Estudos Sociedade e Agricultura

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Cícero Péricles de Carvalho

Regulação do sistema agroalimentar japonês


Resumo: (Regulação do sistema alimentar japonês). Este artigo analisa o processo de regulação do sistema alimentar japonês. Defende que o modo de regulação da economia japonesa, nos últimos cinqüenta anos, é original se comparado com os modelos acidentais e que, naturalmente, o setor alimentar japonês reflete esta particularidade. O artigo estuda políticas publicas em relação ao sistema alimentar, institucionalizadas por meio de uma legislação nacional, implementada através de uma série de programas de modernização produtiva e de rendas agrícolas, aplicadas juntamente com o apoio de uma extensa rede de cooperativas agrícolas. Analisa o forte protecionismo que tem permitido a sobrevivência de uma produção agrícola nacional e a construção de um forte setor agroalimentar.

Palavras-chave: Japão; setor agrícola; sistema alimentar.

Abstract: (Regulation of the japanese agrofood system). This study analyzes the regulatory model of the Japanese agrofood system. It assumes that the Japanese way of regulating the economy, in the last fifty years, is original compared to western models and that, consequently, its agrofood sector reflects this particularity. It examines Japanese state police in relation to its food system, institutionalized by a national legislation, implemented by a set of public programs of productive modernization and of agricultural income, and applied together with the support of an extense network of agricultural cooperatives. It analyses the strong Japanese protectionism, which allowed the survival of national agricultural production and the construction of a strong agribusiness system.

Key words: Japan; agrofood sector; agricultural system.

Cícero Péricles de Carvalho é professor da Universidade Federal de Alagoas (UFAL).

Estudos Sociedade e agricultura, 13, outubro 1999: 93-118.


Introdução

No ultimo meio século, o Japão desenvolveu um sistema alimentar que tem, por um lado, um setor agrícola incapaz de atender as demandas nacionais de cereais, carne, legumes ou oleaginosas; por outro, sua indústria de transformação agroalimentar é uma das mais fortes e mais concentradas do mundo. O sistema japonês caracteriza-se por uma regulação setorial definida nas leis aprovadas no Parlamento e por um complexo de programas de modernização produtiva e de rendas agrícolas implementados em conjunto com o sistema cooperativo que, por sua vez, abarca quase todo o universo de produtores agrícolas. Este sistema alimentar tem nas políticas públicas o seu escudo protetor. A produção agrícola, principalmente o arroz, é absolutamente dependente do apoio estatal, tanto pelo sistema complexo de apoio aos preços do produtor e subsídios aos insumos, como dos serviços de extensão.

O Estado controla a comercialização interna e externa, incluindo monopólios de compra e barreiras quantitativas e alfandegárias. É o Estado, também, que planeja a estratégia de crescimento do moderno setor agroindustrial, tanto nas suas indústrias em território nacional como na “produção exterior”, localizada nos países asiáticos vizinhos. Lastreado numa ampla rede de cooperativas e nas políticas setoriais, o protegido sistema alimentar japonês custou ao Estado, em 1996, 77,4 bilhões de dólares (OCDE, 1997:61).

O Japão é, desde 1988, o maior importador de produtos alimentares do mundo. A combinação de recursos agrícolas limitados (o arquipélago japonês tem tão-somente cinco milhões de hectares de terras cultiváveis), uma política de liberalização paulatina de importações e uma população com um alto nível de rendimento per capita transformaram o Japão na economia com a mais baixa taxa de auto-suficiência alimentar (produção de calorias / consumo de calorias), de todos os países da OCDE. No ano de 1996, importou um total de 53 bilhões de dólares em produtos agrícolas e alimentares, o dobro do valor de 1987 e 15% de suas importações totais. Por esta característica comercial, pela forte produção interna e pela importância regional, o Japão se transformou numa peça importante do sistema alimentar mundial.

Neste artigo pretendemos demonstrar a importância e as especificidades do sistema alimentar japonês através da análise dos seus elementos constitutivos, explorando o período de reconstrução da economia japonesa depois da Segunda Guerra, quando foram estabelecidos os mecanismos regulacionistas de sua agricultura, observando o papel deste setor no período do “milagre” econômico, procurando destacar a presença do Estado e das cooperativas na construção deste sistema alimentar.

Pela importância mundial da economia japonesa, buscamos explicar sua política de comercio exterior agrícola, a inserção internacional e a integração regional asiática, onde o Japão elabora a “produção exterior” de seu sistema alimentar. Este painel tenta, assim, descrever e analisar a terceira economia agroalimentar do planeta que, junto com os Estados Unidos e a União Européia, formam o “centro” do sistema alimentar mundial.

A economia japonesa

O modo de regulação da economia japonês dos anos 50 aos anos 80 é considerado como um caso de “fordismo híbrido”, na medida em que combina os princípios da Organização Cientifica do Trabalho com os valores próprios da história japonesa (Boyer, 1991). Na regulação japonesa, as principais formas institucionais refletem importantes originalidades no domínio da formação e divisão dos ganhos de produtividade, nos ajustes respectivos de emprego e salários, assim como na formação das rendas salariais direta e indireta. O regime de acumulação e seu modo de regulação são específicos em relação ao “fordismo” norte-americano e a crise estrutural que afetou os países centrais nos anos 70 reflete, no Japão, o modo de desenvolvimento original e suas principais formas institucionais.

No Japão, desde o período do pós-guerra, produziu-se o ciclo virtuoso da produção em massa e do consumo de massas, com o crescimento paralelo dos setores de bens de capital e de consumo, com o incremento da produtividade relacionada ao crescimento da economia. O regime de acumulação esteve caracterizado por uma forte mecanização do setor de bens de consumo e pela formação da norma consumo fordista graças ao crescimento continuado do salário real (Inoué e Yamada, 1995:408). A estratégia de modernização teve como objetivo aclimatar ao contexto japonês o modelo americano de produção e consumo de massas. É “fordismo” pela sua tentativa de aplicação do modelo americano e “híbrido” pelas características japonesas, onde os princípios da OCT compartem a forte hierarquia típica das empresas japonesas, baseada nas experiências passadas e na antigüidade do trabalhador na firma.

A indústria japonesa se reconstrói, nos anos 50, com a participação de uma mão-de-obra melhor educada que a requerida pelo taylorismo ou fordismo, com uma moderna concepção do sistema de salários, em função da capacidade de ´potencial dos indivíduos e não mais pelo posto de trabalho, na busca de qualidade e minimização de defeitos, na participação dos assalariados na gestão e na planificação da empresa (Boyer, 1991). Todo um conjunto de características que apontava para a constituição de um modelo de desenvolvimento particular. A principal característica desta nova relação de trabalho é a inversão da propriedade, onde maquinas não controlam o tempo dos indivíduos, mas, pelo contrário, os operadores controlam e gerem o sistema de máquinas, principalmente as mais automatizadas. Assim, surgem dispositivos concretos para assegurar uma produção de fluxos contínuos como just in time, kan ban e os círculos de qualidade. Este modelo tem como principal característica permitir uma adaptação permanente dos instrumentos de gestão em resposta às mudanças do ambiente econômico e dos desequilíbrios internos.

Outro elemento distintivo da regulação japonesa é sua forma de negociação coletiva dos salários. Diferentemente dos Estados Unidos, onde as convenções setoriais (metalúrgicos, químicos, etc), regulamentam os salários das categorias assalariadas, ou do continente europeu, onde há convenções nacionais entre a representação patronal e as centrais sindicais operárias para a definição dos contratos coletivos de trabalho, no Japão, as grandes empresas são o espaço onde se define a divisão dos ganhos de produtividade.

Esse compromisso salarial se constituiu nos posteriores à Segunda Guerra, baseando-se na garantia do emprego e no envolvimento dos assalariados no âmbito da empresa e ,por isso, comparado com a sociedade ocidental, o modo especifico do antagonismo capital / trabalho no Japão está caracterizado, na sua dimensão estratégica, pelo papel fundamental da empresa (Hanada, 1997:2). O Shunto é a instituição que intermédia este compromisso, resultado da negociação coletiva que determina o crescimento salarial anual.

Os sindicatos estão restringidos ao espaço das empresas, onde a relação salarial está baseada no sistema mérito individual e no sistema da antigüidade. A cobertura social é assegurada pela empresa e, minimamente, no âmbito público-estatal. A formação profissional e técnica na empresa é muito mais importante que nos demais países industrializados.

Os grandes grupos econômicos japoneses (keiretsu), funcionam com um alto grau de interseção administrativa entre eles, através dos laços financeiros, de pessoal, de formação profissional dos assalariados do grupo, da cooperação técnica, onde os bancos e a indústria combinam seus interesses a longo prazo, gerando relações estáveis, contratuais, quase integradas.

O Estado japonês, ademais de seu papel tradicional na sociedade, intervém na economia através do sistema financeiro, caracterizado pelas regulamentações e pela intervenção ativa do Estado, pela prioridade do financiamento indireto, com mecanismos de controle das atividades das empresas, pelo sistema bancário e pela socialização dos riscos através do governo e do Banco Central (Hanada, 1997:3). Este modelo de desenvolvimento, impulsionado pelas exportações que geram fortes excedentes comerciais, foi à base do crescimento japonês no período do pós-guerra.

A economia japonesa, entre os anos de 1950 e 1975, conheceu as mais altas taxas de crescimento entre os países da OCDE, o que justificava a expressão “milagre japonês”. Uma economia que saltou de uma renda per capita de US$ 670 em 1950 para mais de US$20.000 em 1975. Junto com a renda per capita elevaram-se os indicadores sociais de educação, saúde e habitação, que fizeram com que a população japonesa passasse a ter a mais alta expectativa de vida a nível mundial (79 anos, em 1990).

Junto com os quatro pequenos dragões  (Taiwan, Coréia do Sul, Singapura e Hong Kong), o Japão passou a liderar a economia asiática, a região de maior crescimento do planeta nos anos 70 e 80. Contando com um amplo mercado interno de 125 milhões de habitantes e uma alta renda per capita (US$ 35.000 em 1995, superando a dos EUA desde 1988), é o terceiro país exportador, com 9,2% do mercado mundial, e também o principal credor internacional desde 1985. Foram estas mesmas condições favoráveis – um PIB de 5 trilhões de dólares, uma poupança privada de US$ 10 trilhões, um superávit comercial de 100 bilhões pro ano – que transformou o Japão no maior país de investimentos fora de seu território.

A partir de 1986 até 1995 a economia japonesa viveu um período especulativo, marcado pela compra de ativos que valorizam-se rapidamente (os preços das terras e propriedades imobiliárias triplicaram neste período), e pelos grandes investimentos no Sudoeste Asiático, construindo uma “bolha financeira” que explode em 1995, apresentando um quadro de bancos com débitos gigantescos, que totalizam aproximadamente US$ 1 trilhão. O Hyogo Bank foi o primeiro banco japonês a quebrar desde o final da Segunda Guerra, seguido pelo Daywa Bank e muitas outras instituições financeiras. A instabilidade financeira levou  a sociedade japonesa a poupar ainda mais, gerando um grave problema para uma economia cujo PIB depende de 60% do consumo interno. As medidas de estimulo ao consumo, adotadas pelo governo japonês, não apresentaram os resultados esperados e a economia do país passou a conhecer fenômenos como aumento da taxa de desemprego, a fuga de capitais e a desvalorização da divisa nacional.

Os mecanismos regulacionistas da agricultura japonesa

A política agrícola japonesa, assim como a dos países asiáticos identificados pelo desenvolvimento industrial rápido pós-guerra, segue a mesma lógica de sua política geral. Em sua política industrial, o Estado desenvolve uma espécie de protecionismo ofensivo: através de uma presença seletiva, que apóia as indústrias com capacidade para disputar o mercado externo e garante a proteção da indústria destinada ao mercado interior mediante as restrições à importação.

Na agricultura, a política do Estado japonês seguiu os mesmos parâmetros. O modo de regulação setorial da agricultura japonesa está definido nas leis aprovadas pelo Parlamento. Estas leis sustentam os programas implantados pelo governo. A regulação setorial é complementada pelas políticas de regulamentação dos mercados e pela política de comercio exterior. A gama de ajudas e subvenções, a redução de impostos, os estímulos à exportação e os direitos alfandegários caracterizam um modelo alimentado pelo Estado que jogou um papel fundamental no desenvolvimento da agricultura.

No período de reconstrução da economia japonesa, nos dez primeiros anos depois do final da Segunda Guerra, a política agrícola estava baseada em três documentos legais: a Lei de 1942, sobre controle dos produtos alimentares, que oferecia a regulamentação dos preços e a distribuição dos principais produtos alimentares; a Owned-Farmer Establishment Law de 1946, sobre a reforma agrária, editada pelo governo de ocupação, e a Lei de 1952 sobre as terras agrícolas, cujo objetivo era o de consolidar os resultados da reforma agrária, proteger os novos proprietários e controlar as transferências fundiárias.

Apoiado num forte protecionismo, fundado na importância dos alimentos para a própria sobrevivência, e numa quase planificação de sua política agrícola, o sistema alimentar japonês teve, no Estado, um aliado permanente. O governo japonês dedicou-se a impulsionar a produção interna de alimentos e a substituição de importações com a ajuda dos subsídios e, como eixo desta política protecionista, propôs-se a garantir a auto-suficiência com respeito ao principal alimento da dieta nacional, o arroz. Para alcançar esta meta, projetou aumentar o nível de vida dos agricultores mediante a paridade de rendimentos entre as famílias rurais e urbanas.

A reforma agrária, aplicada entre 1946 e 1949, acabou com os arrendamentos, limitando a compra e venda de terrenos, gerando uma estrutura agrícola unimodal baseada na pequena propriedade. O protótipo da exploração agrícola japonesa (nôka),  passa a ser o minifúndio arrozeiro familiar, uma microexploração cuja superfície máxima era de 1 ha.

A reforma agrária, os altos preços dos alimentos nos anos da ocupação e a proteção contra as importações baratas trouxeram consigo uma redistribuição da renda em favor dos agricultores japoneses. Todavia, nesse período, houve um deslocamento populacional muito importante da agricultura a outras atividades, e a participação da agricultura no emprego total caiu de 42% para 26%. Entre 1945 e 1960, a agricultura japonesa declina, anualmente, cerca de 2% de sua população.

Gráfico 1. Japão: distribuição da população economicamente ativa. 1920 – 1969 (em milhares)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fonte: Elaboração a partir de Allen (1980).

Passados os anos da reconstrução, a economia japonesa começa sua marcha incessável de crescimento. Entre os anos de 1953 e 19, o produto interno do Japão cresceu ao ritmo anual de 11,2%. O modelo de desenvolvimento agrícola adotado, similar ao da Coréia do Sul e de Taiwan, gerou uma agricultura dinâmica que favoreceu a expansão da indústria. É essa estrutura que fornece a mão-de-obra, capital à indústria e os produtos alimentares a preço baixo aos assalariados urbanos, ademais de representar a crescente demanda agrícola por produtos manufaturados (Bustelo, 1994b).

Além dessa característica, a agricultura japonesa estava marcada pela forte intervenção estatal com seus programas de modernização e proteção. Graças a isso, o financiamento da maquinaria ligeira se estendeu e o mesmo ocorreu com o uso de fertilizantes. Os serviços da extensão agrícola foram generalizados, chegando a uma relação de um extensionista para cada grupo de 445 propriedades, de tal forma que praticamente todos os agricultores tinham acesso a esses serviços (Madisson, 1971). A industrialização do país e a crescente urbanização transformaram a agricultura num setor que se desenvolve mais devagar, perdendo espaço e população.

Em 1961, para enfrentar a queda regular da agricultura, o governo japonês aprovou a Lei Agrícola Fundamental, cujo objetivo central era aumentar a produtividade a fim de reduzir as disparidades entre a agricultura e os demais setores, visando assegurar às pessoas que trabalham na agricultura rendimentos mais elevados, suscetíveis de permitir um nível de vida compatível ao dos demais setores (OCDE, 1974). Ou seja, a nova lei era um instrumento político que garantia aos agricultores, principalmente os produtores de arroz, a paridade de rendas com os assalariados urbanos, dirigindo, para isso, os subsídios à produção acompanhados de medidas protecionistas como as quotas de importações e a proteção alfandegária para os produtos agrícolas.

A Lei Agrícola Fundamental previa um conjunto de medidas políticas para atender a seus objetivos: expansão seletiva de produção agrícola, aumento da produtividade e incremento da produção agrícola bruta; modernização das estruturas pelo aumento da dimensão das explorações; estabilização dos preços dos produtos agrícolas e manutenção da renda agrícola; racionalização da comercialização e da transformação dos produtos e insumos agrícolas; formação dos agricultores e apoio aos membros de suas famílias e buscar empregos em outros setores; e promoção do bem-estar dos agricultores graças à melhoria das condições de vida na zona rural.

A Lei Agrícola de 1961 teve aplicação através dos programas de apoio. O Programa de Melhoramento das Estruturas Agrícolas facilitava recursos para projetos de irrigação e drenagem, assim como de infra-estrutura (estradas, açudes etc.). O Programa de Crédito para a Modernização da Agricultura facilitava empréstimos para a compra de maquinas agrícolas e outros equipamentos necessários à sua modernização. O Estado fazia, paralelamente, investimentos na pesquisa agrícola, através das estações experimentais, na difusão e formação profissional (OCDE, 1967).

O governo japonês desenhou uma estratégia para incrementar as rendas rurais elevando os preços do arroz. Imediatamente o governo assumiu fortes subsídios e os preços políticos de garantia da produção arrozeira. Durante os anos 60, a produção agrícola, devido à crescente mecanização, à utilização de fertilizantes químicos e pesticidas e à diversificação, aumentou em cerca de 50%. A produtividade quase dobrou e a renda agrícola por exploração mais que triplicou. Todavia, novos problemas surgiriam. A política governamental de preços de garantia do arroz levou à superprodução desse produto, a demanda por outros alimentos gerou um aumento geral dos preços agrícolas e o pequeno tamanho das explorações fazia com que os agricultores buscassem outras fontes de renda mediante atividades em outros setores.

Em 1970, o governo apresentou uma nova proposta de política agrícola baseada na Lei Fundamental de 1961. As principais linhas do programa Promover uma Política Agrícola em seu Conjunto eram : a) viabilizar o maior número possível de explorações de grandes dimensões e alto grau de eficiência; b) controlar a produção de arroz e modificar a estrutura da produção agrícola de modo que se pudesse fazer frente às variações da demanda de produtos alimentícios; c) estabilizar os preços dos produtos agrícolas com o propósito de refletir o equilíbrio de mercado a longo prazo, racionalizando a distribuição e a transformação de produtos agrícolas; d) gerar uma política de rendas de maneira que a agricultura tivesse rendimentos e um nível de vida compatível com os demais setores; e) incentivar e ajudar a migração dos agricultores para fora do setor agrícola e f) melhora os equipamentos coletivos para a produção e a vida no campo (OCDE, 1974: 45).

Passado o período de reconstrução, a política agrícola japonesa realizou um de seus principais objetivos, que foi a auto-suficiência alimentar baseada, principalmente, no arroz, que, a partir de 1969, começou a ter uma produção maior que a demanda nacional, obrigando o governo a negociar com a representação dos rizicultores a retirada de mais de meio milhão de hectares da produção arrozeira, sob o Programa de Reorientação de Arrozais (1978 – 1986), dedicando estas terras ao pousio ou à produção de outras culturas, algumas das quais objeto de um alto grau de assistência.

A agricultura no período do “milagre”

Nos anos do “milagre”, o aumento do numero de trabalhadores na indústria e o incremento sustentado dos salários reais, o crescimento da demanda agrícola por produtos industriais e o forte investimento privado permitiram assentar a expansão sobre a demanda interna, ao configurar um modelo de desenvolvimento particularmente dinâmico, o “fordismo japonês” (Bustelo, 1994a). É sobre este modelo de crescimento, o fordismo híbrido, que se estabeleceriam as bases do sistema alimentar japonês que, pela sua proteção à produção agrícola interna, por ser o principal importador de produtos alimentares, e, a partir dos anos 80, pela pujança da indústria agroalimentar, se configura em uma peça fundamental no sistema alimentar mundial.

O desenvolvimento do setor industrial, principalmente das indústrias pesada e química, provocou taxas de crescimento maiores que 10% ao ano, no período do “milagre”. A produção indústrial foi multiplicada por cinco entre 1960 e 1972. Nesse período, a contribuição da agricultura ao Produto Nacional Bruto baixou de 10,2% para 4,2%, e a população agrícola, com relação à população ativa total, diminuiu de 26,8% para 13%. As despesas nacionais dedicadas aos produtos alimentares e bebidas, com relação ao total das despesas de consumo privado, caíram, nesse mesmo período, de 42,7% para 27,3% (OCDE, 1974).

Nos anos do “milagre econômico”, a agricultura participou do crescimento geral, transferindo capital para as atividades industriais, comprando produtos industrializados (maquinas agrícolas, químicos, bens duráveis de consumo etc.), e fornecendo à indústria uma mão-de-obra abundante e barata. Nesse mesmo período, o êxodo rural afetou mais de dez milhões de habitantes do campo. Passados os anos do “milagre”, entre 1975 e 1992, mais de dois milhões de camponeses migraram para a parte urbana do Japão.

Para o sucesso do “milagre econômico” no Japão, assim como na Coréia do Sul e, principalmente, em Taiwan, a industrialização tornou possíveis a manutenção dos baixos salários no setor manufatureiro, uma elevada flexibilidade nas contratações segundo os ciclos e baixas contribuições empresariais ao sistema de previdência social (Bustelo, 1994a). Este processo de industrialização, ademais, é um dos mecanismos pelos quais se explica a transferência da população agrícola, que passou de 45% do total da população japonesa, em 1950, a tão-somente 5,9% em 1992. Este tipo particular de industrialização explica que o campo japonês tenha sido transformado através da estreita relação entre agricultura e industria rural.

A política de segurança alimentar baseada no arroz, o controle das importações e os créditos à modernização caracterizam a política agrícola japonesa no período do “milagre”. A facilidade de créditos subsidiados fez com que quase todos os agricultores possuíssem um conjunto de caríssimos implementos (maquinas adaptadas a explorações exíguas), e utilizassem uma quantidade de fertilizantes mais elevada que no resto do mundo: no Japão, a quantidade média de fertilizantes por hectare é de 1.160Kg, enquanto nos EUA é de 160 e na Tailândia de 40Kg. O Japão é recordista mundial na utilização de adubos químicos e produtos fitossanitários. Um estudo realizado em 1977 indicava que a quantidade de energia empregada para produzir arroz era três vezes superior a que este proporcionava como alimento. O custo do quilo de arroz japonês é 15 vezes superior ao produzido na Tailândia e 11 vezes mais que o norte-americano (Bray, 1994).

A organização da produção

As condições geográficas do Japão determinaram muitas das suas características estruturais, assim como as dos países da região: China, Coréia, etc. A superfície agrícola de todos esses países é escassa, em geral, monos de um terço do território nacional é cultivável. As características climáticas favorecem o cultivo do arroz, produto agrícola mais importante na Ásia. O arroz exige um trabalho muito intensivo, com uma média de dez agricultores por hectare, e um grande esforço por parte da coletividade em tarefas de controle da água (construção de depósitos, diques e canais), o que demanda um grande nível de solidariedade entre as comunidades agrícolas.

A estrutura agrária japonesa, baseada na microexploração, impulsiona o movimento associativo. Para ilustrar o modelo agrário japonês pode-se citar o caso do principal cultivo: o arroz. Dos 2,7 milhões de hectares destinados à produção deste produto, 50% correspondem a propriedades com 0,3 e 0,5 ha e tão-somente 3% das explorações arrozeiras têm mais de 0,5. Ante uma situação de extrema divisão, as cooperativas (nokyo), apresentam-se como uma alternativa à sobrevivência dos agricultores.

No pós-guerra, o Estado japonês apoiou a extensão do cooperativismo nas ações comuns para a gestão, a utilização das instalações comuns, assim como as execuções de certos trabalhos. Praticamente todos os agricultores japoneses pertencem a estruturas cooperativas. As cooperativas estão divididas entre as de finalidades múltiplas (fornecimento de insumos, crédito, seguro, elaboração, assessoria, etc.), e as especializadas (comercialização).

Essas cooperativas estão estruturadas ao nível local, regional e nacional, culminando essa cadeia verticalizada na Federação Nacional de Sociedades de Cooperativas Agrícolas (Zennoh), um conglomerado empresarial que mantém um órgão político, a União Central de Cooperativas Agrícolas, verdadeira coluna vertebral do lobby agrícola. As cooperativas também desempenham funções de agentes financeiros. A Federação Nacional (Zennoh) é a sexta maior companhia comercializadora do Japão, enquanto o Banco Nacional das Cooperativas Agrícolas (Norinchukin) é o segundo banco japonês em captação.

O alto nível de organização dos agricultores japoneses é conhecido. Os partidos políticos no poder, principalmente o Partido Liberal Democrático, dependem dos votos rurais controlados pela representação profissional agrícola, o que explica as políticas protecionistas e de transferência de rendas aplicadas desde o final da Segunda Guerra. Estas políticas permitiram que o Japão fosse o país com o mais alto nível de proteção e que, em 1988, os rendimentos médios de uma exploração agrícola, incluindo as rendas não agrárias e as ajudas, fossem 7% mais altos que os dos assalariados urbanos (Saso, 1991).

A política agrícola nacional do governo, em seus aspectos principais, é aplicada através do sistema de cooperativas e a reestruturação da produção também é aplicada em conjunto com este sistema. Nessas organizações os agricultores comercializam 95% do arroz, 96% do trigo, 90% da cevada e mais de 50% das frutas, hortaliças, gado bovino e leite. As compras de fertilizantes, químicos, combustíveis, maquinas e rações, em sua ampla maioria, são realizadas nas cooperativas.

Pelos serviços que prestam aos seus membros, as cooperativas agrícolas são amplamente reconhecidas e exercem uma enorme influência, através dos lobbies agrários, junto ao partido no poder, sobre as políticas governamentais que afetam a agricultura. O número de agricultores cooperativados é alto: 5,5 milhões e o número de membros não-agricultores das cooperativas é de 2,9 milhões, em 1990 (FAO, 1993).

Outro fenômeno que acompanhada agricultura nos países industrializados é a diminuição da população agrícola e a participação crescente da agricultura a tempo parcial. As pequenas explorações agrícolas transformaram-se num moderno sistema de cultivo intensivo. A pequena dimensão das explorações e a forte mecanização explicam a busca de outras atividades e a migração para as cidades. Cresce cada vez mais o número de agricultores a tempo parcial (kengyô), que combinam atividades nos setores industrial e de serviços com as atividades agrícolas e que obtêm a maior parte de sua renda em atividades não-agricolas (off-farm income) (Santos, 1993).

Já na época do “milagre”, a agricultura japonesa se caracterizava pelo grande número de agricultores a tempo parcial, o que viabilizava um alto número de pequenas e médias empresas que utilizavam a mão-de-obra ligada à agricultura. Esta é uma das características comuns da agricultura nos países industrializados, mas que no Japão assume proporções mais altas. Uma observadora desse tema registra que “a agricultura do Japão é hoje dominada por prósperos agricultores parciais e suas cooperativas agrícolas”. (Saso, 1991: 50).

Em 1950, o Japão tinha seis milhões de unidades produtivas, onde cerca da metade da população agrícola dedicava-se em tempo integral às tarefas do campo. Em 1995, o número de unidades familiares (nôka), estava reduzido a 3,4 milhões, com 16% em tempo integral e 84% em tempo parcial, uma da taxas de agricultores part time mais altas do mundo. O envelhecimento da população rural é outro problema grave: em 1955, 60% da força de trabalho no campo tinha mais de 60 anos e 42% mais de 65 anos de idade (Maff, 1996).

A política de regulamentação dos mercados

A articulação da estrutura cooperativada e do Ministério da Agricultura, Florestas e Pesca define a outra importante política agrícola, a de comercialização.  A política agrícola japonesa, em termos de preços agrícolas e comercialização, utiliza sistemas diversos com fundamentos distintos segundo o produto tratado. O mecanismo principal é o Sistema de Controle de Alimentos Básicos, cujo objetivo é controlar o abastecimento, assim como o preço do arroz, do trigo e da cevada. Este sistema é administrado pela Agencia de Alimentação (Japanese Food Agency), do Ministério da Agricultura. É um sistema de políticas publicas de preços agrícolas em diferentes níveis.

Gráfico 2: Japão: produção de arroz e cereais, 1961 – 93 (1.000 tons.).

Fonte: FAOSTAT.

No caso do arroz, o objetivo da política japonesa no pós-guerra, baseada na Lei de 1942 e na Lei de 1952, era o de assegurar o abastecimento regular tanto do arroz com dos demais produtos  alimentares a preços razoáveis. Depois dos anos 60, quando a situação alimentar estava normalizada passa a ser o de garantir os preços de produção e as rendas agrícolas.

Ainda que venha diminuindo, a cultura de arroz (que em 1972 representava 3,3 milhões de hectares, cerca de 60% do total das terras cultiváveis, e em 1991 representava 2,7 milhões, cerca de 54% do total), mantém sua influência vital sobre a agricultura japonesa e é um dos fatores determinantes da produção, dos preços agrícolas, das rendas e da utilização das terras.

A produção, a distribuição e a comercialização do arroz estão sob o controle governamental em função da importância que representa para a agricultura e toda a economia. Este cultivo tem um controle quantitativo direto no abastecimento. A Lei de 1942 contem orientação para a elaboração de um plano básico anual de produção para ajustar o fornecimento às necessidades de arroz do ano seguinte.

O preço do arroz é definido segundo uma formula na qual são somados os custos de produção que reflitam a unidade produtiva menos eficiente, mais a diferença entre os rendimentos de uma família assalariada média urbana e uma família camponesa média. As rendas agrícolas são calculadas tendo por base os rendimentos não-agrícolas. Como os rendimentos urbanos crescem mais rápidos que os rurais, o preço de garantia do arroz sobe mais que os demais produtos.

O arroz é vendido pelo Estado a intermediários, os empresários atacadistas e varejistas, inscritos no programa de distribuição. O preço de venda ao consumidor é fixado por um “preço de orientação”, para garantir sua compra por todas as famílias urbanas, e seu preço de comercialização é inferior ao preço pago pelos Estados Unidos aos produtores. O preço de compra é fixado sempre mais alto que os preços internacionais, com fronteiras fechadas à importação, e é o Estado que subvenciona a diferença. Toda a produção de arroz até 1972 era comprada pelo Estado e revendida unicamente pelo governo, que fixava os preços; depois, era comercializada em conformidade com as regras governamentais segundo programas autorizados.

Em 1972, três anos depois de sucessivas grandes safras, o governo japonês teve que armazenar milhões de toneladas de arroz em razão da superprodução. Houve, então, uma ligeira mudança na política de comercialização. Os produtores devem vender ao Estado uma quantidade determinada a fim de estabilizar o volume e o preço. Foi permitido que uma parte da produção fosse comercializada diretamente pelas cooperativas sem a intermediação direta do governo, mas com o controle do Ministério da Agricultura, através da Agência de Alimentação, que determina o preço máximo que pode ser oferecido ao consumidor.

Em 1996, mesmo deixando fora de produção cerca de 30% dos arrozais (780 mil ha), houve uma superprodução, responsável pelo armazenamento de três milhões de toneladas, o dobro da quantidade definida como necessária para enfrentar uma crise de abastecimento. As compras de arroz por um preço definido politicamente, mais os custos de armazenamento deste produto, somados aos gastos para produzir outras culturas alternativas no espaço dos arrozais, representam mais de um terço do orçamento do Ministério da Agricultura japonês.

Nos casos do trigo e da cevada, o mecanismo de controle é indireto. Estes cultivos estão submetidos à lei de controle dos produtos alimentares. Ainda que a venda seja livre, o governo compra quase toda a produção graças ao mecanismo de preço de garantia mais alto que os dos demais compradores. Como a produção é sempre menor do que a demanda, o governo compra quantidades ilimitadas destes dois produtos. Esta oferta insuficiente provoca as importações, controladas pelo governo, através da Agência de Alimentação, único comprador de trigo e cevada importados, que mantém a estabilidade do mercado.

A soja, uma planta importada da China pelo Japão foi, ao contrario dos países europeus onde era utilizada na cadeia alimentar animal, primeiro usada massivamente na dieta humana, em forma de grãos germinados como legumes, farinha, leite que, fermentado, produz um tipo de queijo, o tofu, salsa etc. Somente depois da Segunda Guerra, o Japão começou a utilizá-la na expansão das suas industrias avícola e porcina.

Nos anos 50 e 60, tanto a soja como o trigo vinham na quase totalidade dos EUA. A crise de 1973, quando os EUA decretaram um embargo temporal de suas exportações de soja para, assim, assegurar o abastecimento interno dos produtores de carne, impulsionou uma nova política japonesa de importações para garantir a segurança alimentar baseada na diversificação de suas fontes de abastecimento. Desde então, o Japão importa produtos agrícolas e alimentares de outros paises e continentes, de forma crescente. No entanto, os EUA seguem como o primeiro fornecedor de trigo, milho e soja para o Japão.

A política de comércio exterior

O território japonês, com 377.700km2, representa tão-somente 0,3% da superfície total das terras do mundo. Alem disso, tem pouca superfície dedicada à agricultura (apenas 14% de seu território), devido, fundamentalmente, à sua difícil orografia, eminentemente com abundancia de florestas (70% do arquipélago). Na área agrícola, num total de 5,2 milhões de hectares, vivem 5,9% da população japonesa.

O controle das exportações, principal instrumento de política externa agrícola, é realizado mediante as restrições quantitativas e aos direitos de importação e ao comércio estatal. Os principais produtos agrícolas estão submetidos ao comércio de Estado ou a um monopólio de importação. As compras de arroz, trigo e cevada são regulamentadas pelo governo segundo a lei agrícola de 1942. Os produtos que não estão sob controle direto do comércio estatal ou de um monopólio têm suas situações balanceadas duas vezes por ano pelo governo, que define seus programas de licenças governamentais de importação em função do volume das necessidades de consumo interno.

Depois de 25 anos de limitações quase absolutas, o governo japonês começou a liberar as importações alimentares. Entre 1970 e 1972, diminuiu as restrições quantitativas à importação de 69 produtos, aumentando os contingentes de importações. O sistema tarifário japonês para produtos agrícolas mantém níveis de direitos de importação segundo o produto importado. As permissões de importações são liberadas quando os preços internos estão demasiadamente elevados. Alguns produtos têm, para importações, um sistema de direito sazonal. A partir de 1971, introduziu-se um sistema de tarifa especial preferencial para importações originárias de países em vias de desenvolvimento.

Apesar dos altos níveis de apoio ao seu setor agrícola, o Japão é, desde 1988, o principal importador liquido de produtos agrícolas. Importações que, em 1991, alcançaram um valor de 49,3 bilhões de dólares (Fumey, 1997: 90). Este crescente volume de importações não inclui o arroz. Mesmo com o processo crescente de liberalização, a economia japonesa importa pouco arroz, seu principal produto alimentar. Um claro exemplo disto foi o resultado final da Ronda Uruguai do Gatt. Pelo aprovado, o Japão importaria 4% de suas necessidades de arroz em 1995, um nível que deveria aumentar até 8% no ano 2000. A Coréia do Sul, um país com um modelo agrícola similar ao Japão, importará 1% de seu consumo de arroz e incrementará até 4% no ano 2000.

A inserção no sistema mundial

A integração da agricultura japonesa no processo formador do sistema agroalimentar mundial não é um fenômeno exclusivo do resultado da acumulação de capital, mas uma composição de interesses na qual influíram a definição de uma política de segurança alimentar, o contexto internacional da guerra fria e a forte presença política dos agricultores.

Imediatamente após a Segunda Guerra Mundial, os principais objetivos da política japonesa foram, primeiro, assegurar à população o abastecimento de alimentos essenciais e, segundo, reorganizar a produção, principalmente através da reforma agrária. Portanto, o primeiro objetivo da política agrícola japonesa foi à auto-suficiência alimentar, o que justifica todo o apoio à produção arrozeira, um cultivo que possui uma enorme importância tanto alimentar como política dentro do contexto cultural japonês (OCDE, 1967).

O processo de integração do Japão no sistema agroalimentar mundial, por motivos históricos, políticos e geográficos, tem fortes distinções em relação à integração do sistema alimentar europeu. A reconstrução da agricultura japonesa esteve influenciada pela conjuntura do final da Segunda Guerra, quando então o Japão, depois da derrota militar, firmou uma rendição incondicional em 1945 e esteve ocupado por tropas norte-americanas e administrado por um governo militar, o Supreme Commander of the Allied Powers, sob o comando do general MacArthur, entre os anos de 1945 e 1952 (Reischauer, 1997).

A estratégia de combate ao comunismo, vitorioso na China e em outros países asiáticos, fez com que uma versão asiática do Plano Marshall fosse aplicada, baseando-se numa reforma agrária massiva que ajudou a redistribuir dois terços das terras cultivadas e afetou 70% da população agrícola. A reforma agrária expropriou a terra dos latifundiários absenteístas, e toda a terra arrendada de mais de 1 ha (num total de 4 milhões de ha), aumentando de 31 para 62 o percentual de agricultores que cultivavam em suas propriedades. A reforma gerou uma numerosa classe de pequenos produtores que se beneficiava dos subsídios à produção de arroz e da proteção dos mercados (Maddison, 1971). Desde então, os pequenos agricultores japoneses passaram a representar a estabilidade e a segurança alimentar com sua produção arrozeira.

Pelo recente passado comum, o Japão compõe, com a Coréia do Sul e Taiwan, duas ex-colônias japonesas de antes da Segunda Guerra, uma zona com características similares de desenvolvimento agroalimentar. Regiões ocupadas pelas tropas norte-americanas depois da derrota japonesa, Coréia e Taiwan eram dois bastões anticomunistas na fronteira da ex-URSS e da  Republica Popular da China. Em plena guerra fria e depois da guerra civil, a Coréia do Sul levou a cabo uma reforma agrária massiva, realizada sob o governo militar norte-americano, o US Army Military Government in Korea / USAMGIK, depois que o governo comunista da Coréia do Norte realizara uma reforma no campo com apoio popular.

Por seu lado, os nacionalistas chineses, expulsos da parte ocidental pelos comunistas, se instalaram em Taiwan onde se realizou a reforma agrária que, a exemplo do Japão, foi impulsionada pelos norte-americanos e consolidou uma estrutura unimodal de agricultura (Bustelo, 1990). Estes dois Estados desenvolveram políticas agrícolas semelhantes às do Japão, baseadas na auto-suficiência alimentar.

A agricultura japonesa nos anos da reconstrução tinha suas especificidades. A primeira é que a dieta japonesa, baseada no arroz, legumes e peixes, dificultava a inserção do seu sistema alimentar no modelo cada vez mais generalizado na Europa e nos EUA, estruturada em torno dos derivados de carne, lácteos e trigo. Os hábitos alimentares no Japão conservavam uma estrutura original de consumo, que era a base do chamado “regime alimentar de tipo japonês” (OCDE, 1983: 229). A segunda especificidade é que as grandes empresas norte-americanas não investiram na agricultura japonesa como fizeram na Europa, onde participavam ativamente da cadeia de produção integrada agroalimentar. A penetração do modelo de produção e consumo ocidental transcorre por duas vias: a difusão das técnicas de criação intensiva de animais, com a utilização de rações combinadas com base na soja e no milho, e a introdução dos novos hábitos de consumo humano de carne e seus derivados e dos produtos de trigo.

A variação no regime alimentar tradicional é explicada pela historia recente do Japão. O primeiro impacto sobre a dieta japonesa veio nos anos de ocupação militar norte-americana, anos de penúria alimentar na medida em que a agricultura japonesa somente alcançou seu nível de antes da guerra em 1952. Neste intervalo, as exportações subsidiadas dos excedentes agrícolas norte-americanos e os programas de ajuda alimentar inauguraram a entrada massiva do trigo na dieta japonesa. Processos similares ocorreram em Taiwan, Coréia do Sul e demais países asiáticos com os quais os EUA mantinham estreita vinculação econômica e militar e onde os habitantes das cidades se alimentavam em grande medida através do fornecimento dos EUA (Allen, 1980: 218).

Nesses programas as crianças japonesas aprenderam a comer pão de trigo, sanduíches, provenientes da ajuda alimentar oferecida nas cantinas escolares (Sumpsi-Viñas e Barceló Vila, 1996). Desde então, o Japão, beneficiando-se do baixo preço internacional e das facilidades concedidas pelos EUA, evoluiu em sua demanda até tornar-se o primeiro importador individual de cereais norte-americanos, principalmente trigo e soja, tanto para a alimentação humana como para a cadeia de produção animal.

Em 1960, os EUA obtêm do Japão o abandono das tarifas protetoras para os grãos de soja. Nos anos 60, a superfície cultivada com soja diminui com a mesma velocidade com que aumentam as importações de grãos norte-americanos, que sobem de um milhão de toneladas importadas em 1960, para dois milhões em 1966 e 3,2 milhões em 1970. Uma parte é transformada em alimentos fermentados, ricos em proteínas vegetais, como tofu, miso e shoyu, mas 75% dos grãos são triturados e misturados com milho (cujas importações em 1971 foram de 5,5 milhões de tons), para fabricar as rações compostas, base da alimentação da criação intensiva de animais.

Gráfico 3. Japão: importação de oleoginosas, carnes e cereais. 1961- 93 (1.000 US$).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fonte: FAOSTAT (1995).

No entanto, a penetração da soja e dos cereais norte-americanos no mercado japonês não correspondeu à entrada de empresas norte-americanas no espaço comercial do Japão. Como os demais setores de sua economia, a agricultura esteve submetida ao protecionismo japonês com relação ao capital estrangeiro. Diferentemente do processo europeu, a integração japonesa tinha um aspecto particular: as importações e a comercialização interna dos produtos eram realizadas por grandes companhias de comercio japonesas, todas de capital nacional: Mitsubishi, Mitsui, Marubeni, C. Itoh e Sumitomo que abasteciam de matérias-primas norte-americanas as empresas trituradoras do país (Bertrand, Laurent e Leclerq, 1984).

O forte protecionismo japonês permitiu o desenvolvimento da agroindústria nacional, que produz quase todos os novos elementos da dieta japonesa: lácteos, bebidas alcoólicas, conservas, etc. o setor agroindustrial é fortemente concentrado, caracterizado pelo controle setorial de grandes grupos, como nos casos da industria leiteira, controlada, em 60% de sua produção por quatro grupos, a transformação da carne, controlada, em 70% por cinco industrias e o setor cervejeiro, controlado em 99% da produção, por quatro grupos.

No universo da agroindústria, destacam-se a primeira empresa industrial mundial de pesca, Taiyo Fishery, e o outro gigante do ramo, Nippon Suisan Kaisha; a primeira produtora mundial de licores, a Santory; duas grandes cervejeiras mundiais, Kirin Brewery e Sapporo Breweries; grandes empresas leiteiras mundiais, Snow Brand Milk Products e Meiji Milk Products; e outros grandes grupos: a Toyo Seisan, de conservas, e a Ajinomoto, de condimentos e azeites alimentares. A proteção é tão forte que permite a produção nacional de whisky (Suntory, Nikka) e vinhos de mesa (Pinard, 1988).

A integração regional

Com uma economia considerada “pós-industrial”, o Japão tem 3,7 milhões de famílias rurais que produzem tão-somente 2% do PIB. Mas, a combinação do crescente aumento do poder aquisitivo dos consumidores, que exigem novos e melhores produtos, a liberalização das importações de produtos agrícolas e alimentares e a subida do yen, tornando as importações mais baratas, fizeram da economia japonesa, com um Produto Interno Bruto de 4,5 trilhões de dólares (1995), a principal importadora mundial de alimentos.

A partir dos anos 70, o Japão realiza uma inflexão liberalizante em sua política comercial externa. As crescentes importações agrícolas japonesas, que em 1990 alcançaram 52% do total da oferta de calorias básicas, refletem as mudanças nos padrões de consumo na dieta tradicional e essas mudanças alimentares são significativas: no final da guerra, o arroz representava quase a metade da dieta e ainda em 1965 contribuía com 44% da ração de calorias.consumidas. O trigo, ausente dos hábitos alimentares japoneses até os anos 40, segue o caminho inverso e seu alto consumo per capita, hoje, é garantido pelas importações de 6,5 milhões de toneladas anuais, que fazem do Japão um dos cinco maiores importadores desse produto (Maff, 1996).

Para responder a essas importações, o Japão desenvolveu uma estratégia de articulação regional. A partir dos anos 70, o centro da economia asiática parecia ter esgotado sua capacidade de crescimento agrícola, ao mesmo tempo em que superava sai etapa de auto-suficiência alimentar baseada na produção nacional e começava a diversificar sua alimentação mediante uma estratégia definida pelos grandes grupos alimentares japoneses, na qual estas empresas multinacionais investem nos países asiáticos vizinhos, diretamente ou de forma associada a grupos locais, onde construíram um moderno setor agroalimentar que elabora a “produção exterior” do sistema agroalimentar japonês, responsável pela produção e transformação da carne, legumes, sumo de frutas e produtos da pesca, que são enviados e distribuídos pelas grandes redes no Japão e nos “tigres asiáticos”.

O Ministério da Indústria e do Comércio Internacional, o MITI, responsável pelas estratégias industriais japonesas, desenvolveu um modelo agroindustrial alternativo para o setor alimentar baseado na produção interna, a partir de importações massivas e no desenvolvimento de um setor produtivo instalado em outros países. Apesar da pouca capacidade agrícola interna, a industria agroalimentar japonesa desenvolveu um modelo apoiado numa ampla base de importações, que resultou num forte setor agroindustrial que, em 1990, elaborou o equivalente à metade da produção da Comunidade Européia (Rastoin e Oncuoglu, 1992).

A internacionalização da economia japonesa é inseparável das experiências dos NIC’s asiáticos e do desenvolvimento do primeiro pólo de crescimento da economia mundial. No sistema agroalimentar mundializado, o Japão, junto com os quatro “tigres”, joga um papel importante como centro da economia do Pacifico, liderando a dinâmica da integração regional mediante o aumento das inversões no setor agroindustrial de alguns países asiáticos vizinhos, principalmente os da ASEAN / Association of Southeast Ásia Nations (Tailândia, Indonésia, Filipinas, Brunei, Vietnã e Malásia), para diversificar as fontes de abastecimento.

A integração nacional, mediante o deslocamento das empresas japonesas a partir do final dos anos 60 para os países asiáticos vizinhos, é uma das características do regime internacional da economia japonesa. Neste movimento, existe uma hierarquização: primeiro, os investimentos foram direcionados para os “dragões asiáticos” (Coréia do Sul, Taiwan, Singapura e Hong Kong); logo depois, vieram os paises da ASEAN e, mais recentemente, a Republica Popular da China. O deslocamento de empresas, junto a intensificação do comércio e as inversões diretas articulam um amplo tecido onde se movem os interesses japoneses, resultando num diversificado leque de fornecedores alimentares: EUA (29,5%), Taiwan, Tailândia e Indonésia (15%), China (10%), União Européia (9,5%), Austrália e Nova Zelândia (9%) e demais países, 27% (Maff, 1996).

As firmas japonesas ampliaram suas presenças e investimentos no exterior mediante uma política de joint-ventures. Movidos pelas determinantes espaciais e pelas necessidades alimentares do país, os japoneses, em vez de abrirem novas filiais de firmas nacionais, preferem criar alianças comerciais ou tecnológicas com empresas asiáticas e da Oceania (Rastoin e Oncuoglu, 1992). Nesta estratégia, os japoneses associam-se a empresas da Austrália e Nova Zelândia, para produzir carne e pescado, e empresas da Tailândia, Filipinas, Indonésia e Taiwan, para a produção avícola. Estas associações têm por objetivo produzir e exportar esses produtos transformados para o mercado japonês.

Gráfico 4. Japão: investimentos diretos no exterior. 1995-93. (US$ bilhões)

Fonte: Fukumatsu (1994)

As grandes empresas de distribuição são as impulsoras dessas importações e a valorização do yen nos anos 80 facilitou ainda mais a política de integração regional, na medida em que viabilizava os investimentos externos e tornava os produtos impostados mais baratos. A ampliação de setor da alimentação ligeira aumentou as importações de produtos transformados e as importações de cereais e matérias-primas, que representavam 75% do total alimentar em 1965, baixaram para 30,4% em 1992; os lácteos e carnes, que representavam tão-somente 6% em 1965 subiram, em 1992, para 31,34%. Os produtos industrializados, 1992, já representavam 65% do orçamento alimentar japonês (Suzuki, 1996).

A partir de 1998, o governo japonês transformou as quotas de importação de carne em tarifas ad valorem, que se têm reduzido paulatinamente e, com isto, as importações não param de crescer. As recentes e massivas importações de carnes se produzem na medida em que os japoneses, que no passado nunca tinham tido uma dieta rica em carne bovina, mas que hoje têm renda que lhes permite consumir carnes caras, demandam, para isso, carne com alto teor de gorduras (Bonnano, 1994:35). Nesta tendência para adaptar alimentos do exterior, a dieta japonesa ocidentaliza-se, incorpora mais gorduras e mais carnes, que se convertem, em parte, nos novos hábitos alimentares do Japão e dos paises industrializados do sudoeste asiático.

Com a integração do Japão ao sistema agroalimentar mundial, hegemonizado pelo modelo ocidental, o consumo de derivados de carne sobe em flecha, com um ritmo de crescimento de 10,9% nos anos 1989 / 90. O consumo anual de carne chega a 39,7kg / per capita e 83,2kg de leite e seus derivados. Neste processo de transformação alimentar, os pratos tradicionais da cozinha japonesa (sashimi, tempura, yakitori, sushi, dobin, mushi, miso shiru, nizakama, etc.), baseados em pescados, arroz, verduras e molhos de soja, cedem espaço, na sua dieta nacional, aos partos e ingredientes da cozinha ocidental.

Nas ultimas décadas, no mesmo sentido que os demais países industrializados, surge no Japão a transformação da produção alimentar, desenvolvem-se as grandes importações de produtos para os novos hábitos alimentares. Os japoneses aumentaram significativamente a demanda da produtos da industria de alimentos que, estimulada pela incessante concorrência, fomenta a modernização e lança, aproximadamente, 50 mil novos produtos por ano.

A produção em massa e o consumo de massas se desenvolvem simultaneamente com o moderno setor de comercialização e alimentação ligeira. Com um sistema de produção agrícola subsidiada que custou aos cofres japoneses, e 1994, 89,38 bilhões de dólares (aproximadamente US$ 30 000 anuais por agricultor), e um sistema produtivo externo crescente, alem das importações alimentares mais significativas do planeta, o Japão se transforma num grande elemento constitutivo do sistema alimentar mundial.

O forte sistema alimentar japonês reflete a regulação setorial agrícola de um modelo que é um exemplo claro da lógica de funcionamento dirigido de uma economia nacional, desde há 50 anos. Já nos anos 70, um estudo sobre o setor agrícola japonês chegava a conclusão de que a agricultura japonesa era a parte mais débil da economia e sobrevivia em sua forma devido aos subsídios e à proteção do Estado (Maddison, 1971).

O modo de regulação japonês, o fordismo híbrido, foi capaz de adaptar o modelo americano à realidade japonesa, gerando um modelo de desenvolvimento original. Na agricultura, este modelo manteve a mesma lógica de sua política geral: uma complexa economia de mercado que tem, nas políticas estatais, os seus principais elementos reguladores.

O Japão construiu, nos últimos 50 anos, um modelo de agricultura e de produção alimentar que, ainda estando instalado numa potencia econômica mundial, não dispensa a intervenção publica, através do financiamento da sua produção e dos programas de modernização, de regulamentação dos mercados internos, que gerou uma produção agrícola interna protegida, e de uma política de comércio exterior coerente com a sua parte interna, também protecionista.

Indiferente, ou quase, ao generalizado discurso antiestatal, a política agrícola japonesa navega sob o comando das orientações governamentais, nem mesmo as negociações na Organização Mundial do Comércio / OMC fizeram mudar um modelo que pretende garantir a segurança alimentar de sua sociedade, a manutenção das atividades de seus agricultores e uma articulação econômica regional que reflete os interesses dos grandes grupos do sistema alimentar japonês.

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