a operação linear de causa-efeito.

Nesta tradição, a síntese se torna a somatória das partes. A tradição tem uma concepção da vida operando como uma máquina. Este pensamento está em processo de relativização. A ciência tradicional não dá conta das questões que hoje vivenciamos em nossas sociedades. O conhecimento disciplinar perde as relações entre os fenômenos da vida e da sociedade. Este paradigma está em crise, apesar de arraigado em nosso modo de pensar o mundo.

Esta crise da ciência se rebate com a crise fundamental da universidade: a incapacidade de lidar com a idéia de que o todo é algo mais do que a simples somatória das partes; e mais, a incompreensão de que nos processos da vida a interdependência das partes é dinâmica e incerta. Os processos dinâmicos são conformados por múltiplas e complexas determinações.

O próprio pensamento científico se defronta com seus limites em várias disciplinas, como é o caso, por exemplo, da física quântica, dos fenômenos da vida e o conhecimento da dinâmica da psique e da cultura humana. Cada vez mais somos levados a aceitar a incerteza e a indeterminação, não como uma insuficiência do desenvolvimento da ciência, mas como um dos elementos do próprio conhecimento científico. As verdades são sempre relativas à percepção, ao modo de olhar, ao quadro referencial, às teorias e, em determinado grau, ao próprio pesquisador.

Podemos dizer que estamos em um momento, raro na história humana, de uma crise do pensamento científico, distinta das crises paradigmáticas que já vivenciamos nas disciplinas particulares. Vejo isto como uma crise do poder acadêmico.

Estão em disputa dois - ou mais- modos de pensar. É uma disputa, talvez não consciente para a maioria de nós, entre o paradigma cartesiano, disciplinar, e um novo paradigma, que procura lidar com os processos dinâmicos, com as múltiplas determinações, com processos associados e correlacionados, com a incerteza e a indeterminação. Estamos em um processo de crise da cultura e em construção de um novo modo de pensar o mundo natural e social; fala-se em um novo pensamento como sendo um paradigma holístico, sistêmico, caótico, da desordem.

Eu diria que o poder acadêmico do futuro estará com aqueles que fazem avançar o conhecimento com uma crítica rigorosa da tradição científica, uma crítica dos fundamentos e dos pressupostos básicos da ciência moderna tradicional. A estrutura acadêmica de uma nova universidade deve estimular e favorecer esta nova perspectiva.

Não me parece que os processos estatuintes têm sido capazes de levar a sério, ou mesmo explicitar o embate destas duas percepções do mundo. Vejo a necessidade de se criticar os fundamentos do poder acadêmico, e advogo uma estruturação acadêmica que garanta um espaço democrático para a expansão do novo paradigma, no ensino e na pesquisa. Vejo a Estatuinte como um processo político de reestruturação da dinâmica do poder acadêmico. Este poder não deve continuar estruturado na tradição disciplinar, deve ser flexibilizado.


Uma vertente do pensamento contemporâneo tem identificado e defendido os valores individualistas e personalistas que se expressariam, ideológica, política e culturalmente, no neoliberalismo. Na universidade estes processos estariam associados, por exemplo, à defesa de interesses individuais de docentes, funcionários e alunos, à prática corporativista, à prática clientelista e à privatização da própria universidade. Como é que o(a) Sr(a) vê esta interpretação e os problemas citados para o âmbito da universidade? Como superá-los?

Ariane Luna Peixoto - Os valores neoliberais têm permeado a universidade e vem deixando cicatrizes. A organização de setores segmentados levou, dentro dessa ótica, ao estabelecimento de práticas individualistas e corporativistas. A política do governo anterior de interferência nesse sistema, com a valorização de índices de produtividade e formação de rankings acirrou ainda mais o modelo. A universidade reconhece esses processos e vive, no momento, o impasse entre setores conservadores e setores progressistas para quebrar o sistema estabelecido, que possibilita a prática corporativista ao tempo que cultua valores individualistas. Através de processos internos de avaliação, a universidade está buscando discutir esses impasses. Nesse quadro, todas as possibilidades são possíveis. A avaliação institucional, como processo de discussão do fazer acadêmico (distintíssimo do estabelecimento de rankings, ou mesmo de avaliar para punir) pode levar a uma nova concepção das unidades acadêmicas e da universidade como um todo. Acredito que a crise será superada com o aparecimento de vários modelos, adequados às distintas realidades que apontarão novos caminhos, deixando claro as mudanças que devem ser feitas. Na discussão dos modelos, a universidade já sai reaquecida pela transparência da discussão da missão e da função da universidade no processo de desenvolvimento de uma consciência crítica sobre a própria sociedade onde ela está inserida.

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José Carlos Netto Ferreira - Não vai se tratar aqui de defender o corporativismo. O que não se pode é confundir a defesa legítima dos interesses dos servidores das Instituições Federais de Ensino Superior (Ifes), aí incluídos docentes e técnico-administrativos, por parte de seus Sindicatos, Andes e Fasubra, respectivamente, e associá-la com a defesa de interesses pessoais e a prática clientelista. Será que está na hora então de se redefinir o papel político do movimento sindical como um todo? Ou o neoliberalismo agora quer jogar na lata do lixo todo o esforço feito por estas associações sindicais em defesa do ensino público, gratuito e de qualidade? Se a universidade pública hoje existe do modo como a conhecemos, ela é conseqüência única e exclusiva da luta sem tréguas travada contra o sistema oligárquico implantado neste país, na qual as corporações, hoje tão acusadas de responsáveis pelo seu desmantelamento e sucateamento, desempenharam papel fundamental e decisivo. Ao contrário dos dirigentes das instituições que, conspicuamente comprometidos como o sistema, se omitiram (quando não contribuíram para) face ao processo intencional e visível de destruição, com fins inconfessáveis, de um dos maiores patrimônios públicos que o nosso país possui.

Estabelecida a relevância e a legitimidade do papel dos sindicatos, cabe à universidade encontrar um mecanismo de convivência, no qual seja evitada qualquer ingerência das corporações no momento da tomada das decisões. Decisões estas que podem até, em um determinado momento, ser do interesse das atividades fins da Instituição, porém absolutamente contrárias aos sindicatos.

O que devemos combater é o mau corporativismo, aquele que torna privada a coisa pública, que defende interesses desvinculados da Instituição e, por conseqüência, dos da sociedade. As estratégias para este combate são bem conhecidas: a regulamentação do artigo 207 da Constituição Federal, que concede autonomia de gestão financeira e patrimonial às Instituições Federais de Ensino Superior, para a qual a Andifes tem trabalhado intensamente, tendo inclusive já elaborado documento detalhando o mecanismo de aplicação desta autonomia; a criação de um plano de cargos e salários específicos para as Ifes, também já elaborado pela Andifes e a vinculação da liberação de recursos como uma função de seu desempenho nas atividades-fim (ensino, pesquisa e extensão), o que implica um processo de avaliação institucional transparente, executado tanto internamente, quanto pelos pares e pela sociedade civil como um todo.

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Manlio Silvestre Fernandes - Um assessor presidencial de ciência e tecnologia do governo americano escreveu um artigo na revista Science, comentando a excessiva privatização, na sociedade americana, das universidades e dos institutos de pesquisa. O assessor da Casa Branca comentava que uma das preocupações fundamentais dos fundadores da República Americana era exatamente a garantia do domínio público sobre o processo de geração de conhecimento.

Numa sociedade complexa como a nossa, onde cada indivíduo depende cada vez mais do processo de geração de conhecimento, ou é afetado por ele, especialmente na área de ciência e tecnologia, é indispensável, essencial e necessário para a sobrevivência dos processos democráticos que a geração e a transmissão de conhecimento sejam colocados sob domínio público. Em outras palavras, é fundamental para a manutenção das nossas liberdades essenciais que a universidade seja pública. Dentro desse raciocínio é preciso evitar e combater, na própria universidade, todos os mecanismos e todos os processos que levam à, ou que permitam, sua privatização. A universidade é um espaço privilegiado, criado no seio da sociedade, onde pessoas especializadas se dedicam à tarefa de criar novo conhecimento, de trabalhar na fronteira do conhecimento humano e de transmitir conhecimentos e tecnologias gerados para toda a sociedade. Esse processo tem que ser transparente, tem que ser público, e todos os membros da sociedade, principalmente os estudantes que são parte dessa população especializada, devem ter acesso gratuito aos conhecimentos e produtos da universidade. Isso é essencial em qualquer sociedade. Entendemos que não é por acaso que países como a França, a Inglaterra e a Espanha mantenham o seu sistema universitário totalmente público e totalmente gratuito. Achamos que mesmo na sociedade americana, onde existe um grau elevado de privatização, os mecanismos amplos da sociedade permitem um controle público sobre esse processo de geração e de transmissão de conhecimento. Em sociedades em desenvolvimento como a nossa, sociedades profundamente distorcidas, com imensas concentrações de renda nas mãos de pequenos grupos, com estamentos poderosos, capazes de manipular a difusão de conhecimento, manipular a mídia, é extremamente importante que se garanta a universidade como um espaço livre e de acesso público e gratuito. Manter a universidade pública e gratuita, numa sociedade como a nossa, é uma questão básica e fundamental para a sobrevivência da democracia.

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Roberto José Moreira - Esta questão nos leva a pensar em um segundo aspecto da crise de poder nas universidades: que é brasileiro e tem a ver com as universidades públicas.

No período pós-golpe de 1964 consolidou-se, com a reforma universitário de 1968, um poder não estritamente acadêmico na gestão universitária: o poder tecnoburocrático associado ao projeto de uma universidade tecnicista formadora de técnicos e geradora de técnicas. O técnico não pensa a sociedade, pensa a técnica. Este poder esteve associado à forma que o autoritarismo militar concebeu a gestão das universidades, o seu papel social, e formulou a política de ensino, de pesquisa e desenvolvimento tecnológico.

A luta pela redemocratização da sociedade brasileira conformou-se, no interior das universidades, nos movimentos de docentes, alunos e funcionários. A redução vigorosa dos salários de docentes e funcionários introduz uma luta trabalhista, inexistente no passado. Adiciona-se a este caldo elementos, tais como, cortes de verbas, a privatização do ensino e outros. Esta luta contra o autoritarismo conforma uma luta por eleições democráticas no interior das universidades que, impossibilitadas pela lei, foram legitimadas pelas "consultas" à comunidade. Este processo passa a reconhecer a participação das três categorias nos processos eleitorais. A derrota do autoritarismo militar não significou, no entanto, a derrota da concepção de universidade tecnicista implantada e reforçada pelo poder militar. A estruturação deste poder eleitoral da comunidade não esteve associada, neste sentido, a uma crítica estritamente acadêmica.

Estes processos têm sido criticados como corporativos, populistas, clientelistas fortalecendo, em algumas universidades, a democracia do "não-fazer", do "não-compromisso" com a qualidade do fazer acadêmico. Professores relapsos e omissos, quando não parados no tempo. Funcionários ineficientes e mal preparados. Alunos omissos, faltosos e relapsos. As práticas eleitorais, quando se apóiam na liberdade de "não-fazer", tornam-se clientelistas. Prevalece a ética do "favor", do "tirar vantagem", que corroem a moral acadêmica com os piores elementos da cultura política dominante no Brasil. A prevalência deste poder, onde vigorar, estará em crise.

A ideologia do neoliberalismo se suporta na concepção de que o indivíduo é autônomo, independente das relações com o outro. Na nova concepção de um relativismo absoluto; onde conta a verdade e a interpretação de cada um. Obscurece a verdade do consenso. Neste sentido ideológico, o indivíduo é plenamente responsável por si mesmo: no sucesso e no fracasso; na velhice, no desemprego, na doença e na educação. A sociedade não é responsável pelos fracassados. As políticas de desmonte das estruturas sociais de aposentadoria, de seguro desemprego, de saúde e de educação são inspiradas por esta concepção. A noção de crise do Estado de bem-estar social estão associadas a um novo momento de reorganização do ordem capitalista internacional. Neste quadro, aqui apenas sugerido, ganham sentido as práticas clientelistas e a privatização da própria universidade. As práticas clientelistas tendem a manter o quadro existente, o modelo da universidade tecnicista: a formação de profissionais técnicos que não pensam a sociedade. A privatização do ensino é um dos significados da apropriação privada do conhecimento, seja este concebido como uma mercadoria, onde só compra quem tem dinheiro para comprar, ou como um campo de acumulação de capital, onde a organização do ensino visa a acumulação de lucros - como é o caso do empresariado do ensino. Ganha espaço a percepção de que a maioria das escolas privadas de ensino superior tem uma prática de um colégio profissional de terceiro grau. Transmite os conhecimentos técnicos e tem reduzido papel na geração do conhecimento, mesmo dos conhecimentos técnicos.

Para a superação, cabe discutir francamente a questão do poder acadêmico na universidade. Cabe ainda discutir a noção de democracia que deve permear e impregnar a nossa prática. Certamente não é a democracia concebida como o direito ao não-trabalho, ao não-compromisso. Nas nossas universidades, os salários dos docentes e funcionários são pagos com recursos da sociedade; estes trabalhos devem ser oferecidos com qualidade e espírito crítico. O ensino e a formação científica são pagos pela sociedade e apropriados privada-mente pelos alunos; do aluno espera-se, no mínimo, que seja crítico, capaz de pensar criticamente a técnica e a sociedade. Estes, a meu ver, devem ser os fundamentos da avaliação: uma avaliação não-punitiva, não-burocrática, uma avaliação que permita a consciência dos problemas e lance luz à sua superação.


Estamos habituados a refletir sobre a missão da universidade no contexto da tradição disciplinar, paradigmática e de solução de problemas de administração acadêmica rotineira (verbas, infra-estrutura, etc.). Rompendo com esse tipo de concepção, qual, a seu ver, deveria ser a principal missão da universidade? Qual é a impossibilidade para que se dê esse rompimento?

Ariane Luna Peixoto - A missão da universidade é formar cidadão capaz de viver harmoniosamente em seu meio, transformá-lo e preservá-lo para as futuras gerações. Através do estudo de disciplinas, do desenvolvimento de técnicas e modelos esse objetivo maior é alcançado.

A universidade procura ensinar ao cidadão os mecanismos para o desenvolvimento de novas tecnologias. O ensinar a pensar é fundamental. O aprender o método e o fazer científico surgem do aprender a pensar. A formação de técnicos e o desenvolvimento de tecnologias surge em decorrência do objetivo anterior. Nesse final de século, onde a velocidade da geração de conhecimento e novas tecnologias é muito grande, torna-se ainda mais séria a busca da formação do cidadão (e não apenas do técnico), já que muitas técnicas e modelos aprendidos na universidade, em um espaço de tempo bem curto estarão superados, e o cidadão deverá estar apto para aprender um novo pensar.

Um cidadão, iniciado em distintas metodologias, em qualquer campo da ciência, deve ser um especialista e poder aplicar suas técnicas em prol da sociedade. A busca de docentes em regime de dedicação exclusiva para os quadros universitários atende prioritariamente a busca de ampliação de contato entre estudantes e mestres para a consolidação da formação do cidadão, conjuntamente com sua preparação para o desenvolvimento científico e tecnológico.

O modelo de desenvolvimento que temos atualmente nos leva a viver um dilema dentro da universidade na busca de recursos para a pesquisa científica e tecnológica. Lamentavelmente, as agências de fomento à ciência e à tecnologia valorizam e apóiam mais o desenvolvimento de técnicas e produtos (cientistas e técnicos), importando-se menos com a formação do profissional cidadão. A chamada formação de recursos humanos é medida, freqüentemente, pela quantidade (algumas vezes a qualidade) de produtos e técnicas desenvolvidas, não pela maturação e o aperfeiçoamento dos estudantes e pesquisadores, oriundos de diversos meios e com tempo de maturidade distintos. A quebra do sistema acadêmico-científico em favor de um sistema puramente científico-tecnológico freqüentemente aparece como caminho inevitável, quando se trata de definir mecanismos para a busca de recursos externos à universidade.

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José Antônio de Souza Veiga - Percebe-se que, de uma forma simplificada, neste século, a missão das instituições universitárias pode ser resumida na transmissão ampla do conhecimento acumulado, na formação para o exercício profissional e na busca de novos conhecimentos e "formação de novos homens de ciência". Estes princípios basilares revertem-se de legalidade ao serem inseridos nos documentos legais, através da indissociabilidade do ensino com a pesquisa e a extensão.

Entretanto, o que se percebe no cotidiano é que esses princípios foram abandonados, sendo sobrepujados por interesses de curto prazo. A questão não é determinar a nova ou a principal missão da universidade, mas sim, viabilizar ou cumprir, em primeira instância, num processo evolutivo das organizações, a missão consagrada.

Dentre os princípios estabelecidos, a transmissão ampla dos conhecimentos acumulados, carece, no atual contexto, atenção especial. Por ser a ponte que interliga a organização universitária e a sociedade, a extensão universitária veste o manto da esperança, pois só ela poderá sensibilizar a sociedade em manter os meios necessários à manutenção das universidades. A questão não é de rompimento do status quo, mas a retomada de sua real missão.

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Manlio Silvestre Fernandes - As questões rotineiras de verba, infra-estrutura, etc., não são missão da universidade. Qual é a missão da universidade no Brasil, país em processo de desenvolvimento, com grandes áreas em atraso, e uma sociedade extremamente desigual ainda submetida a processos colonialistas? Examinando a situação do Brasil e de outros países latino-americanos com os da África, principalmente a África de colonização portuguesa, onde não foram criadas universidades, vemos que a universidade tem uma função da mais alta importância no processo de geração de uma consciência crítica da própria sociedade da qual faz parte. Assim, se perguntarmos qual a missão da universidade - da universidade pública brasileira -, eu diria, sem dúvida, que é o de gerar e transmitir conhecimentos, nessa ordem. Nós precisamos de universidades que, em primeiro lugar, façam pesquisa, gerem conhecimentos e, em uma segunda etapa, que transmitam conhecimentos. Ao falar de universidade, refiro-me à universalidade de base, não às escolas técnicas ou universidades especializadas que não merecem o nome de universidade. Nesse sentido, geração de conhecimento significa geração de conhecimento em todas as áreas do conhecimento humano. Isso tem dupla função: primeiro, permite tanto a universidade desenvolver uma visão crítica sobre a sociedade como também pensar o futuro dessa mesma sociedade; segundo, uma universidade com universalidade de base, e com esta característica de geração de conhecimento em todas as áreas, permite que o estudante, o profissional que aí é formado, se deixe permear pelo fluxo de cultura em todas as áreas do conhecimento humano, permitindo formar não apenas o profissional, mas o profissional e o cidadão, de maneira que o graduado seja capaz de exercer sua profissão no contexto mais amplo do exercício de sua cidadania. Essa universidade com uma visão ampla da sociedade, com capacidade de abordar criticamente a sociedade, em todos seus aspectos e ângulos, com sua capacidade de pensar o futuro e de transmitir a seus estudantes uma visão ampla, múltipla, aberta, do conhecimento da sociedade, é o que nós imaginamos que deva ser a universidade pública brasileira.

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Roberto José Moreira - No quadro que delineamos acima, o papel e a defesa da universidade pública assumem um novo caráter. Não basta apenas transmitir e gerar o conhecimento técnico, é preciso formar um pensamento crítico. É preciso ensinar a pensar criticamente, não só a técnica, mas também a sociedade: pensar criticamente a própria cultura e pensar criticamente a si mesmo.

A própria geração do conhecimento tecnológico tende a ser privatizado na lógica da acumulação capitalista. Podemos dizer que o conhecimento científico e tecnológico é a força potenciadora da acumulação capitalista. O setor de pesquisa no interior das grandes corporações, bem como a associação da ciência com a indústria via financiamento de projetos, são aspectos deste fenômeno. O financiamento e as prioridades da pesquisa científica e tecnológica estão associadas com a competição intercapitalista pela apropriação do conhecimento tecnológico, que pode configurar-se nos setores de ponta da acumulação no futuro; como são hoje os casos da química fina, das comunicações e da biotecnologia.

Para a superação, há a necessidade da tomada da consciência do problema; o caminho será construído neste processo, se todos nos envolvermos nele.

Como já argumentei, o que parece ser uma administração rotineira da universidade é também a realização do projeto de uma universidade tecnicista; crítica da técnica. Uma reforma serviria apenas para tornar este modelo mais eficiente. O objetivo da reforma seria o de produzir tecnologia de ponta e o de formar técnico competente para os setores produtivos. Creio que muito dos processos estatuintes caminharam nesta direção. Um novo modelo, significa uma ruptura com este projeto, significa um profissional competente tecnicamente, mas com uma nova qualidade: saber pensar criticamente a técnica e a sociedade.

A impossibilidade para este rompimento está na impossibilidade do diálogo e do debate sobre o saber acadêmico. Há uma total falta de sensibilidade para esta questão, como uma questão da universidade. Toma-se esta questão como uma questão privada do indivíduo: professor, funcionário ou aluno.

Quando um problema aparece como sendo tecnoburocrático, traz também dentro de si a busca de uma solução apenas técnica: não se discute o conteúdo e a qualidade. Não vejo avanço significativo se enfrentarmos este problema apenas buscando uma melhor estruturação do poder e do fazer acadêmico como ele se propõe no modelo tecnicista.

Há a necessidade de politização do saber e do poder acadêmicos. Minha expectativa é que os processos estatuintes possam conformar uma universidade de outro tipo: polimorfa e mutante; flexível, sujeita e sujeito do diálogo e da crítica da técnica e do social. Esta discussão deve se desdobrar também em discussões sobre os currículos, sobre a pesquisa e sobre a extensão universitária.

A questão é a falta de uma vontade política, não necessariamente dos quadros dirigentes, mas da comunidade acadêmica. Todos somos em algum grau responsáveis pela indefinição de caminhos. O campo privilegiado para a formação de uma vontade coletiva é o campo da política. Nas universidades federais este campo privilegiado é hoje conformado pelos processos de eleição dos reitores e pelos processos estatuintes. Quais os tipos de questões que são aí tratadas? Qual é de fato o compromisso que a comunidade acadêmica tem com esses processos? Lanço de volta a vocês a reflexão sobre estas questões.


No contexto das ideologias ou políticas de desenvolvimento há um argumento central de que a universidade tem sua função centrada na formação de técnicos e a sua pesquisa voltada para a geração e adequação de tecnologias. Essa concepção tem sido cunhada por seus críticos como a de uma universidade tecnicista, onde as questões da ética, da moral, política ou da cultura, são consideradas exteriores ao fazer acadêmico. Qual a sua posição? Tal visão não tem nos afastado dos problemas comunitários?

Roberto José Moreira - Não há como conceber o fazer universitário contemporâneo sem ter a função central nucleada na formação de técnicos e na pesquisa voltada para a geração e adequação de tecnologias. Há uma divisão do trabalho social que requer esta especialização do ensino e da pesquisa. Quando critico a universidade tecnicista estou falando daquela universidade que tira do saber superior o estudo sobre a sociedade em que ela se insere. Neste sentido ficam de fora do saber tecnicista as questões da ética, da moral, da política e da cultura. Esta visão tem nos afastado dos problemas da comunidade. Já argumentei sobre isto. Quero avançar procurando mostrar como temos a possibilidade de intervir neste processo, no interior do campo do saber acadêmico.

Em primeiro lugar, podemos estatuir uma universidade que não tenha apenas lugar para o conhecimento técnico, mas envolva também o estudo e a prática das artes, da filosofia, da religião e das ciências sociais.

Não importa qual seja o campo de ensino, os processos sociais e acadêmicos constroem uma noção do que seja um especialista em cada campo. Isto se configura nos currículos mínimos. O currículo mínimo visa a garantir esta noção de uma capacitação mínima para responder (ter responsabilidade) a uma ação que venha a desempenhar no futuro. Esta discussão é organizada em nível nacional. A definição do currículo mínimo pode sofrer influências de cada uma das universidades existentes, não é, no entanto uma decisão autônoma. Requer um debate nacional. Mesmo respeitando o currículo mínimo, ela tem um campo de ação e de competência, portanto, de responsabilidade: evitar repetições, transmitir o conteúdo do conhecimento aí previsto e, a meu ver, criticá-lo e relativizá-lo. A crítica e a relativização do conhecimento não têm sido garantidas. A tendência tem sido a de afirmar que este conhecimento é a verdade. A crítica não deve ser só do conteúdo da profissão, mas também da metodologia das ciências, das regras de pensamento, do raciocínio lógico que está aí impregnado. Eu diria que este procedimento, por si só, garante a formação de um profissional capaz e crítico do conhecimento do seu campo específico. Este currículo, por ser obriga-tório a todos os alunos, pode ser organizado de forma seriada. Há uma homogeneização das turmas quanto ao conteúdo, maior eficiência no ensino, evita-se a superlotação de turmas. Vejo também algumas vantagens pedagógicas na organização seriada: como consistência de grupos de estudos e aproveitamento de alunos tutores, formais ou informais.

Respeitado o currículo mínimo e garantida a sua qualidade, sobra ainda um espaço de carga horária que a universidade pode e deve adicionar, para definir seu currículo pleno. A decisão sobre esta carga horária adicional é autonomia da universidade. Aqui é o campo onde ela pode definir a especificidade do profissional que ela forma. Pode responder à pergunta: qual é o profissional que queremos formar? A universidade tem liberdade e autonomia para definir este espaço segundo uma política acadêmica própria. Digamos, para facilitar a exposição, que o currículo pleno terá, por exemplo, 30% a mais do que o currículo mínimo. Os 30% adicionados podem ser preenchidos com uma multiplicidade de conteúdos e de objetivos. O objetivo central é o conhecimento crítico da sociedade. Este espaço da carga horária pode ser organizado em uma multiplicidade de formas: por disciplinas individualizadas; conjuntos de disciplinas sobre um só campo temático, ou outras. Este campo deve ser eletivo, visando atender às individualidades de interesses e indagações dos aluno. Para garantir acesso na grade horária, por exemplo, o currículo mínimo pode ser oferecido nas segundas, terças e quartas-feiras, e as optativas, nas quintas e sextas, ou qualquer outro arranjo. Esta concentração pode facilitar a organização do tempo de pesquisa dos professores.

O conteúdo e os objetivos destes 30% da carga horária podem incluir conteúdos dos mais variados, tais como, filosofia da ciência, modernidade e pós-modernidade, cultura brasileira, visões de Brasil, relações sociais: de trabalho, de família; de produção, multimídia e comunicação, práticas esportivas e artísticas, dinâmicas econômica, social e política, integração latino-americana e Mercosul, história brasileira (agrária, econômica, política ou cultural), história da ciência; pensamento científico; história da universidade e da profissão; sociologia do conhecimento; sociedade e profissões; movimentos sociais; estudos do campo religioso; cultura popular; cultura e técnicas alternativas.

Este proceder acadêmico no ensino certamente aproximará o profissional das questões da sociedade. Vejo espaço para a ação: o que falta é vontade política, não das instâncias dirigentes, em particular, mas da comunidade acadêmica, em geral.


Um dos princípios presentes na discussão sobre a universidade brasileira refere-se à indissociabilidade entre ensino e pesquisa, princípio esse consagrado nos contratos de trabalho dos docentes em regime de dedicação exclusiva. Nesse sentido, a contribuição do professor na formação do estudante seria plena apenas se exercesse, paralelamente, alguma atividade de pesquisa. A própria avaliação da carreira docente, com freqüência, tem sido centralizada na primazia da pesquisa. Um possível contraponto a essa visão poderia se apoiar na necessária adequação das atividades de docência, de pesquisa e de administração acadêmica às potencialidades e vocação de cada profissional, bem como a uma hoje necessária divisão de trabalho no fazer acadêmico que justificaria uma especialização interna. O(a) senhor(a) poderia comentar a afirmação de que todo professor universitário deve ser um pesquisador?

Hugo E. Barbosa de Rezende - Concordo plenamente com os que postulam a tese de que é essencial na universidade brasileira a indissociabilidade do ensino, pesquisa, extensão, incluindo administração acadêmica. Entretanto, esta visão não deve ser individual e sim departamental. Não acredito em se exigir pesquisa de quem não tem aptidão para tanto, pois todos sabemos que os resultados seriam medíocres. Mas também não concordo que no âmbito do Departamento coexistam professores que fazem ensino e pesquisa, outros ensino e extensão, trabalhando muito mais do que os que se dedicam apenas ao ensino, quando os salários são iguais para todos.

Por isto, sempre defendi o plano departamental detalhado, minucioso, democraticamente discutido e cumprido. Também defendi, quando possível, a pós-graduação lato e stricto sensu como meta departamental. Nesse contexto, a missão e as tarefas de cada um ficam definidas e equilibradas. E assim concordo com os autores das questões quanto à adequação das atividades de docência, pesquisa, extensão e administração acadêmica. É justo que os que não se dedicam à pesquisa tenham, por exemplo, carga de aulas maior, ou então atividade compensatória na extensão ou na administração.

O que se deseja, finalmente, é que as responsabilidades definidas no Plano Departamental sejam divididas, que os relatórios individuais ao final dos períodos sejam verdadeiros, honestos e que a produção possa ser medida e a avaliação procedida.

Em um departamento com atividade de pós-graduação, existe forçosamente um ambiente de pesquisa muito forte, o que justifica o professor que apenas ensina. Pois, neste contexto, pode o mesmo se atualizar mais facilmente, dedicar-se em tempo integral ao preparo das aulas com riqueza de literatura (revistas, livros, relatórios, teses, etc.). Igualmente para a extensão. Para a administração acadêmica é essencial a existência de pessoas que tenham estas aptidões, haja vista a necessidade de coordenar, gerenciar, preparar projetos, relatórios ao mesmo tempo em que preparam para galgar cargos administrativos mais altos que exigem aptidão, competência, dedicação, para que a universidade possa estar presente onde for necessário e assim se desenvolver.

Infelizmente, a realidade é bem outra do que aqui se defende. Temos os núcleos de excelência, mas a maior parte dos departamentos da universidade necessitam com urgência de se adequarem à realidade que, mais cedo ou mais tarde, lhe será cobrada pela sociedade.

Assim, por exemplo, os departamentos deveriam ser chefiados somente por professores qualificados e com produção científica reconhecida. Todos os departamentos, com massa crítica mínima necessária, deveriam organizar cursos lato sensu, como fase inicial para o mestrado.

Assim também, obrigatoriamente (como previsto nos documentos legais) deveriam ter seus planos departamentais elaborados com base nas linhas de pesquisas, originárias dos planos individuais de trabalho. Neste plano, deveriam constar ainda, o planejamento atual e futuro, do ensino, pesquisa e, se possível, da extensão. Detalhado no que diz respeito às disciplinas de graduação, programas (que deveriam ser do conhecimento dos alunos e supervisionados no seu cumprimento integral pelo chefe e conselhos superiores). Rigoroso nas exigências para atender os pedidos de qualificação docente bem como no preenchimento das vagas existentes ou a existir. Legislar em favor dos competentes, regularizando consultorias, patentes, atividades dentro da universidade que resultariam em melhoria salarial, estimulando a competição em benefício da Instituição.

Enfim, estas e muitas outras questões que deixo de listar para não me alongar em demasia.

Ora, é sobejamente conhecido que o obstáculo é o corporativismo, a incompetência, a acomodação, a farsa dos que falam mas não querem qualquer modificação do vigente. A proteção a qualquer preço do status quo. "O chefe hoje sou, eu amanhã meu colega". Dar conta à sociedade da dedicação exclusiva, nem pensar. Pesquisa? Extensão? (absolutamente inexistente). E, o que é pior, zelam com esmero pelo "faz de conta que ensino e o estudante faz de conta que aprende". O pacto da incompetência e da ignorância. Programas não cumpridos, aulas mal dadas, pesquisa medíocre e nunca publicada, ausência no campus e para outros, infelizmente após 8 ou 9 anos de pós-graduação, retornam, se acomodam, e caem no lugar comum.

E para completar, quando surge uma vaga, articulam-se para preencher com candidatos afinados com a ideologia política ou então optam pelos subservientes que entram para servir, incompetentes, que jamais gerarão qualquer fruto. Para tanto, não se intimidam em brigar, argumentar e criar todos os entraves quando vêem aparecer candidatos qualificados e de notória capacidade. Convidar estrangeiros, e para muitos, fazer pós-doutorado ou simples intercâmbio científico, nem pensar. Nesse quadro, avaliação é tudo o que não desejam. Reclamam de sua ausência, mas conspiram contra ela.

Por tudo isto, é essencial um bom plano departamental bem avaliado e, quando possível, a existência da pós-graduação. Hoje, esta é avaliada. Força a pesquisa, exige dos envolvidos cuidar do prestígio individual e coletivo. Faz com que se preocupem com qualidade, qualificação, produção científica. Finalmente, por meio dos obrigatórios relatórios, atualizam-se os currículos, informam-se os pares em nível nacional, dá-se à sociedade a satisfação imperativa e ao país o desenvolvimento científico e tecnológico esperado.

A crise, se existente ainda para estes grupos, será por conta de outros problemas igualmente importantes, tais como, mais recursos financeiros, melhores orçamentos, mais bolsas, novos recursos humanos, melhores salários para a cabeça ficar livre para o pensar. Mas, na essência, para que isto aconteça é preciso amor à profissão escolhida e à instituição a que se dedica.

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José Antônio de Souza Veiga - O princípio da indissociabilidade entre o ensino, a pesquisa e a extensão, na maioria das oportunidades, tem sido interpretado de forma pequena; isto é, um só indivíduo, o professor, que, para alcançar tal status teria que ter desenvolvido suas aptidões o suficiente para atuar com desenvoltura e excelência em atividades tão complexas e extremamente dependentes de características natas.

Recentemente, observou-se a inclusão das atividades da administração universitária ao conjunto da indissociabilidade.

Todo professor universitário tem, antes de tudo, um compromisso social, o de atuar com competência. Para que isto ocorra deverá utilizar o limite de sua capacidade dentro de sua aptidão. É óbvio que a missão da universidade não pode ser cumprida com a dissociação do ensino, da pesquisa e da extensão, mas sim com trabalho conjunto, interdisciplinar, abrangente e inter-relacionado, evidentemente em equipe e não em uma só pessoa.

Cabe ainda uma reflexão sobre o quarto ambiente de atuação do professor universitário. As atividades de administração universitária devem ser exercidas com a visão de facilitar a plena execução das atividades de ensino, pesquisa e extensão.

Há que se entender que a administração universitária é o suporte para o eficaz cumprimento da missão universitária. O clímax da carreira docente é a titularidade e o reconhecimento pela comunidade científica e sociedade, e não a ocupação de função administrativa.

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Manlio Silvestre Fernandes - O professor não tem que ser obrigatoriamente um pesquisador ou, pelo menos, não tem que ser obrigatoriamente um pesquisador durante todo o período de sua atividade acadêmica. Achamos que todo professor, durante algum tempo da sua vida acadêmica, deve exercer alguma atividade de pesquisa. Isto nos remete a uma abordagem feita pelo prêmio Nobel de Ciência, Albert Saint Gyorgi, que disse: "A ciência contemporânea vive apoiada em duas colunas fundamentais: os instrumentos, que a ciência cria e usa, e a ética de fazer ciência". O processo individualizado de treinamento orientador-orientado, além do conhecimento em si, do uso das técnicas e dos instrumentos, envolve, sem dúvida alguma, a exposição do pesquisador em formação ao processo ético, que é fundamental na instituição universitária. Além disso, o processo de pesquisa científica permite ao professor o domínio de um método, de uma maneira de pensar, que é extremamente importante na sociedade contemporânea. Isso significa que parte dos professores universitários, uma vez iniciadas suas atividades de pesquisa, pode manter por toda a vida o mesmo ritmo e a mesma dedicação, porque tem vocação, qualificação e condições especiais para isso. Outros professores, ao longo da carreira, podem ter um envolvimento maior em atividades de ensino, de extensão, ou podem se envolver em atividades administrativas, que são secundárias dentro da universidade, mas nem por isso deixam de ser importantes. O essencial, na nossa opinião, é que em algum momento, particularmente no inicio da formação acadêmica, o professor esteja envolvido no processo de geração de conhecimento, dentro do sistema universitário. Alguém já disse que a universidade não ensina e pesquisa, ela só ensina porque pesquisa. Os próprios legisladores colocaram na nossa lei fundamental, na nossa lei maior, que "a missão da universidade é pesquisa, ensino e extensão", nessa ordem. Achamos que é de fundamental importância para a formação e desenvolvimento da ética no interior da universidade, que o professor passe pelo aprendizado do processo de geração de conhecimento. Esse é um processo individual, feito entre orientador e orientado, entre mestre e discípulo, caracterizando que ciência e ética estão intimamente ligadas.

A questão da diversificação e da especialização interna não se contrapõe ao que nós temos dito. Nada impede que, em algum momento da carreira universitária, o professor se especialize em atividades de extensão ou se dedique com maior ênfase ao processo administrativo. É essencial que no desenvolvimento de sua carreira, em algum momento, ele tenha tido a oportunidade de fazer parte desse processo de geração de conhecimento, que é fundamental na formação do espírito da universidade. Não serve de desculpa para ninguém, que a necessidade de fazer extensão ou de se envolver em administração, ou mesmo dar aulas, seja justificativa para que um professor universitário nunca passe pela experiência de gerar conhecimento. Um pesquisador da Capes disse, numa reunião na Rural, que, consultados os clientes da universidade, empresas ou instituições que contratam os profissionais da universidade, sobre que tipo de profissional eles queriam que a universidade produzisse, foi respondido que não queriam profissional treinado, eles queriam profissional treinável. Nessa opinião um pouco crua dos clientes, está colocada uma posição fundamental que a universidade deve ter. Nós não queremos formar um profissional somente capaz de simplesmente exercer uma técnica que seja adequada à sua atividade profissional. Nós queremos formar um profissional com ampla visão de sua área de conhecimento, que tenha formação científica que lhe permita tomar decisões, definir opções e corrigir rumos. Que seja capaz de perceber, de forma mais abrangente, o que é a sua área e em que direção ela caminha, sabendo interpretar que direções ela precisa ter. Nós não queremos formar um profissional que se torne obsoleto a cada nova mudança de processo tecnológico. Para isso é necessário que tenhamos uma universidade com uma área básica fundamental geradora de conhecimentos importantes. É necessário que o aluno tenha contato com o processo de geração de conhecimento na sua fonte, desde suas formas mais básicas. Além disso, como nós pretendemos formar um profissional capaz para o exercício da cidadania, é necessário que, além do conhecimento da sua técnica, o egresso da universidade tenha tido contato com todas as outras áreas de conhecimento humano. Isso permite que ele seja capaz de observar e agir criticamente junto à sociedade aonde vai se inserir como profissional, exercendo a sua cidadania no conjunto da própria sociedade.


Qual é a situação das universidades brasileiras no momento atual?

Manlio Silvestre Fernandes - Mais uma vez, neste momento, a universidade brasileira, além da sua permanente crise interna de geração de novos conhecimentos, de superar o velho e fazer nascer o novo a partir do velho, se depara com uma crise no relacionamento com a sociedade externa e, neste caso, de relacionamento com o governo, particularmente com o governo federal. Esse relacionamento não tem sido pacífico nos últimos tempos. De um lado existe o lobby privatista, poderoso e que não tem uma visão muito nítida de qual é a sua função, a função da instituição particular de ensino no país. Do outro lado, tem a própria universidade pública, que às vezes sofre de crise de identidade, com alguns dos seus segmentos não conseguindo perceber qual é a sua função. Neste contexto, marcado por um momento de impasse e de decisão, como é o momento das eleições, é preciso refletir sobre como nós estamos e o que nos espera. Estamos numa situação difícil. Num país em que nos últimos meses do ano não conseguimos ainda ter um orçamento, é claro que todos os procedimentos administrativos, incluindo aí os processos internos da universidade, passam por uma crise sem precedentes. Por outro lado, as expectativas de mudanças, que se vislumbram no horizonte, não são muito claras nem muito nítidas em relação ao conceito que temos da missão e da função da universidade. Dentre as grandes críticas que vêm sendo feitas ao sistema de universidades públicas, temos que eliminar aquelas ridiculamente equivocadas, do tipo "cálculo do custo do aluno", que não levam em consideração coisas tipicamente brasileiras, como o fato de que aposentados e pensionistas entram no custo atual das universidades públicas, o que não acontece no setor privado. Colocadas de lado essas críticas superficiais, veiculadas caricatamente pela mídia, existe uma crítica persistente e contínua a respeito dos desníveis nas universidades públicas brasileiras, que são agrupadas em dois grandes blocos e assim comparadas. De um lado, situam as grandes universidades, como a Universidade de São Paulo, Universidade Federal de Minas Gerais, Universidade do Rio de Janeiro, e mesmo instituições pequenas como a Escola Paulista de Medicina e a própria Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, como instituições que têm indiscutível qualidade. Do outro lado, as demais instituições espalhadas ao longo do país, que não conseguem atingir esse grau de excelência, ou não conseguem sequer manter áreas de excelência dentro de suas estruturas. A solução simplista que vem sendo apontada, inclusive em programas de governo, é de um rigoroso corte de verbas nestas instituições. Aqui se levanta a questão básica de novo. Qual é a função da universidade pública? Por que o Governo Federal cria uma universidade em cada estado da federação? Entendemos que a resposta está na abordagem inicial que nós fizemos na comparação com a África. Se não tivermos em cada unidade, em cada local, em cada área geográfica, uma instituição especializada no processo de gerar e transmitir conhecimento, fundamentada na formação da consciência crítica sobre a própria sociedade onde ela se insere, nós não alcançaremos o desenvolvimento qualitativo que se espera para a sociedade brasileira no seu conjunto. Se as universidades mais novas, se as universidades de áreas mais pobres, hoje ainda não atingiram excelência, ou não conseguem manter áreas de excelência dentro da sua estrutura, é necessário que se faça um esforço adicional para superar essas deficiências. Não é cortando verbas que se consegue isso, mas sim implementando programas, estabelecendo redes universitárias e melhorando as condições de financiamento. Nós acreditamos que para o desenvolvimento da sociedade brasileira, com justiça social, com qualidade, desenvolvimento da sociedade para a sociedade, as universidades públicas têm um papel preponderante. Em todas as regiões geográficas, em todos os estados brasileiros, é imperativo que as universidades tenham um mínimo de áreas de excelência. A luta que tem que se travar é para melhorar estas instituições, para desenvolvê-las, estabelecendo redes nacionais, troca de professores, processos de avaliação... A universidade pública brasileira já está envolvida no processo de avaliação. Não uma avaliação como se vê abordada pela imprensa e em programas de governo, uma avaliação para punir. A universidade brasileira precisa de uma avaliação que mostre direções, que aponte novos caminhos, que seja o instrumento das mudanças que devem ser feitas dentro da própria instituição universitária. Uma avaliação que faça com que a universidade exerça a função precípua de fermento social, de elemento crítico, de propulsor para o desenvolvimento da sociedade. Desenvolvimento no seu sentido mais nobre, no seu verdadeiro sentido. Desenvolvimento qualitativo da sociedade, eliminando as desigualdades, as áreas de injustiça, a dominação por estamentos, caminhando na direção de uma sociedade mais justa que é a aspiração de todos nós.