Estudos Sociedade e Agricultura

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Franz Josef Brüseke

A crítica da técnica moderna


Estudos Sociedade e Agricultura, 10, abril 1998: 5-55.

Resumo: A crítica da técnica cria uma unidade discursiva que é, em termos políticos, mais do que estranha. Autores tão diferentes como Heidegger e Marcuse ou Horkheimer e Gehlen, além de muitos outros, encontram, quando se trata da questão da técnica uma preocupação em comum. Todos esses autores, de Heidegger até Beck, escolhem nas suas cogitações sobre a técnica moderna um tom alarmista e falam sobre o perigo máximo, como Heidegger, ou sobre riscos, como Beck, que o surgimento dessa técnica traria para a sociedade humana e seu ambiente natural. A reconstrução da crítica da técnica contribui tanto para uma teoria da sociedade moderna quanto para a discussão sobre tecnologias mais adequadas às diversas dimensões da existência humana no seu habitat.

Palavras-chave: Modernidade técnica; sociologia da técnica; filosofia da técnica; novas tecnologias; 

Abstract: A Critique of Modern Technology. A critique of modern technology has created a unified discourse wich is highly unusual from a political point of view. Authors so different as Heidegger, Marcuse or Horkheimer, Gehlen and others have a similar preoccupation. These authors, from Horkheimer to Beck, have adopted in their critical reading of modern technology a pessimistic stance and also have advertised against its dangers for the natural and human society. The reconstruction of this critique of technology is important as a contribution both to modern social theory and the debates about appropriate and sustainable technologies.

Key words: Technical modernity; Sociology of technology; technical Philosophy; new technology; technology assessment.

Josef Brüseke é professor da UFSC.


A rosa é sem porquê:
ela floresce, como floresce.
Ela não se importa consigo,
não pergunta, se alguém a vê.

(Angelus Silesius, 1657)

A crítica da técnica moderna está inseparavelmente ligada com a experiência negativa da técnica. Constatamos muito antes de sua sistematização teórica a sua crítica prática, isto é, se podemos chamar crítica a destruição das máquinas têxteis, novidade introduzida pelos fabricantes de tecidos, mas que foi a causa dos levantes dos tecelões[1] da Silésia e Böhmen em 1844 ou na Inglaterra no início do século XIX.[2] Mas essa crítica prática que identificou a maquinaria como motivo de desemprego, fome e miséria, foi logo absorvida e transformada. Os primeiros teóricos (cf. Hofmann, 1971: 13-91) da sociedade industrial em formação identificaram como origem dos problemas sociais a falta da realização de virtudes humanas, como caridade e fraternidade, ou apontaram para falhas nas relações econômicas. A questão social liberada do seu tratamento meramente moral e esclarecida pelos seus teóricos tornou-se, doravante, basicamente um problema econômico. As relações de produção foram identificadas como causa dos problemas sociais e não as forças produtivas. Além do mais, o mainstream progressista[3] dos teóricos sociais do século XIX avaliou a evolução técnica como algo positivo e diferenciou-se somente em grau o entusiasmo pelo “progresso industrial”.

Karl Marx e Friedrich Engels, opositores radicais do capitalismo industrial, compartilharam, todavia, com seus contemporâneos a visão positiva do desenvolvimento técnico, interpretada como base do aumento da produtividade do trabalho. A teoria da mais-valia relativa, desdobrada no Capital de Marx,[4] seria impensável sem uma avaliação do avanço técnico e do seu papel no processo de aumento da produtividade do trabalho. Marx documenta a sua plena consciência da função fundamental da formação da organização fabril, da integração sistemática de fontes fósseis de energia e da criação da maquinaria industrial para o desenvolvimento da sociedade capitalista. Todavia, prende-se o autor à idéia de que o progresso social estaria necessariamente ligado ao avanço técnico, avaliação que impossibilitava conseqüentemente o desenvolvimento de uma crítica também das forças produtivas.[5] E estas aparecem na filosofia da história de Marx como algo que possui forças intrínsecas visando o seu próprio desdobramento. Entraves ao desenvolvimento das forças produtivas são as circunstâncias sociais, as relações que os produtores imediatos têm com os proprietários dos meios de produção. A questão para Marx era muito mais “quem é o proprietário dos meios técnicos da produção?” do que “quais são os danos e riscos que as forças produtivas desdobradas podem causar?”. O culto das forças produtivas na Rússia socialista (1917-1991) e seus territórios ocupados levou esta perspectiva teórica de Marx ao ápice (cf. Städtke, 1995). Neste contexto encontramos os resultados, para os quais evidentemente Marx somente contribuiu teoricamente, de uma estratégia de transformação social cega para as implicações sociais e ecológicas da Grande Máquina (Mumford, 1966), insensível às novas estruturas de dominação ligadas às megatécnicas e completamente ignorante em relação ao lado ecologicamente destrutivo da sociedade industrial.

A primeira experiência com a revolução industrial que se revelou para uma grande parcela da população da Inglaterra, da França e de outros países, como algo extremamente doloroso e frustrante, ainda não encontrou no século XIX sua expressão teórica adequada. Os partidos do movimento social dos operários tornaram-se agências da crítica às mazelas sociais e à exclusão política das massas populares, sem contudo oferecer uma crítica completa à sociedade industrial-capitalista. Dividindo o otimismo desenvolvimentista com os seus adversários tornaram-se um aliado rebelde do industrialismo e apostaram, como os partidos burgueses, nos efeitos benéficos da técnica moderna.[6]

1914-1918: a primeira experiência da técnica militar moderna

A visão progressista da técnica cedeu pela primeira vez a um surto de crítica quando a mesma foi usada em larga escala no conflito militar entre as superpotências européias da época. Novidades técnicas para facilitar a matança do outro tinham-se acumulados e não faltavam na praça de guerra. A aviação militar ainda imatura mostrou-se pouco eficiente, mas já deu uma idéia de suas possibilidades; a utilização de submarinos para afundar navios cargueiros que transportavam materiais e bens estrategicamente importantes dos USA para França e Inglaterra, conseguindo temporariamente causar alguns embaraços mostrou-se, contudo, ainda inferior a técnica e potência naval dos aliados; os primeiros tanques apareceram pouco móveis, com poder de fogo inferior a artilharia moderna, mas resistente contra as temidas metralhadoras e minas antipessoais; o gás venenoso todavia penetrou nestes tanques e, se não matou os tripulantes, cegou-os; máscaras contra gás foram produzidas em larga escala e evitaram o pior; a comunicação interrompida entre os exércitos em guerra nunca funcionou tão rápida: o telefone de campo substituiu cada vez mais a entrega pessoal da informação escrita e aumentou a eficácia dos comandos.

Na Europa existem guerras entre as diversas populações do continente desde a idade da pedra, mas nunca se registrou até então tantas baixas num único conflito militar. Os números dos mortos da Primeira Guerra Mundial são: Alemanha (1.808.500), Rússia (1.700.000), França (1.385.000), Áustria-Hungria (1.200.000), Inglaterra (947.000), Itália (460.000), Servia (360.000), Turquia (325.000), Romênia (250.000), USA (115.000). Não surpreende então que depois dessa experiência da técnica moderna a sua interpretação exclusivamente positiva e sob ângulo do progresso histórico começou mostrar os primeiros sinais de crise.

Modernismo reacionário

Herf identifica no nacional-socialismo alemão uma mistura de elementos contraditórios: por um lado, uma ideologia reacionária e antimoderna, com o racismo no seu centro, e, por outro, um discurso (e uma prática) modernista.[7] Esse discurso modernista refere-se somente a um aspecto da modernidade, destaca o desenvolvimento técnico como positivo e tenta integrá-lo no “culturalismo” alemão e na ideologia racista do movimento fascista. Mas a modernidade está inseparavelmente ligada com uma noção da dignidade e do valor do homem, do estado de direito e, entre outras coisas, com as idéias da liberdade, da igualdade social e da democracia liberal. Este tipo de modernidade plena somente evoluiu no noroeste da Europa e nos Estados Unidos. Alemanha, e também Japão, mostraram a possibilidade de outros caminhos na direção da sociedade moderna com muitos elementos autoritários e antiliberais. Entendemos somente o conceito de modernismo reacionário de Herf com a sua noção ampla de modernidade, quando percebemos que a modernidade inclui ciência e técnica, mas não se deixa reduzir a ela. Uma percepção seletiva do nacional-socialismo, que se concentra exclusivamente no seu aspecto modernista, que se manifestou, por exemplo, na construção de auto-estradas,[8] citadas até hoje como obras futuristas da época nazista, faz esquecer o amálgama entre elementos não ou antimodernos e modernos no discurso e na política hitlerista. O conceito de modernismo reacionário, criado por Herf, quer transmitir exatamente essa ambigüidade do nacional-socialismo: moderno e reacionário ao mesmo tempo.

A questão é como a direita alemã, tradicionalmente “antimoderna e antiocidental”, conseguiu se conciliar com a técnica moderna.[9] Tentando responder à essa pergunta Herf alerta para a formação de um grupo de intelectuais que, já na véspera da Primeira Guerra Mundial, transitaram entre o modernismo e o reacionarismo. Quem eram esses intelectuais, que conseguiram aumentar a sua influência durante a república de Weimar (1919-1933) e unificar o que parece uma simples contradição? Herf refere-se aos seguintes autores como sendo modernistas reacionários: Jünger, Spengler, Schmitt, Freyer e Sombart, entre outros menos conhecidos mas, na época, com expressividade entre os engenheiros e os técnicos do segundo e terceiro escalão. Esses intelectuais, que obviamente não se auto-avaliaram como modernistas reacionários, começaram “...juntos com os nazis, desenvolver uma língua e uma multiplicidade de metáforas nas quais a técnica foi interligada com o nacional-socialismo alemão e o racismo. O desenvolvimento tecnológico, associado com uma racionalidade internacionalista, cosmopolita e universalista ligaram os modernistas reacionários às qualidades nacionalistas, provinciais e especificamente alemães, respectivamente arianas. O fato de que eles aceitaram o aspecto tecnológico da Revolução Industrial, não significava que eles viram também o liberalismo da revolução democrática com bons olhos. Eles mostraram no nível ideológico e cultural, que os alemães podiam se tornar modernos sem perder a sua alma popular, inconfundivelmente alemã.” (Herf, 1995: 74).

A rejeição ao iluminismo e ao liberalismo democrático e ao mesmo tempo a aceitação da técnica moderna, eis aí, na interpretação de Herf, a essência do modernismo reacionário. Sabemos de outros países e de tempos posteriores, que a síntese entre antidemocratismo e aceitação da técnica moderna não se deixava restringir mais à história específica da Alemanha. A grande maioria das ditaduras do desenvolvimento escolheu, sob condições diferentes e com muitas peculiaridades, nos anos 60 e 70, o caminho do modernismo reacionário: desenvolvimento econômico e técnico, sim, democracia, estado de direito, liberdade e liberalismo, não.

1939-1945: a segunda experiência da técnica militar moderna

O resultado da Segunda Guerra Mundial, que se apresenta hoje para alguns historiadores como um prolongamento da Primeira Guerra, é sem precedentes históricos. Morrem cerca de 55 milhões de pessoas; o número de civis mortos corresponde mais ou menos ao número dos militares mortos. Fato novo que mostra de forma macabra o significado de uma guerra moderna. Contabiliza-se também um contingente de cerca 35 milhões de pessoas feridas e três milhões de pessoas desaparecidas. Esses números não medem outras formas de sofrimento como medo, pânico, tristeza, desespero, perda de entes queridos, sentimento de culpa e outros sofrimentos não visíveis, mas em certas circunstâncias não menos dramáticos do que o ferimento físico ou a própria morte. O que aconteceu? Tornou-se a humanidade no século XX mais agressiva, menos escrupulosa do que na sua longa história até então? Caiu o nível moral das populações e seus governos, foi a moral social superada subitamente pela vontade de matar?

Sabemos quem começou a Segunda Guerra. Mas resolve a solução da questão da culpa o problema da grandeza da catástrofe? Não há, parece-me, um equivalente de culpa para tantas barbaridades e tanto sofrimento. Algo superou as medidas morais e emocionais dos acontecimentos, transformou os guerreiros de outros tempos em algo que procura ainda seu nome. A procura e a identificação dos culpados não alcança a dimensão histórica da Segunda Guerra Mundial. O que a Primeira Guerra ensaiou, realizou a Segunda em grande estilo: a aplicação da técnica moderna no campo de batalha na qual transformou-se a terra, o céu e o mar. E ainda, reforçado pela explosão das bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki, em 1945, ficou evidente que um próximo conflito militar entre grandes potências militares teria muitas chances de superar os recordes de destruição durante a Segunda Guerra Mundial. Dessa evidência alimentou-se o empate técnico durante a chamada Guerra Fria entre 1945 e 1989.

O choque da Primeira e, mais ainda, da Segunda Guerra Mundial influenciou profundamente as reflexões sobre a técnica moderna. A crença no progresso histórico e na razão, no campo filosófico já abalado desde Nietzsche, cedeu a uma visão crítica da razão instrumental e dos riscos da sociedade moderna, entre os quais o risco da sua auto-extinção.

Heidegger e a crítica filosófica da técnica moderna

Quem pensa em autores como Jünger[10] e Schmitt[11] e a sua caracterização como modernistas reacionários, deveria perguntar-se porque não incluir Heidegger nessa lista de intelectuais de posição ambígua entre modernidade e antimodernidade? Acontece que Heidegger, julgando-o a partir das suas obras escritas, diferencia-se num ponto decisivo daqueles que, como ele próprio, tinham com o movimento nacional-socialista (pelo menos temporariamente) uma relação benevolente.[12] Heidegger, em vez de tentar fazer uma ponte entre a técnica moderna e a ideologia reacionária, vê na técnica uma expressão do esquecimento do Ser, conseqüência da metafísica ocidental, e especificamente da ciência moderna que se desenvolveu no bojo dela. Heidegger desenvolveu então uma crítica filosófica da técnica moderna e não uma apologia.

Essa crítica refere-se a vários aspectos, em especial a materialização, a homogeneização, a funcionalização, a polarização entre sujeito e objeto, ao cálculo, a imposição e a vontade de dominação, a fabricar e manusear, ao consumo e a substituição (cf. Brüseke, 1997). Heidegger, lançando essa crítica a partir de 1936, entende a sociedade contemporânea como presa no desocultamento técnico do Ser. Este desocultamento técnico, apesar de possibilitar um certo acesso ao Ser admitido por ele mesmo, deixa sempre algo no escuro. O Ser subtrai-se (entzieht sich) no mesmo processo que desoculta-o tecnicamente.

Com essa argumentação apresenta Heidegger algo novo e no contexto das críticas à técnica, bastante original. A crítica à técnica deixa ser, nessa perspectiva, uma crítica à técnica como meio, mal-usado e mal proporcionado, e revela que toda modernidade é, até as suas raízes mais profundas, técnica. Como tal ela corre o risco de perder, no auge do aperfeiçoamento das ciências e dos instrumentos e métodos que descobrem cada vez mais detalhes sobre o funcionamento das coisas, o essencial. O que seria o essencial? Seria um contato revelador com a plenitude do Ser, somente possível quando despedimo-nos da ilusão de poder dominar o que está à nossa mão. Um outro olhar e um outro fazer, que Heidegger denomina como schonen (conservar), seria a conseqüência, o que incluiria também uma relação conservadora (schonend) com a natureza. Lendo Heidegger sob este ângulo, ele aparece como um dos precursores filosóficos do movimento ecológico que, apesar da predominância de uma orientação progressista, integrou desde seus primórdios elementos conservadores.

Heidegger sempre se refere na sua crítica à técnica moderna, nunca à técnica em si. A modernidade da técnica por sua vez parece estar ligada a um evento que significa impreterivelmente o início da sociedade moderna e sobretudo das ciências modernas. Trata-se da formulação do princípio do fundamento nihil est sine ratione por Leibniz em 1671. Uma outra formulação do mesmo princípio é comumente mais conhecida: nullus effectus sine causa, nenhum efeito sem causa.

O português, como língua romana preservando certos significados do latim, guardou o sentido polifônico da ratio. A razão, na afirmação “nada é sem razão”, é entendida como fundamento, então como causa. A razão de alguma coisa é a causa dessa coisa. Fundamento, causa e razão aparecem assim unidos na ratio e são substituíveis, um pelo outro. A ratio latim transporta ainda um outro significado. Heidegger (1992: 166) demonstra, interpretando um texto de Cícero, como a ratio ainda carrega consigo a herança do verbo reor, o que significa supor algo, opinar, contar com, calcular. Rationem reddere significa prestar conta. E a expressão ratio constat quer dizer simplesmente: o cálculo está correto.

Temos agora unidos sob o conceito ratio o fundamento, a razão, a causa e o cálculo. O que dizia o princípio do fundamento? Nihil est sine ratione, nada é sem fundamento. Como chegamos ao fundamento de algo? Perguntando: por quê? Essa pergunta vai sempre, segundo o princípio de Leibniz, conduzir a uma resposta, suficiente para explicar e entender o fenômeno em questão. O por quê nunca se satisfaz, já que depois de cada porquê surge um outro porquê. Todavia, sofreu a seqüência ininterrupta dos porquês um fim súbito. O questionamento e a dúvida metódica pararam frente ao seu próprio fundamento. O que é o fundamento do princípio do fundamento? Essa pergunta, feita por Heidegger, leva-nos para trás do princípio, com o seu gesto afirmativo e auto-explicativo, e confronta-nos com o Ser não-fundamentado (Sein als Ab-grund), convidando-nos para pensar o Ser sem porquê. Para chegar mais perto de um entendimento deste convite, que por enquanto somente provoca constrangimento, seguimos a argumentação do filósofo.

Realmente, é curioso o longo tempo que o princípio do fundamento precisa para a sua formulação. São 2.300 anos de história da filosofia ocidental, repleta de mudanças, idéias e reflexões sofisticadas até que uma frase tão simples, nada é sem fundamento, foi articulada. O princípio do fundamento expressa para o homem moderno, nada de sensacional, ele expressa para muitos até uma banalidade: nada é sem razão. Existe algo mais óbvio? Por que então, não conheceu a filosofia ocidental, que realmente tematizou assuntos mais complexos e desenvolveu teorias menos acessíveis, este princípio? Heidegger responde a altura da sua filosofia tardia: “Pois o caminho até o que está próximo é para nós seres humanos sempre o mais longo e o mais árduo.” (Heidegger, 1992: 16).

O término da longa fase de incubação do princípio do fundamento conclui uma longa fase da subtração do Ser (Entzug des Seins), isso, assim diz Heidegger, devido a uma mudança na determinação destinadora (Geschick)[13] do Ser. Curiosamente começa com o fim da fase de incubação do princípio do fundamento uma nova e mais profunda fase da subtração do Ser; este, revela-se e subtrai-se no mesmo momento. Na medida em que o Ente torna-se, devido as conseqüências da descoberta do princípio do fundamento e a aplicação desta descoberta tanto nas ciências modernas como no processo produtivo, mais acessível e manipulável, esquece o homem o Ser do Ente.

A argumentação de Heidegger é compatível com as críticas contemporâneas à superficialidade da ciência positiva e da sociedade de consumo, que se perdeu nas possibilidades quase infinitas que os conhecimentos técnicos abriram. A busca do essencial, e como Heidegger diria, do próprio (das Eigentliche) é um ponto que o filósofo tem em comum com os críticos contemporâneos da sociedade industrial, como Horkheimer e Adorno, que forçaram os conceitos para fazer transparecer o mundo atrás das fachadas da cultura industrialmente produzida e tecnicamente reproduzível (Benjamin). Sabemos que Adorno polemizou contra o jargão do próprio, (Adorno, 1964/1969) fato que sequer pode anular as semelhanças de perspectivas entre Heidegger e os frankfurtianos, quando se trata da questão da técnica.[14]

Problemas maiores fazem as especulações de Heidegger sobre o mandamento destinador do Ser. Como em outros momentos, Heidegger abandona aqui os caminhos comuns da filosofia ocidental e convida o leitor a mobilizar toda sua força de imaginação. Entender o que Heidegger quer dizer com mandamento destinador ou determinação destinadora do Ser (Geschick des Seins) exige tanto fantasia poética como uma postura interpretativa disposta a abrir mão de procedimentos hermenêuticos usuais. Heidegger disse uma vez que nós chegamos tarde demais para os deuses e cedo demais para o Ser. Um leitor de Heidegger que chegou cedo demais tem então problemas já considerados pelo mestre.

A filosofia trata desde Leibniz o princípio do fundamento como um dos princípios básicos, entre eles o princípio da identidade, o princípio da diferença e o princípio da contradição. Todavia, diferente dos seus pares, o princípio do fundamento parece evocar uma dinâmica que ultrapassa todos os limites, pois, a constatação que nada é sem razão inclui o próprio princípio do fundamento. Isto conduz à pergunta: o que é então o fundamento do fundamento, o que é a razão da razão? O princípio do fundamento, aparentemente expressando algo sólido e inquestionável, leva o pensamento radical a uma região de perigo.

 “Mas, onde chegaremos, se tomarmos ao pé da letra o princípio do fundamento e avançarmos assim na direção do fundamento do fundamento? Não impulsiona o fundamento do fundamento para além de si mesmo, para o fundamento do fundamento do fundamento? Onde está, quando continuamos perguntar desta maneira, ainda um parar e assim uma perspectiva de chegar ao fundamento? Iria o pensamento neste caminho ao fundamento, então cairia inevitavelmente no sem-fundamento. (...). Quem vai por este caminho ao fundamento, cujo pensamento corre perigo, de se afundar.” (Heidegger, 1992: 28).

Heidegger recomenda nessa situação paideia, o sentido agudo e atento para o apto e inapto. Só isso nos protegeria, quando entrássemos no mundo dos princípios, tanto contra uma expectativa exagerada quanto contra uma subestimação destes. Todavia, isto já seja anotado com antecedência, estimula o caráter iterativo do princípio do fundamento, associações que vinculam o regresso infinito da busca da causa, com o progresso explosivo das correntes causais nas ciências modernas, especificamente na física nuclear. A fala de Heidegger do perigo convoca os que sabem ler para a máxima atenção.

O princípio do fundamento e o princípio da causalidade

Leibniz apresenta o princípio do fundamento também desta forma: nihil est sine ratione seu nullus effectus sine causa. Aqui o princípio do fundamento está sendo vinculado e identificado com o princípio da causalidade, que diz: nenhum efeito sem causa. Formulado, desta forma, o princípio do fundamento deixa transparecer o que ele de fato é, o ponto de partida do pensamento científico moderno. Não surpreende mais tanto que o princípio do fundamento foi formulado na véspera do surgimento das ciências modernas. Não seria exagero dizer, que o pensamento científico moderno precisa para deslanchar e para conduzir a revolução técnica, por sua vez indispensável para o desenvolvimento da produção industrial-capitalista, do princípio do fundamento como um dos seus axiomas centrais. O fim do século XVII, mais precisamente o ano 1671 quando Leibniz formula o princípio do fundamento, pode ser considerado o início dos tempos modernos.

Como diz Heidegger:  “... sem esse princípio poderoso e grande não existiria a ciência moderna, sem a tal ciência não existiria a universidade de hoje. Esta fundamenta no princípio do fundamento.” (Heidegger, 1992: 49). E mais adiante: “Onde, como no caso da descoberta e definição do princípio do fundamento suficiente (zureichend) por Leibniz vem a luz um princípio poderoso, começa o pensamento e a imaginação, sob todos os ângulos essenciais, entrar num movimento inovador. É a maneira moderna de pensar, na qual nós mesmos detemo-nos diariamente, sem notar e anotar ainda propriamente a exigência do fundamento a ser apresentado em toda apresentação (...). O pensamento de Leibniz carrega e molda a tendência principal daquilo, que podemos chamar, pensando suficiente amplo, a metafísica da época moderna. O nome de Leibniz não representa nas nossas cogitações um sistema remoto de filosofia. O nome denomina o presente que ainda vai se apresentar a nós. Somente olhando para trás, para aquilo que Leibniz pensa, podemos caracterizar a presente época, chamada a era do átomo, como aquela penetrada pelo poder do principium reddendae rationis sufficientis. A exigência da apresentação da razão suficiente para todo apresentado fala naquilo o que se tornou objeto (Gegenstand) sob o nome átomo e energia atômica.” (Heidegger, 1992: 65).

O princípio do fundamento como principium reddendae rationis vale também para a natureza, para flora e fauna, todavia somente do ponto de vista do homem, do observador. Ela, para si, cresce e floresce sem porquê. Por causa disso escreve Heidegger sobre o princípio do fundamento e sua validade para a rosa, que Angelus Silesius canta na sua epígrafe[15] de 1657, o seguinte:  “Ele vale da rosa, mas não para a rosa; da rosa, na medida em que ela é objeto da nossa imaginação; não para a rosa, enquanto ela posa (steht) em si mesmo, é simplesmente uma rosa.” (Heidegger, 1992: 73).

Algo como a rosa não é sem fundamento, mas, como dizem os versos de Angelus Silesius, sem porquê. O princípio do fundamento inclui a rosa, e ao mesmo tempo, deixa algo essencial escapar. Isso leva necessariamente à questão: o que significa finalmente fundamento ou ratio? Como tem algo uma razão de ser exatamente assim e não diferente, e no mesmo momento pode ser sem essa razão, ser sem por quê? O princípio do fundamento, aparentemente tão claro e simples, não diz nada sobre a essência do fundamento. “O princípio do fundamento não é um enunciado imediato sobre a essência do fundamento” (Heidegger: 1992: 75).

Existem duas maneiras de ler este princípio. A primeira: Nihil est sine ratione. O que significa, expressada de forma positiva: Tudo tem uma razão. Ou: Nihil est sine ratione. O que significa positivamente: Todo Ente (como Ente) tem uma razão. Para Leibniz não existe essa restrição do princípio do fundamento, a sua leitura é essa que atribui uma razão à todas as coisas, fenômenos ou processos. O todo-poderoso princípio conhece só um limite, uma última ratio, que é deus. Heidegger, contrariando aqui a argumentação de Leibniz, limita o alcance da razão ao Ente. O Ser, que fundamenta o Ente, e demonstra assim a sua capacidade fundamentadora ou causadora (begründ-end), fica por sua vez sem razão, sem fundamento. Daí a fala de Heidegger do Ser como Ab-grund, como Abismo.

“Enquanto o Ser como tal e dentro de si é fundamentador, fica ele mesmo sem fundamento. O Ser não pertence a esfera sob domínio do princípio do fundamento, mas somente o Ente.” (Heidegger, 1992: 93).

Todavia fala o princípio do fundamento do Ser. Dizer nihil est sine ratio, sig-nifica também que Ser e ratio (fundamento, Grund) são inseparavelmente entrelaçados. Ser e fundamento “são” o mesmo. Ou melhor, na formulação de Heidegger, que suprime o verbo para deixar claro, que o Ser não baseia-se em algo diferente de si mesmo – Ser e fundamento: o mesmo. Essa fala do princípio do fundamento do Ser é somente percebível quando ouvido na segunda tonalidade, que realce o verbo est, Nihil est sine ratio. O verbo ser nos dá sempre uma alusão ao Ser, porém difícil de ouvir e de decifrar quando vivemos em circunstâncias que obscurecem o próprio (das Eigentliche) e insinuam que o mundo manipulável e o Ser são idênticos.

O salto

Heidegger fala sobre um salto necessário para entender o princípio do fundamento não mais como um princípio do Ente, mas como uma fala do Ser (Sagen vom Sein). Uma vez entendendo o jogo entre subtração (Entzug) do Ser e sua revelação, i.e. seu mostrar-se (Enthüllung, Sichzeigen), aparece o mundo das causas e razões sob uma outra luz. O Ser não se deixa reduzir à algo submetido a correntes infinitas de causa e efeito e àquilo que se mostra nas regularidades observadas do Ente. O Ser revela-se no movimento misterioso de subtração (Entzug) e revelação (Sichzeigen, Enthüllung).

“Na ocasião, que nos levou dizer de forma mais clara, o que a fala da história do Ser como Seinsgeschick quer dizer, foi apontado, que o Ser na maneira em que ele se destina (zuschickt) e clareia, simultaneamente se subtrai. A fala da subtração ficou escura e soava para alguns ouvidos como uma afirmação mística, em nenhum momento na sua substância consolidada. Agora podemos ouvir a palavra da subtração do Ser de forma mais nítida. A palavra diz: o Ser oculta-se como Ser, pois no seu relacionamento, inicialmente destinado, com o fundamento como logox. Mas a subtração não esgota-se neste ocultamento. Pelo contrário o Ser deixa, ocultando a sua essência, transparecer algo outro, a saber o fundamento na forma da ajcai, aitiai, das rationes, das causae, dos princípios, causas e razões racionais. Na subtração deixa o Ser estas formas do fundamento, que ficam todavia desconhecidas em respeito a sua origem. (...) Assim destina-se o Ser de sua maneira ao homem, ocultando a origem da sua essência atrás do véu denso do fundamento racionalmente entendido, como das causas e das suas formas.” (Heidegger, 1992: 148).

A busca da causa dos efeitos sem encontrar, todavia, o seu fundamento, torna-se a característica e, sob certos aspectos, a mania da modernidade. Bacon (1561-1626) e Descartes (1596-1650) prepararam tanto o caminho desta busca[16] e da sua formulação como princípio por Leibniz (1646-1716), como contribuíram as experimentações de Newton e Galileu (1564-1642) para uma interpretação do mundo sob o ângulo de uma relação entre causa e efeito. Até na filosofia iluminista de Kant (1724-1804), sentimos o novo espírito, surgido no século XVII que revolucionou tanto a filosofia européia como contribuiu para o surgimento: a) da ciência moderna, b) da técnica moderna, e c) do capitalismo industrial. O que aparece em Descartes ainda como algo positivo e como perspectiva produtiva da razão, torna-se no século XX alvo da crítica. Nós vamos ver ainda, como Marcuse, por exemplo, destaca o conteúdo político da técnica; isto significa –em tempos de submissão da política ao cálculo econômico e aos interesses dos economicamente mais fortes – que a dominação articula-se também através da técnica.

Antes de discutir a nossa temática deste ponto de vista gostaríamos de explorar ainda melhor a vertente teórica, politicamente conservadora, que assume no campo da reflexão sobre a técnica moderna –por causa da falta de alternativas teóricas consistentes– até meados dos anos 60 um papel importante. Entre os intelectuais que se ocupam com a questão da técnica e são agora, seja por convicção ou seja por força das circunstâncias, “conservadores democráticos” destaca-se o antropólogo Gehlen.

A alma na era da técnica: Arnold Gehlen (1949)

Gehlen (1904-1976), assistente de Freyer[17] em 1933 no Instituto de Sociologia da Universidade de Leipzig, é um dos poucos autores que, segundo Habermas, é da fase pré-guerra (com todas as suas implicações), mas com relevância ainda na fase pós-guerra.[18] Entre as numerosas publicações no campo da antropologia filosófica, um dos seus escritos é, no nosso contexto, de maior importância. Trata-se do trabalho A Alma na Era da Técnica, publicado pela primeira vez em 1949 e revisado e reeditado em 1957.[19]

Gehlen aponta para uma interpretação diferenciada da técnica na Alemanha em comparação com os Estados Unidos e a União Soviética. Na Alemanha as reflexões sobre a técnica iriam se inserir na tradição da kulturkritik desde Nietzsche e Spengler; tratar-se-ia de uma visão negativa que vê na técnica algo ameaçador à cultura e à personalidade individual, evocando um futuro de uma sociedade massificada e, graças a técnica, uniformizada e manipulada (Gehlen, 1949: 147).

A técnica em si não é uma novidade, ela tem a mesma idade do homem. Somente o achado de instrumentos rudimentares junto com fósseis garante com certeza, assim diz Gehlen, a afirmação de que esses fósseis pertencem à espécie humana. Também a ambigüidade da técnica é conhecida desde os tempos mais remotos e não é uma característica exclusiva da técnica moderna. Com a pedra lascada o homem pode tanto trabalhar como matar. A transformação da natureza pelo homem e seu uso para fins desejados através do desenvolvimento da técnica era assim desde o início ligada à luta contra membros da própria espécie (Gehlen, 1949: 148).

Gehlen deriva o surgimento da técnica, apoiando-se em Sombart, Alsberg e Ortega Y Gasset, da deficiência orgânica do homem. O homem é pobre de sentidos agudos e especializados, sem armamento biológico, nu, inseguro no nível dos instintos, é no seu hábito, em estado “embrionário”, e por causa disso, dependente da ação e da adaptação inteligente do ambiente natural às suas deficiências.[20] A técnica teria, então, primeiro a função da substituição de órgãos (armas, fogo etc.), segundo, a função do fortalecimento de órgãos (armas, martelo, microscópio, telefone etc.) e terceiro a função de amparo (roda, carro etc.). O avião, por exemplo, une todas essas funções num aparelho só: substitui as asas, que o homem não tem, supera todas as capacidades orgânicas de voar, e economiza qualquer esforço físico próprio (Gehlen, 1949: 148).

A técnica faz parte da essência do homem, ela libera-o da necessidade da adaptação orgânica, válida para os animais, e capacita-o para a transformação das circunstâncias naturais às suas necessidades. “O mundo da técnica é então, para assim dizer, o homem grande, espirituoso e esperto, preservando a vida e destruindo-a, ela é como ele mesmo e com a mesma relação ambígua com a natureza original. Ela é, como o homem, nature artificielle” (Gehlen, 1949: 149).

A tendência, observável na história cultural, de fortalecer e substituir sucessivamente órgãos humanos através de inovações técnicas leva finalmente a um processo da substituição de qualquer ente orgânico pelo inorgânico.[21] Isto acontece no nível de materiais orgânicos que são substituídos gradativamente pelos inorgânicos, como a madeira pelo bronze, pelo ferro e ou pelo plástico, e também no nível das forças orgânicas ou fontes energéticas orgânicas, que são substituídas pelas forças e fontes de energias inorgânicas, como a força muscular do próprio homem ou seus animais de trabalho, pelo carvão, pelo petróleo e pela energia nuclear. Gehlen escreve: “...começando a partir das fontes de força a humanidade liberou-se da dependência daquilo que renova-se pro anno. Na medida em que a madeira era o material de trabalho mais importante e o desempenho do animal domesticado a maior fonte de força, existiu um limite não-técnico e preestabelecido no tempo lento do crescimento orgânico e da extensão modesta da multiplicação orgânica tanto para o tempo e o crescimento da cultura material e quanto, na última instância, também para o aumento da população. Com a construção de hidrelétricas para a geração de energia elétrica e com a produção de energia nuclear, emancipa-se o homem, num último passo, geralmente de substâncias orgânicas para a obtenção de energia.” (Gehlen, 1949: 150). Em comparação com os críticos da técnica na linha neomarxista mostra Gehlen cedo (1949), como aliás muitos dos autores que são conservadores no plano político, sensibilidade para a questão da renovabilidade ou não, de uma fonte de energia. O que renova-se cada ano são, no linguajar neoecológico, os recursos renováveis.

O que diferencia a técnica moderna da técnica, que acompanha o homem desde as suas primeiras manifestações socioculturais? Gehlen responsabiliza uma mudança estrutural de ramificações culturais inteiras para se aproximar a uma resposta. Quando tornaram-se as ciências naturais, nos séculos XVII e XVIII, analíticas e desenvolveram formas experimentais de pesquisa, na base da observação e sob utilização de medidas, foi dado o primeiro passo na direção da técnica moderna. Duas esferas culturais, que até então tinham pouco em comum, a ciência e a técnica, entraram num contato de fertilização mútua. Todavia isto explica somente a introdução de um terceiro elemento nas transformações profundas que aconteceram, a partir do século XVII, em alguns países da Europa: o surgimento do modo de produção capitalista. Gehlen usa de fato esse termo de Marx, que se junta com a jovem ciência e a técnica inovadora para revolucionar finalmente todas as estruturas socioeconômicas e culturais do Ocidente. “Hoje alcançamos uma situação na qual temos que ver as ciências naturais, a técnica e o sistema industrial como um todo. A pesquisa da natureza mesma está sendo impulsionada por meios técnicos de apoio, cada vez mais novos, a natureza está sendo penetrada tecnicamente, o cientista tem que comunicar-se com o técnico, pois o seu problema participa na determinação dos aparelhos, ainda inexistentes, mas necessários para resolvê-lo. (...) A imaginação, como se fosse a técnica ciência natural aplicada é ultrapassada e fora de moda, pelo contrário pressupõem todas as três instâncias uma a outra – a indústria, a técnica e as ciências naturais.” (Gehlen, 1949: 153).

Gehlen chama atenção para práticas mágicas existentes em todas as culturas humanas, utilizadas para garantir a repetição uniforme de certos fenômenos naturais (chuva etc.; defesa contra eclipse do sol e lua etc.). Essas práticas mágicas querem estabilizar o ritmo do mundo e se opõem às irregularidades e às exceções. Gehlen descobre como causa movens deste fenômeno cultural o interesse humano na estabilidade do meio ambiente, interesse tão forte que o autor lhe atribui traços instintivos. A magia como técnica sobrenatural satisfazia, durante quase todo tempo da existência de populações humanas, a necessidade de apoiar a volta rítmica e circular do igual. É esse movimento circular, um automatismo natural e ainda imaginado como permeado espiritualmente, que fascina o homem. As fórmulas (mágicas) interferem nas necessidades inerentes a esse movimento, que nem é espontâneo nem arbitrário. A forte hipótese de Gehlen é que a técnica moderna absorveu as tradições mágicas e recebeu no seu desenvolvimento impulsos inconscientes do próprio homem. Como o autor diz: “A fascinação pelo automatismo constitui a propulsão pré-racional e metaprática na técnica, que mostrou seu efeito primeiro durante milhares de anos na magia, a técnica do supra-sensitivo, até que ela encontrou somente em tempos mais recentes sua plena realização nos relógios, motores e máquinas rotativas de qualquer espécie” (Gehlen, 1949: 156).

A ligação profunda com processos rítmicos, periódicos e automáticos, que Gehlen afirma como existentes no fundo da alma humana, revelam um componente irracional ou pré-racional no comportamento técnico dos homens modernos. Outros autores como Mumford vão explorar posteriormente a hipótese da ligação entre magia e técnica e apresentar resultados reveladores.[22]

A crítica da razão instrumental: Horkheimer e Adorno

Enquanto Heidegger assumiu por 10 meses a reitoria da universidade de Freiburg e os modernistas reacionários tornaram-se (temporariamente) porta-vozes dos novos tempos, outros intelectuais alemães fizeram as malas e fugiram da intolerância e da crescente repressão do regime nacional-socialista. Entre eles um grupo de jovens cientistas sociais, colaboradores do Institut für Sozialforschung (instituto de pesquisa social) em Frankfurt. Horkheimer, líder do grupo e diretor do instituto, conseguiu garantir, com a ajuda de doações de particulares, até o fim da guerra a sobrevivência física e intelectual de uma corrente de pensamento e de um contexto de trabalho, que foi denominado, posteriormente, Escola de Frankfurt.

Ainda durante a guerra e morando nos Estados Unidos –Horkheimer e Adorno voltaram somente em 1950 para Frankfurt– escreveram os dois A Dialética do Esclarecimento, que foi publicado em 1947 em Amsterdã na Holanda.[23] Este livro, na verdade uma união de fragmentos filosóficos, como diz o subtítulo, reflete duas experiências cruciais, por um lado a barbárie do fascismo e da Segunda Guerra Mundial e por outro a experiência de uma sociedade industrialmente desenvolvida, formalmente democrática e com um nível elevado de consumo de massa: o país que deu asilo político aos alemães, os Estados Unidos da América. As duas experiências foram trabalhadas com os meios que Horkheimer e Adorno tinham a sua disposição, uma sólida formação filosófica e algo que eles tinham em comum com Gehlen e outros, a tradição da Kulturkritik. Todavia, a dialética do esclarecimento insere-se na crítica da cultura da sociedade moderna, sem dividir sua orientação (freqüentemente) antiliberal. O liberalismo de Adorno e Horkheimer, entendido como posicionamento claro em favor das liberdades burguesas, separou os frankfurtianos também do outro extremo do espectro político, os partidos da esquerda comunista com seu marxismo ortodoxo.

Esclarecimento tinha como seu objetivo o desencantamento, a libertação do homem dos mitos e a substituição da imaginação pelo conhecimento dos fatos e das relações verdadeiras entre os homens. Seguindo o raciocínio de Bacon e de outros iluministas, a razão deveria substituir a superstição e erguer seu domínio sobre a natureza. Para Adorno e Horkheimer a técnica é a essência deste saber (Horkheimer, Adorno, 1947/71: 8), que objetiva o método, a operação e a exploração.

Ora, acontece, que no trajeto para a modernidade “...o mito converte-se em esclarecimento, e a natureza em mera objetividade. O preço que os homens pagam pelo aumento de seu poder é a alienação daquilo sobre o que exercem poder. O esclarecimento comporta-se com as coisas como o ditador se comporta com os homens. Este conhece-os na medida em que pode manipulá-los. O homem de ciência conhece as coisas na medida em que pode fazê-las” (Horkheimer & Adorno, 1985: 24). Heidegger expressa no seu entendimento do desocultamento técnico algo semelhante. O desocultamento técnico “acessa” o Ser, apropria-se no nível do saber e do fazer de algumas características do mesmo, consegue até manipular na base do saber técnico algumas manifestações do Ser como Ente, mas confronta-se ao mesmo momento com a subtração do Ser (Entzug des Seins). O Ser revela-se e subtrai-se no mesmo momento. Ou como dizem Horkheimer e Adorno: O homem da ciência conhece as coisas, somente na medida em que ele pode fabricá-las. Fica muito claro a identificação da técnica com a dominação do homem sobre o homem, i.e. a dominação dos mais fortes sobre a sociedade. O fato de que através da técnica realiza-se também a dominação do homem sobre a natureza fica aqui ainda sem conceito. Marcuse retomou mais tarde, no one-dimensional man, este tema radicalizando ainda mais a tese da identidade da técnica com a dominação.

No fragmento “indústria cultural”, da Dialética do esclarecimento, os autores mostram todo potencial da Kulturkritik, pois, a crítica da indústria cultural é muito menos uma crítica da indústria e sua técnica moderna, porém muito mais uma crítica da cultura, resultado da falsa consciência que, por sua vez, é expressão da lógica do sistema social. Os dois autores rejeitam uma explicação meramente técnica da indústria cultural, como a aplicação de procedimentos técnicos de reprodução para garantir o consumo das massas ou a necessidade de centralizar tecnicamente a produção dos bens culturais estandartizadas por causa da dispersão dos consumidores individuais.

Na fase tardia das suas reflexões sobre a sociedade Horkheimer desenha a visão do mundo administrado (verwaltete Welt), no qual a sociedade planetária passou a resolver os seus problemas mais graves, como a fome por exemplo, pagando todavia um preço por este progresso: a perda de liberdade, espontaneidade e individualidade. Querendo o progresso social e realizando-o nós mesmos construiríamos este mundo homogeneizado e tecnicamente perfeito (Horkheimer, 1972: 162-176). Nesta fase da teoria crítica mais recente, como o próprio Horkheimer denomina a última fase da produção dos frankfurtianos, aparecem até a teologia e a religião para transcender a falta de perspectivas históricas. A base do pensamento teológico a ser preservada pela teoria crítica seria a saudade daqueles, capazes para sentir a tristeza verdadeira. A vida, também nos seus momentos mais felizes incluiria a tristeza por causa da culpa original (Erbschuld) –uma alusão ao pecado original?– frente ao fato de que o próprio bem-estar dependesse da infelicidade de tantos outros. A integração da dúvida na religião seria um momento da sua salvação. “As confissões devem continuar existindo, não como dogmas, mas como expressão de uma saudade. Pois todos nós deveríamos estar interligados através da saudade, que aquilo, que acontece neste mundo, a injustiça e o horror, não é o último que resta, que existe algo outro, e isso afirmamo-nos, um ao outro, naquilo que é denominado religião. Nós temos que estar interligados no saber que somos seres finitos”. (Horkheimer, 1972: 167). A consciência da finitude como base de uma ética! Essa argumentação, ora de forma mais sutil, já conhecemos de Heidegger e do seu intérprete Loparic (1994). Admiramos também como a dialética do esclarecimento, perpassado pela mais audaciosa crítica da razão iluminista, chega a conclusões tão longe do seu ponto de partida. Não somente os caminhos do Senhor, também os caminhos da teoria crítica são enigmáticos e misteriosos. Todavia, na tradição dos iluministas, acreditamos que deveria existir razões para essa volta de Horkheimer.

O conteúdo político da razão técnica: Marcuse

O livro de Marcuse, O homem unidimensional (1964), sofreu, apesar da grande recepção positiva e de sua influência incontestável sobre as lideranças estudantis de “maio de 1968”, inúmeras críticas, como, por exemplo, a objeção de defender um determinismo tecnológico.[24] Offe (1969) descobre uma surpreendente e inquietante proximidade com autores como Freyer (1956 e 1960), Schelsky (1961) e Gehlen (1957), representantes de uma geração intelectual com poucas inspirações revolucionárias. Como já sabemos Freyer foi até identificado, por Herf, como modernista reacionário. O próprio Habermas alerta que Marcuse terminou a introdução do seu trabalho sobre a ontologia de Hegel, publicado em 1932, com a frase: “O que este trabalho possivelmente contribui para um desenrolar e um esclarecimento dos problemas, ele deve ao trabalho filosófico de Heidegger.”[25]

Trinta anos depois da publicação dos Antworten auf Herbert Marcuse por Habermas parece possível discutir sobre afinidades de argumentações entre figuras de identificação da “esquerda” como Marcuse e autores, na percepção política da época, da “direita”. Mas, o que foi ontem uma crítica esmagadora, com todos os efeitos de uma denúncia política, aparece hoje sob uma outra luz. O jovem Offe tinha razão apontando para as perspectivas semelhantes nas obras de autores conservadores como Schelsky, Gehlen e Marcuse, quando se tratava da questão da técnica. Pois, o que Offe apresentava para derrubar a argumentação de Marcuse dá-nos hoje pistas de extrema relevância, para reconstruir a história da crítica à técnica. Os intelectuais conservadores por sua vez tinham muito menos problemas com a genealogia das próprias idéias do que os da “esquerda”, porque pensaram e agiram sem medo de contato com o autor de Ser e Tempo, Heidegger, cuja crítica à técnica foi absorvida nos anos 40 e 50 e definiu o tom da crítica “conservadora”. O público universitário progressista dos anos 60 manteve-se longe do reitor nazista. Também os que sobreviveram fisica e intelectualmente da perseguição política durante a ditadura nacional-socialista, fugindo para o exterior, mostraram na sua volta pouca ambição para divulgar as idéias dos modernistas reacionários ou do próprio Heidegger. Entre os que voltaram estavam Horkheimer e Adorno. Uma geração inteira de pensadores tinha se comprometido com o indizível e impensável. Silêncio foi a reação de Heidegger frente à história pessoal, frente à “queda”, já refletida em Ser e Tempo, e silêncio foi a resposta dos intelectuais alemães, que não queriam aceitar a síntese entre uma pessoa politicamente e moralmente defeituosa e uma cabeça filosoficamente brilhante (Richard Rorty, 1997). Habermas anota um fato revelador: “Em comparação com Horkheimer e Adorno –Marcuse ficou muito tempo na sombra deles– chama atenção a sua ligação mais forte com a filosofia catedrática. O distanciamento radical de Horkheimer e Adorno da filosofia contemporânea, nem somente da anglo-saxônia mas também da européia, explica o fato, que os dois mostraram-se de forma completamente resistente contra as tradições filosóficas do século XX, abstraindo da influência do jovem Lukács; cronologicamente são os últimos pontos de interligação Schopenhauer, Nietzsche e possivelmente Bergson. Marcuse, pelo contrário, foi moldado pela Friburgo dos anos 20.” (Habermas, 1968: 12). O Friburgo dos anos vinte –admirável a sutileza de Habermas– é o Friburgo do autor de o Ser e Tempo Martin Heidegger e do seu mestre Edmund Husserl.

O caso de Marcuse é curioso porque abre a chance de reverter a amnésia que o trauma do nacional-socialismo causou à tradição intelectual alemã. A biografia do próprio Marcuse faz a ponte sobre o abismo. Marcuse nasceu em 1898; estuda com Heidegger entre 1928 e 1932; quando ele aproxima-se de Marx sob uma perspectiva fenomenológica (cf. Schmidt, 1968), emigra em 1933 junto com o Institut für Sozialforschung,[26] então com Horkheimer, Adorno e outros, passando por Genebra e Paris, para os Estados Unidos. Os trabalhos de Marcuse a partir daí escritos e publicados em inglês têm na Alemanha um efeito tardio. Habermas data a “volta intelectual” de Marcuse para Alemanha –de fato ele continuou morando e trabalhando nos Estados Unidos– a partir de duas preleções durante um simpósio internacional sobre Freud em Frankfurt no ano 1956. Uma crescente influência é constatável no início dos anos 60, quando ele polemiza, no congresso de sociologia em 1964, contra Weber. Aqui Marcuse diz: “Não somente a sua utilização, a própria técnica já é dominação (sobre a natureza e o homem), dominação metódica, científica, calculada e calculadora. Certos fins e interesses de dominação não são a posteriori e de fora impostos à técnica – eles já estão inseridos na construção do próprio aparelho técnico; a técnica é sempre um produto histórico-societal; nela é projetada o que uma sociedade e os interesses que a dominam pretendem fazer com os homens e com as coisas” (Marcuse, 1964: 127). Já em 1967 Marcuse é o ídolo intelectual da nova esquerda e seus livros conhecidos em várias línguas.[27] Tornou-se lema de uma grande parte dos rebeldes estudantis a sua convocação para a grande recusa. Todavia, o que Marcuse sempre distanciou dos frankfurtianos e de outros neomarxistas foi a leitura de Marx cruzada com a fenomenologia e ontologia fundamental (Husserl, Heidegger) e a psicanálise (Freud).

No contexto da discussão sobre a técnica moderna uma publicação de Herbert Marcuse tem uma importância central; trata-se de O homem uni-dimensional. Aqui Marcuse caracteriza o estado atual (1964) da sociedade industrial como a realização de um projeto, este projeto,[28] apesar da sua aparência imutável, poderia ser diferente, a história está aberta e cabe aos homens definir este ou aquele caminho. É a teoria que lembra de alternativas históricas; é função dela apoiar a transcendência (Marcuse, 1964, 1969: 15) da situação dada. Mas, algo fundamental mudou nesta última fase do desenvolvimento da sociedade industrial: “A nossa sociedade se distingue por conquistar as forças sociais centrífugas mais pela tecnologia do que pelo terror, com dúplice base numa eficiência esmagadora e num padrão de vida crescente” (Marcuse, 1969: 14). Apesar de identificar ainda a burguesia e o proletariado como classes básicas da sociedade, afirma Marcuse que elas deixaram de ser agentes de transformação histórica. Prevalece um interesse geral e comum dos dois protagonistas, na preservação do status quo. Parece possível, nos olhos da maioria da população, uma evolução gradativa conforme o desenvolvimento técnico, que garante tanto o crescimento como a coesão da sociedade. Isto deixa a teoria crítica num dilema: “Na falta de agentes de veículos de transformação social, a crítica é, assim, levada a recuar para um alto nível de abstração. Não há campo algum no qual teoria e prática, pensamento e ação se harmonizem”(Marcuse, 1969: 16). Todavia Marcuse não se rende ao poder dos fatos –uma expressão preferencial dos frankfurtianos– ele evoca a eminência da necessidade de transformação qualitativa, tão urgente quanto em qualquer outra época. Os seguintes momentos justificariam a insistência crítica na mudança do percurso: “A união da produtividade crescente e da destruição crescente; a iminência de aniquilamento; a rendição do pensamento, das esperanças e do temor às decisões dos poderes existentes; a preservação da miséria em face de riqueza sem precedente, constituem a mais imparcial acusação – ainda que não sejam a razão de ser desta sociedade, mas apenas um subproduto, o seu racionalismo arrasador, que impele a eficiência e o crescimento, é, em si, irracional.” (Marcuse, 1969: 17). Mas, apesar deste irracionalismo, possui a sociedade contemporânea (1964) um alto grau de estabilidade. Os cidadãos, transformados em consumidores e telespectadores, cultivam uma consciência falsa, e são incapazes de perceber a calamidade real. A passagem para a consciência verdadeira inclui por causa disso uma mudança de estilo de vida (!), uma substituição do interesse imediato pelo interesse verdadeiro (!), a negação do positivo, com uma palavra: a grande recusa. Muito antes da despedida de André Gorz (1980) do proletariado, constata Marcuse a diluição do tradicional sujeito de transformação, a classe operária. Mas, também, outras categorias sociais e teóricas perderam seu conteúdo ou pelo menos sua conotação crítica: indivíduo, classe, família. Estes conceitos tornaram-se meramente descritivos, ilusórios ou operacionais (Marcuse, 1969: 17).

Marcuse descobre na sociedade industrial uma tendência totalitária. Esta baseia-se no controle social crescente, intermediado e cada vez mais aperfeiçoado pela técnica. E o autor conclui: “Em face das particularidades totalitárias dessa sociedade, a noção tradicional de neutralidade da tecnologia não mais pode ser sustentada. A tecnologia não pode, como tal, ser isolada do uso que lhe é dado; a sociedade tecnológica é um sistema de dominação que já opera no conceito e na elaboração das técnicas” (Marcuse, 1969: 19). Ou com mais clareza ainda: “Os princípios da ciência moderna formam uma estrutura apriorística de tal modo que puderam servir de instrumentos conceptuais para um universo de controle produtor automotor; o operacionalismo teórico passou a corresponder ao operacionalismo prático. O método científico que levou à dominação cada vez mais eficaz da natureza forneceu, assim, tanto os conceitos puros como os instrumentos para a dominação cada vez maior do homem pelo homem por meio da dominação da natureza. A razão teórica, permanecendo pura e neutra, entrou para o serviço da razão prática. A fusão resultou benéfica para ambas. Hoje, a dominação se perpetua e se estende não apenas através da tecnologia, mas como tecnologia, e esta garante a grande legitimação do crescente poder político que absorve todas as esferas da cultura” (Marcuse, 1969: 153-154).

A interpretação dessa sociedade unidimensional como projeto resgata a liberdade do homem. Pois, na medida em que ela é resultado de uma escolha histórica, resultado de interesses dominantes, ela priorizou possibilidades, que poderiam ser diferentes. A tecnologia, expressão mais forte dessa sociedade industrial moderna, é permeada pela política. “No ambiente tecnológico, a cultura, a política e a economia se fundem num sistema onipresente que engolfa ou rejeita todas as alternativas. O potencial de produtividade e crescimento desse sistema estabiliza a sociedade e contém o progresso técnico dentro da estrutura de dominação. A racionalidade tecnológica ter-se-á tornado racionalidade política” (Marcuse, 1969: 19).

Onde, como conseqüência do progresso técnico, a manipulação das necessidades tornou a ausência de liberdade confortável, dilui-se o operariado como sujeito revolucionário, e fica anulada uma oposição eficaz (Marcuse, 1969: 48). Marcuse na busca de possíveis alternativas ao proletariado, descobre as minorias na margem da sociedade, como potencial libertador (Marcuse, 1969: 235). Pois seria demais chamar isso de uma nova estratégia política. Marcuse, como Horkheimer e Adorno, adepto da teoria crítica, se recusa a modelar uma alternativa. Como ele mesmo diz: “A teoria crítica da sociedade não possui conceito algum que possa cobrir a lacuna entre o presente e o seu futuro; não oferecendo promessa alguma e não ostentando êxito algum, permanece negativa” (Marcuse, 1969: 235). Entendemos porque Marcuse, em 1964, não se preocupa com o desenvolvimento de técnicas alternativas: seu entendimento da teoria crítica não permite isso.

Admiramos hoje (1998) o fervor intelectual com o qual Marcuse defende a racionalidade e a consciência verdadeira. Passados pelos debates pós-moder-nos estamos hoje, mais de 30 anos depois, acostumados a ouvir falar de racionalidades diferentes e vemos os sistemas teóricos e as grandes teorias denunciados como metanarrativas. Mas, as luzes enfraquecidas da razão iluminista continuam iluminando o caminho de alguns intelectuais, que insistem na existência da razão comunicativa apesar de tudo e de todos.[29] Um deles é Habermas, ex-assistente de Adorno, e propagador da herança racionalista e esclarecedora da escola de Frankfurt.[30]

Habermas critica Marcuse

Habermas constata que Marcuse toma como ponto de partida o conceito formal de racionalização de Weber e identifica Husserl e Heidegger como fontes decisivas da consciência de que a racionalidade da ciência moderna é uma formação histórica (Habermas, 1968: 49). Habermas detecta no One-dimensional Man uma incoerência do autor. Apesar da forte tese da politização da técnica e da inclusão da dominação na sua estrutura, salva Marcuse o que chama Habermas “a inocência das forças produtivas”. Parece que no fundo da análise de Marcuse paira a idéia de uma possível neutralidade da técnica. E Habermas cita, de forma convincente como achamos, a sua fonte: “O a priori tecnológico é um a priori político na medida em que a transformação da natureza tem como conseqüência a do homem, e em que as criações derivadas do homem brotam de uma totalidade social e a ela retornam. Pode, no entanto, insistir-se em que a maquinaria do universo tecnológico enquanto tal é indiferente perante os fins políticos – pode servir de acelerador ou de freio a uma sociedade. Uma calculadora eletrônica pode servir tanto a um regime capitalista como a um regime socialista; um ciclotron pode ser um bom instrumento, tanto para um partido adepto da guerra como para um partido pacifista (...)” (Marcuse, citado por Habermas, 1968: 54-55). Habermas suspeita que Marcuse nem está convencido da própria tese central e procura, mantendo o desenvolvimento científico-técnico, somente um outro regulativo normativo ou institucional. Parece até que em alguns momentos aparece sob a superfície da argumentação de Marcuse, a velha dicotomia entre forças produtivas e relações de produção, com a definição das relações de produção como entraves das forças produtivas, que são, no entendimento de Marx, algo além da crítica.

Habermas não se contenta com as imprecisões de Marcuse e busca uma outra perspectiva, que resolve os problemas mencionados, na sua crítica a Weber e Marcuse referente ao uso insatisfatório do conceito de racionalidade e racionalização, ele propõe a distinção entre trabalho e interação para fundamentar uma argumentação alternativa. Trabalho seria uma ação racional orientada por um fim ou caracterizada por uma escolha racional. A ação comunicativa, por sua vez, seria uma interação simbolicamente mediada (Habermas, 1968: 57). A ação racional orientada por um fim segue regras técnicas, apóia-se no saber empírico e nas estratégias operacionais, conseqüência de um saber analítico. Muito pelo contrário segue a lógica da ação comunicativa normas sociais obrigatórias, reforçadas por sanções. O seu meio é essencialmente lingüístico. “Enquanto a validade das regras e estratégias técnicas depende da validade de enunciados empiricamente verdadeiros ou analiticamente corretos, a validade das normas sociais só se funda na intersubjetividade do acordo acerca de intenções e só é assegurada pelo reconhecimento geral das obrigações. A infração das regras tem nos dois casos conseqüências diferentes. Um comportamento incompetente que viola regras técnicas ou estratégias de correção garantida está condenado per se ao fracasso, por não conseguir o que pretende; o castigo está, por assim dizer, inscrito no fracasso perante a realidade. Um comportamento desviado, que viola as normas vigentes, provoca sanções que só estão vinculadas à regra de forma externa, isto é, por convenção” (Habermas, 1968: 58). Desenvolvendo habilidades apropria-se o homem do mundo das regras técnicas, a internalização das normas sociais forma as estruturas da personalidade.

Acontece que a racionalidade que permeia a ação racional orientada por fins e que é próprio do “trabalho” invade as outras esferas da sociedade caracterizadas pela pré-dominância da ação comunicativa. O surgimento da sociedade moderna, que Weber vinculou com uma crescente racionalização é, na interpretação de Habermas, nada mais do que a concretização desta colonização da ação comunicativa pela ação racional dirigida a fins. A ciência moderna e a técnica cientificada surgem nesse processo e o aceleram. As ideologias tradicionais de dominação tornam-se, se não supérfluas, cada vez menos importantes e são substituídas pela ciência e pela técnica que se tornam ideologias. Uma perspectiva libertadora abre-se para Habermas somente na ampliação da esfera da ação comunicativa, resgatando o sentido não instrumentalista da racionalização. O autor mesmo diz: “A discussão pública, sem restrições e sem coações sobre a adequação e a desiderabilidade dos princípios e normas orientadoras da ação, à luz das ressonâncias socioculturais do progresso dos subsistemas de ação racional dirigida a fins – uma comunicação deste tipo em todos os níveis dos processos políticos e dos processos novamente politizados de formação da vontade, é o único meio no qual é possível algo assim como a “racionalização” (Habermas, 1968: 88).

Habermas tem em comum com os outros integrantes da chamada escola de Frankfurt o ceticismo referente ao potencial libertador das forças produtivas em todas as circunstâncias (Habermas, 1968: 83), também a transformação da racionalidade do iluminismo no seu oposto, descrito por Horkheimer e Adorno na dialética do iluminismo, e a dominância da razão instrumental sob condições da sociedade industrial avançada, é compartilhada por Habermas, idem o caráter ideológico da ciência moderna e da técnica, destacada por Marcuse no One-dimensional Man. A sua crítica à Marcuse revela-se mais como uma oportunidade de apresentar uma conceituação própria, que deveria tornar-se a partir daí a base das reflexões do herdeiro crítico do pensamento de Horkheimer, Adorno e Marcuse. A teoria da ação comunicativa de 1981 apresenta uma teoria complexa e madura das idéias que Habermas desenvolve na segunda metade dos anos 60 ainda na forma de esboço. A defesa da razão comunicativa do mundo vivido contra a colonização pela razão instrumental tornou-se o grande tema de Habermas e é a viga mestra da sua argumentação, tanto com (e contra) os neoconservadores dos anos 80 e 90, como com (e contra) os pós-modernistas do mesmo período.[31]

Na medida em que os frankfurtianos focalizaram na sua discussão da técnica moderna a sua atenção na razão instrumental aparece a técnica como uma manifestação prática da mesma. Sob este aspecto afastam-se Horkheimer e Adorno da chance de tematizar a técnica moderna como algo com um peso específico e com uma dinâmica própria. A visão da inevitabilidade do mundo administrado e manipulado (verwaltete Welt) incorpora também uma visão da técnica, que aborta alternativas ou adaptações técnicas as exigências da crítica. A crítica social encapsula-se desta maneira no status da negação e perde a sua força transformadora. Essa, uma vez perdida, liberta em Horkheimer o único recurso que resta, a saudade religiosa. Adorno, por sua vez, leva a função crítica da teoria a considerar as suas últimas publicações ao ápice. A dialética negativa condena qualquer formulação de uma alternativa à lógica da decomposição como afirmação e transforma a crítica na última trincheira de uma filosofia, que perdeu a esperança e a euforia progressista, tão característica para o jovem Marx e todos os que seguiram os pressupostos da sua teoria social, inclusive os frankfurtianos na fase pré-guerra. Quem mais se aproximou de uma teorização da técnica, Marcuse, não conseguiu distanciar-se de forma convincente, da herança marxiana referente à tese da inocência das forças produtivas. A grande recusa dos dominados aparece como uma chance real de eliminar a dominação contida na própria técnica. O gesto patético, que lembra da valorização da decisão e da ação decisiva em Heidegger (até 1935) e Sartre (dos anos 40), esconde malmente a falta de perspectivas reais, também deste frankfurtiano.

Com Habermas estão sendo reativados e mobilizados os recursos da razão esclarecedora, ora entendida na sua temporalidade e não independente da interação daqueles que participam na situação comunicativa. Embora Habermas conduza a teoria crítica na direção de uma saída, fica descoberta a análise do andamento real da sociedade contemporânea. Esta distância entre a filosofia social habermasiana e uma teoria social da sociedade moderna na fase da sua globalização contraditória, deixa também os que pensam a técnica moderna, sem maiores orientações. Não surpreende que o surto do pensamento ecologista nos anos 70, com sua forte discussão e crítica do industrialismo, da energia nuclear, do uso de substâncias tóxicas na agricultura, da medicina aparelhada, e, em geral, de novas técnicas que levariam, se ninguém tomasse uma providência, a destruição previsível do habitat humano, agora entendido como ecossistema, ficou descoberto por uma teoria de longo alcance. A ruptura entre os movimentos sociais clássicos, liderados pelo movimento social dos operários desde a segunda metade do século XIX, e os novos movimentos sociais que começaram a se articular no fim dos anos 60 e no decorrer dos anos 70, introduz algo novo na dinâmica interna da sociedade contemporânea. Ela expressa também a perda de conexão entre a praxis transformadora e sua teorização crítica, até então sob forte influência de um entendimento da dinâmica social e o desenvolvimento técnico elaborado por Marx e gerações subseqüentes de intelectuais.

Rumo a uma sociologia da técnica?

Desde o início dos anos 80 já podemos constatar a tentativa de fundamentar uma nova disciplina: a sociologia da técnica. Esta subdisciplina sociológica, ainda em fase de construção e consolidação, concentra-se essencialmente na gênese da técnica, i.e., no contexto social das inovações técnicas, e tematiza as conseqüências sociais da sua introdução. A gênese da técnica e a reflexão sobre os impactos sociais da introdução de técnicas novas são os dois pilares da sociologia da técnica. Num certo sentido ela complementa as ciências tecnológicas tradicionais (engenharia), revelando, assim, como normas, hábitos, aspectos culturais, interesses socioeconômicos etc. influenciam o desenvolvimento técnico, ampliando desta maneira a visão meramente material, energética, funcional ou informacional da engenharia.

A sociologia, querendo mostrar sua cientificidade alegando, como todas as outras disciplinas científicas, a existência de um objeto específico e somente inteligível através da aplicação dos recursos específicos oferecidos por ela, tratava até o fim dos anos 60, a técnica basicamente nas suas subdisciplinas sociologia industrial e sociologia do trabalho. Num certo sentido terminava para essas sociologias especializadas a relevância da questão da técnica com a saída do trabalhador (e do pesquisador) pela porta da fábrica. O mainstream da sociologia apoiava seu empreendimento científico na interpretação das formas de interação entre atores e tentava decifrar o sentido da comunicação social em detrimento do mundo das coisas, dos objetos naturais e das máquinas. Esse mundo das coisas, enquanto objeto científico cedido para as ciências exatas, como a física, a arquitetura e a engenharia, apareceu como uma externalidade, aparentemente sem uma maior relevância para a comunicação e interação social ou ganhou, sem deixar de ser algo externo do social propriamente dito, o caráter de uma ameaça (na vertente crítica) ou de um motor da transformação social na direção de um estado social superior (na vertente modernista e marxista). Joerges (1979: 128) apontava na direção do perigo da institucionalização de uma ciência da natureza e da técnica sem o homem e uma sociologia sem coisas. “Coisas” (Sachen) quer dizer aqui algo como “arte-fatos técnicos” e “fatos naturais” – os quais, durante muito tempo, não eram percebidos como pertencentes ao mundo vivido. A discussão mais recente sobre a técnica, com uma forte inclinação transdisciplinar, radicalizou ainda mais o tom: as coisas técnicas mesmas seriam fruto do social ou pelo menos inseparavelmente ligadas com a existência social do homem. Este argumento já conhecemos da crítica filosófica da técnica e das reflexões antropológicas mais antigas como de Gehlen.

Ainda está em discussão uma definição mais precisa da sociologia da técnica. Esta deveria depender do conceito de técnica adotado. São basicamente duas concepções possíveis, uma, mais estreita entende como técnica o arsenal dos artefatos criados pelo homem com o fim de alcançar, usando estes artefatos como instrumentos (aparelhos, máquinas), certos objetivos. Uma definição mais ampla vê na técnica um conjunto de estratégias operacionais mobilizadas para realizar um fim desejado. Isto inclui tanto o pensamento e o imaginário como ações sociais voltadas para o efeito definido. Podemos falar também, neste caso, de uma técnica de ação (Rammert, 1992: 19-50; e Rammert, 1993).

Os dois conceitos dificilmente servem para separar, de forma precisa, a sociologia da técnica de outras disciplinas vizinhas. O conceito estreito elimina momentos imateriais da técnica moderna, como símbolos, programas, fluxos informacionais etc. momentos que ganham, quando pensamos nas novas tecnologias, cada vez mais importância. Escolhido o segundo conceito como base da sociologia da técnica, a jovem disciplina se confundiria com segmentos da sociologia geral, que já tratam fenômenos sociais sob influência da técnica – no seu sentido amplo. Pensamos na sociologia das organizações, na sociologia industrial, na sociologia da burocracia ou certas vertentes da pesquisa sobre a ação racional. Uma saída para este impasse tentam autores que se orientam pela cibernética (Cf. Hirschborn, 1984; e Simon, 1981), propondo um conceito informacional e sistêmico da técnica. Seja como for, a sociologia da técnica está longe de apresentar-se como ciência normal. Quem refere-se a sociologia da técnica, refere-se a uma discussão sobre a sociologia e a técnica, com todas as suas chances e incertezas. Nesta encontramos argumentações oriundas tanto da sociologia geral clássica e da sociologia industrial como da antropologia, da história da técnica, da filosofia social, da economia de inovação.

Para facilitar o entendimento da sua história bastante intransparente Rammert (1992) propõe a identificação de três linhas histórico-teóricas da discussão sobre a técnica no âmbito da sociologia; todas as três partem dos “clássicos” da sociologia: Marx, Durkheim e Weber. Ao nome de Marx está ligada a reflexão sobre o papel da técnica no processo do desenvolvimento histórico da sociedade. Autores como Rosenberg (1976), Leroi-Gourhan (1980), Moscovici (1982), Ribeiro (1968), Richta (1968), Bell (1973, 1985), Popitz (1957), Lutz (1987), Habakkuk (1962), Elster (1983 e 1984) e outros inserem-se, de forma mais diversificada e sem partir necessariamente de uma posição “marxista”, na longa tradição desta discussão. Uma das contribuições mais frutíferas de Marx é, sem dúvida, sua análise e seu conceito de maquinaria, desenvolvida no Capital.[32] Para Marx, a maquinaria é tanto a combinação do trabalho humano especializado, aproximando-se desta maneira a Mumford, quanto um aparelhamento complexo introduzido para aumentar a produtividade de trabalho. No Capital Marx dedica um capítulo inteiro à analise deste segundo aspecto da maquinaria e apresenta uma definição substancial: “Toda maquinaria desenvolvida consiste de três partes essencialmente distintas: A máquina de movimento, o mecanismo de transmissão e finalmente da máquina-ferramenta ou máquina de trabalho.” (Marx, 1972: 393). Marx, que partiu de uma noção do processo capitalista de produção como sendo ao mesmo tempo um processo de trabalho e um processo de valorização de capital, abandona no decorrer da sua análise o lado técnico-físico da produção para demonstrar o valor heurístico da sua teoria de valor. Apesar da importância disto para a explicação de fenômenos econômicos ligados à valorização, esta auto-restrição afastou Marx da questão da técnica e dificultou bastante o desenvolvimento de uma teoria ecológica na tradição da teoria econômica marxiana. Um outro elemento no pensamento de Marx, que influenciou gerações de intelectuais na sua relação com a técnica, é a sua distinção entre as forças produtivas (que incluem a técnica como maquinaria) e as relações de produção com a sua dinâmica, ora conflituosa, ora de mútua aceleração. Esta argumentação já data dos escritos de juventude de Marx e fundamentou a sua filosofia da história onde o desenvolvimento das forças produtivas contribui de forma decisiva para a desestruturação e reestruturação permanente da base econômica; muitos autores partiram dessas análises para construir um determinismo tecnológico que identificou o desdobramento das forças produtivas como causa movens da sociedade humana. Pouco explorada ficou uma outra descoberta: Marx escreve no Capital que ”...o capital não é uma coisa mas uma relação social entre pessoas intermediada por coisas.” (Marx, 1972: 793). Uma sociologia da técnica poderia tentar mostrar melhor, o que Marx não fez, como as relações sociais cristalizam-se nas “coisas” e como as “coisas” intermediam as relações sociais.

Quem destacou o poder das “coisas” sobre o indivíduo foi Durkheim. Ele começa, não menos importante para uma teoria sociológica da técnica, a discussão sobre os chamados fatos sociais, conceito que denomina estrito senso uma determinada maneira de agir socialmente e capaz de exercer sobre o indivíduo uma força externa (Durkheim, 1984: 114). No sentido amplo podemos incluir neste conceito tanto os atos simbólicos, que são na sua essência imaterial, como os artefatos técnicos nos quais cristaliza-se, de certa forma, a vida coletiva. A força que estes artefatos técnicos exercem sobre o indivíduo é, nessa linha de interpretação, basicamente moral, apesar da impressão imediata de que se trata de uma coerção meramente física. Uma auto-estrada seria nesta perspectiva não exclusivamente uma faixa de asfalto que liga dois pontos num determinado território, mas a cristalização de um conjunto de regras sociais, que forçam o homem como motorista, por exemplo, a mostrar este ou aquele comportamento. Desta maneira transforma-se uma faixa de asfalto numa auto-estrada e num fato social capaz de exercer uma coerção externa sobre o ator. Vários autores trabalharam sob inspiração deste entendimento ampliado dos fatos sociais sobre a técnica, seja para analisar o milieu urbano e as regiões industrializadas, como Halbwachs (1986) e Friedmann (1959), ou seja, para fazer transparecer a função institucional dos artefatos profanos, como em Linde (1972) e na sociologia da técnica de Joerges (1979 e 1989).

A vertente na sociologia da técnica que focaliza a questão da racionalidade e da racionalização não pode negar o trabalho pioneiro de Weber neste campo. Para ele surge uma questão técnica quando o ator social confronta-se com o problema da escolha racional dos meios para alcançar um certo fim. Técnica significa aqui ação; Weber identifica, desta forma, diversas “técnicas”. Por exemplo, a técnica de orar, a técnica da ascese, a técnica administrativa, a técnica musical ou a técnica militar, entendida aqui como estratégia de ação militar. Assim diz Weber: “A ‘técnica’ de uma ação significa para nós a suma dos meios nela empregados, em oposição ao sentido ou fim pelo qual, em última instância, se orienta (in concreto); a técnica “racional” significa a aplicação de meios que, consciente e planejadamente, está orientada pela experiência e pela reflexão, e, em seu máximo de racionalidade, pelo pensamento científico. (...) Na medida em que se trata de técnica pura, na acepção que damos à palavra, interessam a esta unicamente os meios mais apropriados para chegar a determinado resultado, que aceita como finalidade dada e indiscutível.” (Weber, 1991: 38-39) Partindo deste entendimento da técnica, dividiu Sombart já em 1928, nos seus estudos sobre o capitalismo moderno, (Sombart, 1928) a técnica em fases subseqüentes que expressaram cada vez um outro nível de racionalidade. Com uma intenção crítica, igualmente explorando a idéia da racionalidade técnica em Weber, Ellul (1964) apresentou a técnica como expressão universal do mundo mecanizado. Essa contribuição influencia e antecipa o debate sobre a técnica e sobre a dominação exercida através da técnica dos anos 60. Nesses anos refletem e publicam sobre a técnica autores tão controvertidos, como Schelsky (1961), Gehlen, Freyer, Marcuse, Mumford e, apontando já para além de um debate que tematizou nos anos 60 a questão da técnica sob o enfoque da tecnocracia, Habermas.

A sociologia weberiana fez uma opção metodológica quando escolheu uma perspectiva relacional para compreender a sociedade. Logo a primeira frase da Economia e Sociedade define o que é sociologia: “Sociologia (...) significa: uma ciência que pretende compreender interpretativamente a ação social e assim explicá-la causalmente em seu curso e em seus efeitos. Por ação entende-se, neste caso, um comportamento humano (...) sempre que e na medida em que o agente ou os agentes o relacionem com um sentido subjetivo. Ação social, por sua vez, significa uma ação que, quanto a seu sentido visado pelo agente ou os agentes, se refere ao comportamento de outros, orientando-se por este em seu curso.” (Weber, 1991: 3). Weber faz então uma opção para uma sociologia relacional (Soziologie der Beziehungen), que –focalizando o relacionamento de alter e ego durante a ação guiada pelo sentido visado– exclui uma perspectiva mais circunstancial (Soziologie der Verhältnisse) como a de Durkheim ou, de forma nitidamente diferente do que deste, de Marx. Uma reflexão sobre a técnica encontra com mais facilidade uma interface com a sociologia circunstancial do que com a relacional, porque esta não exclui de antemão as “coisas”, entre as quais os artefatos humanos, da perspectiva sociológica. Todavia aconteceu com a sociologia weberiana algo curioso –e isto durante a vida do autor e dentro da sua própria obra– o programa cognitivo de Weber começa destacando a ação social (o que inclui a escolha racional entre meios para alcançar certos fins julgados como valiosos pelo ator) e termina demonstrando que este comportamento desemboca na construção de uma gigantesca prisão de uma racionalidade cristalizada, limitando assim as escolhas do ator social. Ora, acontece que essa cristalização da racionalidade de fins não se expressa meramente de forma apenas relacional, mas, também, e de forma crescente, em estruturas reificadas e artefatos técnicos. A burocracia, a empresa, o exército –elementos-chave da sociedade moderna segundo Weber– seriam impensáveis e inexistentes sem o seu referido aparelho, sem a técnica militar, a técnica produtiva, e a técnica administrativa. Essas técnicas não se deixam reduzir ao seu “conteúdo” relacional, elas significam, por sua vez, o surgimento de um (novo) ambiente, de novas circunstâncias, que recaem sobre a ação social sem que haja um ator imediato.

Já Freyer (1966: 61) viu que os instrumentos técnicos tinham absorvidos a estrutura da ação relacionada a fins. Assim, uma ação encontra num instrumento técnico uma parte de si mesmo, ora de forma pré-moldada e automatizada. Em Schelsky, como em Freyer e outros, a técnica e seu desenvolvimento pode aparecer desta maneira como Sachzwang, i. e. como uma pressão da lógica das coisas sobre a sociedade. Também Joerges (1988) vê na técnica a objetivação, no sentido de coisificação, e a transformação da ação racional em procedimentos formais, rígidos e, com uma palavra, técnicos. A conseqüência dessa mecanização/tecnificação da ação relacionada a fins é a exigência de uma seqüência de ações igualmente formalizadas e capazes de garantir o fluxo da ação sociotécnica. Para Linde significa essa integração da técnica em processos sociais um aumento da estabilidade de formas individuais do comportamento, por causa da padronização de procedimentos sociais o que facilitaria sua repetição sem interferências de atos individuais arbitrários (Linde, 1972). Na perspectiva dessa vertente da sociologia da técnica é o processo histórico um processo da modernização técnica que, objetivando a ação instrumental na técnica, submeteria finalmente toda sociedade a uma estruturação técnica. Aliás, uma grande parte da própria estrutura social está sendo transferida para estruturas máquinas/técnicas; assim a estrutura social passa a ser, como Joerges diz, externalizada.

Beck levanta contra essa argumentação a objeção que os autores citados interpretariam a relação entre a técnica e o mundo dos atores sociais da perspectiva da máquina. Isto anularia tendencialmente a diferença, sociologicamente central, entre o “comportamento” formal de uma máquina e o “comporta-mento” do usuário da mesma, desta maneira, perder-se-ia a distinção entre procedimentos mecanicamente-estáveis e socialmente-instáveis (Beck, 1997: 209).

A contingência da técnica

Perceber algo como contingente significa vê-lo sob uma perspectiva diferente. Um novo olhar pode revelar a fragilidade das formas, das funções e do sentido. Algo é como é, mas, também podia ser diferente. O que sempre apresentava-se assim e não diferente, recupera agora as suas possibilidades excluídas que apontam para o ainda-não. A contingência também pode assustar porque ela significa também a experiência temporária da aleatoriedade e da ausência de sentido. Essa ambigüidade da experiência da contingência documentam, por um lado, as filosofias existenciais e, por outro, as grandes energias utópicas libertadas pelo reconhecimento do status quo social como algo que é necessariamente como é, mas, também podia ser diferente. A inclusão da técnica na percepção da contingência assusta, porque revela-a como produto de escolhas ocasionais, impulsionadas por hábitos culturais, interesses econômicos ou irracionalidades de qualquer espécie. A interpretação da técnica como algo necessário quer se livrar desta angústia assegurando a inevitabilidade do seu desenvolvimento. Assim as leis da história garantem o sentido social da técnica e do seu desdobramento, também se este fosse negativo. Os progressistas modernistas encontram aqui chão firme, como igualmente os catastrofistas e críticos negativos que prognosticam a inevitabilidade e necessidade da autodestruição da sociedade moderna através da técnica desenvolvida no seu bojo.

Por outro lado revela a percepção da técnica na sua contingência à existência de alternativas não realizadas. Entre o progresso necessário e a autodestruição necessária abre-se o campo da reflexão e da comunicação social e finalmente a chance de um agir diferente. Começa também a busca de um desenvolvimento técnico compatível com novos valores, premeditados interculturalmente e inseridos na ação comunicativa global.

As reflexões sociológicas sobre a técnica inserem-se desta maneira nos debates sobre uma reorientação paradigmática das ciências que participam, às vezes contrariando a vontade dos próprios cientistas, nas grandes rupturas ocorridas no tempo confrontando-se com fatos novos e perspectivas surpreendentes. Marx, Durkheim e Weber participaram, cada um de sua maneira, na fase ascendente da sociedade industrial. O primeiro, que começou os seus estudos nos anos 40 do século XIX, ainda viu a modernização industrial como destruidora dos restos de estruturas pré-modernas; isto vale tanto para o caso específico da Alemanha com a sua industrialização retardada (em comparação com Inglaterra e França) como para a longa fase da integração dos continentes extra-europeus no comércio e na produção industrial-capitalista. Não surpreende então que Marx destaque o papel revolucionário do novo modo de produção –inclusive sua técnica– e integre o surgimento do capitalismo numa concepção teleológica da história. Também Durkheim e Weber não têm dúvidas referente a vitória da sociedade moderna industrial sobre outras formações socioeconômicas. Queria Marx ainda aproveitar a dinâmica capitalista com sua força de negação referente aos outros modos de produção para –num ato histórico de negação da negação– chegar a uma sociedade onde o produtor imediato desapropria os desapropriadores e reapropria os meios de produção, desdobrando ainda mais a sua força produtiva, não encontramos em Weber e Durkheim uma perspectiva que vai além da própria sociedade industrial-moderna. Durkheim, acomodando a sua sociologia nos novos compartimentos da sociedade contemporânea, já preocupa-se com as disfunções que surgem durante mudanças rápidas (tanto no boom quanto na baisse) e aponta a anomia, o estado social sem regras, como uma ameaça latente à solidariedade social e ao funcionamento regular das instituições sociais. Weber, ora pessimista referente quanto ao rumo da racionalização crescente, ora admirador clandestino da racionalidade da sociedade capitalista e de suas ciências modernas, igualmente não vê nenhum além do horizonte da sociedade moderna e industrial. A sua fala repentina do eisernes Gehäuse der Hörigkeit (comumente traduzido como gaiola de ferro), como resultado histórico da racionalização ininterrupta deixando cada vez menos espaço para escolhas individuais, mostra também Max Weber como sociólogo de uma sociedade industrial incapaz de imaginar a sua própria finitude. Num certo sentido, todos os clássicos da sociologia são teóricos de uma sociedade dominada pela indústria pesada, com o complexo de aço e carvão no seu centro.[33]

Por que essas cogitações? Na medida em que a sociedade adquire elementos pós-industriais e na medida em que outros complexos técnico-econômicos assumem o papel de setor motriz na sociedade, tais tendências afetam  nitidamente a força analítica da sociologia clássica. Apesar da existência de uma discussão na sociologia e economia –desde pelo menos a obra de Bell sobre a sociedade pós-industrial de 1973– sabemos ainda pouco sobre a dinâmica e as conseqüências das mudanças estruturais que ocorrem, ora já de forma globalizada, entre os setores um, dois e três da economia – entre a produção agrícola, o setor industrial e o setor de serviços. Sabemos sim, que a indústria pesada perde cada vez mais espaço e o setor de serviços torna-se cada vez mais dinâmico e importante. Sabemos também que estas mudanças expressam-se também nas técnicas adotadas que incorporam de forma crescente elementos eletrônicos e mostram uma flexibilidade e variedade que escapa de uma definição ainda encostada na “maquinaria” do século XIX.

Evitando os riscos?

O debate sobre a técnica tomou, nos anos 90, rumos diferentes da discussão dos anos 60 e do início dos anos 70, com a sua ênfase posta no aspecto tecnocrático da técnica. A imaginação de um mundo dominado pela grande máquina (Mumford, 1966), de um Estado nuclear (Jung), técnica e politicamente totalitária dominava a discussão na fase anterior. Hoje, pelo contrário, concentra-se uma boa parte das publicações e eventos científicos na questão das instabilidades e riscos provocados pela introdução de novas técnicas em uma sociedade e um ambiente natural não preparados para elas. Além do mais buscam cientistas, políticos, organizações não-governamentais e até, de forma crescente, empresas especializadas ou grandes aglomerações preocupadas com seu visual no mercado, alternativas técnicas que possam se adaptar melhor tanto as condições ambientais (Umweltverträglichkeit) quanto tentam diminuir o desgaste evitável do fator humano durante a produção e na fase do consumo final dos produtos (Sozialverträglichkeit).

Conseqüência direta do impulso de modernização da segunda metade dos anos 60 e do início dos anos 70, com sua consciência ecológica incipiente e uma nova postura de um número crescente de consumidores, é a fundação do Office of Technology Assessment (OTA) em 1972. Esta instituição, subordinada ao Congresso dos Estados Unidos, tem como seu objetivo o apoio científico dos representantes políticos, que se vêem cada vez mais confrontados com o surgimento de novas técnicas/tecnologias e uma série de conseqüências da sua introdução para o meio ambiente, a saúde da população e, em geral, o desenvolvimento futuro da sociedade. O OTA é a primeira tentativa institucionalizada de calcular as conseqüências das inovações técnicas ou, com outras palavras de avaliar os impactos das tecnologias sobre o ambiente e a sociedade. Technology Assessment, que na Alemanha foi traduzida como Technikfolgenabschätzung, podemos traduzir para o português como Avaliação dos Impactos e/ou Conseqüências das Tecnologias. 

A insegurança na tradução destes termos já sinaliza que a Avaliação das Conseqüências de Tecnologias é algo completamente novo e por isso ainda aberto para definições do seu conteúdo; também a fraca institucionalização da Avaliação dos Impactos das Tecnologias demonstra um alto grau de incertezas com a avaliação das técnicas/tecnologias sempre mantidas como o pilar inquestionável das sociedades industrializadas. Somente em 1986, o Parlamento Europeu fundou o Scientific and Tecnological Options Assessment Project (STOA) e no nível dos Estados nacionais europeus observam-se esforços para criar mecanismos institucionais de avaliação das conseqüências de inovações técnicas. A Alemanha, freqüentemente apresentada entre os países mais conscientes no campo ecológico, implantou somente em 1990 o Büro für Technikfolgenabschätzung des Deutschen Bundestages (Escritório para a Avaliação das Conseqüências de Técnicas do Parlamento Alemão).

Em geral são atribuídos à Avaliação dos Impactos das Tecnologias (technology assessment) os seguintes objetivos (cf. Baron, 1995: 40): a análise sistemática das condições e conseqüências da introdução de técnicas; o alerta em caso de possíveis conflitos (sociais e ecológicos); a elaboração de opções alternativas; e aumento da transparência de processos decisórios, também através da ampliação da participação das populações atingidas. Paschen, Gresser e Conrad lançaram, já em 1978, a seguinte definição: “Como Avaliação das Conseqüências de Tecnologias (technology assessment) denominamos a avaliação e a pesquisa sistemática sobre as conseqüências da primeira aplicação de tecnologias novas ou em fase de desenvolvimento respectivamente sobre a aplicação ampliada ou modificada de tecnologias conhecidas (inclusive tecnologias sociais), dando ênfase nos efeitos secundários e terceiros não-intencionados, que acontecem freqüentemente de forma bastante retardada.” (Paschen, Gresser, Conrad 1978: 19).

Podemos identificar pelo menos três vertentes de pesquisa sobre as conseqüências de técnicas (Spinner, 1989). Primeiro, pesquisas sobre os impactos das tecnologias no âmbito da engenharia, usando métodos técnicos provenientes das ciências exatas (estudos sobre riscos, análises de valores-limite). Segundo, pesquisas sobre os impactos das tecnologias provenientes da filosofia e das ciências humanas com orientação antropológica e freqüentemente partindo de uma posição ética e, terceiro, pesquisas sobre as conseqüências de tecnologias no campo das ciências sociais, trabalhando com métodos empíricos sobre a aceitação e a adaptação social de uma determinada inovação técnica.

Constatamos que nos últimos anos crescem, diante da demanda política e social, as tentativas de ampliar as pesquisas que se voltam à gênese da técnica e/ou às suas conseqüências. Essa “ampliação”, que na verdade baseia-se nas experiências e resultados obtidos até então, visa influenciar o desenvolvimento da técnica para evitar tanto danos ecológicos, como certas conseqüências socioeconômicas mantidas como negativas. O horizonte temporal desta discussão estende-se ao futuro, não mais exclusivamente para denunciar com prognósticos assustadores a técnica hoje em uso, mas para propor técnicas alternativas, integradas freqüentemente numa outra prática social.

Também observamos que caminhos alternativos do desenvolvimento técnico estão sendo considerados e ganham freqüentemente a forma de propostas concretas. O que ilumina de forma exemplar esta perspectiva são os dois livros de Meadows sobre os recursos não-renováveis e seu uso pelo homem. Em 1972 publicaram estes autores um relatório para o Clube de Roma em que alertam para os limites do crescimento (Meadows, 1978); em 1992, então 20 anos depois, publicam os mesmos autores, integrando as experiências e discussões das décadas 70 e 80 nas suas reflexões, o livro beyond limits – além dos limites (Meadows, 1992). Aqui encontramos vários cenários de um futuro desenvolvimento; tanto o colapso do ecossistema planetário aparece como um dos resultados possíveis, elaborados em sofisticados programas de computador, como um novo equilíbrio, depois da mudança de alguns dos parâmetros atuais, entre eles o da técnica. Essa deveria reduzir o throughput,[34] aumentar a sua própria eficiência, ampliar as fontes de matéria-prima, fazer os sinais do meio ambiente mais compreensíveis e contribuir para o combate à pobreza.[35]

Tecnologia social versus crítica da técnica

Passamos pelas reflexões filosóficas de Heidegger sobre a técnica e tomamos conhecimento dos prognósticos do antropólogo (filosófico) Gehlen, que vê na técnica moderna algo ameaçador à cultura, que pode levar a sociedade à massificação, uniformização e manipulação, uma perspectiva que ele, apesar das diferenças políticas, divide com seus contemporâneos Horkheimer e Adorno. Relatamos como os grandes desastres técnicos, liderados pelas duas guerras mundiais, geraram ou pelo menos influenciaram uma onda de crítica e um grande ceticismo referente ao futuro da sociedade moderna e sua técnica. Tomamos contato com a argumentação de Marcuse, referente ao caráter político senão dominador da técnica e ouvimos como Habermas detecta nas análises neomarxistas e, até nesta argumentação de Marcuse, a crença na inocência das forças produtivas. Ficamos sabendo também do surgimento de um novo discurso no fim dos anos 70, ainda sob forte influência marxiana, que tenta unir a crítica das relações de produção à crítica dessas forças produtivas. Ulrich é provavelmente o autor que melhor representa essa tentativa da ampliação do neomarxismo acadêmico pós-guerra pela perspectiva ecológica e sua crítica às megatécnicas centralizadoras e destrutivas. Ainda na conhecida obra de Beck (1986) sobre a sociedade de risco, sentimos o horror frente ao perigo no qual as técnicas mais avançadas se transformaram. As usinas nucleares –Beck publica o seu livro sob o impacto do acidente em Chernobil– são o símbolo mais nítido da ambigüidade das forças produtivas: elas são produtivas e destrutivas ao mesmo tempo.[36]

Essa vertente de pensar a técnica cria uma unidade discursiva que é, em termos políticos, mais do que estranha. Tentamos mostrar como autores tão diferentes como Heidegger e Marcuse ou Horkheimer e Gehlen, além de muitos outros supracitados, encontram, quando se trata da questão da técnica uma preocupação em comum. Todos esses autores, de Heidegger (a partir de 1936) até Beck (em 1986), escolhem, nas suas cogitações sobre a técnica moderna um tom alarmista e falam sobre o perigo máximo, como Heidegger, ou sobre os riscos, como Beck, que o surgimento dessa técnica traria para a sociedade humana e seu ambiente natural. Heidegger, contudo, é o crítico mais radical da técnica moderna, porque conecta sua existência com a história do Ocidente e a tradição do pensamento metafísico. A crítica da técnica torna-se desta maneira crítica da metafísica. O que isso significa in concreto mostra a disputa de Heidegger com Leibniz e a reflexão sobre o princípio do fundamento, por ele formulado. Para Heidegger começa a problemática da técnica moderna já em 1671, e não só com a explosão da primeira bomba nuclear, que revela, todavia, toda dramaticidade do desocultamento técnico.

Diante destes autores parece a jovem sociologia da técnica, contrariando as expectativas e a fama referente a sua periculosidade teórica, algo sem fôlego teórico. E realmente contrariam as tentativas de fundar uma nova disciplina, melhor dito: uma subdisciplina da disciplina sociologia, as tendências mais recentes de superar as restrições disciplinares em favor de uma ciência mais adequada a objetos complexos e multifacetados. A técnica moderna, por natureza um ensemble que une dimensões físicas e mecânicas, bióticas e societais, informacionais e organizacionais, culturais e mentais, econômicas e políticas e, como mostram vários autores, até artísticos e estéticos, escapa como objeto da reflexão científica, do pensamento unidisciplinar. A sugestão de entender a técnica, exclusivamente, a partir de procedimentos cognitivos provenientes da sociologia, está sendo relegado ao fracasso de antemão; o mesmo vale, subentende-se, para qualquer outra disciplina confrontada com o fenômeno técnica.

A ambição de Durkheim de demonstrar a especificidade do social para fundamentar a sociologia como ciência e para complementar o seu espectro, é inteligível no seu contexto científico-histórico, mas não deveria alimentar hoje uma argumentação que, em vez de ampliar, restringe o nosso olhar e o nosso pensamento. A identificação dos fatos sociais como coisas já era um artifício metodológico de Durkheim que queria dar assim aos fenômenos sociais um status igual ao outros objetos científicos. Usar hoje a “coisa” durkheimiana reclamando para a sociologia competência no entendimento de “coisas técnicas”, significaria contribuir para um desentendimento da função meramente metodológica da argumentação do mestre. Fica igualmente de um valor duvidoso a referência a Weber quando se trata da questão técnica. A sociologia compreensiva, com seu preconceito racionalista (Weber), tem no seu centro a análise da ação social guiada pelo sentido visado pelos atores. Questões técnicas, ou, como Weber diz de preferência, questões meramente técnicas (bloss technische Fragen) são para Weber ligadas à ação social e à relação entre meios e fins dentro do seu próprio contexto. A verdadeira mania de procurar nos clássicos explicações para fenômenos que estes não conheceram, não perceberam ou simplesmente interpretaram conforme o Zeitgeist da própria época, testemunha mais a crise explicativa de uma determinada disciplina do que qualquer outra coisa. Também Marx, para completar a tríade clássica, pode ser lido, quando o interesse é a “maquinaria”, como fonte de inspiração, mas de nenhum modo, como mostramos anteriormente, como autoridade crítica em questões da técnica moderna. Restam então mais perguntas do que respostas e também o nosso texto não é mais do que uma contribuição para uma discussão, que somente começou. Neste contexto gostaríamos de apontar para alguns aspectos que deveriam ser tratados no decorrer dessa discussão, ao nosso ver, com mais atenção.

Os investimentos gigantescos no desenvolvimento de “novas tecnologias”, seja pelo Estado ou pela própria indústria, contrasta com o mal-estar que os críticos da técnica expressam. Aparentemente continuam, tanto os países industrializados quanto as regiões que abrigam a maioria da população da sociedade global, com uma política que favorece a introdução acrítica de qualquer inovação técnica ao alcance dos governos e do empresariado local. O progresso socioeconômico e o avanço técnico, não questionado, continuam sendo, no nível da formulação de políticas públicas, sinônimos. O sucesso técnico-econômico dos Tigres Asiáticos e das províncias costeiras da China, como o surgimento de pólos industriais em países considerados subdesenvolvidos, mostram que a capacidade de adaptação às exigências de uma sociedade industrial não restringe-se à Europa[37] e aos Estados Unidos e confrontam, por outro lado, a população global com um modelo de desenvolvimento que não é na sua forma técnica atual globalizável. (Altvater, Mahnkopf, 1996). Assistimos como um relativamente modesto aumento do poder de compra das populações urbanas leva, em cidades como São Paulo, o já caótico trânsito ao colapso por causa do aumento do número de automóveis, preferência número um entre os bens de consumo. A uniformização conduzida pela técnica e criticada por Heidegger, Adorno e Horkheimer leva também à uniformização dos problemas que afligem os continentes e suas megalópolis. Mas qual seria a conclusão desta observação? A introdução de reservas produtivistas num número restrito de países, com a permissão de usar técnicas proibidas para outros? Este modelo conhecido entre os artesãos e seus zünfte na Europa pré-industrial, e aplicado de forma seletiva por potências coloniais ainda no século XIX, já encontra-se inviabilizado pela própria história, para não falar sobre seu caráter excludente e moralmente não-justificável. A situação exige então propostas que transcendem o modelo de desenvolvimento atualmente em curso.

A distribuição heterogênea da técnica na sociedade global reflete igualmente a heterogeneidade cultural que, apesar de estar sob forte pressão homogeneizadora, gerou tanto uma variedade de técnicas quanto relações do homem e sua técnica com o meio ambiente bem distintas das européias e norte-americanas. Qualquer pensamento que quer apontar alternativas técnicas, que não valem somente para o hemisfério norte, deveria incluir as experiências milenares que as diversas populações humanas fizeram, cada uma no seu habitat natural específico.[38]

O funcionamento da técnica foi tratado durante muito tempo quase como um a priori. São recentes as preocupações teóricas com o não-funcionamento da técnica, seus acidentes prováveis, seus riscos calculáveis e as chances de um possível colapso do sistema.[39] Luhmann expressou essa nova sensibilidade da seguinte maneira: “A tecnologia é um tipo de observação, que contempla algo sob o ângulo que aquele pode quebrar.”[40] Exatamente a observação da técnica moderna sob o ângulo do seu possível ou fatual não-funcionamento possui um alto valor heurístico. Ainda mais para sociedades que manobram com a técnica moderna com uma habilidade na beira do colapso, que convida para a seguinte redefinição da contingência: algo não é necessariamente como é, e isso não podia ser diferente. A transformação da exceção em regra, do provisório em estabilidade, do imprevisto no mais esperado e do funcionamento da técnica numa surpresa, eis o campo real onde pensar a técnica ainda significa: tentar entender algo.[41]

A complexificação é uma das características da sociedade moderna e a técnica moderna tem um papel acelerador neste processo. Um alto nível de complexidade deixa o ator social sem opção, ele tem que reduzir a complexidade para ganhar um mínimo de orientação tanto nos processos cognitivos que precedem e acompanham a sua ação quanto durante o seu agir mesmo. Assim a racionalidade da ação do ator torna-se facilmente uma mera ficção científica. Confiança em agentes dos sistemas hipercomplexos e seus pontos de acesso –pessoais ou impessoais– substituem o saber e a informação completa sobre todos os componentes que podiam influenciar o percurso de uma ação. Como diz Giddens: “A confiança opera em ambientes de risco, nos quais podem ser obtidos níveis variáveis de segurança (proteção contra perigos).” (Giddens, 1991: 59). Essa confiança cobre malmente a insegurança do ator e a instabilidade da situação. Todavia, ela reduz a complexidade (Luhmann, 1989) e possibilita o movimento na direção de um determinado objetivo.

A técnica moderna oculta os segredos do seu funcionamento frente aos olhos do leigo. E na medida em que ela mesma se complexifica ela contribui para a transformação dos atores sociais em leigos não-informados e, em última instância, em diletantes técnicos. Peritos, altamente especializados, sabem sobre um determinado complexo técnico o que nós não sabemos; aliás, nós temos que confiar, que eles sabem, e temos que confiar, também, que eles usam este conhecimento de forma responsável. Acidentes, desastres, catástrofes de qualquer natureza, põem a confiança depositada nos sistemas abstratos e seus agentes em cheque. Instabilidades, sempre existentes, saem da sua latência, e tornam-se visíveis. Começa então uma crise de confiança e uma tentativa de recuperar o terreno perdido. O esforço de transformar a crítica da técnica moderna em uma ciência dedicada a avaliação dos impactos das tecnologias faz parte desta tentativa de restaurar a relação entre homem e técnica, que tornou-se problemática. A consciência crítica percebe logo o perigo neste empreendimento, a primeira vista tão prometedora, perigo que surge com o tratamento da técnica moderna somente como problema técnico e desemboca na elaboração de soluções técnicas para questões técnicas. O tratamento de problemas sociais de forma técnica já chamaram outros de tecnologia social,[42] essa se contrapõe à radicalidade da crítica da técnica moderna, e inibe uma pensamento além do status quo.

O escamoteamento dos aspectos existenciais e ontológicos da vida social pelas teorias preocupadas com a observação analítica da sociedade, e o tratamento disciplinar de questões que são na verdade interligadas e dimensões do mesmo fenômeno, empobreceu tanto a sociologia como tornou a filosofia algo distante da realidade social. Assim Durkheim proibiu a jovem sociologia de tomar posicionamento frente a questões metafísicas; restringiu-se Weber a compreensão das religiões como fenômeno meramente social e absteve-se de forma obsessiva de julgamentos de valor em sua argumentação científica-oficial; e last but not least caracterizou Marx a filosofia e a religião como expressão de uma consciência falsa prestes a desaparecer com o surgimento de uma nova formação socioeconômica. Mas, também, a filosofia não conseguiu uma aproximação melhor à, o que ela mesma chama, totalidade. Na sua passagem para o poético, (cf. Nunes, 1992) expressa a filosofia heideggeriana de sua maneira singular a falta de perspectivas reais. Conservar, morar, deixar, guardar ... apontam como recomendações do filósofo numa direção que promete muito mais uma outra postura (Haltung) frente ao segredo do Ser do que uma solução para o problema da técnica moderna inserida na sociedade moderna e o habitat natural do homem.

Neste contexto podemos somente apontar na direção da relevância da discussão sobre a técnica para o debate e a prática de um desenvolvimento sustentável, que busca soluções economicamente eficazes, socialmente equilibrados e ecologicamente prudentes. Escolhemos para este trabalho um enfoque crítico que não nos permite agora, sem maiores preparativos, apresentar propostas positivas capazes de minimizar os riscos do desenrolar da sociedade moderna contemporânea e sua técnica. Fechamos este texto, então, conscientes de que a crítica de um estado insustentável não é uma solução. No entanto, a crítica é algo indispensável para a descoberta do ainda-não na história do Ser. O que ainda não é podia ser; que isso seja algo compatível com o mundo vivido pelo homem não depende, todavia, exclusivamente das descobertas técnicas.

 

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Notas

[1] Em 1844 houve revoltas violentas dos tecelões em vários lugares da Silésia e Böhmen, principalmente em Langenbielau e Peterswaldau. Também em Leitmeritz e Praga operários irados destruíram máquinas e enfrentaram forças militares, que reprimiram brutalmente o movimento dos Maschinenstürmer (destruidores de máquinas). Ainda revelador é o trabalho de Friedrich Engels sobre a situação da classe operária na Inglaterra nos anos 40 do século XIX. Veja: Friedrich Engels. (1972: 225-506); sobre a reação de operários contra fábricas e máquinas, ver p. 432, 440-443.

[2] Eric Hobsbawm (1982: 55) relata sobre a época entre 1811 e 1816: “Os trabalhadores de espírito simples reagiram ao novo sistema destruindo as máquinas que julgavam ser responsáveis pelos problemas...”

[3] Sobre as teorias do progresso dos séculos XVIII e XIX, ver: Bock (1980, 1978: 65-117).

[4] Ver Marx (1972: 331-530). No nosso contexto são importantes os capítulos: 10. O conceito da Mais-Valia Relativa; 11. Cooperação; 12. Divisão do Trabalho e Manufatura; 13. Maquinaria e Grande Indústria.

[5] Um dos primeiros que apresenta uma crítica das relações de produção e das forças produtivas, partindo de uma perspectiva teórica neomarxista e sob ângulo político dos novos movimentos sociais, é Ullrich (1979a e 1979b).

[6] A interpretação do movimento social dos operários como <aliado rebelde> do industrialismo apresentamos em Brüseke (1996).

[7] Jeffrey Herf (1984). Veja também: Rainer Zitelmann (1989); Rainer Zitelmann /Michael Prinz (orgs.) (1991); Michael Burleigh/Wolf Wippermann (1991).

[8] Sobre as auto-estradas construídas no governo Hitler veja: Schütz (1995).

[9] Veja também Herf (1995: 72-93).

[10] Entre as inúmeras obras de Jünger são as mais conhecidas: 1929 e 1932.

[11] A produção de Schmitt é igualmente abrangente; veja por exemplo: Schmitt (1921, 1928, 1932, 1993 e 1994).

[12] Sobre vida e obra de Heidegger, inclusive seus aspectos políticos, existem valiosas contribuições, entre elas: Dieter Thomä (1990); recomendamos os capítulos sobre a crise (1928-1933) e a busca (1934-1948). Destacamos a biografia de Hugo Ott (1988), de Safranski sobre Heidegger, autor de uma igualmente excelente biografia sobre Schopenhauer: Safranski (1994). Também: Loparic (1990).

[13] Nunes (1992) traduz Geschick como determinação destinadora, uma proposta aceitável que, todavia, deixa desaparecer a conotação de schicken, a forma verbal contida no substantivo Geschick, que significa mandar. O Geschick então é também algo que manda. A palavra Schicksal contém a mesma raiz e pode ser traduzida como destino. Destino por sua vez não tem essa conotação trágica como Schicksal e encontra o seu par em alemão mais em Bestimmung do que em Schicksal. Heidegger evita, não somente neste contexto, o conceito Schicksal ou Bestimmung e escolhe Geschick. Geschick como Gestell, veja as nossas explicações em <Heidegger como Crítico da Técnica Moderna>, valorizam a forma verbal original (schicken respectivamente stellen) e evitam, no caso do Geschick, as alusões determinísticas e trágicas. Em vez de traduzir Geschick como determinação destinadora, seria interessante experimentar uma outra proposta: mandamento ou, para evitar outros problemas, mandamento destinador.

[14] Para saber mais sobre a relação entre Adorno e Heidegger recomendamos a consulta das biografias. Por exemplo: Safranski (1994).

[15] Trata-se da pequena poesia apresentada na entrada deste texto.

[16] O seguinte trecho do Novo Organon mostra como Bacon formula cedo e inconsciente das suas conseqüências a interligação entre a busca da causa e o interesse de dominar a natureza: “Ciência e poder do homem coincidem, uma vez que, sendo a causa ignorada, frustra-se o efeito. Pois a natureza não se vence, se não quando se lhe obedece. E o que à contemplação apresenta-se como causa é regra na prática.” Bacon (1984:13). Descartes por sua vez e mostrando neste ponto uma grande afinidade com Bacon, formula no discurso sobre o método, publicado em 1637, o seguinte: “Elas mostraram-me que é possível chegar a conhecimentos que são muito úteis para a vida e que, em vez dessa filosofia especulativa que é ensinada nas escolas, é possível encontrar uma prática, pela qual, conhecendo a força e as ações do fogo, da água, do ar, dos astros, dos céus e de todos os outros corpos que nos cercam, tão distintamente quanto conhecemos os diversos ofícios dos nossos artífices, poderíamos, do mesmo modo, aplicá-los a todos os usos aos quais são próprios e, assim, tornar-nos senhores e possuidores da natureza.” Descartes (1637: 125); Original: Descartes (1951: 74).

[17] Gehlen refere-se freqüentemente a Freyer (1955).

[18] Sobre o neoconservativismo, para o qual Gehlen tem contribuído, veja Habermas (1985: 30-56). Restringimo-nos na nossa apresentação e interpretação à análise da técnica de Gehlen; recomendamos a leitura do citado trabalho de Habermas para maiores esclarecimentos sobre os traços ideológicos dos neoconservadores alemães: conciliação com a modernidade civilizatória e a rejeição da modernidade cultural. Este ideário apóia-se em Ritter, Forsthoff e Gehlen, entre outros. Habermas deixa bem claro, que o pós-modernismo evocado pelos neoconservadores, é Nachaufklärung (Gehlen), i. e. pós-iluminismo.

[19] Gehlen (1993: 147-266); trata-se da Seele im Technischen Zeitalter (A Alma na Era da Técnica), publicada aqui sob outro título na base da versão revisada em 1957.

[20] Gehlen refere-se expressis verbis a Sombart (1927 e 1922); Ortega e Gasset (1951).

[21] Essa observação de Gehlen lembra a teoria da pulsão da morte (thanatos) de Freud, que leva o homem à transformação do orgânico no inorgânico; cf. Brüseke (1996: 85).

[22] Mumford (1966) não se refere a Gehlen com nenhuma palavra. Provavelmente não conheceu a sua obra. O comentário pejorativo que ele faz sobre Heidegger (...”um adivinhador obscuro...”) indica um alto grau de rejeição a certas vertentes filosóficas e antropológicas contemporâneas. Horkheimer e Adorno, que escreveram já em 1947 sobre a dialética do esclarecimento, que parte dos mitos e torna-se mito, também são ignorados por Mumford. Não obstante é a análise de Mumford do mitos da máquina para a teoria crítica da técnica de extrema importância.

[23] Adorno e Horkheimer (1947). Citamos aqui a tradução feita por Almeida: Theodor W. Adorno e Max Horkheimer, 1985.

[24] Assim Holz (1968); Sedgwick (1966: 163-192). Ou na mesma linha: Wessel (1968).

[25] Habermas refere-se à Marcuse (1932). Ver também: Habermas (1968: 10).

[26] Sobre a história do Institut für Sozialforschung e da Escola de Frankfurt, ver Freitag (1986).

[27] Entre as publicações mais importantes de Marcuse destacamos: 1941, 1955, 1958, 1964, 1965 (em co-autoria com Wolff e Moore).

[28] Marcuse usa o conceito de projeto no sentido de Sartre; que por sua vez, deve este a Heidegger (1993: 221, 260).

[29] Uma crítica arrasadora à razão iluminista apresenta Sloterdijk (1983).

[30] São constantes as preocupações de Habermas com os conceitos razão, racionalidade, modernidade. Veja por exemplo: Habermas (1981 e 1988).

[31] Veja entre outras publicações Habermas (1985); também: Habermas (1988).

[32] Sobre o conceito de maquinaria em Marx veja também Brüseke (1991: 72-103). Abstemo-nos, no contexto do presente trabalho, de analisar mais detalhadamente o conceito da técnica em Marx, porque já o fizemos no lugar indicado e, também, escolhemos aqui como nosso tema a crítica da técnica e não a reconstrução da história da reflexão sobre a técnica; essa por sua vez certamente começaria com Aristóteles e não com Marx.

[33] E são, igualmente –mas este tema nos levaria longe de mais– sociólogos que pensam a sociedade dentro dos limites do Estado-nação. Uma perspectiva, também, típica para a segunda metade do século XIX e do início do século XX.

[34] Throughput: o fluxo de matéria e energia por um sistema das fontes às sinks. Sink: o fim definitivo dos fluxos materiais e energéticos em um sistema.

[35] Donella et al (1992), citado segundo a tradução alemã; cf. Meadows et al (1992: 273).

[36] Essa ambigüidade vale também para o trabalho humano; cf. Clausen (1988).

[37] Thompson, Elias, Polanyi e outros mostram que a técnica moderna não combinava nem com as condições sociais da Europa. Foi necessário um processo civilizador milenar (Elias) e uma grande transformação (Polanyi) para preparar e adaptar as populações européias às exigências da sociedade moderna, com seu novo sistema produtivo e sua técnica.

[38] Dentro das novas “disciplinas interdisciplinares” mostra a ecologia humana perspectivas interessantes. Veja referente a Amazônia: Moran (1990) e de forma mais geral: Glaeser, org. (1989).

[39] Veja por exemplo o texto elaborado para o Seminário Internacional sobre Qualidade de Vida e Riscos Ambientais, Niterói, UFF, out. 1996 de Freitas; também: Souza Porto e Freitas (1996: 19-29).

[40]Technologie ist eine Art der Beobachtung, die etwas unter dem Gesichtspunkt betrachtet, dass es kaputt gehen kann.” (Niklas Luhmann. Die Wissenschaft der Gesellschaft)

[41] Heidegger (1984: 2) suspeita que nós ainda não pensamos e acha que o homem, até agora, fez demais e pensou de menos.

[42] Veja a posição de Habermas em: Jürgen Habermas; Niklas Luhmann (1971).