Estudos Sociedade e Agricultura

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Regina Bruno

O Estatuto da Terra: entre a conciliação e o confronto


Estudos Sociedade e Agricultura, 5, novembro 1995: 5-31.

Versão modificada do artigo enviado para publicação no “Cahiers du Brésil Contemporain”. Maison des Sciences de l’Homme. Centre de Recherches sur le Brésil Contemporain. Université de Paris III, Paris, setembro, 1995.

A pesquisa junto ao Arquivo Paulo de Assis Ribeiro/Arquivo Nacional - Brasil foi financiada pela Anpocs, em 1987, e contou com a participação de Suzana Pessoa Soares como auxiliar.

Regina Bruno é professora da UFRRJ/CPDA.


Introdução

Reabramos o Estatuto da Terra: “Considera-se reforma agrária o conjunto de medidas que visem a promover melhor distribuição da terra mediante modificação no regime de sua posse e uso, a fim de atender aos princípios de justiça social e do aumento da produtividade” (PAR, 1964a).

Esta é a conceituação de reforma agrária aprovada pelo Congresso Nacional em 30 de novembro de 1964 no período do primeiro governo militar do mal. Castelo Branco. Trata-se da última versão da Lei 4.504, produto de uma acirrada discussão, embates e acordos sobre a necessidade ou não de uma reforma agrária no Brasil como condição para a modernização da agricultura e solução da questão política no campo. Cada um de seus termos foi objeto de uma longa trajetória de emendas, adendos e vetos.

A idéia que sustenta a concepção de reforma agrária aqui enunciada é a da reforma fundiária. O ponto chave do argumento consiste na modificação no regime de posse e uso da terra, matriz da reforma agrária do Estatuto da Terra e do “velho projeto político da reforma agrária” dos anos 50 e início dos 60 no Brasil.[1]

Contra esta concepção de reforma agrária reafirmada pelo Estatuto da Terra reagiram os grandes proprietários de terra e suas entidades de classe que, há muito mobilizados contra a reforma agrária, sentiram-se traídos pelo governo Castelo Branco. Afinal, a reforma era iniciativa de um regime que eles respaldaram e, de certa forma, criaram. Em várias partes do país a classe ruralista reagiu prontamente. Os usineiros do Nordeste, por exemplo, viam no Estatuto da Terra a desestruturação da exploração açucareira; os cafeicultores do Paraná denunciaram que o Estatuto significava o ataque ao direito sagrado de propriedade; as elites rurais, apoiadas pela “linha dura” militar insatisfeita com o legalismo de Castelo Branco, ameaçaram pegar inclusive em armas para acabar com o “vírus reformista que atacara o Alvorada”. Os empresários ligados ao Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais de São Paulo, o Ipes/SP, argumentaram que nada poderia justificar a intervenção do governo federal na questão fundiária e até o momento da aprovação final do anteprojeto, insistiram, que “nada se sabe sobre a eficiência produtiva da estrutura agrária nacional”(PAR s/d.b:1).

No entanto, o discurso anti-reformista do pós-golpe, apesar de manter os mesmos pressupostos utilizados no período anterior a 1964, aos poucos foi perdendo sua força política e ideológica, e mudando a lógica de suas argumentações, porque não mais podia afirmar que a reforma agrária de Castelo Branco significava a instauração do comunismo no Brasil. Os anti-reformistas e os grandes proprietários fundiários haviam defendido e apoiado publicamente uma reforma agrária “democrática e cristã” contra o que consideravam a opção socialista. Agora verificavam que a proposta do primeiro governo militar significava a vitória da opção democrática e cristã, e a derrota da proposta socialista que, segundo eles, “pregava o confisco como elemento preferencial da reforma e objetivava a implantação de luta de classe no campo” (PAR, s/d.b).

Contra a reforma agrária idealizada pelo novo governo, eles já não podiam mais reivindicar apenas uma política agrícola. Desde o início, o anteprojeto do Estatuto da Terra se antecipara, incluindo tal proposta no texto - bastante minuciosa e absolutamente coerente com as demandas das elites agrárias e empresariais.

Nesse momento, ganham peso outras argumentações. Se antes eles foram obrigados a reconhecer a existência de uma questão fundiária no Brasil, agora só reconheciam a questão rural.

Inúmeras foram as sugestões e os substitutivos, que surgiram e se avolumaram propondo modificar a definição de reforma agrária do Estatuto da Terra. O principal argumento era de que não havia um problema agrário no país, e sim um problema rural, e que este “não decorria primordialmente da estrutura de propriedade”. Portanto, “o que se pretende(ia) com a reforma agrária (...) não é dar ênfase à reforma fundiária”. Eles afirmavam que o Estado dispunha de” outros meios e de modos muito mais eficazes e rápidos para obrigar os seus proprietários a dar uso social a terra”. Urgia, sustentavam, entender que o problema da agricultura no Brasil “está intimamente ligado à falta de uma adequada política econômica, e não resulta, na maioria dos casos, do fato do trabalhador rural não ser proprietário da terra que cultiva”. E concluíam: “as áreas economicamente exploráveis encontram-se ociosas, por falta de uma infra-estrutura mínima, que os poderes públicos não souberam ou não quiseram dar-lhes” (PAR, 1964c: 1-3).

Até mesmo o preceito da justiça social - moeda corrente na época e bandeira do governo Castelo Branco - foi objeto de atrito entre o governo e a movimentação da anti-reforma, por se achar que justiça social, se incluída no texto da lei, poderia justificar a desapropriação por interesse social.

Eles também não podiam mais agir violentamente, porque o seu potencial de luta encontrava-se desgastado: o empresariado e os grandes proprietários de terra haviam acabado de ganhar a “batalha contra as forças populares”. Claro que, se o golpe fosse originário do projeto populista, eles certamente teriam reagido de forma incomparavelmente mais violenta.[2]

Nesta conjuntura pós-golpe, a discussão sobre a reforma agrária migra para o campo institucional, e os grandes proprietários de terra não tiveram outro recurso político senão priorizar a tática da pressão e do boicote ao projeto de lei. Recusaram-se em participar das reuniões programadas pelo governo para discutir a reforma agrária, apresentaram substitutivos e emendas face a um governo sempre disposto a negociar, atento aos interesses dos latifundiários, e a ampliar, o máximo possível, as fronteiras e os limites dessas negociações, ainda que, ao mesmo tempo ciente, firme, e às vezes intransigente quanto à necessidade de modernização do latifúndio como condição da arrancada em direção ao desenvolvimento.

As críticas e as demandas de reformulação do anteprojeto de lei do Estatuto da Terra não se limitaram à conceituação de reforma agrária. Todas as questões que, direta ou indiretamente, referiam-se à problemática fundiária foram acidamente questionadas. Os principais pontos de atrito, invariavelmente, convergiam para a concepção de reforma agrária, a viabilidade da pequena propriedade familiar, a noção de uso social da terra, o sentido do justo valor e o valor das alíquotas das “possíveis” desapropriações e a definição de latifúndio.

Em torno destes pontos, cada conceito, palavra e vírgula foram exaustivamente dissecados e analisados: por exemplo, discutia-se, se a expressão mais correta deveria ser “direito à propriedade” ou “direito de propriedade da terra”; argumentava-se que a palavra minifúndio deveria anteceder a latifúndio em todas as situações de penalização e normatizações restritivas; propunha-se a inclusão da expressão “quando necessária” a todos os parágrafos que abordassem a modificação do regime de posse e uso da terra; criticava-se a demanda de uma estrutura agrária mais justa sob o argumento de que, com ela, estava subentendida a noção de injustiça; sugeria-se a substituição do termo “propriedades comprovadamente exploradas” pelo de “propriedades convenientemente exploradas”; e, como se não bastasse, argumentava-se que, ao invés do conceito “latifúndio”, por que não utilizar o termo “grande propriedade rural?”.[3]

Enfim, vemos que a questão fundiária situava-se na base de todas as argumentações e divergências. Eles pretendiam eliminar do texto da lei, a incômoda - porque profundamente política e ideológica - questão da propriedade.

*

A minha contribuição para a reflexão sobre a questão da reforma agrária no Brasil será apresentar, em linhas gerais, o debate que se travou em torno do Estatuto da Terra no momento de sua elaboração: o período compreendido entre a primeira formulação do Anteprojeto, elaborada pelo governo em abril de 1964, até sua décima quarta versão, e aprovação final pelo Congresso Nacional, em novembro do mesmo ano. Gostaria de apreender o debate à luz daquilo que é formulado e ver como os diferentes atores se confrontam e se conciliam - explicitando mais nitidamente quais os interesses em jogo, as disputas e os privilégios de cada um - ao estabelecerem os instrumentos legais e institucionais da lei de reforma agrária.

Mas não é apenas o jogo dos interesses econômicos, políticos e pessoais que configura o processo de elaboração do Estatuto da Terra. Encontramos também indivíduos convictos - imbuídos pelo afã da mística reformista: homens que não cogitavam só em ganhar ou ter razão, e que acreditavam situar-se acima das contendas existentes, orientados, segundo eles, pela “certeza interior de lutar e proclamar o que nas coisas clamava por ser dito”.

Analisar os embates em torno da construção do Estatuto de Terra, por sua vez, é uma situação que retrata toda a complexidade inerente à lógica dos processos decisórios ao nível da política institucional. Ela também revela uma das dimensões mais instigantes da reflexão sobre a lei: a noção de lei como campo de força, de disputa e conflito, de acordos e negociações.

Este artigo expressa uma primeira tentativa de organização do material de minha pesquisa sobre o Estatuto da Terra que, por motivos pessoais e institucionais, não pude realizá-la a contento. Aproveito a oportunidade para agradecer a todos aqueles que, no decorrer do meu trabalho, contribuíram com o seu valioso testemunho. Agradeço especialmente aos senhores: Acioly Borges, Amaral Peixoto, Carlos Lorena, Dryden Arezzo, José Gomes da Silva, Paulo de Assis Ribeiro (seu valioso arquivo, legado à História) e Ivan Ribeiro, este último meu colega junto ao CPDA. Com o Ivan redescobri, nos anos 80, a utopia reformista e aprendi que utopias, mitos e convicções fazem parte da realidade e, em algumas situações, são definidoras do destino da vida e da morte.

Uma nova feição da reforma agrária: continuidades e rupturas

Fixar um momento da história do Estatuto da Terra para melhor apreendermos a sua complexidade não significa abrir mão das continuidades e das rupturas da lei.

Ao discorrer sobre o Estatuto da Terra, Dreifuss afirma que essa lei é “uma combinação da linguagem da Aliança para o Progresso, com o discurso modernizante da Carta de Punta del Este e a Doutrina da Escola Superior de Guerra” (Dreifuss, 1981: 198). Por certo o Estatuto contém importantes elementos de continuidade com relação ao período anterior à sua formulação e aprovação, pelo governo militar.

Há vínculos e identificações que se cruzam e, apesar das diferenças dos objetivos e do estatuto político e ideológico de cada uma destas vertentes, elas compartilham vários interesses comuns; encontram-se referenciadas por uma mesma escala de valores e precedentes históricos. Suas principais coordenadas são: necessidade de modernização da agricultura; a noção de latifúndio como obstáculo estrutural ao desenvolvimento e à industrialização; e a implementação de uma classe média rural no campo.

Mas, para além das heranças existentes, há no Estatuto descontinuidades e rupturas que são produtos da nova conjuntura social, econômica e política que se abre com o golpe de 1964.

O principal elemento que conforma a ruptura é a institucionalização de uma determinada vertente do pensamento reformista, que, no período anterior, apresentava-se muito mais como um programa de enfrentamento ao projeto nacional populista do governo João Goulart do que como uma proposta efetiva reformas. Convinha agora pôr em prática os princípios e preceitos até então formalmente defendidos. Para tanto, era necessário elevar à categoria de lei os fundamentos da proposta reformista do governo “revolucionário” - transformá-la em instituído, em adquirido. A partir daí, operacionalizar um nova idéia de relações sociais no campo.

Convém lembrar que a própria conjuntura pós-golpe não estava clara. O pós-64 se apresenta como uma realidade tão embaralhada, que melhor seria caracterizá-la como um período de transição. Por certo há uma mudança no regime político, mas a instauração de um regime militar não significou, de imediato, a consolidação de um novo padrão de desenvolvimento. Este só veio a se definir inteiramente mais tarde, em 1967/1968, quando da recuperação da economia e da consolidação da “linha dura” militar. Por outro lado, o estabelecimento de um governo militar não significou, a curto prazo, a estruturação de uma nova ordem política. A existência de comandos diferenciados no golpe, a ausência de uma direção política e a acirrada disputa pelo poder apontam para o fato de que, naquele momento, ainda não estava definido o que mais tarde viria a se colocar como uma ditadura militar.

Essa especificidade de continuidades e descontinuidades na conjuntura pós-golpe impôs à sociedade um novo reordenamento de forças, elegeu novas prioridades e outros compromissos sociais, diferentes daqueles existentes no momento anterior e, de certa forma, imprimiu novos contornos à lei e ao debate sobre a reforma agrária no momento de sua elaboração e aprovação.

Vimos que o golpe de março de 1964 representou uma reação ao governo-nacional populista de João Goulart que, apesar de todos os impasses, abria espaço à participação popular. No entanto, as causas imediatas do golpe foram sobretudo políticas. Elas refletiram o medo ante a força potencial do movimento pelas reformas de base, o medo da reforma agrária e da instauração de uma “república sindicalista” ou de um regime comunista no Brasil.

Castelo Branco apresentou-se como linha moderada, a favor da legalidade e da preservação do processo democrático, defendendo as reformas estruturais e a reforma agrária.

O primeiro governo militar tinha claro que a superação da crise econômica em que o país mergulhara passava por três questões mais gerais decorrentes das exigências do desenvolvimento do capitalismo brasileiro: o combate à inflação, a mudança na política externa e a modernização da agricultura.

A opção do governo pela reforma agrária, como uma das medidas prioritárias para a modernização da agricultura, deveu-se principalmente à visão de que o latifúndio representava um obstáculo estrutural à modernização e à industrialização; e de que se necessitava neutralizar os conflitos sociais no campo que haviam ultrapassado, na prática, os limites do projeto nacional-populista do governo João Goulart.

Ao mesmo tempo, Castelo Branco se apropriava da reivindicação mais avançada da conjuntura anterior - aquela que havia unificado o conjunto da luta e do movimento pelas reformas de base. Para o governo, era imprescindível “tomar em mãos” a bandeira da reforma agrária, pois ela qualificava politicamente a luta pela terra.

Em certo sentido, a luta pela reforma agrária, como luta democrática, era uma luta assimilável pelo capitalismo, pois assegurava o direito de propriedade. Mais assimilável ainda pela existência de meios de produção ociosos, num período em que se reconhecia a necessidade da modernização da agricultura. Contudo, na conjuntura de crise que antecedeu o golpe, de disputa pela hegemonia, de contradição entre as exigências do poder econômico e as tendências mobilizatórias do poder político populista, a luta pela reforma agrária era uma luta que subvertia.

Ao apropriar-se da bandeira da reforma agrária, o governo Castelo Branco deu-lhe uma nova feição. “Em seu governo as reformas e a reforma agrária foram tratadas a partir de um compromisso social diferente. Elas se desvincularam de suas origens sociais e passaram a ser uma concessão da ‘revolução’”. Neste sentido, “sob o regime militar os trabalhadores rurais perderam a iniciativa política. O governo Castelo Branco, ao mesmo tempo em que reprimia e intervinha, passou a controlar o que os trabalhadores deveriam discutir e reivindicar. Discutia-se a reforma agrária proposta no Estatuto da Terra, debatia-se a reconstrução do sindicalismo considerada como a única forma de organização definitiva da classe rural e determinava-se sobre a importância da extensão rural como o instrumento ideal para a mudança das mentalidades”. Ou seja, “houve não apenas um recuo ou uma mudança de tom na luta pela reforma agrária, mas uma mudança de conteúdo: passou-se do ataque frontal ao latifúndio à defesa do Estatuto da Terra” (Bruno, 1985: 5).

Além do mais, o discurso e as medidas sobre a reforma agrária democrática e cristã conviviam com os expurgos, a prisão e a perseguição das lideranças identificadas com as Ligas Camponesas; a depuração dos sindicatos rurais; a intervenção na Superintendência da Reforma Agrária, a Supra e a revogação dos decretos sobre a questão fundiária estabelecidos no governo anterior. Ao lado do preceito da justiça social e democracia, apostava-se no esvaziamento das instituições democráticas, na gradativa destruição dos mecanismos de mediação entre o Estado e a sociedade e na neutralização dos setores mais liberais que apoiaram o golpe militar temendo o comunismo, mas acreditando no restabelecimento do regime constitucional. Ao mesmo tempo em que impunha sua reforma agrária junto à grande propriedade fundiária, o governo militar minava as possíveis bases políticas e sociais de apoio ao seu projeto reformista.

Por sua vez, diferentemente do que se costumava acreditar na época, o Brasil vivia uma realidade economicamente desfavorável à implementação da reforma agrária, pois “já havia novos interesses no campo e quem se afirmava era o setor mais internalizado, mais moderno, parte integrante do sistema capitalista internacional” (Bruno,1985:26). Estava-se rompendo, na prática, a velha dicotomia latifúndio-minifúndio, que constituía a base de avaliação do governo militar sobre a agricultura e de todo o pensamento reformista dos anos 50 e 60.[4]

Por fim, a estratégia da política econômica mais geral, que viria a definir os marcos de uma orientação política produtivista já apontava, desde então, para a opção que prevaleceria nos anos 70, por aquilo que se convencionou chamar de “modernização conservadora” - um modelo de desenvolvimento concentrador de terra, de capital e poder.

Nesta perspectiva, não é de todo incorreta a avaliação de Viana Filho quando afirma que “enquanto se debatia a reforma agrária na imprensa, nas associações de classe e nos partidos políticos, iniciou-se um programa de tecnificação da agricultura, crédito rural e garantia de preços mínimos. A compra de tratores e dos chamados insumos modernos ganhou tratamento privilegiado para melhoria da produtividade no campo ao tempo em que se abriam créditos a longo prazo” (Viana Filho, 1976: 262).

O Gret e as premissas do Estatuto da Terra

Após definir, politicamente, perante a sociedade, a reforma agrária como uma das medidas prioritárias, o governo militar tomou para si a tarefa de regular e disciplinar, ao nível institucional, a questão fundiária. Foi constituído, então, um Grupo de trabalho sobre o Estatuto da Terra (Gret) com a tarefa de elaborar um documento que servisse de base para a formulação do Anteprojeto do Estatuto da Terra e das Emendas Constitucionais.

O Gret, como ficou conhecido, tinha como “objetivo estudar e apresentar ao presidente da República os fundamentos e os princípios gerais de uma primeira versão sistematizada da lei de reforma agrária do governo revolucionário” (PAR, 1964d: 2), e elaborar o esboço das Emendas Constitucionais. Formou-se assim um espaço legal de intervenção do Estado sobre a questão fundiária.

Faziam parte do Gret a vertente reformista do IPES, coordenada por Paulo de Assis Ribeiro, principal ideólogo da proposta reformista desta instituição; os remanescentes da experiência de Revisão Agrária do Governo Carvalho Pinto em São Paulo em 1959[5], onde uma das figuras mais expressivas foi José Gomes da Silva; vários representantes técnicos e políticos dos principais ministérios; e dois ministros de Estado, Roberto Campos e Oscar Thompson. O Gret contava ainda com a tutela direta do General Golbery do Couto e Silva - chefe do Serviço Nacional de Informação, o SNI, principal ideólogo da “revolução” - e, quando necessário, o acompanhamento do próprio Castelo Branco.[6]

Com esta composição do grupo de trabalho, o governo abriu espaço para o pensamento reformista do IPES - grupo hegemônico no interior do Gret - e, assim, determinou os traços fundamentais do perfil do anteprojeto: elegeu a tributação como instrumento prioritário da reforma, legitimou o modelo da pequena propriedade familiar e reforçou a noção de propriedade condicionada ao exercício da função social.

Por certo que havia divergências entre o Grupo de Campinas e a vertente reformista do Ipes, em especial sobre qual seria o instrumento prioritário da reforma agrária - se a tributação ou desapropriação. Enquanto Paulo de Assis Ribeiro defendia a tributação como meio eficaz para fazer valer o uso produtivo da terra, José Gomes da Silva e o Grupo de Campinas questionavam sua eficácia, devido o peso político da grande propriedade no interior do Estado e tendiam a considerar a desapropriação como prioritária (Lorena, 1984). Mas, apesar das divergências era maior o consenso em torno de algumas questões básicas, o que possibilitou o trabalho conjunto e a elaboração dos princípios e preceitos da reforma agrária. Todos os componentes do Gret tinham em comum o anticomunismo; a definição de reforma agrária como uma reforma fundiária; a mística do órgão puro como “um aparelho especial com funções normativas, um organismo forte que deveria planejar e executar a reforma” (PAR, 1964e: 2); a idéia de que basta vontade política para fazer prevalecer a reforma agrária e a certeza de que através da dissuasão e da persuasão os grandes proprietários de terra e os anti-reformistas seriam convencidos sobre a importância da reforma agrária no país.

A escolha do grupo de Paulo de Assis Ribeiro do Ipes/Rio de Janeiro para coordenar os trabalhos significou também a tentativa de isolamento, ao nível da política fundiária, do Grupo de Doutrina e Estudos do Ipes de São Paulo, que aglutinava vários representantes do empresariado e sempre se posicionara contra as “veleidades reformistas” do Grupo do Rio. No pré-64, o Ipes de São Paulo só aceitou a proposta de reforma agrária do Ipes/Rio de Janeiro, “porque ela teria como objetivo desacreditar o projeto do governo Goulart e a proposta do movimento camponês” (PAR, s/df: 1). Na concepção do Ipes-SP, a reforma agrária, qualquer que fosse a sua matriz ideológica ou sua face teórica, era inviável e indesejável porque representava uma grave ameaça ao direito de propriedade. A demanda por um sistema “justo” de propriedade era inaceitável, porque “importaria implicitamente na condenação atual do sistema de propriedade privada do ponto de vista moral”. Este Grupo discordava da noção de função social da terra, sob o argumento de que esta “envolveria uma concepção semi-socialista e reduziria o proprietário à mera condição de gerente a serviço da comunidade”. E, sobretudo, não admitia a defesa da pequena propriedade familiar sob a argumentação de que “por trás do conceito de propriedade familiar ‘camuflava-se’ a concepção de que a condição de assalariado é indigna do ser humano, o que envolve uma condenação implícita do capitalismo”. Além do mais, a defesa da propriedade familiar revela uma “insólita prevenção contra a propriedade de dimensão superior a propriedade familiar”, o que, para eles, era doutrinariamente inaceitável (PAR, s/df: 1).

O Gret transformou-se então na instância onde se elaboraram os fundamentos da lei de reforma agrária e das estratégias oficiais de política fundiária. As medidas do governo sobre o disciplinamento da propriedade da terra passaram pelo Gret, ou dele partiram. Foi o canal competente e legítimo que agregou, em torno de si, quase todas as decisões de ordem prática, política e teórica. A sua proposta passou a ser então o discurso oficial do primeiro governo “revolucionário”. Era o “projeto do Executivo”. Neste contexto, é o Gret que vai estabelecer os contornos e as fronteiras do que será ou não discutido sobre a questão fundiária pelas elites políticas e empresariais e, posteriormente, pelo Congresso Nacional e pela sociedade.

As Emendas Constitucionais visavam modificar os critérios de desapropriação por interesse social, estabelecer novas regras de tributação e instituir uma justiça agrária autônoma. Mas, no decorrer dos debates preliminares, a criação de uma justiça agrária autônoma não contou com o apoio das elites políticas e foi imediatamente eliminada do texto, restando apenas a inclusão da palavra “agrário” na alínea da Constituição que trata do assunto, o que permitiu à União legislar sobre o direito agrário como um ramo autônomo do Direito.

Quanto às novas regras de tributação, estas foram aceitas e coube à União a responsabilidade pela definição dos critérios de lançamento e cobrança da tributação da terra. Após muitos atritos e negociações, também aceitou-se a possibilidade de pagamento em Títulos da Dívida Pública para indenizações relativas às desapropriações por interesse social - uma das bandeiras do movimento camponês que tanta reação havia causado no período anterior a 1964.

Imbuídos de uma nova tarefa - elaborar a lei do Estatuto da Terra como o principal instrumento de efetivação da reforma - , os componentes do Gret acreditavam ter chegado finalmente “o momento histórico único” para a realização de uma reforma agrária no Brasil. Em sua opinião, com o governo Castelo Branco abria-se objetivamente a possibilidade da reforma agrária.

A “revolução” de 1964 havia afastado o perigo do comunismo e neutralizara o radicalismo daqueles que impediam a reforma, “porque não admitiam qualquer modificação na estrutura de propriedade vigente”. Agora, sim, num clima de ordem, paz e democracia, seria possível realizar a ambicionada reforma agrária “democrática e cristã” e, assim, derrotar, na prática, a opção socialista.

No entanto, muito cedo percebeu-se que a “revolução” não garantira a aceitação da reforma agrária por parte dos grandes proprietários fundiários; assim como a repressão ao movimento social não abolira as circunstâncias propícias à luta pela terra e a reforma agrária. E o Gret elaborou os princípios gerais do anteprojeto de reforma agrária com um olho voltado para a conjuntura anterior de mobilização e de lutas reivindicatórias, e outro para o momento atual de reação à proposta de reforma agrária do governo militar, visando aprender o que se deveria evitar da experiência anterior e o que se poderia negociar na conjuntura atual.

Em resposta à luta pelas reformas de base e reforma agrária, ainda vigorava, entre os membros do Gret, a idéia de que “qualquer reforma agrária é uma opção entre dois sistemas: aquele que leva, pelo confisco, à grande propriedade cujo titular é o Estado (...) e a que se propõe substituir a estrutura latifundiária pela progressiva implantação de uma classe média rural de pequenos proprietários, cultivando unidades familiares” (PAR, 1964d: 2).

A reforma agrária foi considerada, pelos principais ideólogos do Gret “um empreendimento nacional, abrangente e não de política partidária, nem de luta de classe: era uma tarefa mais complexa que o desenvolvimento industrial porque o seu alcance era mais amplo e seus objetivos mais profundos” (PAR, 1964d: 8-9).

Uma segunda preocupação diretamente ligada à mobilização anterior a 1964 foi a demanda pela instituição de uma justiça agrária, como instrumento de neutralização dos conflitos. A Constituição brasileira não estabelecia a autonomia do Direito Agrário: era necessário, pois, efetivá-la o mais rápido possível porque, na concepção do Gret, “as Ligas Camponesas se originaram muito mais da falta de uma justiça agrária do que propriamente de problemas da terra. O problema da terra era quase secundário nas questões que ali existiam. O grande problema era a falta de uma justiça”(PAR, 1964g: 2). Finalmente, vemos o Gret preocupado em resolver, através do Estatuto da Terra, o problema do absenteísmo, “responsável pela falta de controle da reação dos trabalhadores rurais” (PAR, 1964g: 2).

Se, de um lado, não ignoraram o pré-64 - pelo contrário, supunham o movimento social, a luta pelas reformas de base e a proposta de reforma do governo João Goulart - , de outro subestimaram a oposição da grande propriedade e do empresariado à reforma agrária. Ou superestimaram a força da “revolução” ao acreditar que os militares poderiam facilmente desvencilhar-se da grande propriedade fundiária, bastando-lhes a iniciativa política. Este tipo de pensamento e de crença é próprio das conjunturas de transição e de mudanças autoritárias: acreditarem-se absolutos e não reconheceram sua relatividade histórica.

Surpresos com a força da reação à reforma agrária do governo revolucionário, os intelectuais do Gret perceberam logo de início que, embora a “revolução” houvesse garantido o fim da radicalização, isso não era suficiente, nem bastava simplesmente ater-se aos princípios gerais de uma reforma agrária “democrática e cristã”. Havia a necessidade de formular uma lei objetiva e restrita o máximo possível em seus termos, que satisfizesse, sobretudo, à distribuição racional da terra.

O rigor conceitual garantiria, segundo eles, a hierarquia das prioridades e seria “a argamassa na elaboração de um sistema coerente de princípios capaz de responder a toda a situação e as prováveis dificuldades de negociação”. A objetividade da lei era concebida, naquele momento, como “fundamental para diminuir os espaços, as brechas e as burlas”, para limpar o terreno e reduzir ao mínimo a reação (PAR, 1964d: 6).

Preceitos e direitos

Bem-estar, direito à propriedade e função social foram consideradas noções de valor jurídico e alcance social diferentes. O bem-estar é um conceito filantrópico, de contorno vago e impreciso. Seja! Mas é importante porque referenda a desapropriação por interesse social e legitima a reforma agrária. A função social, por suas repercussões no direito de propriedade, ao contrário, exige destaque e uma conceituação precisa, devendo assentar-se exclusivamente sobre sua pedra angular: o trabalho. Desse modo, a obrigação com a exploração não ficaria ao sabor dos interesses de cada um.

Quanto ao direito de propriedade, este deveria ser ao mesmo tempo amplo e restrito, pois ao passo que “a lei garante a todos o direito de propriedade”, esta garantia cai por terra quando a propriedade passa a ser “condicionada pela sua função social”. Embora o Gret tenha se esforçado no sentido de delinear as distinções entre a inobservância ou o não enquadramento na lei à violação pura e simples, maleabilizando, por conseguinte, o diagnóstico quanto à função social de uma propriedade, foi justamente esse particular que polarizou e radicalizou o processo para a estruturação de uma reforma agrária no Brasil (PAR, 1964g: 2).

Ainda sobre o direito de propriedade, afirmava-se que: “é pela propriedade da terra que se forjam as qualidades básicas de previsão e capacidade administrativa e se dissemina uma forte melhora educacional e do progresso social” (PAR, 1964d: 2).

O principal fundamento do Estatuto da Terra, expresso na primeira versão do Anteprojeto, era “ exatamente aquilo” que, segundo o Gret, “desde 1946 a Constituição determinara e não era cumprido: isto é, que o uso da propriedade da terra fosse condicionado à sua função social” (PAR, 1964d: 2).

A função social deveria se nortear - de acordo com a doutrina social da Igreja - pelo respeito e solidariedade social e a criação de “condições que assegurassem a co-participação dos trabalhadores nas vantagens derivadas da exploração”. A co-participação dizia respeito às relações de trabalho, consideradas arcaicas, e propunha sua transformação ao estilo do “trabalhador industrial com os donos de empresa”, onde também estaria incluída “normas de participação na gerência, nos lucros” (PAR, 1964h: 18).

Por certo que estes aspectos eram importantes, mas o elemento definidor da noção de função social era “o trabalho, o cultivo da terra, no interesse do bem comum”. Só com o trabalho, argumentavam, é que seria possível enfrentar “a especulação, a ociosidade - uma tendência estrutural fincada na estrutura da grande propriedade” (PAR, 1964d: 7).

A propriedade desempenha integralmente a sua função social quando “favorece o bem estar dos proprietários e trabalhadores e suas famílias; mantém níveis altos de produtividade; assegura a conservação dos recursos naturais e cria justas relações de trabalho” (PAR, 1964i: 1).

A inclusão do termo “integralmente” para o desempenho da função social, ao invés de controlar melhor a observância da função social, posteriormente, deu margens a inúmeros equívocos, possibilitando a ocorrência do exercício da função social não necessariamente integral. Por sua vez, ao estabelecer que o pleno exercício da função social implicaria em direitos e deveres, (inclusive do Poder Público), o Anteprojeto, permitiu à grande propriedade desenvolver o argumento de que ela não exerce uma função social por falta de apoio do Estado que não está cumprindo a obrigação de “zelar”, “estimular” e promovê-la.

Para a operacionalização da noção de função social da terra o Gret estabeleceu que sua realização corresponderia ao uso da terra que basicamente atendesse, aos seguintes princípios: o uso eficiente, ou seja, a adoção de uma tecnologia adequada à exploração da terra; o uso direto, que evitaria a ausência dos proprietários e as más formas de contrato agrícola, arrendamento e parceria; e, finalmente, o uso correto, que garantiria a conservação dos recursos naturais, culturais e humanos que assegurasse às gerações futuras o uso da terra. (PAR, 1964g: 4).

No entanto, desde já foram abertas brechas, inevitáveis talvez, ao pleno exercício da função social que tanto defendiam pois, em face das pressões dos parlamentares, num dado momento, o Gret argumentava que o uso da terra deveria ser condicionado à função social sim, “desde que se verifiquem as condições mínimas indispensáveis demandadas pela pressão da representação das entidades patronais”, numa curiosa análise de que “as pressões seriam uma resultante da função social” (PAR, 1964j: 7).

Ainda com relação aos preceitos e aos direitos, já na primeira versão foram suprimidos e relativizados todos os enunciados que diziam respeito aos direitos dos trabalhadores rurais. Há uma exclusão, já que esses direitos não são claramente instituídos em lei, tendo sido transformados em deveres do Estado. O trabalhador rural, mais do que sujeito de ações e demandas, é, antes, o receptáculo, beneficiário e objeto de uma política. Por exemplo, no manuscrito do primeiro Anteprojeto, onde constava “É direito do trabalhador rural o acesso à propriedade da terra economicamente útil, de preferência nos locais onde habita”, há uma rasura feita à lápis e a seguinte indicação de substituição: “É dever do Poder Público promover o acesso” (PAR, 1964i: 2).

Os conceitos básicos

Uma vez estabelecidos os preceitos e os direitos, buscou-se então caracterizar a concepção de reforma agrária e as noções de imóvel rural em suas várias modalidades: propriedade familiar, minifúndio, latifúndio e empresa rural.

Com o intuito de responder tanto aos imperativos econômicos como aos objetivos políticos, as primeiras versões do anteprojeto definiam a reforma agrária como “o conjunto de providências que visa a ampliação da classe média rural a partir da modificação do regime de posse e uso” (PAR, 1964k: 1). Considerava-se que “somente assim a industrialização encontraria, no meio rural, o poder aquisitivo indispensável à sua expansão” (PAR, 1964d: 3). No plano político, a priorização do fortalecimento e expansão de uma classe média rural, em decorrência das características que lhe são próprias, funcionaria como instrumento para neutralização dos conflitos sociais no campo.

Entretanto a maior preocupação do Gret, e não sem motivos, era no tocante à definição de propriedade familiar e de latifúndio.

De fato, perpassa por todo o anteprojeto a defesa da propriedade familiar como o sistema ideal de propriedade a ser implantado com a reforma agrária, bem como a preocupação com a conceituação de latifúndio a partir do critério da dimensão e do nível de aproveitamento da terra.

A propriedade familiar constituía a base de referência do módulo rural, uma unidade de medida de valor econômico e não métrico, instituída pelo Gret com o objetivo de “afastar-se de toda filosofia por hectare e de toda turbulência em torno da definição sobre a pequena, média e grande propriedade” (PAR, 1964g: 6). Como o módulo rural era considerado a “ferramenta básica” de todo o processo de reformulação da estrutura fundiária, a noção de propriedade familiar encontra-se, direta ou indiretamente, embutida na definição das demais categorias sociais e nos principais instrumentos da reforma agrária.[7]

Como fundamento para a definição de propriedade familiar, os componentes do Gret tinham em mente uma noção muito próxima a de “empresa-família”, ao estilo dos farmers. Argumentava-se que a propriedade familiar corresponderia “a um sistema de cultivo da terra e também a um modo de viver, sobre o qual a Europa construiu sua civilização e os Estados Unidos a sua prosperidade”. Portanto, seria “errôneo pensar que esse tipo de propriedade fundiária corresponde a uma fase superada da História e imaginar que o progresso técnico e econômico da nação norte-americana está associado à grande propriedade” (PAR, 1964d: 6).

A propriedade familiar não eliminaria as demais formas de propriedade existentes e nem competiria com a grande empresa rural, considerada como o “modelo” da exploração racional da terra, a expressão da rentabilidade ótima e a base do desenvolvimento econômico nacional. No entanto, a propriedade familiar proporcionaria todas as facilidades para a implementação de um tipo regional de propriedade agrícola onde o lavrador poderia reunir, em si, as funções de proprietário, gerente e trabalhador (PAR, 1964d: 6).

Quanto ao latifúndio, buscou-se qualificá-lo segundo sua dimensão e grau de aproveitamento da terra. Portanto, foram consideradas como latifúndios as propriedades caracterizadas para fins “marcada-mente especulativos”; aquelas mantidas inexploradas “relativamente e em proporção às possibilidades físicas, econômicas e sociais do meio”; os imóveis rurais “total ou parcialmente explorados com formas de uso deficientes ou inadequados”; e as propriedades cuja dimensão excedia “ao limite máximo indicado nos termos da lei e pelas condições e sistemas agrícolas regionais (PAR, 1964k: 3).

Como fundamento para a definição de latifúndio diagnosticou-se uma rigidez na estrutura latifundiária, e isso foi fator impeditivo ao desenvolvimento de uma cultura empresarial, além de contribuir para o maior distanciamento entre elite e povo. Os males do latifúndio não se restringiam ao rural, e seriam responsáveis pela não qualificação da mão-de-obra, a favelização, o empreguismo e o peleguismo.

Para o Gret, o latifúndio, independente do fato de ser produtivo ou não, representava um grave problema. O improdutivo, cumpria extingui-lo “progressiva e aceleradamente”. Já o produtivo, quando obsoleto, na sua vertente mercantil tipo plantation, necessitava ser condicionado ao interesse econômico e à preservação da função social.

A empresa rural, por sua vez, foi definida como “o estabelecimento racionalmente explorado por entidade pública ou privada, individual ou coletiva, que adote práticas conservacionistas, apresente rendimentos considerados satisfatórios e que ofereça, aos que trabalham, condições que garantam nível de vida não inferior assegurado pela remuneração do salário mínimo regional” (PAR, 1964k: 3).

Não havia, neste primeiro momento, uma maior preocupação do Gret com relação à definição da empresa rural. A grande empresa agrícola ou agroindustrial, por exemplo, não era considerada “objetivo precípuo da lei de reforma agrária” (PAR, 1964d: 3). O que marcava a definição de empresa rural era a exploração racional da terra e a busca de rendimentos satisfatórios. Havia uma grande flexibilização quanto ao conceito de empresa rural, e o objetivo era ajustá-lo às possibilidades da modernização do latifúndio, em especial o latifúndio produtivo. Ou seja, “encorajar o latifúndio produtivo a transformar-se em cooperativa de produtores, comunidade de trabalhadores ou em empresas agrícolas” (PAR, 1964h: 17).

Nesse sentido, a mal definida empresa rural, isenta de desapropriação, seria a brecha escapatória para a continuidade do latifúndio. Isso posteriormente foi confirmado por um dos membros do Gret, para quem a noção de empresa rural “era a de um latifúndio razoavelmente explorado”. Consistia na “proteção à propriedade razoavelmente explorada, chegando-se ao excesso material de dar-lhe o nome de empresa” (PAR, s/d.l: 2).

Fim da improdutividade, uso racional da terra, exercício da função social e o privilegiamento da propriedade familiar, como modelo ideal de propriedade a ser implantado com a reforma agrária foram, portanto, os principais eixos definidores do projeto reformista do Gret neste primeiro momento de elaboração do Estatuto da Terra.

Mas, desde já, estes conceitos “conviviam”, não sem atritos, com uma série de impasses e contradições advindas da própria lógica reformista que os respaldava. Por exemplo, a eleição da propriedade familiar como o sistema ideal de propriedade e a implementação de um tipo regional de propriedade agrícola encontravam-se fragilizadas ante a opção por uma reforma agrária localizada e restrita a áreas prioritárias. Além disso, a existência de perspectivas e de objetivos diferenciados entre a propriedade familiar e a empresa rural introduziu, no anteprojeto, uma determinada visão sobre o produtivo e o distributivo como processos separados, cada um com sua lógica própria, suas regras específicas e seus diferentes atores. E o que deveria ser pensado como um processo único, na realidade, resultou desigual e segmentado. A propriedade familiar, apesar de toda identificação com a experiência norte-americana, restringia-se à garantia da subsistência, do progresso social e econômico e à promoção da justiça social. A empresa rural, por sua vez, não obstante toda a flexibilização conceitual, desponta como a base de sustentação, o lugar de excelência e o corolário do uso racional da terra, da rentabilidade e do desenvolvimento nacional.

A reação ao anteprojeto

Estes princípios gerais do anteprojeto mantiveram-se praticamente inalterados em sua essência até o Encontro de Viçosa [8], realizado em julho de 1964, momento em que o governo foi pressionado a ampliar o debate sobre o Estatuto e tornar público o seu conteúdo, até então restrito ao aval dos técnicos do governo e das principais lideranças partidárias e patronais.

A partir de então, o governo e o Gret passam a confrontar-se com a intensa reação da grande propriedade fundiária e da anti-reforma. O Encontro de Viçosa e a votação do Projeto de lei do Estatuto no Congresso Nacional, em novembro de 1964, foram, sem dúvida, os dois momentos de maior tensão, pressão, embates e recuos na construção da lei agrária.

Durante o Encontro de Viçosa, quase nada e ninguém foram poupados. Questionava-se desde o título da lei até a competência de seus formuladores. Por exemplo, Iris Meinberg, então presidente da Confederação Rural Brasileira (CRB), um dos órgãos do patronato rural mais atuante contra a reforma agrária, chegou a indagar dos participantes do Encontro “por que a lei deveria chamar-se Estatuto da Terra” (PAR, 1964c). Procurou-se também desqualificar os membros do Gret, sob o argumento de que “neste país tão vasto, de dimensão continental, não é possível que um grupo de homens, por mais cultos, por mais experimentados, apenas na cúpula do governo da revolução, (...) possa equacionar os problemas brasileiros”. Em contrapartida, defendeu-se que “os secretários de agricultura é que são os verdadeiros representantes do povo. Só eles conhecem os problemas de cada região porque estão em contato com a terra e com o povo. Eles são os homens do interior” (PAR, 1964m: 51).

Insensíveis aos argumentos do Gret e do governo, para quem a tributação aparecia como uma política de planejamento democrático e um instrumento de redistribuição de renda e da terra, os grandes proprietários fundiários identificavam a tributação como um “confisco puro e simples”. A sofisticação das medidas de tributação e a complexidade de seus mecanismos, tão cuidadosamente elaborados por Paulo de Assis Ribeiro, coordenador do Gret, ao invés de limpar o terreno e acalmar a grande propriedade, foram alguns dos pontos centrais dos embates, o que muito contribuiu para descaracterizá-la e fragilizá-la ainda mais enquanto instrumento de reforma agrária. O Imposto Territorial Rural (ITR), que supostamente “reintegraria imediatamente a terra na sua função social” (PAR, 1964d: 4), tornou-se inócuo. No Encontro de Viçosa, deu-se a grande vitória política dos latifundiários com a aprovação de uma proposta de redução do valor da alíquota da tributação das terras de 0,5% para 0,3%.

Tanto em Viçosa, como durante a votação do anteprojeto no Congresso Nacional, a noção de propriedade familiar foi duramente criticada. Para os donos de terra, haveria no Estatuto “um pensamento dominante de transformação generalizada da estrutura fundiária no Brasil em propriedade familiar, porque o conceito de propriedade familiar, como módulo para aplicação da progressividade do imposto em função da dimensão do imóvel, exige a institucionalização da propriedade familiar”. Como “a propriedade familiar é contrária à produtividade e à exploração racional da terra, isso significava “a institucionalização da propriedade familiar em detrimento da empresa rural” (PAR, 1964m), que seria o paradigma da exploração racional da terra. De nada adiantou o argumento de que propriedade e família são terminologias universais e cristãs. Pouco importou a justificativa de que o termo “família”, inserido no texto, representava tão somente “uma simples base de referência, uma imposição aritmética”. No entanto, para os donos de terra, a noção de propriedade familiar significava muito mais. A bem da verdade, a crítica à propriedade familiar demonstrou que propriedade e família só são considerados conceitos universais e só são aceitos como fundamento da tradição cristã quando excluem a pequena propriedade.

Ao mesmo tempo que fincavam as suas principais trincheiras na defesa do latifúndio, os anti-reformistas trouxeram, para o centro da discussão, a problemática de empresa rural. Latifundiários e empresários se apresentaram como os guardiões da empresa rural, e consideraram toda e qualquer medida de política fundiária como uma agressão à empresa rural e um limite à possibilidade de expansão da grande empresa capitalista no campo.

A partir desta reação, o Gret se vê diante da necessidade de elaborar mais atentamente a noção de empresa rural. Esta continuaria a expressar a efetivação do “aproveitamento racional da terra”, mas já se estabeleceu desde aí a ênfase na introdução de novas técnicas de produção como uma de suas condições fundantes. Em torno da noção de empresa agrícola, começa a se ordenar todo um conjunto de pressupostos econômicos, políticos e sociais acerca da redefinição das relações entre agricultura e indústria, da reconfiguração das relações sociais no campo e do padrão tecnológico a ser desenvolvido.

Do ponto de vista político e social, a instauração da empresa agrícola deveria ocupar um lugar privilegiado no conjunto das novas categorias jurídicas em formação. Nesse sentido, a grande empresa rural não poderia apresentar, por exemplo, o mesmo estatuto que o latifúndio ou o minifúndio, nem uma definição similar ao da pequena propriedade familiar. As empresas significariam muito mais do que meros “corpos econômicos” onde se realiza a produção. Elas seriam também a expressão de “novos corpos sociais e políticos que harmonizam o interesse privado e o interesse público em uma síntese superior que é o interesse da empresa” (PAR, 1964n: 5).

Para isso seria necessária a consolidação de uma categoria social emergente: o empresário rural. E a possível transformação do latifúndio em empresa passaria obrigatoriamente pela transmutação do latifundiário em empresário, cujos atributos seriam “racionalidade”, “criatividade” e “espírito de iniciativa” para gerir os negócios e fazer face às necessidades de modernização e aos imperativos de desenvolvimento da Nação. Esses “verdadeiros agricultores”, e não simplesmente donos de terra, deveriam portar uma mentalidade evoluída e democrática, sempre aberta às inovações tecnológicas.

Com o encaminhamento do anteprojeto para votação junto ao Congresso Nacional, em novembro de 1964, abriu-se, então, o segundo momento - seguramente o mais tumultuado - de redefinição do Estatuto da Terra, o que levou o Gret e o governo a uma nova reavaliação de suas prioridades.

À primeira vista, parecia que as negociações e os acordos entre as lideranças estabelecidos anteriormente não haviam sido suficientes para garantir o consenso e a aprovação da lei. Tudo voltara à estaca zero. No Congresso Nacional - sede das representações regionais e lócus privilegiado de auto-representação da grande propriedade fundiária - , as velhas questões de princípio são retomadas com todo o vigor e intransigência que lhes são próprias. E o radicalismo verbal dos donos de terra ganha nos corredores e nas tribunas - este espaço de “alinhavo” dos processos decisórios - sua marca registrada.

De um modo geral, as emendas e os substitutivos apresentados buscavam modificar toda a filosofia e sistemática da reforma agrária. Os argumentos expressavam uma lógica anti-reformista secular, mas de grande eficácia em todos os momentos da História em que a reforma agrária volta à ordem do dia. Reforma agrária sim, afirmavam, mas sem modificação da estrutura fundiária. Quase todos os substitutivos apresentados condenavam o anteprojeto por “subordinar em demasia o conceito de reforma agrária ao regime de posse e uso da terra” (PAR, 1964c). A noção de democracia foi condicionada à intocabilidade da propriedade fundiária, e não se admitia nenhuma distinção na garantia do direito de propriedade. Exigiam-se a retirada da noção de latifúndio por dimensão e a supressão do instrumento da desapropriação; requeria-se a desobrigação por parte da empresa rural de comprovar uma área mínima explorada e de usar práticas conservacionistas; e determinava-se a omissão de toda e qualquer referência ao absenteísmo do proprietário (PAR,1964c). Quanto ao justo valor da tributação, quando aceito, este deveria ser convencionado “amigavelmente” entre as partes. Criticava-se até mesmo a reforma agrária gradual, sob o argumento de que ela induziria “lenta e desapercebidamente a uma mentalidade socializante” (PAR, 1964c).

Ante à reação, abre-se, então, uma nova rodada de negociações entre as lideranças políticas, as elites rurais e o governo. Dentre os acordos firmados, temos, por exemplo, a garantia de que a reforma agrária seria um processo meramente transitório e a ação permanente caberia à política agrícola. Ao mesmo tempo, assegurava-se a expansão da empresa agrícola como a opção democrática e principal objetivo do processo de modernização do campo.

Esta grande vitória política dos grandes proprietários de terra legitimou todo o discurso ideológico que consistia em separar a reforma agrária da modernização. Até 1985, estas idéias constituíram-se no principal mote dos governos para fazerem prevalecer a “modernização conservadora” e suprimir da política de reforma agrária toda a dimensão modernizante.

Após a votação do Estatuto, os representantes do Gret, decepcionados, reconheceram que “as inúmeras alterações mutilaram a sistemática dos trabalhos originais e criaram exceções prejudiciais a um êxito mais completo da reforma agrária”. No entanto, admitiram que “foram as concessões conciliatórias que, apesar de prejudicar a unidade e a sistemática do projeto, tiveram a virtude de congregar a maioria capaz de aprová-lo no Congresso” (PAR, 1964o). Mas, ao mesmo tempo, chegaram à constatação que “a sociedade brasileira tem insistido em conservar o direito de propriedade absoluto, como no direito romano, permitindo não apenas o uso, mas também o abuso da coisa possuída”. E que a força do proprietário “é incontrastável, o que o torna onipotente em seus domínios” (PAR, 1964p).

Considerações finais

Apesar da derrota política, restou aos defensores da reforma agrária a aprovação da lei. A partir de então o país dispunha de uma lei de reforma agrária. Palmeira chama a atenção, com muita propriedade, para o fato de que “independentemente da efetivação de políticas por ela possibilitadas - a reforma agrária, a modernização, a colonização - a nova lei passou a ter uma existência social a partir da hora em que foi promulgada. Tornou-se uma referência capaz de permitir a reordenação das relações entre grupos e propiciar a formação de novas identidades” (Palmeira, 1989: 14).

É inquestionável a importância do Estatuto da Terra. Sabemos que o fato de existir uma legislação agrária marcou todo o ethos do sindicalismo rural. Como bem avaliou Regina Novaes, numa discussão sobre a questão, houve uma apropriação do discurso pré-64 e isto traz à luz a marca da continuidade. Na verdade é o Estatuto, que vai fazer a relação entre o Estado e o sindicalismo na luta por terra. É ele que abre o diálogo - tenso, difícil e com lutas - entre os trabalhadores rurais e o Estado. Mas é também importante não esquecermos que, através do Estatuto, o Estado não só conferiu identidade jurídica às categorias sociais antes existentes, como as redefiniu politicamente. Ao torná-las legais, filtrou uma determinada concepção de reforma agrária e conceitualizou o que seria latifúndio, propriedade familiar, empresa rural, função social, desapropriação, tributação, etc., que desde suas origens já se encontravam permeados por uma dupla lógica. Uma, distributivista, pela democratização da propriedade fundiária, incentivo à empresa familiar como modelo ideal de propriedade e penalização do latifúndio; e outra, produtivista, pela concentração de terra, capital e trabalho, e consolidação da grande empresa capitalista.

O Estatuto por exemplo, definiu latifúndio com base na improdutividade e na dimensão, é certo, mas desencarnou do conceito os atributos outorgados pelo movimento camponês: o latifúndio como expressão da violência e da sujeição. A lei estabeleceu a propriedade familiar como base da reforma agrária, é verdade, mas delegou à grande empresa rural a função condutora da modernização e único exemplo eficaz do uso racional da terra. Os ideólogos do anteprojeto lutaram acirradamente e garantiram que a reforma agrária fosse vinculada à problemática fundiária, porém caracterizaram latifúndio e empresa rural como noções que atendem a regras comuns e se interpenetram continuamente.

Vale lembrar que a preocupação do Gret em definir rigorosamente cada conceito, discriminar todos os seus contornos e eliminar os possíveis engodos esbarrou numa realidade muito mais complexa do que aquela redesenhada nos preceitos, na pureza conceitual, na busca pela objetividade, na visão do Estado como condutor do processo histórico, na crença do poder da negociação e da persuasão junto à grande propriedade, e, sobretudo, na visão sobre distributivismo e produtivismo como processos diferenciados e diferenciadores.

Por sua vez, durante todo período de discussão e de elaboração do anteprojeto, o imperativo da negociação e as inúmeras concessões aos donos de terra foram considerados pelo Gret e pelo governo como “recuos táticos” necessários à aprovação do Estatuto.

Porém, a última versão do anteprojeto, aprovada pelo Congresso Nacional, apresentou-se não como uma “lei enxuta” e sim como uma imensa coleção de ambigüidades, ressalvas e vetos. Teve início, então, já em 1964, a modificação do Estatuto exatamente nos aspectos que de forma mais direta estiveram vinculados ao processo de reforma agrária. Foi a derrota estratégica.

A experiência do anteprojeto comprova a velha idéia de que “a questão agrária quando tratada em nível institucional é passível de ser absorvida no confronto das forças políticas”. Em particular quando se tem como cenário o Brasil, uma das especificidades é “haver secretado uma classe política simultaneamente vinculada aos interesses agrários e ao desempenho das funções do Estado” (Camargo, 1985: 123).

Por certo, a existência de uma lei de reforma agrária e sua apropriação pelo movimento social representou muito, mas não o suficiente. É pouco, quando se tem em conta a lei como institucionalização de um processo histórico de lutas, embates e projetos políticos diferenciados. Há uma imensa defasagem entre as alternativas existentes no movimento social da época e o que resultou desse processo de elaboração e aprovação do Estatuto.

O que deveria ter sido o ponto de partida foi, na realidade, o de chegada.

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Notas

[1] Para D’Incao (1990: 91), o “velho projeto político” de reforma agrária foi gestado nos anos 50, no bojo do debate político desenvolvimentista. Ele surge como parte integrante do que se tem chamado a revolução burguesa no Brasil. Tratava-se de “eliminar o latifúndio improdutivo, de modo a assegurar a criação de um mercado consumidor interno no meio rural, a produção de alimentos a baixo preço para a crescente população urbana e, embora nem sempre anunciada, a liberação de mão-de-obra e a produção de matéria-prima para os setores industriais em desenvolvimento”.

[2] Para maiores informações sobre a questão ver: Bruno (1985); Gomes da Silva (1971); Medeiros (1983 e 1993).

[3] A categoria latifúndio havia se transformado, por força do movimento camponês, numa categoria política: como a expressão do monopólio e da violência. (CF. Novaes, 1987; Martins, 1981).

[4] Segundo Nelson Delgado (1993: 2), um dos equívocos do projeto da esquerda nos anos 50/60, era o de pressupor “uma agricultura relativamente simplificada e estereotipada em dois pólos opostos mas complementares, o latifúndio e o minifúndio, que predominariam em todos os cantos do meio rural brasileiro”. Com isso, afirma o autor, “subestimava-se enormemente a complexidade/heterogenei-dade da agricultura já existente naquela época: a ocupação produtiva da fronteira agrícola no Paraná e no Centro-oeste, a pequena produção familiar mercantilizada do Centro-sul, a produção capitalista com absorção de progresso técnico em São Paulo, e a presença e, mesmo, a importância econômica da grande produção capitalista (proprietária ou não) que era simplesmente considerada como latifúndio, etc.” (Delgado, 1993: 2).

[5] O Plano de Revisão Agrária do Governo Carvalho Pinto “objetivava incentivar alterações na estrutura fundiária através de uma nova sistemática de Imposto Territorial Rural, ao mesmo tempo em que promovia a colonização de terras públicas. No centro da proposta estava a idéia de fortalecer uma classe média rural, capaz de sustentar um regime democrático” (Medeiros, 1989: 61). Ver também Tolentino (1990).

[6] Faziam parte do Gret: os ministros do Planejamento e da Agricultura, Roberto de O. Campos e Hugo de A. Leme; representantes do Ministério do Planejamento: Paulo de Assis Ribeiro (coordenador do Gret), José A. T. Drumont Gonçalves, C. J. Assis Ribeiro, Luiz Gonzaga Nascimento e Silva, Júlio César B. Viana, Frederico Maragliano e Eudes de Souza Leão Pinto; representantes da Supra: Dr. José Gomes da Silva (interventor da Supra), Fernando Sodero, Messias Junqueira e Carlos Lorena. Além de José Garrido Torres do BNDE e Copérnico de Arruda Cordeiro do Ministério da Agricultura. (PAR, 1964p:1).

[7] Módulo rural e propriedade familiar apresentavam-se como conceitos indissociáveis. Enquanto o módulo foi definido como “a unidade familiar para cada região e para cada tipo de exploração (...) A área necessária a um tipo de exploração para garantir à família, subsistência e processo econômico e social” (PAR, 1964g: 9). A propriedade familiar, por sua vez, era designada como o “estabelecimento de área mínima que, direta e pessoalmente cultivada pelo lavrador e sua família, ou eventual ajuda de terceiros, garante-lhes a subsistência, progresso social e econômico” (PAR, 1964k: 9).

[8] O Encontro de Viçosa foi patrocinado pelo governo do estado de Minas Gerais e o Ministério da Agricultura. Reuniu os secretários de agricultura de todos os estados do Brasil com o “objetivo de coligir contribuições para o aperfeiçoamento do Estatuto da Terra” (PAR, 1964m). Na realidade, o Encontro foi a primeira ofensiva mais significativa da anti-reforma contra o Estatuto da Terra.