Estudos Sociedade e Agricultura

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Marcello Otávio N. de Campos Basile

A reforma agrária cidadã: o plano do grande Fateusim Nacional


Estudos Sociedade e Agricultura, 10, abril 1998: 95-117.

Resumo: Este trabalho analisa o primeiro projeto de reforma agrária do Brasil Independente, o Plano do Grande Fateusim Nacional, formulado pela Nova Luz Brasileira, o principal jornal representante do Liberalismo Exaltado no Rio de Janeiro, em fins do Primeiro Reinado e início da Regência. Trata-se de um projeto singular no contexto da realidade agrária brasileira e das discussões a respeito que vinham sendo e seriam ainda travadas no país. Previa o confisco de latifúndios improdutivos, a distribuição de pequenos lotes de terra, próprios para a subsistência, para todos aqueles que se dispusessem a cultivá-las, a medição, a demarcação e o cadastramento de todas as terras, a confecção de mapas geodésicos e a realização de um recenseamento geral. Seu objetivo era, não só promover uma distribuição mais eqüitativa das terras e reduzir as desigualdades sociais, como também permitir a incorporação das camadas de baixa renda à cidadania plena.

Palavras-chaves: Reforma agrária; cidadania; Império brasileiro; Liberalismo Exaltado.

Abstract: Agrarian Reform and Citizenship: the Great National Fateusin Plan. This paper analyses the first proposal of agrarian reform in independent Brazil, the Plano do Grande Fateusim Nacional. It was formulated by Nova Luz Brasileira, the main newspaper which voiced the ideas of “Liberalismo Exaltado” in Rio de Janeiro before and after the abdication of D. Pedro I. It is an unusual project when compared with the Brazilian agrarian situation and the debate about reform even today. It planned confiscation of non-cultivated large properties, and its distribution as small property. The new owners, all those willing to work their land, were expected to farm mainly for subsistence. The project intended to measure, survey and register all properties, elaborating geodetic charts and making a census of the population. It was intended not only to promote a fair distribution of property and reduce inequality but also to allow the integration of people of low-income into full citizenship in the new State.

Key words: Agrarian reform; citizenship; Brazilian Empire; Liberalismo Exaltado.

Marcello Otávio N. de Campos Basile é mestrando do Programa de Pós-graduação em História Social da UFRJ/IFCS.


Introdução

Dentre as características que, ideologicamente, melhor definiam a facção dos chamados liberais exaltados –e que, por sua vez, os distinguiam em relação a todos os demais grupos políticos da época (liberais moderados, restauradores e, mesmo mais tarde, conservadores e liberais propriamente ditos)–, destacava-se, sem dúvida, a preocupação e a discussão a respeito dos problemas sociais, sobretudo aqueles que mais diretamente afetavam as camadas de baixa condição social. No entanto, afora algumas poucas análises panorâmicas de conjuntura, ou que enfocam, de maneira muito específica e pontual, um ou outro aspecto ou expoente daquele grupo, de suas propostas e de sua atuação,[1] ainda hoje está por ser realizado um trabalho que aborde, de forma mais ampla e profunda, o relevante papel desempenhado pelos liberais exaltados, durante as duas primeiras décadas do Império, na ação e nos debates políticos que, por meios diversos, marcaram o processo de formação e de afirmação do Estado Imperial brasileiro, e de configuração de um espaço público de participação.

Em vista deste quadro geral, não é de admirar que o mais importante e influente[2] jornal exaltado da Corte durante o período crítico da Abdicação de Dom Pedro I e de estabelecimento da Regência, o Nova Luz Brasileira, tenha sido praticamente ignorado pelos historiadores, assim como fora silenciado, em sua época, pelos liberais moderados da Regência. Apenas encontram-se, em alguns poucos trabalhos, referências esparsas ao mesmo, ou, quando muito, pequenos estudos introdutórios, de caráter mais factual e informativo, que pouco esclarecem sobre as propostas e idéias do jornal –algumas delas bastante originais–, e, principalmente, negligenciam a sua dimensão maior de agente instrutivo de uma opinião pública em gestação.[3]

A Nova Luz Brasileira circulou na Corte entre 9 de dezembro de 1829 e 13 de outubro de 1831, perfazendo um total de 180 números regulares e mais cinco suplementos editados. Como era comum na época, foi impressa, em momentos distintos de sua trajetória, em diferentes tipografias,[4] o que já denotam as dificuldades de recursos que enfrentavam quase todos os periódicos do período, sobretudo os de oposição. Saía regularmente a público, inicialmente, às terças e sextas-feiras, a partir do número 144 às quartas-feiras e sábados e, por fim, a partir do número 164, às terças, quintas-feiras e sábados. A princípio, possuía quatro páginas, passando para oito a partir da centésima edição. Apesar do aumento do número de páginas, manteve o seu preço inicial de $40 rs. (quarenta réis) o exemplar até a edição 147, após o que passou a custar $80 rs.; a assinatura trimestral, a partir de janeiro de 1830, saía por apenas 1$000 rs. (mil réis), dobrando para 2$000 rs. exatamente um ano depois.

O proprietário e redator do jornal vinha a ser o boticário Ezequiel Corrêa dos Santos, contando, regularmente, com a colaboração do funcionário público e jornalista João Baptista de Queiroz. O primeiro, natural da Província do Rio de Janeiro, nascido em 1801 e morto em 1861, segundo Sacramento Blake, “Foi um conceituado pharmaceutico e, vulto proeminente na politica da época, fez parte da sociedade secreta dos Amigos livres, fundada depois da dissolução da constituinte brazileira, e foi um dos fundadores da sociedade Federalista, envolvendo-se nos movimentos de 1831. Foi membro titular da academia imperial de medicina; da sociedade Auxiliadora da indústria nacional; socio fundador e presidente da sociedade Pharmaceutica; socio e tambem presidente da sociedade nacional dos artistas brasileiros, Trabalho, união e moralidade”; escreveu e publicou também vários trabalhos e uma revista na área de Farmácia (Blake, 1970: 315-6). Ezequiel tinha, na época, fama de ser um típico agitador exaltado, procurando insuflar a população contra o governo e a ordem com seus escritos incendiários e sendo acusado –com certa razão– de participar de agitações de rua e levantes do “povo e tropa”.

Mais controvertida era a figura de seu assíduo colaborador na Nova Luz Brasileira, João Baptista de Queiroz. O dicionário de Sacramento Blake apenas informa que nasceu em São Paulo “no seculo 18º, falleceu depois da abdicação do fundador da monarchia brazileira. Foi um homem de idéas exaltadas, republicanas”, tendo redigido os jornais Compilador Constitucional, Politico e Litterario Brasiliense (em 1822) e A Matraca dos Farroupilhas (em 1831-1832) (Blake, 1970: 351). Não se pode afirmar, todavia, que Queiroz tenha tido uma trajetória coerente em termos ideológicos, embora, nem por isso, representasse um caso atípico entre os panfletários de seu tempo. Se, de fato, redigiu ou colaborou em diversos periódicos exaltados –como a Nova Luz Brasileira, A Matraca dos Farroupilhas e O Jurujuba dos Farroupilhas–, por outro lado, também atuou –em 1833 e 1834, após a desestruturação da facção exaltada– em vários jornais restauradores, de efêmera duração, como A Baboza, O Pai Jose, O Tamoio Constitucional, O Restaurador e O Caolho, sendo também acusado de beneficiar-se –através de nomeação para empregos públicos– do governo de Dom Pedro I (cf. Vianna, 1945: 231, 238; e Sodré, 1996: 145, 201). O fato é que, logo após a Abdicação, fora nomeado Cônsul-Geral e Encarregado dos Negócios do Brasil no México, cargo que não veio a assumir, respondendo, por isto, a uma ação executiva.

Dentre as diversas idéias e propostas de reformas políticas, econômicas e sociais defendidas pelo jornal, destacam-se: a apologia incansável dos liberais princípios constitucionais; e, em contrapartida, o combate acirrado a tudo aquilo que identificava como agentes do Absolutismo – como o governo de Dom Pedro I, a aristocracia, o clero, a Santa Aliança, os estrangeiros em geral e, dentre estes, os portugueses em particular; a revolução popular (na qual tomariam parte brancos, pretos, pardos, índios e mulheres), como último recurso capaz de pôr fim ao governo despótico do Imperador, residindo sua legitimidade no apregoado direito de resistência dos povos à tirania e à opressão; a supressão do Poder Moderador; a extinção do Conselho de Estado; o término da vitaliciedade do Senado; o fim dos títulos nobiliárquicos; a extinção das polícias civil e militar, vistas como principal órgão governamental de repressão à liberdade dos povos, bem como corruptas, arbitrárias e truculentas; a criação da Guarda Nacional, como ideal de milícia cidadã; a implantação do sistema de Júri; o federalismo; a Monarquia Americana sui generis, espécie peculiar de monarquia democrática que, além de ser constitucional, representativa e federalista, fosse também não-hereditária e eletiva, sendo o monarca eleito, a princípio, com mandato vitalício, mas passível de destituição caso atentasse contra a Constituição e os direitos dos cidadãos; a República propriamente dita, regime que, em substituição àquele outro, passa a defender abertamente nos dois últimos meses em que circulou; a reforma tributária, com a redução drástica dos impostos a serem pagos pelos cidadãos; a reforma orçamentária, destinada a restringir e vigiar a ação do Governo, através do controle, pelo Parlamento, do orçamento administrativo; a emancipação gradual dos escravos, com a libertação, após completarem 30 anos de idade, dos filhos de escravos nascidos a partir de então, e com a acumulação de um pecúlio, destinado a, todo ano, pôr em liberdade um certo número de escravos (a ausência de qualquer referência à extinção do tráfico negreiro intercontinental justifica-se, visto que já encontrava-se encaminhada a resolução que iria resultar na Lei antitráfico, “para inglês ver”, de 7 de novembro de 1831); a oposição à imigração estrangeira, como forma de substituição do trabalho escravo, e a defesa do aproveitamento da mão-de-obra nacional; o combate à discriminação racial contra negros e pardos livres ou libertos; uma reforma urbana, destinada a acabar com a escassez de moradias e com o alto preço dos aluguéis na Corte, mediante a expansão da área urbana da cidade, a construção de novas habitações para a população pobre e o estabelecimento de um rígido controle governamental sobre os preços dos aluguéis; e, finalmente, um projeto revolucionário de reforma agrária, objeto central deste trabalho.[5]

O Plano do Grande Fateusim Nacional

Dentre as reformas propostas pela Nova Luz Brasileira, a mais original e, talvez, a mais difícil de ser aceita e implementada naquele tempo –como ainda neste– era, sem dúvida, o Plano do Grande Fateusim Nacional. Tratava-se do projeto de uma autêntica e profunda reforma agrária, assim definida e explicada pelo periódico em resposta a um seu correspondente:

“[...] Em vez de dar a Nação muitas legoas de terras a hum afilhado dos grandes, para este depois aforar aos pobres por muito dinheiro, e com grande dependencia, a Nação dá sómente as terras que cada homem percisa para a lavoura, mas não dá de propriedade, e sim por arrendamento que se renova de trinta em trinta annos, e com obrigação de passar aos herdeiros do foreiro morto. É a isto que se chama Fateozim Nacional. Dando-se as terras de propriedade aos magnates, como se tem dado, os figuroens trazem aos pobres debaixo dos pés; e o fôro que pagam os pobres é para o grande viver no ocio, e na grandeza; e além disto tem o pobre de pagar tributos para as despesas da Nação: as quaes despezas são muito grandes, e mal gastas em governo de reis que não amão o bem publico, isto é, que são inimigos da Republica. Mas quando ha Fateozim Nacional, o pobre não é escravo dos ricos: não paga o pobre dous tributos, hum para o rico viver vadiando, e outro para o Rei nos hir espezinhando. Com o Fateosim Nacional o fôro que dava o pobre para o rico o metter debaixo dos pés, e ficar suppondo que é fidalgo, vai para as despezas publicas; e o que o pobre pagava de tributos para as despesas do Governo deixa de pagar, e fica para hir augmentando a sua lavoura, educando aos seos filhos, e lhe arranjando patrimonio. Com Fateozim Nacional desapparecem os grandes, que são malvados, e tambem os Juizes, que se vendem para os grandes, para roubarem a pobreza: e ninguem é grande senão tendo virtudes, sabedoria, e patriotismo, quando ha Fateozim Nacional, e Republica sui generis; isto é monarchia Democratica Americana, tambem sui generis, á mode Washington”.[6]

O projeto proposto envolvia, assim, o estabelecimento de duas medidas centrais: de um lado, uma política de distribuição justa de terras, de modo a que cada indivíduo (independentemente de sua posição social) possuísse apenas as terras de que realmente necessitasse para a sua subsistência e que pudesse, efetivamente, cultivar, arrendando-as, não de um grande proprietário (que tenderia a não mais existir), e sim da Nação, por um prazo renovável de 30 anos; por outro lado, uma nova política tributária que incidisse sobre o agricultor, fazendo com que fosse extinto o imposto pago pelo lavrador ao Governo, passando a este, para arcar com as despesas públicas, o tributo até então destinado ao proprietário da terra (que, salvo em casos bem específicos, apresentados a seguir, também tenderia a deixar de existir, passando a ser todos arrendatários do Governo).

Não tratava-se, assim –tomando como referência a classificação empregada por Leopoldo Jobim para as reformas agrárias coloniais– (Jobim, 1983: 28, 29 e 79), do projeto de uma simples reforma agrícola, no sentido de restringir-se, meramente, à melhoria das técnicas e à introdução de novos produtos agrícolas, visando o aumento da produtividade e da rentabilidade; constituía, sim, um autêntico plano de reforma agrária, de cunho não apenas econômico, mas, principalmente, social (e mesmo político), objetivando uma transformação radical da estrutura de acesso, distribuição e propriedade da terra.

As medidas pleiteadas teriam vigência para todas as terras adquiridas daquele momento em diante e também para todas aquelas que, segundo o jornal, tivessem sido apropriadas indevidamente até então. Desta forma, o plano abria uma exceção para “o que tem sido comprado a dinheiro, e está legalmente possuido, ou prehenchida religiosamente, e nunca jesuiticamente as condiçoens da Ord. do Liv. 4. a esse respeito. Os mais todos devem ser enfiteutas, preferidos aquelles que tiverem posse immemoravel, e de boa fé; bem como seos herdeiros, emquanto assim o quizerem”[7].

Para tornar possível a aplicação e o sucesso dessas medidas, o plano previa, ainda, a realização de um completo cadastramento ou inventário das terras e bens possuídos, assim como um recenseamento geral e a confecção de mapas geodésicos feitos a partir da medição e da demarcação de todas as terras.[8]

O objetivo do plano era, assim, não só acabar ou atenuar as imensas desigualdades sociais, possibilitando melhores condições de vida para os pobres, através de uma justa distribuição de terras, mas também pôr fim ao “disfarçado feodalismo Brasileiro” e, por conseguinte, aos privilégios e ao poder dos ricos e da “malvada aristocracia liberal”.[9] O Fateusim Nacional era, desta forma, apresentado como “a grande receita para acabar com os desaforos de nobres fidalgos, e aristocratas; e bem assim acabar com os pezados tributos”;[10] era também “a pipineira dos homens livres, e de hum optimo systema financeiro, e governativo”.[11]

O Fateusim Nacional estava, em larga escala, intimamente associado, em uma instância mais ampla, às diretrizes do jornal e à outras reformas por este pleiteadas, como o combate à tirania, a extensão da liberdade, a implantação de uma Monarquia Americana sui generis ou, propriamente, da República e, sobretudo, a ampla difusão da instrução para todos os segmentos sociais.

Partindo, assim, do princípio de que “Conservao-se as Naçoens, e engrandecem quando a propriedade, e a instrucção vulgarisada, e repartida, originão os bons costumes, destroem aristocratas, diminuem o numero da população jornaleira, e sua desproporcional propagação”, o periódico, então, sustentava, a este respeito, que “para que o grande numero dos pobres não seja escravo, e nem sejam mudas as Leis todas da Justiça, e Liberdade como acontece desde que a base dellas é falsa, cumpre que se respeite a verdadeira base da Liberdade, que não existe quando ha escravidão, e aristocracia, quando é pouco vulgarizada a instrucção; quando ha sismeiros proprietarios colossaes [...] quando não ha fateozin nacional; e a necessaria, e indispensavel destruição de todo o poder discricionario, vitalicio, e hereditario, e electivo em longos prazos. Sem estas bases está perto a tyrannia”.[12]

Note-se que a expropriação dos latifúndios improdutivos não era vista pelo jornal como um ato contrário ao direito de propriedade. Em primeiro lugar, porque não era justo que alguns poucos cidadãos tivessem muito e nada produzissem por si mesmos, ao passo que outros nada possuíssem e fossem explorados e submetidos àqueles primeiros. Em segundo lugar, porque a maioria das propriedades fundiárias existentes eram, além de improdutivas, também ilegais, seja porque ultrapassavam o limite de três léguas estipulado para as sesmarias, seja porque fossem produto, simplesmente, da posse de terras devolutas, anteriores ou não ao fim do sistema de sesmarias, sem qualquer título legítimo de propriedade. E, em terceiro lugar, porque a concepção lockeana que o periódico tinha de propriedade era muito mais abrangente do que a simples definição dos bens legalmente possuídos; assim, o jornal explicava que propriedade, “Em sentido vulgar e erronêo [sic.], são tão somente os bens que o Cidadão adquire, e possue em terras, cazas, dinheiro, e outras couzas que o valem. Porém a primeira propriedade do homem é a vida, a liberdade, e a igualdade; conjunctamente é a industria, e forças de corpo e espirito, e sua mulher, e filhos”.[13]

Para reforçar a sua idéia de quanto era injusta a divisão de terras até então vigente, o jornal ainda lançava mão de uma argumentação fundamentada na moral cristã, afirmando que tal divisão era “contra a vontade de Deos. O qual criando as terras para todo o animal vivente não quer que delles se assenhorem meia duzia de aristocratas –, que não tem direito de escravisarem as gerações vindouras. As quaes tem jus á propriedade rustica, que é dom Divino do Author da Natureza”.[14]

O Plano do Grande Fateusim Nacional foi insistentemente pregado pelo jornal desde a sua edição de 24 de maio de 1831 até o seu último número, de 13 de outubro do mesmo ano. Entretanto, em nenhuma das matérias publicadas a respeito encontra-se qualquer referência explícita a possíveis matrizes intelectuais externas que, neste caso, pudessem ter, de alguma forma, influenciado ou inspirado a concepção original do projeto. Mas em numerosas outras idéias e reformas defendidas pela Nova Luz Brasileira ao longo de sua existência, encontram-se abundantes referências e citações diretas a diversas doutrinas e pensadores, como Locke, Rousseau, Montesquieu, Bentham, Conde de Tracy e Silvestre Pinheiro Ferreira, entre outros, cujos princípios fundamentais foram, em geral, apropriados de maneira coerente pelos publicistas do jornal.[15] Verifica-se, portanto, de forma marcante, a forte presença e influência das idéias iluministas e liberais européias –especialmente a teoria do pacto social, os princípios constitucionais-representativos e os direitos e garantias inalienáveis dos cidadãos– a informar, e assim orientar, em parte, o pensamento e a ação doutrinária dos responsáveis pela publicação. E, a partir desses referenciais externos, é possível identificar aqueles que, provavelmente, ofereceram algum suporte conceptivo, ou inspiração, para a elaboração do Plano do Grande Fateusim Nacional.

As concepções de Locke e de Rousseau sobre a forma como deveria ser realizada a distribuição da propriedade fundiária parecem, assim, elucidar a questão, tendo muito em comum com o sentido das medidas propostas no referido projeto de reforma agrária.

Já em 1690, Locke, em seu Segundo Tratado sobre o Governo Civil, condicionava o justo direito de propriedade ao trabalho (o cultivo efetivo da terra) e à necessidade para a subsistência, de modo a que todos aqueles que cumprissem estas condições pudessem desfrutar de sua própria propriedade. Esta, deveria ter, portanto, como medida de seus limites, aqueles parâmetros, desta forma permitindo que houvesse sempre terra e bens disponíveis suficientes para todos e nada fosse desperdiçado. Considerava, assim, social e moralmente desonesta, e contrária à vontade de Deus, além de um desperdício, a apropriação de uma parcela maior do que a necessária para a sobrevivência e o bem-estar do indivíduo e de sua familía, pois isto resultaria em que nem todos pudessem ter acesso à terra, colocando uns (os despossuídos) na dependência de outros (os proprietários) (Locke, 1994: 97-112).

A posição de Rousseau sobre o assunto é bastante parecida com a de Locke, no qual certamente se inspirou. Em O Contrato Social (1762), Rousseau prescreve as três condições para o reconhecimento legítimo do direito de propriedade sobre um terreno qualquer: “primeiro, que esse terreno não esteja ainda habitado por ninguém; segundo, que dele só se ocupe a porção de que se tem necessidade para subsistir; terceiro, que dele se tome posse, não por uma cerimônia vã, mas pelo trabalho e o cultivo, únicos sinais de propriedade que, na ausência de títulos jurídicos, devem ser respeitados pelos outros”. O desrespeito à qualquer uma destas condições seria uma “usurpação punível”, já que gera o desperdício do potencial produtivo e do que foi efetivamente produzido, e “tira ao resto dos homens o abrigo e os alimentos que a natureza lhes deu em comum”. O resultado de uma distribuição irracional das terras, ditada pela ambição dos homens e pelo anseio por status e prestígio pessoal, seria, assim, a multiplicação da desigualdade social, da miséria e da servidão (Rousseau, 1989: 25-28).

Tanto em Locke como em Rousseau a propriedade assenta-se no pacto social, em nome do qual legitima-se.[16] Ela é parte, assim, do patrimônio comum da humanidade que, ao se constituir em sociedade, delega ao Estado o poder de administrar esse bem, com a prerrogativa de garantir, mas também de regular e fiscalizar os direitos de propriedade, os quais deveriam obedecer, para serem legitimamente assegurados, àquelas condições apontadas. Neste sentido, toda propriedade privada seria, em última instância, arrendada do Estado gerenciador, de acordo com as regras, fundamentadas na igualdade de direitos comuns, estabelecidas pelo pacto social.

Ora, é flagrante, portanto, a similitude entre as concepções de Locke e de Rousseau sobre a propriedade da terra e o Plano do Grande Fateusim Nacional, da Nova Luz Brasileira. Contudo, não tratava-se, obviamente, de mera cópia ou imitação; apenas o fundamento conceptivo era o mesmo, sendo o caráter, e mesmo as proposições, bem distintos. Este último, de fato, constituía, propriamente, não uma reflexão filosófica sobre o tema da propriedade, como aquelas, mas um plano de reforma agrária, com finalidades bem mais objetivas e pragmáticas; além de mais específico nas medidas que propunha –enfa-tizando o caráter de arrendamento das terras públicas, com um prazo renovável estabelecido, reivindicando um novo sistema de tributação fundiária, prevendo a realização de um recenseamento geral, de um amplo cadastramento das terras e inventário dos bens possuídos, assim como a confecção de mapas geodésicos–, sobressai, no projeto em questão, um forte teor de crítica política e social, e, em especial, uma preocupação acentuada com os direitos dos cidadãos e com a ampliação do estatuto da cidadania.

Esta preocupação constituía, de fato, uma das principais bandeiras de luta do jornal, permeando a maioria das idéias e dos projetos de reforma defendidos em suas páginas. Provinha a mesma, por um lado, do combate às práticas consideradas despóticas e tirânicas que atentavam contra a Constituição e os direitos dos cidadãos, e, por outro, da intenção que tinha o periódico de melhorar o nível de vida das camadas de baixa condição social, incorporando-as à cidadania plena.

Daí a característica mais marcante da Nova Luz Brasileira ser, justamente, a sua intenção de esclarecer, instruir ou, mais precisamente, iluminar o público-leitor, como, aliás, já o indica o próprio título do jornal. Herança, por certo, do ideal de uma razão iluminista, expresso também no prolongamento lógico deste princípio: a realização de uma pedagogia política do cidadão (cf. Falcon, 1982 e 1989). Prova desta intenção é a iniciativa sui generis do periódico de publicar, no transcurso de 49 edições (n. 11-59, de 15/1 a 13/7/1830) nada menos que 108 verbetes, ou “Definições”, de palavras, termos e expressões de significação política; uma espécie de dicionário cívico doutrinário.[17] Encontram-se aí definições como de Nação, Estado, Pátria, Patriota, Patriotismo, Espírito Público, Propriedade (esta já vista), Governo Legítimo, Governo Livre, Garantias, Inalienável, Direitos do Homem, Direitos Naturais, Direitos Políticos, Direitos Civis, Cidadão e Povo, para somente mencionar algumas.

As duas últimas, particularmente, não podem deixar de ser aqui analisadas, na medida em que esclarecem a original concepção de cidadania do jornal e permitem situar a reforma agrária proposta dentro de sua dimensão mais ampla de extensão da cidadania, de fato e de direito, e de melhoria das condições de vida das camadas sociais de baixa renda.

Na definição de Cidadão verifica-se, assim, que, para o jornal é digno deste “distinctivo mais nobre do homem social”, “toda a pessôa livre, homem ou mulher, que he parte de huma Nação livre, e que entra no seu contracto social, e partecipa de todos os actos e direitos politicos; e que por isso he huma porção da Soberania Nacional; em consequencia do que tem voto em todas as eleições para as Assembléas, e pode ser eleito se tiver virtudes e talentos”.[18] Note-se que da cidadania civil estariam alijados apenas os escravos, enquanto que a única restrição feita ao livre exercício da cidadania política –especificamente, o direito de votar e de ser votado– seria o indivíduo ser dotado, não de determinada renda anual, e sim de “virtudes e talentos”. Quais seriam tais atributos, não chega, até aqui, a ficar explicitamente especificado, mas já é possível adiantar que não tratava-se de renda ou propriedade, como então requeria a Constituição.

Prova disto é a definição dada pelo jornal para a lexia Povo. Antes, porém, de entrarmos na conceituação da Nova Luz Brasileira, vejamos primeiro –a título de comparação– como dois outros atores sociais da época construíram o significado da mesma palavra. O dicionário de Moraes Silva, “emendado, e muito accrescentado” em sua segunda edição, datada de 1813, define “POVO” como sendo “Os moradores da Cidade, Villa, ou lugar”; “Nação, gente”; “no fig. o que tem os costumes, usos, e credulidade do povo”; e, ainda, “Povo miúdo: a plebe, gentalha” (Silva, 1922: 481). Já o jornal liberal moderado, de Evaristo da Veiga, Aurora Fluminense –principal opositor da Nova Luz Brasileira após a Abdicação–, assim se manifestava a respeito: “Quando dizemos –povo– claro está que não fallamos da massa ignorante, ou destituida de interesse na ordem social, que os demagogos adulão, e de que fazem o objecto de suas especulações; mas sim dos homens pensantes, honestos, e que nada tendo a ganhar na anarchia, olhão todavia com justo receio para qualquer ensaio de despotismo, para qualquer aparencia de menospreço que se note a respeito da nação, do seu decoro, e prosperidade”.[19]

Verifica-se, assim, em ambos os casos, uma clara clivagem excludente e elitista, distinguindo povo e plebe. Conforme assinalou Mattos, a concepção geralmente corrente de povo restringia-se, então, apenas à “boa sociedade”, ao conjunto de “homens bons” organizados em ordem e dotados de liberdade, propriedade e educação, ao passo que plebe referia-se à massa desorganizada, em desordem, e pessoalmente dependente, pobre e ignorante. (Mattos, 1990). Bem diferente era a concepção da Nova Luz Brasileira a este respeito, conforme se pode observar em sua definição de Povo:

“[...] Nesta palavra Povo se comprehende todos os individuos sem excepção, desde o Rei athe o mais pobre, e mizeravel cidadão [...] entre nós não ha mais do que povo, e escravos; e quem não he povo, já se sabe que he captivo. Ora como entre o Povo de que seforma a sociedade civil, existem alguns homens mal creados, muito tolos, e cheios de vicios, e baixesas, os quaes homens são algumas vezes madraços, e sem brio, e nem tractão de se instruir, e de abjurar sua grosseria, e máos custumes, assentou-se chamar plebe a esta gente má; e baixa plebe aos que d’entre a plebe, são incorrigiveis, e quase piores do que os máos escravos. Por consequencia he baixa plebe o máo, e tolo fidalguete, ou negociante rico, ou alto empregado, cuja conducta instrucção, brios, e costumes são máos. [...] Gente desprezivel he aque consome as riquezes que outros produzem, e em cima tracta de resto ao verdadeiro cidadão productor de riquezas; e para mais, só cuida em atraiçoar ao Povo, escravizando-o contra as ordens do proprio Deos, que quando fez Adão, não o fez Conde, Frade, ou Marquez. [...] o governo deve emanar de todos, e pender de todos em massa; [...] e as Leis devem ser iguaes para todos, e feitas por todos mediante seos Deputados, e só para o bem geral: donde tambem se conclue que só o merecimento e serviços á beneficio do paiz, podem dar destinção aos cidadãos em quanto vivem. Tudo o mais he violencia despotica d’aristocratas [...]”.[20]

Claro está, portanto, que a concepção da Nova Luz Brasileira difere radicalmente das demais e do que era comum no período. Embora, também, seja discriminatório e trabalhe com a dicotomia povo e plebe, o enfoque se dá, exatamente, em relação inversa: não é a gentalha ou a massa ignorante, o homem pobre e trabalhador manual que é aqui excluído da categoria povo e inserido na plebe, mas sim o “máo, e tolo fidalguete, ou negociante rico, ou alto empregado”, que “consome as riquezes que outros produzem, e em cima tracta de resto ao verdadeiro cidadão productor de riquezas; e para mais só cuida em atraiçoar ao Povo, escravizando-o”.

É a partir deste corte, portanto, que o periódico concebe o estatuto de cidadania. O verdadeiro cidadão é, para a Nova Luz Brasileira, o productor de riquezas.[21] Os merecimentos e virtudes ou as virtudes e talentos a que se refere o jornal, como condição necessária e critério qualificador para o direito de votar e de ser votado, e, logo, para o pleno gozo e exercício da cidadania plena, encontram aqui, afinal, uma significação reveladora, ao concluir o jornal que “só o merecimento e serviços á beneficio do paiz, podem dar destinção aos cidadãos em quanto vivem”. Isto significa dizer, em suma, que a capacidade eleitoral e o estatuto pleno de cidadão deveriam ser determinados em função, primeiramente, da condição livre do indivíduo (o que já excluía os escravos) e, em segundo lugar, da contribuição e da importância do mesmo à Pátria (o que, por sua vez, excluiria também os nobres e ricos ociosos, que nada produzem por si e vivem estritamente às custas da exploração do trabalho alheio), e não em função de quaisquer requisitos de renda ou propriedade, e mesmo de gênero; apesar de permanecerem um tanto indefinidos os critérios qualificadores de tais merecimentos pessoais e benefícios à Nação, é certo que estavam associados ao trabalho ou prestação de serviços, à produção direta de riquezas e a um certo sentimento patriótico.

Compreende-se, assim, o sentido mais profundo da reforma agrária cidadã pretendida pela Nova Luz Brasileira. A terra improdutiva, além de prejudicial à economia da Nação, desqualificava o seu proprietário como cidadão, tanto quanto aquele que vivia da exploração do trabalho alheio sem nada produzir por si mesmo. Da mesma forma, o trabalhador explorado e dependente, embora juridicamente livre, via-se, de fato, reduzido à servidão, e, como tal, incapaz de ser um verdadeiro cidadão. Já o produtor direto e independente prestava, acima de tudo, um serviço em benefício do país, tendo, portanto, virtudes e talentos e sendo digno deste distinctivo mais nobre do homem social que é a cidadania.

Na medida em que a cultura política letrada do século XIX, tanto no Brasil como na Europa, em geral, associava a consciência política e a capacidade de votar –e, portanto, o estatuto da cidadania plena– à renda ou propriedade, sendo esta vista como critério qualificador do indivíduo independente, não sujeito, moral e economicamente, a qualquer outro,[22] a distribuição, a mais ampla possível, da propriedade afigurava-se, então, na visão da Nova Luz Brasileira, como uma forma de estender a cidadania, retirando deste requesito todo o seu conteúdo excludente.

Uma distribuição justa e com maior eqüidade das terras fazia-se, enfim, necessária, no entender do jornal, em razão de três fatores primordiais: em termos econômicos, contribuiria para aumentar a riqueza da Nação, mediante o incremento da produção; no âmbito político, colocaria em xeque o poder e os privilégios dos aristocratas e ricos que conduziam despoticamente o Governo; e no plano social, possibilitaria melhores condições de vida para os pobres e, especialmente, permitiria a incorporação destes, de direito e de fato, à cidadania plena e legal.

Por tudo isso é que o jornal insistia em ressaltar a originalidade de sua lei agrária, lembrando que o “Fateozim Nacional é idéa nova, e utilissima, quanto é pratica; e o Brasil deve hum dia deixar de ser mero imitador, criando tambem cousas novas, e proficuas á Liberdade, e moralisação do Genero humano, como é o Fateozim Nacional”.[23]

Mas, além disso, o Plano do Grande Fateusim Nacional era singular e original também no contexto das discussões que vinham sendo e seriam ainda travadas no país a respeito da questão agrária. É certo que outras propostas de reforma agrária já haviam sido formuladas anteriormente no Brasil, todas anteriores à Independência e igualmente não implementadas[24]; no entanto, o projeto da Nova Luz Brasileira vinha a público justamente em uma época em que não encontrava-se em vigor qualquer legislação que regulamentasse o acesso à terra ou a sua legitimação, já que a antiga Lei de Sesmarias estava suspensa desde 17 de julho de 1822, e nenhuma outra lei congênere a havia substituído até então. E não parecia haver muito interesse em se resolver o problema rapidamente, já que nem a Assembléia Nacional Constituinte de 1823, dissolvida por Dom Pedro I, e nem mesmo a Constituição de 1824 nada deliberaram sobre a questão das terras públicas. Apenas se aprovou, na década de 1830, uma lei que proibia a cobrança de foros sobre as sesmarias e outra que acabava com o morgadio; mas, conforme assinalou Dean (1975: 416), a importância de ambas era bem limitada: “Pocas eran las sesmarias concedidas com la condición de un fôro, y menos aún las que cumplieron todavía esa condición después de la independencia”, assim como “la herencia igual parece haber desmembrado sólo las propriedade de subsistencia, no las de quienes tenían abundante capital”. O máximo a que se chegou foi a apresentação, em 1830, de um projeto de lei, na Câmara dos Deputados, que propunha o arrendamento de todas as terras públicas, inclusive as que estavam ocupadas ilegalmente; o projeto, todavia, não estabelecia limites para a extensão das terras arrendadas, e nem sequer chegou a ser discutido,[25] assim como um outro, sobre sesmarias, apresentado à Câmara em 1835 (cf. Carvalho, 1988: 85).

A despeito deste aparente descaso, uma lei de terras tornava-se cada vez mais premente, visto que era preciso regularizar as posses ilegalmente empreendidas desde 1822, especialmente aquelas, de larga amplitude, resultantes da expansão do emergente, e já poderoso, setor de cafeicultores fluminenses, paulistas e mineiros. A situação, além de ameaçar e negar a autoridade do Estado, ensejava a violência e o conflito entre as elites agrárias – entre o novo setor cafeicultor em expansão e a tradicional aristocracia latifundiária, cujas terras, em grande parte sesmarias anteriores à 1822, encontravam-se mais ou menos regularizadas. Verifica-se, assim, neste período de ausência de um regime de terras, uma “diferenciação histórica dos latifúndios em dois tipos: os que tiveram sua origem em antigas sesmarias e aqueles latifúndios em escala muito maior [...] que se originaram neste período” (Linhares e Silva, 1981: 32).

A solução afinal encontrada para o impasse, com a Lei de Terras de 1850, distava completamente, como era de se esperar, das medidas e dos objetivos propostos pelo Plano do Grande Fateusim Nacional. Longe de pretender uma divisão mais igualitária das terras, a nova lei, não só legitimou as sesmarias e posses, como também preservou a distribuição extremamente desigual existente, impedindo o livre acesso às terras, doravante só possível por meio de compra, à vista e sob altos preços; e mesmo a determinação de que as posses, para serem reconhecidas, deveriam, no máximo, igualar-se, em tamanho, às últimas sesmarias concedidas, nunca veio a ser obedecida.[26]

Conclusão

O Plano do Grande Fateusim Nacional foi divulgado e defendido, pela Nova Luz Brasileira, em um momento em que se encontrava constituída uma comissão da Câmara dos Deputados encarregada de propor reformas à Constituição. É evidente, portanto, que a intenção do jornal, ao veicular esse projeto naquela ocasião, era não só influenciar, de forma geral, a opinião pública da Corte a respeito da matéria, mas, particularmente, também aproveitar a oportunidade para chamar a atenção e tentar convencer os políticos envolvidos da relevância do plano. Este, se concretizado, provavelmente abalaria e transformaria toda a estrutura de produção, a organização social e as relações de poder tradicionais.

Por tudo isto, não é de admirar que o plano viesse a ser, ou ignorado –possivelmente, por ser tido como impensável, e, logo, não representando qualquer ameaça–, ou, como muito ocorreu, severamente atacado –neste caso, pelo radicalismo de suas medidas e, mesmo, pela ousadia de ser proposto e reivindicado naquele momento– por parte dos demais periódicos da Corte.

A Imprensa moderada, como se poderia esperar, foi implacável no ataque ao projeto, a exemplo da Aurora Fluminense, de Evaristo da Veiga, principal representante desse grupo político e, à esta altura, o maior adversário da Nova Luz Brasileira. A princípio, ao tratar da “teimosa impertinencia do Fateosin Nacional”, admitia, aquele jornal, que ainda “não aprehendemos bem o que seja” (até mesmo porque, de início, o plano, na maioria das vezes em que foi mencionado, não encontrava-se muito bem explicado); nem por isso, deixava de afirmar que tratava-se de “huma especie de lei agraria, sempre invocada pelos tribunos de Roma, e ahi pretexto de tantas desordens”, concluindo, com ironia, que “estabelecido no nosso paiz, provavel he que seja vantajosissimo para a tranquillidade publica, e para o gozo legitimo da propriedade de cada hum”.[27] Com isto, declarava o mesmo jornal pouco tempo depois, ainda pretendendo ridicularizar o plano, “Tornamos per interim á idade de oiro, em que não havia – meu nem teu”.[28] Com a insistência da Nova Luz Brasileira em alardear seu projeto, a ironia da Aurora Fluminense em relação ao mesmo cedeu lugar a uma postura cada vez mais agressiva e hostil, acompanhando a radicalização do processo de polarização entre liberais exaltados e moderados na Corte:

“os vadios, os vagabundos, os mendigos, os siccarios do cacete e punhal. Eis a gente em quem a N. Luz tem posto a sua confiança, os objectos de sua terna complacencia [...] a N. Luz nos préga a lei agraria, e pertende que as terras sejao divididas por todos; he o unico meio que tem de accommodar os seus soldados, a gente do seu peito. Mas o estabelecimento e prosperidade destes, ainda assim duraria muito pouco, visto que os habitos de ociosidade, e de crapula, difficilmente se deixão; o homem activo, economico, teria sempre grande vantagem sobre o inerte, e dissipado, e dentro de alguns annos, as desigualdades sociaes tornarião a apparecer em toda a sua força [...] quem não vê que se intenta armar huma classe da sociedade contra a outra, os mendigos, e ociosos contra os trabalhadores e artistas occupados, os que nada tem contra os que possuem alguma cousa, os sanscullottes contra os proprietarios? [...] Quando se chegassem a sentir os effeitos de semelhantes doutrinas, cahiria dos olhos dos illudidos a venda que os cobre; porêm então já seria tarde; tinhão de ser victimas das paixões e cobiça que a sua imprudencia havia alentado [...] Desses horrores que se nos preparão, salvar-nos-ha o brio dos cidadãos que se vottão á defeza da patria, e da seguraça individual, dos guardas municipaes [...]”.[29]

Verifica-se, assim, que uma política de distribuição de terras, como a pretendida pela Nova Luz Brasileira, era vista então (e, por certo, não era esta a opinião apenas da Aurora Fluminense) nos termos de uma violenta luta de classes, que fatalmente desencadearia, e de total desrespeito ao direito de propriedade. A divisão desigual das terras, como a então existente, justificaria-se na medida em que somente os proprietários teriam o dom nato do trabalho e do empreendimento, ao passo que os despossuídos seriam naturalmente vagabundos e ociosos e, portanto, fadados ao fracasso caso viessem a ter alguma propriedade. A ameaça às propriedades existentes, já que garantidas constitucionalmente, revestia-se, assim, do cunho de defesa da pátria e da ordem e, como tal, o periódico governista não hesitava em ameaçar com o emprego da milícia cidadã para combater o perigo incitado pelos demagogos.

Visão semelhante à esta era a que tinha outro importante jornal moderado da época, O Independente, de Joaquim José Rodrigues Torres. Este, a princípio, também reconhecia que “quebrava a cabeça” com o que seria o Fateusim Nacional; mas, de todo modo, já havia entendido o bastante para acreditar que, para a Nova Luz Brasileira, os direitos de propriedade e a segurança individual seriam válidos apenas “para os seos satellites e para os chumbos”.[30] Pouco mais tarde, já melhor informado do que se tratava, O Independente passou a fazer duras críticas ao plano, ressaltando, como a Aurora Fluminense, a afronta ao direito estabelecido de propriedade e a iminência de uma luta de classes, mas dando maior ênfase à ameaça que representava para a economia da Nação:

“Agora o empenho de certos Escriptores da nossa terra he fazerem acreditar, que os homens ricos são naturaes oppressores do pobre; e que as fortunas dos primeiros são quaze todas devidas a extorsões e violencias por elles praticadas. Nós deixaremos de fallar na falsidade d’uma doutrina, que talvez bem de proposito se quer assoalhar para dividir a Nação inteira em duas fracções e faze-las inimigas [...].

Hoje ninguem há, que desconheça, que a accumulação dos capitaes, resultado das economias dos particulares, he o primeiro motor da industria e riqueza dos Povos; que he ella, que fornece meios de tentarem-se emprezas uteis á Nação [...] A accumulação pois de capitaes he util, não só ao rico, mas tambem ao homem pobre. O que porem viria a ser essa accumulação, se o direito de propriedade não fosse respeitado; se o homem laborioso não podesse estar certo, de que as leis lhe assegurarião a posse d’aquillo, que houvesse de adquirir pelo exercicio de suas faculdades? Ninguem trabalharia certamente, senão quando fosse necessario, para satisfazer suas necessidades reaes; a industria entorpecer-se-hia; e a Nação ficaria pouco mais ou menos reduzida a um estado semelhante ao das provincias do Imperio Turco [...] O susto, que desta maneira se vai causar aos proprietarios; a vacillação, em que iria pô-los uma doutrina, tão anti-social, se ella se propagasse, não produziria certamente menores inconvenieetes [sic.], do que o procedimento dos Bachás da Turquia. Queremos pois que se respeite o direito de propriedade [...]”.[31]

O discurso da ordem, tão caro aos liberais moderados, estava, portanto, claramente expresso nas formulações críticas de ambos os jornais a respeito do Plano do Grande Fateusim Nacional. Para os moderados da Corte, uma reforma agrária representava, assim, não só um perigo para a economia nacional, mas, acima de tudo, uma séria ameaça à ordem estabelecida; representava, precisamente, a anarquia. Manter a concentração de terras era visto, então, como requisito necessário para a preservação dessa ordem social, política e econômica.

O que compreende-se perfeitamente, na medida em que a base social dos liberais moderados, que encontravam-se no poder regencial, era, embora heterogênea, fundamentalmente composta, conforme assinalou Alcir Lenharo, pelo grupo de proprietários rurais do interior de Minas Gerais envolvidos na produção e no comércio de gêneros alimentícios voltados para o abastecimento da Corte. Além disto, a concentração de terras na região, segundo o mesmo autor, constituiu um dos principais fatores que possibilitaram a integração do Centro-sul, etapa fundamental no processo de institucionalização do Estado Imperial (Lenharo, 1993).

Mas, mesmo entre os liberais exaltados, surpreendentemente, havia discordâncias quanto ao Plano do Grande Fateusim Nacional. Basta, para isto, verificar a posição mantida pelo jornal O Republico, de Antonio Borges da Fonseca, que, após a abdicação, apresentava uma postura mais moderada. Embora não fizesse referências explícitas ao plano, era flagrante a sua oposição (e mesmo a irritação) às propostas mais radicais da Nova Luz Brasileira, “um periodico demagogo e anarqista, e um periodico infame, e assacino da onra alheia”, que dedica-se a pregar “quanta doutrina á subversiva da ordem social”.[32] Entre essas doutrinas, certamente estava a reforma agrária, e não é difícil encontrar algumas alusões à mesma, insinuando tratar-se de roubo, de desrespeito ao direito de propriedade e até de ser atentatória à liberdade: “Mas o que é liberdade? será por ventura a faculdade qe cada um tem de roubar e assacinar o seu similhante? tem-se liberdade quando se não conta com alguma garantia? quando a pessôa não é respeitada? quando a propriedade não é guardada?”.[33]

Mesmo mais de 20 anos depois de proposto, o Plano do Grande Fateusim Nacional ainda seria lembrado, em um panfleto famoso, pelo jornalista, panfletário e político do partido Conservador, Justiniano José da Rocha, que, em poucas palavras, melhor expressou o estado de ânimo e a visão corrente, na época, acerca da proposta: “Fora do parlamento, a opinião inflamava-se em todos os devaneios de uma imprensa em que o talento do político, e até a habilidade do escritor, eram substituídos pela fúria da paixão, pela violência do estilo, e pelas ameaças da subversão [...] e no meio dos fúnebres delírios até se apresentou um monstro incompreensível com o título do grande Fateozim nacional, que devia operar o milagre de enriquecer a todos os pobres pela divisão das propriedades”.[34]

Em vista, por fim, de proposta tão radical e destoante, é forçoso reconhecer que Justiniano devia mesmo ter razão. O Plano do Grande Fateusim Nacional, ou qualquer outro projeto de reforma agrária que, por ventura, viesse a ser proposto, a despeito de sua importância, só poderia mesmo, naquelas condições, ser um devaneio, um fúnebre delírio, permanecendo, de fato, ignorado como um monstro incompreensível.

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Notas

[1] Cf. Costa (s/d.); Castro (1985); Barbosa (1996); Fürstenau (1994); Gil (1991); Leite (1993); Morel (1990, 1986 e 1987); Montenegro (1979);  Carvalho (1995).

[2] Digo isto tendo como base o fato deste jornal ter sido, dentre os de sua linha política, o que mais despertava polêmicas e reações da parte de seus adversários, sendo, portanto, o mais combatido e também o que, aparentemente, mais se esforçava por influir, como será visto à frente, a opinião pública.

[3] Um panorama geral do jornal encontra-se em Souza (1957);  Costa (s/d.) e Novello (s/d.). Menções dispersas ou isoladas são encontradas em Sodré (1966); Vianna, (1945); Contier (1979); Wernet (1978); e Fürstenau (1994). Em todos os casos, encontram-se diversas imprecisões provenientes da falta de uma pesquisa acurada e completa da fonte.

[4] Entre os números 1 e 19, foi impressa na Typographia de Lessa & Pereira; entre os números 20 e 39, na Typographia do Diario (do Rio de Janeiro); do número 40 ao 92, na Typographia da Astréa; do 93 ao 94, na Typographia de Thomas B. Hunt e Cº; do 95 ao 119, na Typographia de Torres; e, finalmente, entre os números 120 e 180, na Typographia da Nova Luz.

[5] Uma análise apurada de cada uma dessas idéias e propostas defendidas pela Nova Luz Brasileira ao longo de sua trajetória, assim como do papel desempenhado por este jornal como agente de pedagogia política do cidadão e no processo de formação do espaço público e da cultura política moderna no Rio de Janeiro, encontra-se em Basile (1997).

[6] Nova Luz Brasileira, n. 174 - 24/9/1831.

[7] Nova Luz Brasileira, n. 142 - 24/5/1831.

[8] Ibidem.

[9] Ibidem.

[10] Ibidem, n. 174 - 24/9/1831.

[11] Ibidem, n. 142 - 24/5/1831.

[12] Ibidem.

[13] Nova Luz Brasileira, n. 22 - 23/2/1830.

[14] Ibidem, n. 155 - 28/7/1831.

[15] O hábito, que se tornou comum no século XIX, de citar autores estrangeiros constituía uma estratégia de argumentação retórica, enquanto uma forma, bastante utilizada pelos periódicos, de legitimar e revestir de autoridade o que se estava afirmando e defendendo. Nem sempre, porém, as citações eram feitas de maneira tão coerente como no caso da Nova Luz Brasileira.

[16] Cabe, todavia, ressaltar que, para Locke havia um direito natural de propriedade, já encontrado no estado de natureza, ao passo que Rousseau vai mais além e distingue a propriedade da posse, por acreditar que um direito de propriedade só é possível no estado civil, quando é sustentado e garantido pelas leis e pelo governo do Estado (embora as condições para o acesso legítimo à terra sejam as mesmas).

[17] É sintomática, a este respeito, a explicação dada pelo jornal para tal iniciativa: “Como o nosso dezejo he apresentar luzes á quem está nas trevas do pouco saber, offerece-mos aos leitores varias explicações de termos, e frazes, que alguns talvez ignorem”. Nova Luz Brasileira, n. 11 - 15/1/1830.

[18] Ibidem, n. 16 - 3/2/1830.

[19] Aurora Fluminense, n. 553 - 7/11/1831.

[20] Nova Luz Brasileira, n. 11 – 15/1/1830 (grifos do autor).

[21] Bem diferente, portanto, da definição aristocrática de cidadão encontrada no dicionário de Moraes Silva onde é apresentado como “O homem que goza dos direitos de alguma Cidade, das isenções, e privilegios, que se contém no seu foral, posturas, & c. homem bom”.

[22] Daí a justificativa do critério eleitoral censitário, presente em quase todos os discursos políticos da época a esse respeito, sob a alegação da qualidade do voto, da lisura nas eleições e, logo, da autenticidade da representação. Para o Império brasileiro, cf. Carvalho (1988: 141-143 e 1995: 29); para a Europa, cf. Gay (1995: 269-278).

[23] Nova Luz Brasileira, n. 155 - 28/7/1831.

[24] Sobre esses projetos, cf. Jobim (1983) que analisa os planos de reforma agrária do padre João Daniel (cerca de 1770), de José Arouche Toledo Rendon (1788), de Luís dos Santos Vilhena (1798-1802) e de José Antonio Gonçalves Chaves (1817).

[25] Dean (1975: 417). É provável que a Nova Luz Brasileira estivesse referindo-se à este projeto ao declarar que “Quem quer promulgar a Lei de sesmaria sem cadastro, ou inventario das terras, e bens possuídos, é inimigo da Justiça, e Liberdade Brasileira” (n. 142 - 24/5/1831).

[26] Sobre a Lei de Terras de 1850, cf. Carvalho (1988), Mattos (1990), Dean (1975), Costa (s/d.).

[27] Aurora Fluminense, n. 518 - 17/8/1831.

[28] Ibidem, n. 534 - 23/9/1831.

[29] Ibidem, n. 540 - 7/10/1831.

[30] O Independente, n. 33 - 23/8/1831. Chumbo, ou pés-de-chumbo, era um epíteto depreciativo utilizado, na época, para designar os portugueses.

[31] Ibidem, n. 42 - 23/9/1831.

[32] O Republico, n. 74 - 9/6/1831.

[33] O Republico, n. 76 - 14/6/1831.

[34] Rocha (1956: 180). O texto foi originalmente publicado em 1855.