Estudos Sociedade e Agricultura

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José Luis Sandino

O desenvolvimento sustentável: um debate em curso


Estudos Sociedade e Agricultura, 3, novembro 1994: 194-198.

José Luis Sandino é aluno do CPDA.


A Comissão Mundial Sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento definiu desenvolvimento sustentável como o que satisfaz às necessidades do presente sem comprometer as gerações futuras. A argumentação se concentra em torno da dicotomia “norte-sul” e postula maior solidariedade do “norte” com o “sul” nos temas referentes à preservação ambiental (Terceiro Mundo, 1991: 4). Três eixos básicos a justificam, quais sejam:

1.      A tecnologia atual e a organização social pressionam o meio ambiente. Os modelos atuais de desenvolvimento, de maneira geral, estão apoiados em padrões de crescimento não sustentáveis no longo prazo.

2.      Assume prioridade cada vez maior a tarefa de satisfazer as necessidades das populações mais pobres, e de se introduzir uma dimensão ética e política na definição de desenvolvimento, o que irá requerer alterações qualitativas nos relacionamentos econômicos e sociais [1] .

3.      Propõe que a análise custo-benefício incorpore variáveis ambientais; enfatiza a importância da participação política da população; e, finalmente, recomenda equilíbrio entre o uso de recursos e o crescimento demográfico.

Este discurso está apoiado em três propostas ambientalistas:

1.      Manter os processos ecológicos fundamentais – dos quais depende a sobrevivência humana – como a fotossíntese, ciclos hidrológicos e reciclagem de nutrientes.

2.      Preservar a diversidade genética e biológica.

3.      Utilização sustentada das espécies e ecossistemas, ou, em outras palavras, respeitar a capacidade de renovação dos ecossistemas.

Diante de tais argumentos torna-se interessante elaborar uma análise da produção de representações e discursos que explicam a reprodução econômica dentro dos intercâmbios que se registram na ordem simbólica do capitalismo. Neste sentido, duas perguntas básicas devem ser respondidas para descobrir o que está por trás do conceito “desenvolvimento sustentado”: qual desenvolvimento e qual sustentabilidade estão em jogo?

A Comissão elabora avaliações diferenciadas entre dois grupos de países – pobres e ricos --, e identifica como causa principal dos problemas ambientais a crescente desigualdade que se estabelece entre ambos. Porém, o conceito de desenvolvimento aparece aqui como instrumento e estratégia para melhorar a qualidade de vida da população, na forma de um caminho linear, similar ao seguido pelas sociedades capitalistas avançadas (Diegues, 1992). É notável a ausência de um reconhecimento geográfico-cultural e, da mesma forma, de uma identificação de estilos alternativos de desenvolvimento reveladores da diversidade ecossistêmica e cultural. Permanecem intactos, e longe de serem superados, os “esquemas unidimensionais predominantes desde a época colonial e incrementados pela transnacionalização da produção da economia e da cultura” (CIT, 1989: 22)

Contribuição importante nessa direção é o esforço de W. Sachs em fazer uma reconstrução “arqueológica” do conceito de desenvolvimento (Sachs, 1992). O autor identifica um novo significado para o termo, construído no segundo pós-guerra, quando os Estados Unidos emergiram como nação hegemônica no cenário internacional e, como tal, recompondo a ordem global em novos termos.

Antes da consolidação da hegemonia norte-americana – continua Sachs – o desenvolvimento estava referido basicamente a recursos, excluindo o homem. Na nova acepção este é equiparado aos recursos: o desenvolvimento cultural é quantificado segundo o grau de desenvolvimento econômico; as pessoas passam a ser objeto de desenvolvimento. Por isso se diz que “as sociedades do Terceiro Mundo não são vistas como possibilidades, diversificadas e sem comparações possíveis de modos de vida humanos... sua condição de atraso ou não depende da direção imposta pelas nações hegemônicas” (Sachs, 1992).

Desta maneira, os “desenvolvidos“ julgam os “subdesenvolvidos” em função do que lhes falta, eliminando a possibilidade de desenvolvimentos alternativos: a dominação capitalista não se constrói sobre a idéia de alteridade. Tal compreensão provocou reações do movimento de Ecologia Profunda, que assinalou como grandes pontos ausentes do Informe Brundtland, uma análise imparcial da correlação de forças internacionais (comércio, transnacionais, tecnologia) e uma referência às correlações de forças político-sociais, aspecto relevante em países em desenvolvimento, onde a concentração de renda – ponto chave desta questão – se tornou um fenômeno estrutural.

Por outro lado – como observou Sunkel – a sustentabilidade do desenvolvimento é tida como possível “naquelas sociedades que investem no meio ambiente para assegurar sua conservação e sua recuperação” (Sunkel, 1991). Por trás disso a idéia básica é tornar a natureza uma “capital natural”, com traços similares a um “capital fixo” contabilizado em escala de combinação com o “capital variável”.

Entretanto, no Informe Brundtlant, é recorrente o destaque da ação dos países pobres como causa da deterioração ambiental, deixando de fora os efeitos provocados por outros agentes e instituições, responsáveis importantes pelos processos de deterioração ambiental: as grandes empresas privadas e públicas, as políticas de organismos multilaterais de crédito e agências de cooperação ao desenvolvimento.  Ademais, exclui os problemas ambientais das cidades do mundo desenvolvido assim como as conseqüências da assimilação deste modelo de urbanização na América Latina (CIT, 1989: 28-30).

Esta última colocação é contestada pelo pensamento econômico indiano. Este advoga a necessidade de introduzir uma perspectiva holística nos discursos econômicos e ecológicos como  base de abordagem das relações entre sociedade humana e ecossistemas naturais. Tal perspectiva amplia a crítica às idéias desenvolvimentistas hegemônicas devido à centralidade atribuída ao uso de recursos naturais para a produção de mercadorias e acumulação capitalista (economia de mercado), ignorando os processos de regeneração dos recursos naturais (economia natural) e o processo de interação com a natureza da população excluída do mercado (economia de sobrevivência). Só a conceitualização dessas três economias em um único marco teórico possibilitaria o nascimento de uma nova economia de desenvolvimento [2] .

Assim, quando a perspectiva da economia ecológica oferece uma visão de progresso técnico baseado na prudência tecnológica, ou na hipótese de preferências humanas, tecnológicas e organizacionais refletirem as oportunidades ecológicas, se evidenciam as debilidades desse discurso (Maimon, 1993: 64). Isso é ilustrado pela dinâmica recente das investigações em biotecnologias e seu efeito perverso sobre a biodiversidade, processo amplamente analisado desde a “revolução verde”.

Em artigo recente Diegues (1992) faz um esforço direcionado, partindo do nosso ponto de vista, para a superação dos impasses do conceito de desenvolvimento sustentável resumido nas páginas anteriores. A idéia central do autor – que estabelece um paradigma de desenvolvimento distanciado do padrão dominante nas atuais sociedades industriais – sugere que cada sociedade deve definir seus padrões de consumo e produção como um produto cultural, fruto de seu desenvolvimento histórico e de seu meio-ambiente natural. Desta forma, é impossível pensar um único tipo de sociedade com crescimento sustentável. Na realidade, seriam muitas as possibilidades, marcadas cada uma delas pela diversidade e pautadas por princípios fundamentais de sustentabilidade ecológica, econômica, social e política.

Neste contexto, a sustentabilidade é a “persistência, por largo período de tempo, de certas características necessárias e desejáveis de um sistema sócio-político e seu ambiente natural”; é um princípio ético, normativo. Para chegar a um padrão societário desta natureza faz falta a sustentabilidade ambiental, social e política, esta última compreendida como um processo e não um estado final. Aqui, a demanda fundamental é a necessidade de um sistema político que tenha a capacidade de estabelecer trocas de maneira auto-regulada.

 

Resumindo: este detalhe sobre as possibilidades de um desenvolvimento sustentável alternativo postula a necessidade de uma transição para um padrão societal em que a democracia e o mercado apareçam como eixos fundamentais. Neste discurso, tais categorias chaves se relacionam diretamente com os processos políticos, cujos resultados são previsíveis somente a longo prazo. Democracia, aqui, é entendida como criação de direitos, e posto que nossas sociedades ainda navegam num oceano de carências e privilégios (Chauí, 1994), sua realização se torna um requisito fundamental para uma modificação radical das relações de mercado e meio-ambiente.

 

Bibliografia:

Bandyopadhyay, J. e Silva, V. Political economy of ecology movements. Ifda Dossier. Nyon, Suiça, n. 71, 1989: 46-49.

Chauí, M. “De alianças, atrasos e intelectuais”. Folha de São Paulo. 24/4/94, p. 3.

CIT – Centro de Investigações Tepoztlan. Nuestro futuro común: una perspectiva latinoamericana. Ifda Dossier. Nyon, Suiça, 79, 1989.

Diegues, A. C. Desenvolvimento sustentável ou sociedades sustentáveis. São Paulo em perspectiva. São Paulo, 6 (1-2), jan-jun/1992.

Maimon, D. “A economia e a problemática ambiental”. In: Freire, V. P. e Maimon, D., orgs., As ciências sociais e a questão ambiental. Rumo à interdisciplinaridade. Belém, APED & NAEA, 1993.

Sachs, W. Esplêndido fracasso. Comunicações do ISER. 44. Rio de Janeiro, ISER, 1992.

Sunkel, O. “El desarrolo sustentable. Del macro concepto a una propuesta operacional”. Medio ambiente y urbanización, 31, 1991. Citado por Acselrad, H. “Desenvolvimento sustentável: a luta por um conceito”. Proposta. Rio de Janeiro, FASE, 56, 1993.

Terceiro Mundo. Ecologia e Desenvolvimento. Rio de Janeiro. Terceiro Mundo. 2, 1991: 4.

 

Notas

[1] Aspecto também ausente na chamada economia ecológica, que propõe a endogenização de externalidades meio-ambientais no cálculo econômico através de instrumentos que ampliem os fatores considerados no cálculo.

[2] Em relação à dinâmica da economia de sobrevivência este enfoque postula que: “na maior parte do Terceiro Mundo grande quantidade de pessoas consegue seu sustento na economia de sobrevivência que permanece invisível para o desenvolvimento orientado para o mercado. Em um contexto de recursos limitados, a destruição da economia de sobrevivência se dá através (da apropriação) dos recursos naturais que sustentam diretamente a existência humana para gerar crescimento na economia de mercado”. (Bandyopadhyay, J. & Shiva, 1989: 46-49).