Estudos Sociedade e Agricultura

autores | sumário

 

Ademir Antonio Gazella & Bernard Roux

Agribusiness em questão: a emergência da agricultura multifuncional


Estudos Sociedade e Agricultura, 13, outubro 1999: 46-69.

Resumo: (Agribusines em questão: a emergência da agricultura multifuncional). Neste artigo procura-se indicar que a ‘’multifuncionalidade’’ da agricultura tem sido adotada como instrumento de desenvolvimento rural pela União Européia. Essa característica da atividade agrícola se tornou mais relevante que a ‘’pluriatividade’’ dos agricultores. A primeira parte coloca em evidencia, de um lado, o forte sistema de subsidio da Política Agrícola Comum (PAC), responsável pela manutenção de uma agricultura produtiva, e, do outro lado, as medidas de menor importância financeira, que apóiam o exercício de uma agricultura multifuncional. A segunda parte discute as diferentes iniciativas de uma fração considerável de agricultores que praticam uma agricultura centrada na qualidade dos produtos, no respeito ao meio ambiente e na valorização dos territórios menos adaptados à agricultura produtivista. As conquistas e os resultados práticos nessa segunda direção têm colocado em questão o modelo agrícola dominante na Europa dos Quinze.

Palavras-chave: agribusiness, desenvolvimento agrícola, multifuncionalidade.

Abstract: (Agribusiness in Question: The Emergence of Multifunctional Agriculture). This article shows that the ‘’multifunctionality’’ of agriculture is being progressively promoted by the rural development policies of the European Union. This feature of agricultural activity is becoming more important then the ‘’pluriactivity’’ of farmers. The first part analyses, the system of direct subsidies under the Common Agricultural Policy, witch principally supports productivist agriculture. The second part presents, the various initiatives being undertaken by the growing number of farmers who favor a different form of agriculture: one which stresses the quality of its products, the protection of the environment, and territorial development – aspects which until now have been neglected by productivist agriculture. The advances and practical results of this new approach to farming are challenging the dominant model of agriculture within the European Community.

Key words: Agribusiness, Agricultural Development, Multifunctionality.

Ademir Antonio Cazella é professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); doutorando da Université François Rabelais de Tours (França).

Bernard Roux é pesquisador do Institut National de la Recherche Agronomique (INRA) (França).


Introdução

Olhar para o exterior e principalmente para os países do Primeiro Mundo tem colaborado para repensar o desenvolvimento rural brasileiro. Essa prática concerne não apenas ao setor governamental, mas também a boa parte dos cientistas sociais e das organizações não-governamentais. É assim, Poe exemplo, que nos últimos anos constituiu-se um consenso sobre o imperativo de se criar novas atividades rurais, porem não-agrícolas, ou então pluriatividade dos agricultores.

É de praxe afirmar-se que são diferentes as “condições” entre países e que não caberia simplesmente copiar modelos. Na prática, no entanto, tem sido reduzida a reflexão sobre as “condições” diferentes. Ao contrário, as tentativas de adaptar a análise do desenvolvimento rural dos paises ricos para as condições brasileiras acompanham-se de um obscurecimento dos debates em torno de certas tendências e do caráter contraditório de que são portadoras. Ou seja, as contradições presentes no modelo de desenvolvimento desses países passam despercebidas ou são vistas como secundarias. Acaba-se, assim, pensando o rural brasileiro com as referencias analíticas utilizadas para a União Européia (UE) ou para os Estados Unidos. Seguindo essa perspectiva, a agricultura não seria mais a atividade por excelência do meio rural e as outras ocupações, principalmente no setor “serviços”, tenderiam a predominar, devendo, portanto, ser priorizadas pelas políticas de desenvolvimento rural.

O debate atual sobre o desenvolvimento rural brasileiro chama a atenção por duas razões. Por um lado, pela importância exacerbada atribuída à pluriatividade dos agricultores e, por outro, pela ausência de reflexão sobre a segurança alimentar, quando há sugestões de políticas de desenvolvimento rural para o país. Esquece-se, por exemplo, que a UE, desde a sua criação, elegeu como prioridade a segurança alimentar. Somente depois de ter atingido uma posição de superávit no comércio agrícola, há mais de 10 anos, é que as novas funções do meio rural e da agricultura em particular passaram a ganhar maior atenção.

Segundo Pisani e Hervie (1996), se na UE não mais é possível limitar a função dos agricultores à produção de alimentos baratos para a população urbana em expansão, pensar-se em generalizar esse modelo é uma ilusão. Nos países pobres, a agricultura deve cumprir o papel de garantir a segurança alimentar e de gerar uma ocupação para uma “população camponesa” ainda relevante.

Além disso, o conjunto de transformações que está em curso na agricultura da UE é tão mais importante que o fenômeno da pluriatividade dos agricultores. O significado desta noção requer algumas observações. A concepção de pluriatividade adotada pela Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico (OCDE), uma das instituições internacionais que defende a liberalização irrestrita do mercado, se baseia nas formulações sobre o tema desenvolvidas por Fuller (1990). Esse autor considera pluriativo todos os agricultores que, além das praticas agrícolas stricto sensu, executam a transformação e a venda direta da produção, o agroturismo, a proteção da natureza e a “produção” de paisagens no interior da propriedade, assim como as atividades remuneradas que não estão intimamente ligadas à exploração agrícola. A maior parte dessas atividades compõe, no entanto, o caráter “multifuncional” da agricultura. Essa diferenciação esta longe de ser mais uma querela semântica, uma vez que revela duas dimensões completamente opostas sobre o papel da agricultura nos processos de desenvolvimento rural. Uma – a da pluriatividade – procura chamar a atenção para as funções fundamentais das atividades agrícolas para o desenvolvimento sustentável de cada país. Ao discurso do poder criador do progresso técnico, esta ultima opõe o direito dos povos à segurança alimentar, à qualidade dos alimentos e ao meio ambiente.

Nosso propósito neste artigo consiste em analisar como a “multifuncionalidade” da agricultura tem se tornado um elemento estratégico nos processos de desenvolvimento rural. Assim, a partir da experiência francesa, vamos discutir, inicialmente, as principais transformações ocorridas na agricultura da EU nos últimos 40 anos, tentando identificar as conseqüências socioeconômicas decorrentes desse período de progresso técnico intensivo. Num segundo momento, tratamos das tendências em curso de reformulação do modelo de desenvolvimento agrícola produtivista. Para tanto, analisamos a crescente demanda dos produtos agrícolas de qualidade, a preocupação com a proteção ambiental e as políticas publicas que priorizam as atividades agrícolas como fator de valorização territorial e de inserção profissional de categorias sociais marginalizadas [1] .

 

As heranças de 40 anos de agricultura produtiva

A França é o segundo país agroexportador mundial, superada apenas pelos Estados Unidos. Dos seus 2,3 milhões de unidades de produção agrícola do pós-guerra (1955) restam apenas 730 mil, 40 anos depois. Um estudo prospectivo da Delegação de ordenamento do território e da ação regional (Délégation à l’aménagement du territoire et à l’action régionale) prevê a manutenção de 500 mil estabelecimentos agrícolas rentáveis a partir de 2005. Para que isso aconteça, os cerca de 10 mil produtores agrícolas que se aposentarão anualmente no curto prazo devem ser substituídos por novos agricultores.

Ao longo deste século profundas mudanças acorreram na agricultura do país. A população agrícola ativa passou de 50% para menos de 5%. O desenvolvimento tecnológico permitiu aumentar em pelo menos 20 vezes a relação entre ativo agrícola e pessoas alimentadas. A população agrícola familiar de oito milhões de pessoas em 1955 encontra-se reduzida a três milhões em 1990. Menos da metade dos chefes das unidades de produção agrícola trabalhava em tempo integral na agricultura em 1993. No período de 1988 a 1995, uma média anual de 40 mil unidades produtivas desapareceram (Hervieu, 1996; MAP, 1997).

Ressalta-se que essa mudança ocorreu sem que o assalariamento agrícola substituísse a mão-de-obra familiar. Em 1993, a força de trabalho familiar ainda representava 84% do trabalho agrícola total. Embora a agricultura francesa continue assentada sobre base familiar, sua população agrícola tende a ser cada vez mais solitária no trabalho. Em 1955, os estabelecimentos agrícolas individuais eram superiores a um terço do total e aqueles onde o cônjuge era, praticamente, a única força de trabalho disponível ultrapassavam os 45% (Hervieu, 1996; Blanc et al, 1990).

Mendras (1967 / 1992), 20 anos depois da primeira edição do seu livro La fin dês paysans, reafirma a idéia de que, em uma geração, a civilização camponesa milenar francesa deu lugar aos agricultores modernos que seguem as regras ditadas pelo mercado. Alem disso, diz que os agricultores se tornaram minoritários nas zonas rurais e a pluriatividade das famílias é uma pratica corrente.

Segundo Hervieu (1996), outra característica da atual economia agrícola francesa é sua concentração territorial. Dos 96 departamentos metropolitanos, somente 10, aqueles situados ao norte de uma linha imaginaria Nantes – Strasbourg, abrigam o principal das atividades agrícolas. Já as regiões montanhesas foram severamente penalizadas pelo modelo agrícola produtivista.

A agricultura sempre ocupou um lugar de destaque no longo processo de construção da União Européia. A Política Agrícola Comum (PAC), criada em 1962, consolidou e mantém, sem duvida, o modelo de desenvolvimento agrícola produtivista. Em 1998, 48% dos 86,9 bilhões de Euros do orçamento da UE foram gastos com a agricultura. Entre países – membros, a França é responsável por um quarto das despesas agrícolas do orçamento comunitário. Em média, a despesa publica real [2] desse país por unidade de produção agrícola passou de 55 mil francos (9.200 dólares), em 1990 a 102 mil francos em 1998 (despesas nacionais mais as da UE). Esse aumento se explica, em parte, pela diminuição do numero de estabelecimentos agrícolas, mas também pelo aumento orçamentário que, de 56 bilhões, atingiu os 73 bilhões de francos no mesmo período. Um aumento substancial de 30% (MAP, 1998).

O ano de 1999 começou na UE com o lançamento da moeda única (Euro), e com o sempre acirrado debate quando se trata de reformular a PAC. As ultimas reformas dessa política procuraram diminuir os problemas ligados ao excesso de produção agrícola e às pressões exercidas pela Organização Mundial do Comércio (OMC), contrárias à concessão de subsídios aos preços agrícolas. Com o objetivo de contornar essa situação, uma mudança drástica na maneira de auxiliar a agricultura foi adotada em 1992. A política de preços subsidiados deu lugar ao sistema de subsídios diretos aos agricultores. Dessa forma, os agricultores comercializam seus produtos pelos preços que tendem a se alinhar cada vez mais aos do mercado mundial, mas são compensados por depósitos diretos, oriundos de Bruxelas, em suas contas bancárias.

Depois da reforma da PAC, de 1992, as grandes desigualdades na repartição dos subsídios tornaram-se visíveis (Petit, 1999). A metade do valor dos subsídios diretos destina-se apenas a 86 mil agricultores. Os produtores familiares que praticam uma agricultura altamente intensiva no uso de insumos industriais e poupadores de mão-de-obra são de longe os maiores beneficiados. Em 1995, 58% das unidades de produção agrícola francesa asseguravam 95% da produção agrícola final e recebiam 93% das subvenções diretas destinadas à agricultura (Bazin, 1998).

Além disso, os subsídios agrícolas são liberados sem nenhuma contrapartida dos agricultores em termos de proteção do meio ambiente. Um mesmo agricultor pode receber elevadas somas da União Européia para praticar uma agricultura intensiva e poluente e um montante menor para adotar algumas medidas ligadas ao meio ambiente (controle de nitrato, plantio de cercas vivas, manutenção dos acessos para turismo rural, embelezamento da propriedade etc).

Segundo Abramovay (1994), a adoção de uma agricultura dual, como forma de resolver, ao mesmo tempo, os problemas de preservação do meio ambiente e a necessária redução dos excedentes agrícolas, faz parte do modelo de desenvolvimento rural da UE. Por agricultura dual entenda-se uma minoria de agricultores produtivista responsáveis pela maior parte da produção agropecuária e, ao lado desses, os agricultores “jardineiros da natureza”, cuja principal função social é cuidar da paisagem e garantir a integridade da território. Nesse sentido, a ênfase dada aos “mercados de clientela” e às “amenidades rurais” (turismo, contemplação da paisagem, caça etc), correspondem a um consistente projeto liberal para a questão ambiental.

A análise do repasse dos recursos públicos franceses destinados aos agricultores, para que adotem medidas de preservação ambiental, tal como a extensificação da atividade, ou para permanecerem nas regiões naturalmente desfavorecidas (montanha), corrobora a tese da agricultura dual. Somente cerca de 6% do montante liquido total são gastos com esta finalidade. Ou seja, aproximadamente 4,4 bilhões de francos (MAP, 1998).

Essa situação está diretamente ligada à capacidade de pressão e de mobilização da Federação Nacional dos Sindicatos de Produtores Agrícolas (Fédération Nationale dês Syndicats dês Exploiants Agricoles – FNSA). Praticamente a metade dos 40 mil agricultores que participaram da manifestação contra a reforma da PAC, em fevereiro de 1999 em Bruxelas, eram franceses e ligados a esse sindicato. Entre seus colegas europeus, eles eram as vedetes não só pelo peso numérico, mas também pela invasão do Ministério do Meio Ambiente e do Ordenamento Territorial, que realizaram poucos dias antes da manifestação [3] . A modernização rápida e intensiva da agricultura no pós-guerra contou com uma importante aliança política entre o governo do general De Gaulle e o sindicalismo majoritário da época. A FNSEA e o Centro Nacional de Jovens Agricultores (Centre National dês Jeunes Agriculteurs – CNJA), sua ala jovem, mantêm até hoje uma posição política dominante no setor.

A demanda social dos produtos agrícolas de qualidade, por uma agricultura menos poluente e pela valorização dos diferentes tipos de territórios tem se demonstrado, no entanto, capaz de influenciar os rumos do desenvolvimento agrícola e rural nesses últimos anos. Esses temas ganharam força depois do escândalo provocado pela doença da “vaca louca” (encefalia espongiforme bovina). Se a agricultura produtivista foi eficaz na produção massiva de alimentos a baixos preços, ela gerou, também, a insegurança dos consumidores quanto ao efeito dos alimentos sobre a saúde. Esse quadro tem provocado algumas inflexões na política agrícola européia, a ponto de colocar em questão se o que está em curso é a consolidação do modelo de agricultura dual ou a construção de um novo modelo.

 

A crescente demanda pela qualidade dos produtos agrícolas

Apesar da manutenção da prioridade orçamentária para a agricultura produtivista, cresce o numero de agricultores interessados em agricultura menos poluente. Embora, em muitas situações, pairem duvidas e existam controvérsias sobre os critérios adotados para definir a qualidade, o interesse do consumidor pela origem do produto agrícola não é mais negligenciado nem pelos agricultores, nem pelos distribuidores. Duas importantes redes de supermercados francesas, por exemplo, decidiram não utilizar suas marcas nos produtos modificados pela engenharia genética.

A nova celebridade francesa é um agricultor (José Bové), que coordenou a demolição de um restaurante da rede McDonald’s realizada por um grupo de agricultores da Confederação Camponesa (Confédération Paysanne – CP), em agosto de 1999. Eles protestavam contra a taxação norte-americana dos produtos agrícolas da UE. A Organização Mundial do Comércio havia aprovado essa medida de retaliação devido a proibição européia de importação de carne bovina dos EUA e do Canadá, países que autorizaram o uso de hormônios de crescimento animal. Durante os 15 dias em que José Bové ficou encarcerado, uma onda de protestos e de manifestações de solidariedade monopolizou o cenário político francês.

O caso dos transgênicos, ou Organismos Geneticamente Modificados (OGM), é também exemplar. A resistência aos transgênicos não se restringe mais as organizações ambientalistas e a alguns sindicatos agrícolas minoritários. Em junho de 1999, os ministros do meio ambiente dos 15 países da UE decretaram uma moratória à comercialização de novos produtos transgênicos por um período de dois anos. Na França, a Confederação Camponesa, sindicato agrícola de oposição à FNSEA, foi uma das primeiras organizações francesas a se opor ao cultivo dos transgênicos. Atualmente, o número de agricultores preocupados com o problema ultrapassa a base social desse sindicato.

Indicativo disso são as negociações iniciadas entre três cooperativas agrícolas francesas e uma cooperativa brasileira do Rio Grande do Sul visando o comercio de soja não-transgênica para a alimentação animal na França. A iniciativa do governo gaúcho em decretar o estado como “zona livre de transgênicos” teve uma excelente repercussão entre os pecuaristas franceses que dependem, em grande parte, da soja para alimentação dos animais [4] .

Os selos oficiais de qualidade e seus respectivos “cadernos de normas” (cahiers de charges), representam o que existe de mais avançado no campo da qualidade dos produtos agrícolas. Na França, quatro selos de qualidade são reconhecidos oficialmente: a Denominação de Origem Controlada (Appellation d’ Origine Controlée – AOC), o Label, a Certidão de Conformidade do Produto (Certifition de Conformité de Produit – CCP), e a Agricultura Biológica (Agriculture Biologique – AB). A AOC atesta uma característica típica do produto definida por certas particularidades ligadas a micro região de produção e ao savoir faire do produtor. O Label garante uma qualidade superior resultante da adoção de técnicas especiais no sistema de produção como, por exemplo, o uso de raças de crescimento lento, uma maior idade de abate ou uma alimentação especial dos animais. O CCP é definido pelas características especificas do produto registradas num regulamento ou numa norma técnica. O selo AB equivale à agricultura orgânica no Brasil e corresponde a um modo de produção particular que, entre outras coisas, não utiliza produtos químicos de síntese nos sistemas produtivos.

A UE adotou em 1992 um regulamento que cria seus próprios selos de qualidade para os produtos agrícolas: a Denominação de Origem Protegida (Appéllation d’Origine Protégée – AOP), a Indicação Geográfica Protegida (Indication Géographiuque Protégée – IGP), e a Agricultura Biológica. Se a AOP corresponde ao AOC francês, o IGP, por sua vez, vem das tradições alemã e inglesa e não tem um equivalente francês. A obtenção de um IGP nesse país só é possível para aqueles produtos que possuem em label ou uma CCP.

A noção de qualidade evolui rapidamente na agricultura e fora dela. Nos últimos anos, alem da qualidade por cadeia produtiva, está se constituindo uma nova dinâmica voltada para a qualidade dos processos de produção. Assim, ao lado dos selos oficiais, começam a ganhar importância as ações que consideram a qualidade da unidade de produção agrícola na sua globalidade. São os casos da agricultura biológica e dos produtos fermiers [5] .

 

a) A agricultura biológica.

A agricultura biológica é, sem duvida, a forma pioneira de utilização da noção de qualidade na agricultura. A associação Nature et Progrès, um importante marco nesse processo, foi criada nos anos 1960 na França e apresenta como particularidade o fato de reunir produtores e consumidores no seu quadro associativo. Essa organização tem como principio de base a independência das instituições de desenvolvimento da agricultura biológica vis-à-vis a das agroindústrias. “A ideologia pode então ser considerada como um ‘verdadeiro’ principio organizador da agricultura biológica na França” (Pernin, 1995: 213).

Nesse país, a denominação agricultura biológica é preferida à orgânica ou ecológica e seus princípios foram regulamentados pela política de orientação agrícola de 1980. Em 1992, foi a vez da UE legislar sobre o tema. O regulamento europeu reconhece como iguais as três designações difundidas nos países membros: biológica, orgânica e ecológica. Atualmente, essa modalidade de agricultora encontra-se em plena expansão na UE, embora esteja longe de se contrapor ao modelo produtivista.

A Itália, a Alemanha, a Áustria e a França são países, em ordem de importância, que apresentam as maiores áreas certificadas de agricultura biológica. A área cultivada na Itália dobrou em 1997. passando para 640.000 ha. A Alemanha tem 390.000 ha e a Áustria 345.000 ha cultivados. A Áustria é o país onde a agricultura está melhor implantada, com 9% da superfície agrícola útil.

Em 1997, a França tinha 165.000 ha em agricultura biológica e a previsão era de atingir 235.000 em 1998, considerando as unidades de produção agrícolas em conversão [6] . Essa superfície representa em torno de 6.500 estabelecimentos biológicos ou em conversão e menos de 1% da superfície agrícola útil. Segundo o Observatório Nacional da Agricultura Biológica francês (1997), o objetivo é atingir 25.000 agricultores e um milhão de hectares para o ano de 2005. Para tanto, será necessário converter cerca de 2.500 unidades de exploração agrícola e 100.000 ha por ano. O atual governo da “esquerda plural” tem incentivado a agricultura biológica numa clara tentativa de recuperar o atraso relativo do país nessa área.

 

b) Os produtores fermiers

O qualificativo fermier não tem o mesmo estatuto jurídico dos selos oficiais de qualidade. No entanto, três condições são exigidas pela Direção Geral da Concorrência, do Consumo e da Repressão de Fraudes referentes a utilização desse termo nas etiquetas e nas marcas comerciais das empresas: a) os produtos devem ser fabricados pelos agricultores na propriedade ou numa Cooperativa da Utilização de Materiais Agrícolas (CUMA) [7] ; b) os ingredientes de base devem ser oriundos da exploração agrícola; c) o modo de fabricação deve ser artesanal e seguir um savoir faire tradicional.

Uma ação nacional visando a mobilização das instituições agrícolas e de agricultores que se interessam pela promoção e pelo reconhecimento dos produtos fermiers data de aproximadamente 10 anos. Nesse período, três encontros e seis exposições nacionais de produtores fermiers foram organizados com o apoio do Ministério da Agricultura e da Pesca e dos dois principais sindicatos agrícolas. Os progressos nessa área podem ser avaliados pelos temas dos encontros nacionais, que reúnem agricultores, profissionais da assistência técnica e da extensão rural, pesquisadores e sindicalistas. Ou seja, em menos de 10 anos uma verdadeira rede de valorização dos produtos fermiers foi construída. Da fase de interrogação sobre a pertinência dos produtos fermiers, passou-se ao reconhecimento da necessidade de uma regulamentação que proteja e valorize os produtos transformados e comercializados diretamente pelos agricultores.

O primeiro encontro em 1990 teve por tema “Transformar e vender os produtos fermiers: quais perspectivas?”. O segundo em 1994, discutiu sobre a “Venda dos produtos fermiers: estratégias e práticas coletivas”. Finalmente, em 1998, o debate foi sobre os “Produtos fermiers: melhor se conhecer para se fazer reconhecer”. Desse ultimo encontro, uma Carta Nacional de Engajamento de agricultores e uma federação nacional das associações de produtores fermiers foram constituídas. Os coordenadores desse evento estimam que 30% dos agricultores franceses praticam a venda direta ou em circuitos curtos de comercialização, de toda ou de parte da sua produção. O contato direto com os consumidores os levam a garantir um produto de qualidade superior ao padrão “industrial”.

“Contrariamente a uma carta de qualidade, que depende de cadernos de normas (cahiers de charges) e de controles formais, a Carta de Engajamento repousa antes de tudo na vontade do produtor de se engajar numa dinâmica que reside na confiança que ele pode criar com o consumidor”. (Trintignac et al. 1999: 335).

 

Carta Nacional de engajamento dos produtos fermiers

Federação nacional das associações de produtores fermiers

Os representantes das associações dos produtores fermiers, reunidos em Dijon em abril de 1998, retiveram oito pontos de convergência para a identificação dos produtos fermiers.

Os produtores fermiers são os agricultores em atividade inscritos na Mutualidade Social Agrícola (a MAS é o fundo de previdência dos agricultores franceses);

Eles são produtores e transformadores das suas matérias-primas e vendedores dos seus produtos;

As matérias-primas principais e discriminatórias dos produtos vêm exclusivamente das suas explorações agrícolas. Nos casos de ateliês em comum, cada produtor deve fazer seu produto com a sua própria matéria-prima. As intervenções técnicas devem considerar a manutenção das características do produto. Elas são executadas pelo produtor e permanecem sob sua responsabilidade;

Os produtores fermiers elaboram seus produtos de maneira não-industrial em ateliês de dimensões limitadas. Assim, eles participam em cada etapa dos processos de fabricação dos produtos;

Eles têm responsabilidade de produtor-transformador-vendedor até a apresentação final dos produtos;

Fora do quadro da venda direta, seus nomes e endereços são obrigatoriamente escritos nas embalagens dos produtos (dentro de uma lógica de transparência), sem a remarcagem do distribuidor. Assim, o produto é identificado ao produtor e ao território de origem;

Eles aplicam a regulamentação em vigor, sob a responsabilidade dos serviços competentes. Eles se engajam em respeitar um caderno de normas descritivo de cada produto;

Eles trabalham na perspectiva de uma agricultura sustentável e respeitosa do meio ambiente.

Fonte: Actes dês 3e rencontres d’ associations de producteurs fermiers.

A qualidade aqui é definida mais pela relação direta estabelecida entre produtor e consumidor do que pelo controle de organismos externos, como é característico nos selos oficiais. Esse tipo de engajamento dos produtores se torna importante a partir do momento em que algumas interrogações sobre a qualidade na agricultura começam a ser formuladas. Para Vaceschini (1999), existe uma certa tendência à banalização dos selos de qualidade ligados à origem geográfica dos produtos.depois que a UE estendeu esse dispositivo de tradição claramente francesa para o conjunto dos países-membros, porém é bem provável que, para as gerações futuras, a origem geográfica dos produtos agrícolas não tenha o mesmo valor de diferenciação da qualidade que ela representa atualmente. Em contrapartida, as diferentes formas de poluição provocadas pela agricultura produtivista começam a ser questionadas pela sociedade. A associação da qualidade dos produtos agrícolas à proteção do meio ambiente e à valorização dos diferentes tipos de territórios é um quadro que começa a ganhar contorno.

 

A preocupação ambiental na agricultura

O atual consenso em torno das políticas agroambientais não estava nem um pouco visível no inicio desta década. A rápida evolução, verificada tanto no debate cientifico, quanto na adoção de medidas agroambientais, permite o questionamento se o que está em curso é o fortalecimento da dualização da agricultura ou a construção de um novo modelo de desenvolvimento agrícola. O setor agrícola nunca teve suas práticas de produção submetidas a um julgamento tão dependente da negociação com outros setores sociais como atualmente. Os representantes do setor não são mais os únicos especialistas a opinar sobre as políticas agrícolas (Alphandéry e Billaud, 1996).

Nesse domínio, a noção de agricultura sustentável começa a ser adotada nos discursos de diferentes atores sociais. Afiliada ao conceito do desenvolvimento sustentável difundido pelo relatório Bruntdland em 1987, essa noção preconiza a prática de uma agricultura que responda às necessidades atuais sem colocar em risco os recursos naturais para as gerações futuras. Segundo Landais (1998), a sustentabilidade de uma propriedade agrícola considera quatro componentes: o econômico, o social, o intergeracional e o meio ambiente.

a) o componente econômico corresponde à viabilidade econômica do grupo familiar e não exclusivamente da unidade agrícola [8] . A segurança da renda familiar deve considerar, no longo prazo, a estabilidade dos subsídios agrícolas e das rendas não-agrícolas;

b) o componente social é definido pela qualidade de vida dos integrantes da família. Não se trata aqui exclusivamente da qualidade do trabalho agrícola, mas também das relações externas que os membros da família mantêm com as “redes socioprofissionais”, com os serviços públicos e com os demais atores locais;

c) o componente intergeracional se refere à capacidade socioeconômica da transmissão do estabelecimento às gerações futuras. A imagem e os valores da profissão de agricultor na sociedade são fundamentais na tomada de decisão dos jovens em continuar exercendo a atividade agrícola;

d) finalmente, o componente meio ambiente se refere a reprodução ecológica da unidade de produção agrícola. A diversidade dos sistemas de produção e a adaptação às condições locais são elementos constitutivos da sustentabilidade ambiental.

Embora persista uma forte apatia dos responsáveis técnicos e políticos do setor a respeito da agricultura sustentável, algumas ações coletivas começam a ganhar forma. É o caso, por exemplo, de 500 agricultores de 11 diferentes departamentos franceses que animam uma rede de agricultura sustentável, sendo que alguns se encontram em conversão para agricultura biológica. Essa rede de agricultores coordena as negociações entre cooperativas francesas e a brasileira visando a comercialização de soja não-transgênica.

Em definitivo, as ações locais de resistência ao mercado global e às grandes centrais de distribuição empreendidas por uma parcela de agricultores representam uma importante força de resistência à marginalização de determinados territórios rurais (Roux, 1998). Essas ações dispersas têm sido capazes de provocar certas clivagens nas políticas publicas voltadas para o meio rural

 

As políticas de valorização territorial e da multifuncionalidade da agricultura

Segundo Allaire e Boyer (1995), as formas marginais de agricultura de resistência ou alternativas dos anos 80 eram os indícios de uma transformação do setor. Foi necessária uma década para que essas formas marginais fossem integradas pelas políticas publicas. A crise econômica fez dos territórios locais verdadeiros espaços de regulação que conduzem a regulamentação das mudanças através da legislação e dos acordos entre os diferentes atores sociais.

Se a reforma da PAC, de 1992, teve o seu lado de manutenção do status quo da agricultura produtivista, ela adotou, também, valores ambientais e de justiça territorial. Foi principalmente depois dessa reforma que certos dispositivos de regulação territorial foram reforçados. O Programa de Desenvolvimento Rural (PDR), para as regiões que apresentam limitações naturais ao desenvolvimento agrícola, a exemplo das zonas de montanha, e a iniciativa Ligação Entre Atores do Desenvolvimento Rural (Leader), que financia ações inovadoras no meio rural, servem de indicativo dessa regulação. Definitivamente, a agricultura produtivista desenvolvida no pós-guerra “se encontra sob observação” e a construção social da qualidade é um novo vetor da concorrência no setor (Allaire e Boyer, 1995).

Recentemente, dois dispositivos institucionais reforçam essa idéia de que o modelo de desenvolvimento agrícola até então dominante encontra-se num processo de reestruturação: a reforma da PAC, de março de 1999, que se convencionou chamar de “agenda 2000”, e a nova lei de orientação agrícola francesa. A primeira adota duas medidas de correção da atual distorção existente entre as subvenções agrícolas e a proteção do meio ambiente. Os princípios da “eco-condicionalidade” e de um limite máximo de subsídios por unidade de produção agrícola foram instituídos, cada país-membro da UE deve criar suas próprias condições ambientais e sociais a serem respeitadas pelos agricultores a partir do ano 2000. Os recursos arrecadados pela aplicação desses princípios devem ser utilizados nas regiões com problemas ligados ao desenvolvimento agrícola e ao meio ambiente (MAP, 1999a).

A segunda medida refere-se aos chamados Contratos Territoriais do Estabelecimento (Contrats Territoriaux d’ Exploitation – CTE), previstos pelo Ministério da Agricultura e da Pesca (MAP), francês na nova lei de orientação agrícola. No colóquio “Controle do impacto das atividades agrícolas sobre o meio ambiente”, realizado em julho de 1999, o ministro da agricultura resumiu essa medida a suas prioridades da seguinte forma:

“A Lei da orientação agrícola (...) reforça a multifuncionabilidade e integra, além do emprego e da qualidade, uma dimensão ambiental importante nos Contratos Territoriais do Estabelecimento. Esta lei e estes CTE constituem a pedra angular desta nova política fundada não mais na corrida louca da quantidade produzida, mas em critérios mais condizentes com as demandas sociais atuais: emprego, qualidade, ambiente, paisagens. (...) Assim, emprego, meio ambiente, segurança alimentar, qualidade e origem (traçabilité) [9] dos produtos constituem hoje prioridades da minha ação” (Glavany, 1993: 3 / 4).

Sem duvida, os CTE constituem a grande novidade dessa lei agrícola. Através desse mecanismo, os agricultores serão subsidiados desde que se engajem no exercício de uma agricultura que combine, ao mesmo tempo, a produção agrícola de qualidade, a criação de valor agregado, mas também a proteção e a renovação dos recursos naturais, o equilíbrio dos territórios e o emprego (MAP, 1999a).

O debate sobre esse dispositivo foi rapidamente articulado pelo Ministério. A idéia foi lançada em setembro de 1998, antes mesmo da aprovação da lei, e os primeiros contratos entre o Estado e os agricultores individualmente serão assinados no ultimo trimestre de 1999. Com o tempo, o objetivo é integrar no quadro dos CTE a maioria dos subsídios agrícolas existentes, que apresentem um caráter não-produtivista. O governo francês utilizará, também, os recursos arrecadados pela aplicação dos princípios da “agenda 2000” para compor o fundo de financiamento dos CTE.

Durante o colóquio “O contrato territorial de exploração: uma ação de desenvolvimento”, alguns valores referentes aos CTE foram adiantados pelo MAP. A previsão é de subsidiar cada participante na ordem de 135 mil francos ao longo de cinco anos de vigência de cada contrato. Pretende-se começar, ainda em 1999, com 10 mil contratos, tidos como exemplares. Uma soma de 45 mil francos por contrato individual está prevista para o primeiro ano, mais, aproximadamente, 20 mil francos anuais até o seu termino.

Cada CTE deve respeitar simultaneamente duas orientações: uma socioeconômica e outra ambiental-territorial. O caráter territorial prevê que cada agricultor deve elaborar seu projeto em coerência com as especificidades e as orientações técnicas da microrregião geográfica onde seu estabelecimento se localiza. A multifuncionalidade da agricultura e a pluriatividade do agricultor devem ser consideradas na elaboração do projeto. O Ministério sugere algumas atividades que podem compor o projeto, tais como integração numa rede de qualidade, a montagem de uma unidade de transformação, a venda direta, o agroturismo, a manutenção ou a criação de empregos, o controle da erosão, o tratamento das águas utilizadas nas unidades de produção e de transformação, a valorização das áreas com pastagens, a manutenção da biodiversidade etc. (MAP, 1999b).

A idéia de associar os subsídios públicos à assinatura de contratos entre o Estado e os atores sociais, que definam as regras de uso dos recursos naturais e do espaço, não é uma novidade na França. A política francesa de parques naturais é pioneira nesse domínio. Essa política comemorou seus 30 anos de existência em 1997, com um balanço considerado positivo e promissor. Além dos sete Parques Nacionais, existem 32 Parques Naturais Regionais (PNR), 14 projetos de novos parques já aprovados pelas assembléias regionais (Conseils Régionaux), e um numero considerável de áreas em estudo. Os atuais PNR representam 9% do território nacional e em suas áreas vivem 2,5 milhões de habitantes.

Segundo a federação dos parques regionais, essa modalidade de parque diferencia-se do nacional por extrapolar a dimensão preservacionista. As atividades econômicas são mantidas em consonância com o interesse de proteger determinados espaços para pesquisas cientificas ou por apresentarem uma alta fragilidade se explorados convencionalmente. Para tanto, verdadeiros contratos de uso restritivo dos recursos naturais definem normas para atividades, tais como a caça, a pesca, a agricultura, o artesanato, o turismo, a industria etc. Para Sachs (1997), os PNR são verdadeiros laboratórios de gestão adequada dos patrimônios naturais e, ao mesmo tempo, escolas de cidadania. Eles adotam uma particularidade importante da política francês de planejamento: o entendimento entre os atores sociais e sua homologação contratual. Destaca-se ainda a importância da política de parques regionais para a reorganização e o desenvolvimento do território em questão.

Outra ação governamental, menos divulgada que os CTE, é o programa experimental de auxílio àqueles que pretendem se tornar agricultores, mas que não atendem as normas fixadas pela lei. O processo de acesso a condição de agricultor é chamado de “instalação agrícola” (expressão que passaremos a utilizar neste texto). Na França, o direito às doações e aos empréstimos subsidiados para quem se instala como agricultor pressupõe que o pretendente satisfaça algumas normas básicas: idade (menos de 35 anos é a regra básica), formação adequada (diploma de estudos profissionais agrícolas), que exige dois anos de formação suplementar depois do Certificado de Aptidão Profissional; e ainda dispor de uma superfície agrícola suficiente para o projeto pretendido. Uma parte significativa das instalações agrícolas se dá, no entanto, na condição de fora das normas (hors-normes). Um congresso nacional sobre esse tipo de instalação, realizado em maio de 1999 em Nîmes, Sul da França, contou com a participação de mais de 400 representantes departamentais.

 

O acesso atípico à condição de agricultor

Desde o inicio dos anos 90, o fenômeno das instalações que não respeitam as normas legais tem chamado a atenção de pesquisadores, das autoridades e da própria categoria. No entanto, o agricultor “fora das normas” é, a exemplo do agricultor pluriativo, anterior mesmo ao agricultor em tempo completo ou “profissional”. Apesar de todo o aparato de barreiras à entrada na profissão de agricultor, montado pelo sindicalismo majoritário em co-gestão com o setor publico, aproximadamente um terço das novas instalações a titulo de principal ocorre das normas preconizadas (Rémy, 1995; 1997)

Segundo Rémy (1995), muitos desses novos agricultores apresentam uma origem agrícola, mas seguiram outras experiências profissionais antes de se instalar na agricultura. Em geral, eles não têm uma formação compatível com a exigida legalmente. Essa trajetória de vida não significa, contudo, um fracasso nas experiências anteriores, mas um projeto, por vezes uma estratégia de instalação progressiva, condizente com a disponibilidade financeira do grupo familiar.

Esse mesmo autor identificou dois tipos diferentes de agricultores que se instalam fora das normas: os que não demandam a Dotação Jovem Agricultor (DJA), e os empréstimos jovem agricultor, mas que teriam direito, e os que não cumprem as normas e ficam impedidos de recorrer a esses dispositivos. Esses últimos representam a maioria dos casos. As duas situações adotam a instalação por etapas, não seguindo as regras estabelecidas pela legislação. A DJA prevê um estudo da instalação que normalmente preconiza a intensificação das atividades e, conseqüentemente, a necessidade de investir. Essa engrenagem tem conduzido um grande numero de jovens agricultores a engrossar o grupo dos “agricultores em dificuldades”, categoria que se torna cada vez mais corrente. Finalmente, Rémy avança a idéia de que a atividade agrícola desempenha, entre outras funções, um papel importante de “refúgio”, constituindo-se num verdadeiro motor de inserção social face ao dês,prego galopante.

Esse assunto tem sido tema de trabalho de um grupo de pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisa Agronômica (Institut National de Recherche Agronomique – Inra), sobre “as novas funções da agricultura e do espaço rural [10] ”. Uma pesquisa pioneira de Laurent (1992), parte do pressuposto de que a crise econômica que a sociedade atravessa não é conjuntural, mas duradoura, o que provoca mudanças substanciais no modelo de desenvolvimento agrícola previsto pelos setores públicos e profissionais. É o caso da agricultura na França. O modelo dominante, baseado nas explorações agrícolas “profissionais”, com duas unidades de trabalho humano, que adotam as técnicas agrícolas intensivas e que se integram perfeitamente com o mercado, não é mais regra.

“A diversidade não somente subsiste mas se reproduz. O movimento de modernização não se traduziu pela generalização de um modelo único; ao contrário. As explorações agrícolas familiares demonstraram sua capacidade de responder às dificuldades da competitividade por vias diferentes” (Laurent, 1992: 92).

Com a crise generalizada da economia e em particular do setor agrícola, a de que os mecanismos de seleção das unidades de produção agrícola favorecem aqueles que adotam as normas de um modelo profissional é colocada em questão. O fim da hegemonia da agricultura profissional não afeta, contudo, de forma drástica a agricultura, uma vez que o setor demonstra uma grande capacidade de absorver outras formas de organização produtiva que se distanciam do modelo.

Em geral, essa diversidade de mecanismos que o setor agrícola oferece ao desenvolvimento dos territórios rurais, principalmente através da instalação de novas unidades produtivas, permanece pouco estudada, para não dizer desconhecida. Os estudos de casos realizados por Laurent et al (1998), revelam que a agricultura cumpre um importante papel de coesão social, seguramente mais significativo e mais complexo que a própria criação de empregos agrícolas.

Na mesma linha de trabalho, Bellon et al (1995), retomam a idéia de que a agricultura acolhe uma parte importante daqueles que tentaram sem sucesso outra vida profissional, de desempregados e de famílias que procuram um complemento de renda. Numa mesma família, a atividade agrícola pode cumprir funções diferentes para cada integrante. É o caso da forma jurídica que associa pais e filhos, onde, para os primeiros, o que conta mais é o direito à aposentadoria e para os segundos, é a renda da atividade agrícola. Entre as principais razoes que levam certas famílias a se instalarem na agricultura encontra-se o interesse pelo acesso a uma proteção social (aposentadoria e seguro saúde), a produção para o autoconsumo, o complemento de renda e a renda agrícola está ligada à procura de uma ocupação feminina.

A migração do meio urbano para o rural não é uma novidade na França. Um fenômeno bastante conhecido foi o movimento dos “neo-rurais”, desencadeado sobretudo depois dos acontecimentos políticos de maio de 1968 [11] . A partir da metade da década de 1970, diversas regiões de montanha francesas, que sofreram um forte êxodo rural após a Segunda Guerra, registraram um aumento da população graças aos migrantes de origem urbana ou mesmo de origem rural que têm uma passagem pelo meio urbano. Um estudo de caso de Revignan (1996), realizado numa zona de montanha do Sul da França, revela que a agricultura ocupa aproximadamente 20% desses indivíduos, sendo que mais de dois terços deles nunca exerceram a atividade anteriormente.

No entanto, se o senso comum associa o meio rural a noção de solidariedade e de convivência, a experiência de muitos “neo-rurais” não comprova o fato. A inserção na profissão de agricultor esbarra não só nas barreiras impostas pela própria categoria e pelas normas institucionais, mas também na dificuldade de reconhecimento e aceitabilidade pela sociedade local. Apesar desses entraves, Fabre (1996), conclui que a assertiva “a gente nasce, mas não se torna um agricultor” está ultrapassada pelos casos contrários.

Muitos desses novos agricultores se opõem ao modelo de agricultura produtivista e encontram na Confederação Camponesa um importante espaço político de expressão. Segunda força sindical, com cerca de 20% de representatividade, a CP tem centrado suas ações na defesa de uma agricultura menos intensiva e mais respeitosa do meio ambiente. Seu slogan “três propriedades agrícolas são melhores do que uma grande” (trois fermes valent mieux qu’une grande) resume bem sua linha de ação. A aliança com outros grupos sociais, a exemplo das associações de ecologistas e de consumidores, faz parte da sua estratégia política. Esse sindicato procura transformar a discussão sobre modelo de desenvolvimento agrícola num debate com o conjunto da sociedade.

No segundo semestre de 1998, a Confederação Camponesa apoiou a criação do movimento “Direito Camponês” (Droyt Paysan) formado pelos desempregados de dois departamentos franceses de região de montanha (Ariège e Aude). Esse movimento preconiza a “instalação de pessoas, sob a forma individual ou coletiva, sobre uma terra, não importando seu estatuto, mas respeitando o meio ambiente, os equilíbrios ecológicos, as paisagens, os critérios de salubridade...” (Droyt Paysan, 1998). Essa zona de montanha já foi palco de importantes conflitos envolvendo a população local e os chamados “neo-rurais”. Atualmente, um número expressivo de agricultores de origem urbana reside nesses departamentos e participa da Confederação Camponesa. Esses novos agricultores foram os pioneiros na adoção da agricultura orgânica, na transformação e na venda direta da produção.

 

Considerações finais

Ao longo deste artigo procurou-se indicar que a agricultura na UE, em particular a francesa, está longe de ter definido o seu modelo de desenvolvimento. Num primeiro momento, coloca-se em evidencia, de um lado, o forte sistema de subsídios da PAC, responsável pela manutenção de uma agricultura altamente produtivista, e, de outro lado, as medidas financeiras nitidamente menos importantes, que apóiam o exercício de uma outra lógica de agricultura. Nesse caso, as atividades agrícolas estricto senu passam a ser articuladas a outros temas e preocupações, tais como a qualidade dos alimentos, a proteção do meio ambiente e a valorização dos diferentes tipos de territórios. Esse conjunto de ações se convencionou chamar de multifuncionalidade da agricultura.

Num segundo momento do artigo, discute-se alguns resultados práticos nessa direção, verificados na agricultura francesa nos últimos anos. Os impactos dos selos oficiais de qualidade dos produtos agrícolas, dos sistemas de agricultura biológica, fermière e sustentável e da noção de território nos processos de desenvolvimento rural têm se demonstrado significativos sob vários ângulos de analise. Aliado a isso, a crescente migração urbana em direção ao meio rural inverteu completamente a conhecida tendência de êxodo rural e de abandono de territórios inaptos ao modelo agrícola produtivista.

A vitalidade que essas ações alcançaram ao longo dos anos noventa tem levado alguns autores a questionar a idéia, até então dominante, de que a dinâmica de desenvolvimento agrícola da Europa dos Quinze está baseada na chamada agricultura dual. O que significa dizer, segundo esses autores, que um verdadeiro processo de transformação do modelo agrícola implantado no pós-guerra está em curso.

Essa nova dinâmica da agricultura se insere num movimento maior de questionamento dos modelos de desenvolvimento agrícola rural. De uma parte, as crises ligadas a alimentação, depois dos casos da “vaca louca”, dos alimentos contaminados por dioxina e dos produtos transgênicos, aumentaram as exigências dos consumidores quanto à qualidade dos alimentos e legitimaram definitivamente as formas de agricultura que não seguem os preceitos produtivistas. De outra parte, a crise do modelo de desenvolvimento urbano, que se traduz principalmente pelo desemprego e pela marginalização de uma parcela importante da população, tende a revalorizar o meio rural enquanto espaço de vida e de trabalho.

Nesse sentido, a agricultura multifuncional representa não só a possibilidade de inserção social e profissional para uma fração desses novos rurais, mas também um importante mecanismo do processo de vitalização rural iniciado na França já nos anos 70. Se a pluriatividade das famílias de agricultores é uma realidade, a capacidade que as atividades agrícolas apresentam de se articular com outras ocupações dos membros familiares tende a colocar a agricultura no primeiro plano das estratégias de desenvolvimento rural. O recente reconhecimento das multifunções da agricultura nos programas de desenvolvimento rural da União Européia vem comprovar esse fato.

Em definitivo, o que se pode verificar é que dois projetos de desenvolvimento rural e agrícola estão em jogo na atualidade. Um coloca a agricultura e suas novas funções entre as atividades-chave do desenvolvimento rural, enquanto o outro entende que o modelo de desenvolvimento agrícola produtivista é irreversível. Não é por acaso que a definição da pauta da agenda da Rodada do Milênio, o novo ciclo de negociações nos quadros da OMC, iniciado em novembro de 1999, opõe os países que pretendem discutir a garantia dos direitos e deveres dos povos, em relação à segurança alimentar, à qualidade dos alimentos e à proteção ambiental, àqueles que consideram esses temas como simples entraves ao livre comércio.

 

Referências bibliográficas

Abramovay, R. “A dualização como caminho para a agricultura sustentável”. In: Estudos Econômicos, São Paulo, vol.24, n. especial, 1994, p. 157-182.

Actes du 3e Rencontres Nationales. Productteurs fermièrs: mieux se connaître et se faire reconnaître. Ed. Adir, Dijon, 1998, 73p.

Alphadèry, P. et Billau, J. -P. “L’agriculture à l”article de L’environnement – Introduction”. In: Etudes Rurales, Paris, EHESS, n. 141 – 142, 1996, p. 9 –19, 238p.

ALLaire, G. et al (Ed.). Nouvelles functions de l’agriculture et de l’espace rural. Enjeux et defies identifies par la recherche. Inra, Toulouse, 1996, 313p.

ALLaire, G. e Boyer, R. (Ed.). La grande transformation de l’agriculture. Inra / Economica, Paris, 1995, 444p.

Assembléia Legislativa do Estado de Santa Catarina. Lei 10.731 de 30 de março de 1998. Florianópolis, 1998, 6p.

Bazin, G. “Agriculture de montagne et soustiens publics à la gestion de l’espace: lês résultats d’une simulation”. In: courrier de l’environnement de l’Inra, Inra, Paris, 1998. n. 33, p. 61-72, 146p.

Blanc, M. et al.. L’agriculyure française est-elle encore familiale?” In: Coulomb, P. et al. (Org.). Les agriculteurs et la politique. Presses de la FNSP, Paris, 1990, p. 310-327, 594p.

Bellon, S. et al. Analyse des nouvelles formes d’exercice de l’activité agricole. Inra, Versailles: 1995, Raport d’étape, 147p.

Boussard, J.-M.. L’oeuvre d’Amartya Sen l’agriculture. Présentatio au séminaire de pólitique agricole de la SFER, Paris, 1999, 6p.

Droit Paysan. Charte droit paysan, 1998, 2p.

Fabre, C. L’activité agricoles : un moyen de s’insérer progressivement sur le plan professionnel ? Inra, Versailles, 1996, rappot final, 29p.

Fuller, A.M.. “From part-time farming to pluriactivity: a decade of change in rural Europe”. Journal of Rural Studies, vol. 6, n. 4, 1990, p. 361-73.

Glavany, J. Intervention de monsieur Jean Glavany, Ministre de l’agriculture et de la pêche, au colloque ‘’ Maîtrise e l’impact des activités agricoles sur l’environnement’’ à l’Assemblée Nationale. Ministère de l’Agricultura et de la Pêche, Paris, 1999, 11p.

Hervieu, B. Les agriculteurs. Paris, Presses universitaires de France, 1996, 128p.

Landais, E. ‘’Agriculture durable : les fondements d’un nouveau contrat social ?’’ In : Courier de l’environnement de l’INRA, INRA, Paris, 1998, n. 33, p. 5-22, 146p.

Laurent, C. L’agriculture et son territoire dans la crise. Thèse de doctorat, Un. Paris VII, Paris, 1992, 454p.

Laurent, C. et al. ‘’L’activité agricole des ménages ruraux et la cohésion économiuqe et sociale’’. In : Economie Rurale, 1998, Paris, n. 244, p. 12-21, 63p.

Leger, D. et Hevieu, B. Le retour à la nature : ‘’au fond de la forêt...l’Etat’’. Seuil, Paris, 1979, 234p.

Mendras, H. La fin des paysans. Babel, Paris, 1967 / 1992, 437p.

MAP. L’agriculture et l’agroalimentaire dans les régions. Ed. Agreste, Paris, 1997, 330p.

__________. ‘’Les aides publiques à l’agriculture’’. In : BIMA, hors série, Paris, (1998, n. 1, déc. 1998).

__________. ‘’Conseil supérieur d’orientation et de coordinatio de l’économie agricole et alimentaire. Recommendation relative aux contrats territoriaux d’exploitation’’. In : Colloque..., Paris, 1999a, 8p.

__________. ‘’Le contrat territorial d’exploitation : un contrat entre agriculteurs et pouvoirs publics’’. In : Colloque..., Paris, 1999b, 4p.

OCDE. Indicateurs territoraux de l’emploi : le point sur le développement rural. OCDE, Paris, 1996.

ONAB. L’agriculture biologue en France en 1997. Paris, 1997, 4p.

Pernin, J. –L..’’L’agrobiologie en France : la transformation des réseaux’’. In : Nicolas, F. e Valceschini, E. (Ed). Agro-alimentaire: une êconomie de la qualité. INRA / Economica, Paris, 1995b, 209-21, 433p.

Petit, M.. ‘’Pressions sur la PAC: peut-on prévoir son avenirsur la base de l’intreprétation de passé ?’’. In : Economie rurale, Paris, 1999, n. 250, p. 47-50, 60p.

Pisani, E. e Hervieu, B. Préface. In : Groupe de Bruges. Agriculture, un tournan nécessaire. Ed. de l’Aube, Paris, 1996, p. 7-12, 92p.

Ravignan, F. L’avenir d’un désert. Atelier du Gué, Villelongue d’Aude, 1996, 172p.

Remy, J.. Les sans dot de l’agriculture. In : Bellon, S. et al (1995) Analyse des nouvelles formes d’exercice de l’activité agricole. Versailles, 1995, Inra, Rapport d’étape, p.97-131, 147p.

__________. ‘’Les sans-dot de l’agriculture : faut-il aider les installations sans aide ?’’ In : Economie Rurale, Paris, n. 238, Paris, 1997, p. 33-37.

Roux, B.. ‘’Développement local et globalisation : determinants d’une nouvelle économie rurale en méditerranée’’. In : Revue d’économie régionale et urbaine, n. 5, 1998, p. 813-26.

Sachs, I.. Parcs naturels régionaux, laboratoires pour l’écodéveloppement. Paris, 1997, 5p.

Trintignac, S. Et al. ‘’Produits fermiers : l’engagement des producteurs comme signe de qualité. Example de la Charte Nacionale des producteurs fermiers’’. In: Lagrange, L. (Ed). Signes officials de qualité et développement agricole. SFER, 1999, p. 333-38, 348p.

Valeschini, E. ‘’Les signaux de qualité crédibles sur les marchés agroalimentaires : certifications officiales et marques’’. In: Lagrange, L. (Ed). Signes officiels de qualité et développement agricole. SFER, 1999, p. 147-66, 348p.

 

Notas

[1] Agradecemos os comentários e as sugestões dos professores Ana Maria Galano, Leonilde Servolo de Medeiros, Renato Maluf e Wilson Schmidt.

[2] Essa noção orçamentária não considera as vantagens fiscais nem os eventuais preços subsidiados com os quais o setor agrícola ainda se beneficia.

[3] Este Ministério foi confiado pelo primeiro-ministro socialista Lionel Jospin ao Partido Verde, um dos grandes ganhadores na França das eleições para o Parlamento europeu de 1999, com cerca de 10% dos votos. A ministra Dominique Voynet tem criticado publicamente a falta de critérios ambientais na distribuição dos subsídios europeus para a agricultura.

[4] Em maio de 1999, uma missão brasileira, coordenada pelo secretario da agricultura do Rio Grande do Sul, manteve contatos com dirigentes agrícolas e governamentais franceses. No segundo semestre deste ano, uma missão francesa irá ao Brasil com o propósito de assinar o primeiro contrato de exportação de soja.

[5] A expressão agriculture fermière apresenta uma analogia à “agricultura colonial” utilizada no Sul do Brasil. Em Santa Catarina, por exemplo, a Assembléia Legislativa aprovou recentemente a lei n. 10.731, que institui o selo de qualidade “Sabor Colonial”. Na falta de uma tradução que contemple as diferentes regiões do Brasil, neste artigo optamos por manter a palavra francesa fermier.

[6] A política agrícola européia subsidia os agricultores que desejam converter suas atividades convencionais para a agricultura biológica.

[7] Originalmente, as CUMA foram criadas no âmbito do Plano Marshall e se voltavam para a mecanização da agricultura. Atualmente, existem várias CUMA de transformação dos produtos agrícolas, que se diferenciam das cooperativas tradicionais pela menor escala de produção, pela garantia da qualidade dos produtos transformados e pela gestão direta dos agricultores.

[8] A consideração do grupo familiar nas análises econômicas contemporâneas da agricultura se deve, originalmente, aos trabalhos de Amartya Sem, prêmio Nobel de economia em 1998. Por sua vez, Sem retomou os estudos de Chayanov e de Georgescue Roegen, tidos como pioneiros na matéria (Boussard, 1999).

[9] A palavra francesa traçabilité significa a identificação do produto a partir do agricultor até o consumidor. Depois da doença da “vaca louca” e, recentemente, do problema da dioxina nos produtos animais oriundos da Bélgica, a origem do produto é cada vez mais procurada pelos consumidores e pelos atacadistas.

[10] Os primeiros resultados dessas pesquisas podem ser consultados em Allaire et al (1996).

[11] Sobre esse tema ver excelente livro de Leger e Hervieu (1979).