Estudos Sociedade e Agricultura

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Francis Aubert, Marielle Berriet-Solliec & e Marc Guérin

A intervenção das administrações territoriais francesas no desenvolvimento rural [1]


Estudos Sociedade e Agricultura, 19, outubro, 2002: 113-145.

Resumo: (A intervenção das administrações territoriais francesas no desenvolvimento rural). Este artigo busca apresentar as intervenções rurais das instituições políticas infranacionais na França (Departamentos e Regiões). Depois de ter definido o campo das políticas rurais estudadas, dá-se destaque às áreas de intervenção e, em seguida, aos objetivos e aos instrumentos de ação. Esta análise conduz a uma classificação das políticas, segundo suas finalidades e as medidas implementadas.

Palavras-chave: desenvolvimento rural, intervenção pública local, administrações territoriais.

Abstract: (Local government intervention in rural development in France). This paper describes the involvement of the different levels of French local government (départements and régions) in rural affairs. We begin by defining the scope of countryside policies and examine the areas of intervention and then the policy objectives and mechanisms. This analysis allows policies to be classified in terms of their ends and of the means employed.

Key words: rural development, countryside policies, local government.

Francis Aubert e Marielle Berriet-Solliec são professores-pesquisadores da Unidade Mista de Pesquisa (UMR) em Economia e Sociologia Rurais do Instituto Nacional (Francês) de Pesquisa Agronômica (INRA) e do Estabelecimento Nacional de Ensino Superior Agronômico de Dijon (Enesad); Marc Guerin trabalha no Comissariado Geral do Plano, em Paris.


Na França, apesar de a condução da política econômica e social e a defesa do emprego continuarem sob a responsabilidade do Estado, as administrações territoriais2 tendem a reforçar suas intervenções, especialmente no que se refere à diferenciação das atividades no espaço. Essas intervenções ganham uma importância especial no caso dos espaços rurais, campo tradicional da ação dos Departamentos (Conselhos Gerais), mas igualmente visado pelas Regiões (Conselhos Regionais). As modalidades dessas intervenções continuam, no entanto, relativamente desconhecidas. Isso se dá, sem dúvida, em função da dificuldade de acesso à informação sobre tais medidas, as quais dependem das prerrogativas próprias dessas administrações territoriais.

Este trabalho se apóia em um inventário das intervenções que os Departamentos e as Regiões consagram ao desenvolvimento rural (Aubert et al., 2001), e se orientou por dois objetivos:

1. captar a diversidade de concepções relativas ao "rural" na França;

2. propor uma distinção entre essas diversas intervenções, segundo as lógicas que lhes servem de base.

Tendo em conta a dificuldade de coletar uma informação relativamente completa e homogênea nas instituições visadas, considerando a necessidade de cobrir uma área geográfica suficientemente vasta para se assegurar de um grau elevado de diversidade de contextos rurais franceses e das formas como eles são considerados pelas administrações territoriais, enfrentou-se um efetivo problema metodológico. Sua resolução se deu pela coleta e tratamento dos documentos públicos editados pelos Conselhos Regionais e Gerais, em particular suas guias de subvenções. Eles constituem o material de base (cf. Box metodológico) que permitiu traçar um levantamento minucioso das medidas de desenvolvimento rural de 47 administrações territoriais (38 Departamentos e nove Regiões) e propor, considerando as lógicas de intervenção, uma classificação das políticas rurais. [2]

Nossa reflexão parte da constatação de que as formas particulares adotadas pelas políticas rurais enquanto políticas territoriais, assim como a diversidade das suas traduções feitas à escala dos Departamentos e das Regiões (1), tornam necessária a construção de um esquema com base nos principais objetivos detectados na leitura das medidas e dos programas. Propomos, então, neste artigo, uma organização de diferentes objetivos de intervenção (2) que conduza à definição das principais lógicas a partir das quais as administrações locais tratam dos espaços rurais (3). Este quadro de análise permite que se saia de uma lógica de análise de processo, ou mesmo de programa, para defender uma abordagem mais geral das políticas rurais sobre um dado território, integrando os fundamentos das iniciativas das Regiões e dos Departamentos.

 

Box metodológico

Uma correspondência foi enviada a todos os Conselhos Gerais e Regionais da França. Solicitou-se que eles enviassem os orçamentos de 1988, 94 e 99, os relatórios de atividades e os guias de subvenções. Foi feito um reforço quando se constatou a necessidade de completar informações ou quando a resposta simplesmente não aconteceu. O guia de subvenções ou guia das intervenções é o documento de base que foi utilizado para o estudo. Isso porque ele corresponde melhor ao tipo de informação buscada e, também, porque se torna cada vez mais comum nas administrações locais. Seu conteúdo geralmente detalhado permitiu a recuperação de informações precisas e em todos os campos. O guia é freqüentemente composto de três partes. A primeira faz uma apresentação sintética da administração local, como ela é constituída, seus recursos humanos e financeiros, seus campos de intervenção, seu modo de organização. Uma segunda parte apresenta os princípios gerais e as normas para a concessão de subvenções. Finalmente, a terceira, que constitui a parte mais volumosa, apresenta as diferentes disposições, na forma de fichas, contendo informações em geral bastante precisas. A unidade elementar deste guia é, portanto, "a disposição ou medida". Ela corresponde ao nível de análise adotado neste estudo e pode ser definida como a "unidade de base da gestão dos programas, constituída de um conjunto de projetos de mesma natureza e dispondo de uma alocação orçamentária precisamente definida" (Comission Européenne, 1999).

O conteúdo de todos os catálogos de subvenções foi trabalhado com o auxílio de um roteiro para o tratamento de dados que considerou as características das medidas, desde as mais aparentes (identificação precisa da disposição, sua origem institucional, seus objetivos propagados, seu alvo, suas modalidades de intervenção, sua relação com outros programas, as condições para concessão), até aquelas mais implícitas, que exigiram um variado grau de interpretação (as teorias de ação mobilizadas, em que pontos ela se apóia, o grau de inovação e a territorialização). O conjunto dessas informações elementares alimentou uma base de dados importante (1.835 observações relativas a 38 7Departamentos e nove Regiões), que constitui um dos produtos deste estudo e que possibilitou uma dupla análise: individualmente, cada medida foi vista como um componente do quadro geral de intervenção local e, em seguida, conforme um agrupamento por categorias, para buscar discernir as lógicas presentes nestas formas múltiplas de ação pública descentralizada.

A percepção das políticas locais foi efetuada a partir do que as administrações locais assumem e divulgam a seus habitantes, sem definição, a priori, daquilo que é rural ou que diz respeito ao desenvolvimento rural. Depois, uma medida figurando em um dos guias foi considerada como pertencendo à política de desenvolvimento rural se preenchesse uma das três condições seguintes:

o objeto da subvenção é explicitamente definido como rural (habitat rural, commune rural etc.);

o objeto da subvenção pode ser qualificado por nós de rural em razão de sua natureza ou de sua localização quase exclusiva dentro de espaços rurais (agricultura, floresta, rio, trilhas, bens da natureza etc.);

 o objeto de subvenção é geral, mas em termos de elegibilidade o rural se diferencia, seja por dar direto às subvenções, seja por dar lugar a uma modulação de seu montante (artesanato em communes com menos de 500 habitantes etc.)

Sobre o conjunto de 4.000 medidas que comportam os guias analisados (ou seja, 65 disposições em média por administração local), 1.835 foram classificadas como medidas de desenvolvimento rural, o que representa 45%. É necessário ressaltar que, ao mesmo tempo, apenas 65 medidas aparecem dedicadas especificamente às zonas urbanas. Em todos os casos estudados, as medidas "rurais" ocupam um lugar significativo no guia de subvenções (pelo menos 20 medidas), o que permite efetivamente constituir uma base de dados útil ao exame das políticas atuais de desenvolvimento rural. As situações são, contudo, diferentes no seio das Regiões (de 20 a 56 medidas) e, ainda mais, entre Departamentos (de 19 a 77 medidas). Acerca das 1.835 disposições repertoriadas, 971 são explicitamente rurais (fazem referência a uma categoria de espaço) e 864 são classificadas como "rurais por natureza" o que quer dizer que o objeto visado pode ser classificado como um objeto específico associado a diferentes tipos de atividades e a certos tipos de representação.

O interesse de uma tal metodologia reside essencialmente na possibilidade que ela oferece de apreender um quadro largo do que se faz hoje na escala dos Departamentos e Regiões e de submeter o material coletado a um tratamento sistemático. Os limites são triplos: (i) a base faz o recenseamento da oferta das subvenções designadas como rurais e não a totalidade das subvenções de que se beneficia o rural, (ii) a base apresenta as medidas tais como elas são propostas, todas em um mesmo plano, sem modulação pelo esforço financeiro realizado e sem distinção entre o que é proposto e o que é realizado, (iii) trata-se de uma observação pontual – ano 2000 – sem uma verdadeira consideração da dinâmica de evolução.

 

Políticas rurais; do que se está falando?

A noção de política rural ou de política de desenvolvimento rural não se dá por si mesma. Ela conheceu evoluções importantes no curso das décadas passadas e depende, em particular, do ponto de vista que se adota: o apoio às atividades rurais ou aos territórios rurais. Os campos ou modalidades de intervenção podem ser apreciados de diferentes maneiras, que são função direta do sistema de administração territorial. Historicamente, na França, as políticas rurais se manifestaram inicialmente, nos anos 1960, como dispositivos nacionais de acompanhamento da política agrícola. Tratava-se então de assegurar um quadro de reprodução ao capital humano e produtivo dedicado à agricultura, em espaços desorganizados pelo rápido esvaziamento demográfico. Em seguida, a partir da metade dos anos 1970, com o Sétimo Plano Francês, as políticas rurais adotam progressivamente uma lógica de desenvolvimento local (Houée, 1996) que vem acompanhada de uma busca de diversificação das atividades baseada na indústria e no turismo. A partir do momento em que a descentralização tornou-se fato, a política rural passou a considerar os diferentes níveis de intervenção pública e, mais recentemente, a se orientar para a integração de preocupações ambientais e de valorização sustentável dos recursos. É importante precisar que as políticas rurais não representam o conjunto da ação pública conduzida em um espaço determinado. Elas supõem a existência de medidas, às vezes estruturadas em programas, que têm características que revelam, em sua própria concepção, uma intencionalidade em favor do rural. Esse voluntarismo pode se manifestar sob a forma de medidas aplicáveis de maneira ubíqua, mas sendo objeto de um tratamento diferenciado (geralmente sob a forma de uma "taxa de ajuda" majorada) para zonas escolhidas segundo critérios definidos pelas autoridades políticas.

Com relação a outras políticas territoriais, como as da cidade, por exemplo, as políticas de desenvolvimento rural têm alguns pontos comuns, especialmente o caráter pluriprocessos, multifundos e multiatores. Muitos elementos, no entanto, diferenciam esses tipos de intervenção pública. Quanto mais a intervenção se dá na ponta da estrutura descentralizada, mais essa diferença é importante. Isso porque cada administração define o seu próprio campo de intervenção em função da sua concepção do "rural".

O quadro institucional de intervenção pública no meio rural contribui para reconhecer, especificar e reforçar progressivamente as políticas rurais entre as políticas territoriais, e isso num duplo contexto: a descentralização francesa e a regionalização das políticas européias.

Na França, a lei de descentralização, de 7 de janeiro de 1983, define a independência do Executivo local, cria a Região como entidade política e rege a intervenção econômica e social das administrações locais, organizando a transferência das competências do Estado para elas. Essa transferência se opera por "blocos" ou grandes domínios de competência, cujos contornos são suficientemente vagos para favorecer um ajuste pragmático das diversas intervenções que têm como objetivo a adaptação à gestão das situações complexas (Wachter, 1987 ; Thoenig, 1992). Essas imprecisões se referem particularmente à intervenção nos espaços rurais. Nesse campo, os Conselhos Gerais têm um papel importante no que se refere à infra-estrutura e à política social e de saúde, ao passo que as principais competências atribuídas às Regiões se referem à intervenção econômica, ao planejamento regional, ao ordenamento do território e à formação profissional. No entanto, sombreamentos [3] entre Departamentos e Regiões afetam freqüentemente as intervenções rurais, em particular no que se refere ao meio ambiente, à cultura, ao apoio às empresas e à estruturação dos territórios. Esse último campo de competências, antes reservado ao Departamento, tende a ser assumido igualmente pela Região. Além disso, o fortalecimento da intercomunalidade e a existência de entidades maiores e com mais recursos contribuíram para desestabilizar o papel federativo dos Departamentos, que tinham como uma das missões essenciais o apoio às communes (Mauroy, 2000). Assim, a dinâmica de descentralização pode ter efeitos contraditórios sobre as administrações territoriais.

Por um lado, ela reforça a legitimidade da intervenção no rural dessas administrações e, por outro, contribui para a emergência de um confronto entre administrações concorrentes, normalmente em prejuízo dos Conselhos Gerais (Departamentos).

Com relação à Europa, as administrações locais, mais particularmente a Região, são reforçadas no seu papel de intervenção econômica em favor dos espaços rurais. Assim, a construção progressiva dos programas estruturais de desenvolvimento rural, a partir dos anos 1980 (Berriet-Solliec e Daucé, 2002), contribuiu para tornar específicas as políticas de desenvolvimento rural, destacando como objetivo a reestruturação do "campo". Esse tipo de objetivo é especial porque não existe, por exemplo, para as cidades. Na União Européia, a aplicação atual do "Regulamento de Desenvolvimento Rural" de forma descentralizada participa desse fortalecimento da ação econômica local. [4] A Comissão Européia estimula os Estados a optar por uma programação infranacional de desenvolvimento rural que acentue o caráter territorializado da política rural.

A política de desenvolvimento rural corresponde, assim, a um conjunto de elementos bastante diferentes que colocam em disputa uma multiplicidade de objetivos e de parceiros, no quadro de dispositivos mais ou menos integrados que regulam, em uma época determinada, as ações e os projetos locais. A observação que foi realizada sobre 1.800 disposições – recuperadas em documentos públicos de 39 Departamentos e nove Regiões – permite esclarecer os contornos atuais desse objeto multiforme ao explicitar a maneira pela qual as administrações locais definem, ou pelo menos delimitam, o rural que pode se beneficiar de subsídios públicos diretos, assim como os campos de ação que são privilegiados pelas mesmas disposições.

 

O campo de intervenção das políticas rurais

Em uma definição mais geral feita pelo Estado francês ou pela União Européia, a compreensão dos espaços rurais corresponde a objetivos de coesão social ou territorial, segundo indicadores de disparidade ou de fragilidade. Ao mesmo tempo, outras formas de ação são vislumbradas de forma positiva, encorajando os projetos e as ações coletivas. Quando nos aproximamos do "campo", as administrações públicas utilizam procedimentos vizinhos para caracterizar os espaços suscetíveis de receber subsídios públicos em nome de critérios de "ruralidade". Nos documentos trabalhados, as duas referências principais são estabelecidas sobre patamares de população e sobre zoneamentos já em funcionamento.

Os patamares de população são utilizados em um quinto das medidas repertoriadas para tornar específicos os dispositivos em favor do rural. É o critério mais freqüentemente mobilizado pelas administrações territoriais para definir o rural. Os três patamares que são majoritariamente citados agrupam quase três quartos das respostas: 10 mil habitantes (95 de 335 casos, ou seja, 20%), cinco mil habitantes (79 casos ou 24% ) e dois mil habitantes (68 casos ou 20%). Vêem em seguida dois patamares moderadamente citados: três mil habitantes (7% dos casos) e 1.000 habitantes (3%). Eles fazem referência a níveis de aglomeração nos quais se reencontra o patamar de dois mil habitantes utilizado desde 1856 para definir as localidades nas quais a função de animação se exerce geralmente em uma bacia do tamanho de um canton. [5] O limite de cinco mil habitantes refere-se a uma outra visão do rural que se pode aproximar do corte do INSEE (Instituto Nacional da Estatística e dos Estudos Econômicos) em zoneamento de áreas urbanas. Trata-se, desta vez, de uma representação baseada no efeito estruturante dos empregos, cujo reagrupamento permite definir os pólos urbanos (unidades urbanas oferecendo pelo menos cinco mil empregos), mas também os pólos rurais (commune oferecendo pelo menos dois mil empregos, o que corresponde em média a uma população de cinco mil habitantes) na nomenclatura proposta pelo INSEE e pelo INPA (Instituto Nacional de Pesquisa Agronômica) (cf. Schmitt e Perrier-Cornet, 1998). As observações feitas sobre os pólos rurais em escala nacional dizem respeito efetivamente a um efeito de micropolarização importante para a economia local a partir desse tamanho. As infra-estruturas ligadas a esse tipo de commune, denominadas "infra-estruturas intermediárias" [6] nas tabulações do inventário comunal de 1998, definem burgues-centres que estruturam as "bacias" de vida. Enfim, no que concerne ao patamar de 10 mil habitantes, que não corresponde diretamente a uma representação usual do rural, pelo menos na França, pode-se associar aos pólos urbanos ou ao menos à franja menos habitada das communes dessa categoria que agrupam um grande número de empregos e um certo número de serviços e infra-estruturas de centros urbanos.

A segunda forma utilizada pelas administrações territoriais para definir o rural que receberá subsídio é a referência a um zoneamento preexistente ou ad hoc. Assim, 30% das 556 medidas com explicitação de critérios de ruralidade têm base no zoneamento. As nomenclaturas ou os critérios referidos não encaminham a uma concepção unívoca do rural em questão; eles podem estar ligados às características dos espaços a subsidiar ou às formas de organização requeridas pela intervenção pública.

No primeiro caso, as administrações territoriais utilizam indicadores de fragilidade que podem ser simples e produzidos pelos seus próprios servidores, como o potencial fiscal global por commune ou por habitante. O mais freqüente, no entanto, é retomar os zoneamentos "de síntese" que foram anteriormente elaborados por outras instituições (no caso o Estado francês ou a União Européia). Trata-se de espaços designados em função de fragilidades estruturais e delimitados segundo indicadores que consideram o PIB por habitante, a evolução do emprego ou da população, ou ainda da situação geográfica considerada nos zoneamentos de montanha: as zonas de intervenções estruturais européias, as zonas prioritárias na França (territórios rurais de desenvolvimento prioritário, zonas de revitalização rural). O pertencimento a um desses cortes, atestando um baixo nível de desenvolvimento, dá o direito a um conjunto de subsídios concedidos primeiro pela União Européia (Programas de desenvolvimento de zonas rurais ou Iniciativas LEADER [7] ) e o Estado (isenções fiscais e sociais, contratos de desenvolvimento Estado-Regiões), depois pelas Regiões que juntam seus meios de intervenção aos do Estado e da Europa nos dispositivos contratuais. Em alguns casos (20 disposições), os perímetros de ação foram definidos pelas características do ecossistema.

Seguindo uma outra perspectiva, os critérios preestabelecidos que são retomados pelos Departamentos ou Regiões na sua designação de rural podem fazer referência a elementos de organização mais do que de situação. Trata-se aqui, da mesma forma, de uma perspectiva relativamente inovadora no modo de considerar o objeto do subsídio público, sem critério de fragilidade ou de limitação a compensar, mas, ao contrário, destacando procedimentos positivos em que os atores locais estão engajados. Os casos mais emblemáticos correspondem às áreas de Denominação de Origem Controlada, para os agentes privados, e aos perímetros de comunidades de communes ou de Parque Natural Regional [8] , para os atores públicos. O rural subsidiado é então inscrito nesses perímetros de ação e as disposições que acompanham esse sinal são destinadas a amplificar o impacto do procedimento no seu território.

 

Os domínios de intervenção das disposições rurais

A permanência da confusão freqüente entre espaço rural e "mundo agrícola" é explicada pela gênese das políticas rurais, pela importância histórica da atividade agrícola no campo, pelo peso social dos agricultores, bem superior à sua importância demográfica (menos de 20% dos empregos rurais são agrícolas), que está relacionado ao controle da propriedade fundiária, à força de suas organizações corporativas e de sua representação política nas communes e nos Conselhos Gerais. Essas características socioeconômicas direcionam as subvenções financeiras rurais para a agricultura e para a valorização dos espaços rurais, ainda que evoluções mais recentes tenham introduzido uma maior diversidade nos tipos de intervenção.

Tal como as políticas territoriais urbanas, as políticas rurais dizem respeito a numerosos campos, que são, contudo, tratados de forma particular (Quadro 1). A leitura desse quadro permite então analisar (i) o cumprimento das competências, (ii) os campos não-cobertos pelo estudo e (iii) as zonas de concorrência entre Departamentos e Regiões.

I. O quadro sistematiza, em primeiro lugar, as disposições rurais repertoriadas no estudo relativo ao "respeito da regra". Vai-se desde o respeito a competências regulamentares stricto sensu até a afirmação de um procedimento voluntarista de intervenção em favor de alguns setores-alvo, passando por uma concepção ampliada das competências (como meio ambiente e ordenamento territorial). De fato, como indicado no parágrafo precedente, as intervenções das administrações locais são primeiramente colocadas no plano regulamentar. Pode-se supor, então, que cada uma cumpre inteiramente suas obrigações e exerce plenamente suas prerrogativas antes de visar objetivos mais gerais e mais transversais segundo finalidades de desenvolvimento regional.

II.Essa classificação permite, em segundo lugar, destacar as ações das administrações que não foram consideradas nesta pesquisa, uma vez que são incorporadas ao funcionamento ordinário, não são – ou são pouco – precisadas nos guias de subvenções ou, ainda, não aparecem especificamente como rurais (medidas sociais, ações em favor da saúde, da moradia e do transporte).

 III. Finalmente, é possível observar os campos onde os dois níveis de intervenção – regional e departamental – encontram-se em competição, o que pode resultar em contradições ou em fenômenos de rivalidade se não houver acordo. Esse é o caso de subvenções culturais ou às empresas (mesmo se nessa situação as modalidades de intervenção sob forma de subsídios diretos ou indiretos são diferentes), do apoio às cartas de princípios intercomunais (considerando simultaneamente o apoio departamental às communes e o apoio regional à estruturação dos territórios), mas também das subvenções aos trabalhos de infra-estrutura, que podem incluir os de ordenamento rural (de competência do Departamento) ou de desenvolvimento econômico (de competência da Região).

Este exame do conjunto das disposições que os Conselhos Regionais e Gerais pesquisados aplicam na ótica do desenvolvimento das suas zonas rurais fornece um panorama amplo de suas práticas atuais, no qual a diversidade das ações não exclui uma forte especialização por categoria de administrações, segundo a história do seu modo de intervenção e os contornos atuais de suas prerrogativas regulamentares. Para ir além da análise global dessas disposições e tentar discernir lógicas de ação próprias a cada uma das administrações estudadas, passa-se a realizar um exercício de reconstrução de objetivos a partir dos quais pode-se compreender e distinguir diferentes políticas de desenvolvimento rural.

 

Quadro 1: Divisão dos grupos de disposições e exemplos por grandes campos de intervenção segundo as competências das administrações territoriais

Econômico

Social

Infra-estrutura - Serviços

Meio ambiente e ordenamento territorial

Cultura

Formação

1. Política de apoio às micro e pequenas empresas e ao artesanato industrial

§    subvenções indiretas e subvenções diretas complementares

§    subvenções específicas

 

2. Política de turismo

§    hotelaria rural

§    pousadas

 

3. Políticas em favor do artesanato e do comércio

 

4. Política agrícola e de maricultura

§    hidráulica agrícola

§    reestruturação fundiária

§    apoio às cadeias produtivas agrícolas

§    subvenção a jovens agricultores

§    animação agrícola

§    assistência técnica e previdência

§    profilaxia

§    agricultura e meio ambiente

§    maricultura

 

5. Política florestal

§    plantios

§    manejo

6. Política habitacional

§    Criação de moradias sociais

§    melhoria das condições de moradia

§    aumento do

§    número de habitações públicas para aluguel

 

7. Programas de Renda Mínima e de saúde público

8. Política de infra-estrutura

§    hidráulica

§    malha viária

§    eletrificação

§    saneamento

§    abastecimento de água potável

 

9. Serviços de

proximidade

§    pequeno comércio

§    transporte de proximidade

 

10. Administração dos portos

§    de pesca e de comércio

§    fluviais e canais

11. Gestão da água

 

12. Política de gestão de áreas naturais ameaçadas

§    combate à erosão

§    entidades para a conservação das áreas

 

13. Política de paisagem

§    linhas elétricas subterrâneas

§    cercas vivas

 

14. Política de ordenamento do território

§    apoio à criação de pays (regiões)

§    Gestão de Parques Regionais

§    apoio às communes

§    apoio à criação de acordos (cartas de princípios e ação) intercommunales

14. Preservação do patrimônio

15. Animação cultural

§    manifestações culturais

§    bibliotecas

§    escolas de música

16. Formação inicial

§    quarta à oitava séries

§    segundo grau

17. Aprendizagem e formação profissional

 

Identificação dos objetivos de ação

A identificação do encadeamento dos objetivos pode permitir uma fundamentação da apreciação dos dispositivos públicos sobre um dado território.

 

Princípios de hierarquização dos objetivos

As possibilidades de estabelecer critérios capazes de fundamentar uma taxonomia dos dispositivos públicos são, naturalmente, muito numerosas. Optou-se por adotar, como princípio de classificação, a lógica econômica que justifica as ações públicas, recomposta a posteriori, distinguindo finalidades, objetivos gerais, objetivos intermediários (Plante, 1991). As finalidades correspondem ao nível de generalidade mais elevado das intenções da ação pública. A natureza das alavancas utilizadas para atingir cada finalidade é expressa pelos objetivos estratégicos. Os objetivos operacionais precisam os dispositivos de intervenção adotados. Esses objetivos intermediários se concretizam em ações singulares ou em grupos de ações.

Certamente, a gênese dos dispositivos públicos, ligada com mais freqüência à resolução de problemas imediatos, explica a existência de objetivos muito pragmáticos e, às vezes, implícitos. A explicitação a posteriori possibilita uma abordagem no nível mais conceitual da justificação econômica dessas ações. É esse registro que permite examinar, segundo a lógica esclarecida por Majone (1994), a generalização das soluções propostas no espaço e no tempo e também, graças a referências a categorias mais gerais, logo, menos contingentes. Permite, ainda, favorecer a aceitação social do princípio de uma intervenção pública específica em favor dos espaços rurais.

Para dar base à nossa classificação, partimos de dois grandes tipos de finalidades econômicas que legitimam os dispositivos públicos: a lógica alocativa e a lógica redistributiva (ver Gráfico). Pela função alocativa, [9] os poderes públicos tendem a reduzir as anomalias de funcionamentos e as falhas do mercado. Essas dificuldades são imputadas geralmente à opacidade da informação, à existência de posições dominantes e à falta de mobilidade dos fatores de produção. As falhas do mercado resultam do desrespeito às condições marginais (externalidades, monopólios naturais) ou da inexistência de alocações privadas (bens coletivos puros). Pela função de redistribuição, os poderes públicos se esforçam para corrigir a dinâmica do mercado que pode tender, reproduzindo as desigualdades iniciais, a aumentar as diferenças de rendas entre indivíduos ou entre territórios.

 

As modalidades de classificação

a) Os objetivos gerais

Os objetivos gerais correspondem às formas de perturbação do mercado ou de desigualdades próprias do espaço rural, que tendem a ser tratadas por dispositivos específicos.

Os objetivos gerais se ligam à função alocativa

A baixa densidade de população e de empresas pode perturbar a circulação da informação, especialmente de novidades técnicas, a evolução de certos mercados (principalmente o fundiário), as possibilidades de valorização de diversos recursos e a transferência ou transmissão de empresas. Essa opacidade da informação pode limitar as formas de cooperação e de coordenação, que são, entretanto, particularmente cruciais para o dinamismo das pequenas e médias empresas, e, de forma mais geral, perturba a regulação dos territórios sensíveis aos fenômenos de proximidade (Gilly e Pecqueur, 2000). A agricultura, a silvicultura e as indústrias extrativas, atividades que utilizam uma forte proporção de capital em relação ao trabalho e, normalmente, caracterizadas por ciclos de produção de longo período, são particularmente afetados pelos problemas ligados à baixa mobilidade do capital. Distinguimos um primeiro objetivo geral das políticas rurais, que consiste em compensar a baixa mobilidade do capital e a opacidade da informação. Isso porque as medidas públicas tendem, de fato, a tratar conjuntamente desses dois aspectos.

Aliás, a economia rural é sensível à questão das externalidades (positivas e negativas) de produção, que resultam principalmente das atividades agrícolas e florestais, mas também da construção de infra-estruturas de energia e de transportes de mercadorias. A gestão das externalidades que se ligam a essas preocupações surgidas mais recentemente constitui o segundo objetivo geral.

Os objetivos gerais relativos à função redistributiva

A desigualdade inicial que pode reforçar a dinâmica dos mercados assume, nos espaços rurais, formas específicas ligadas à dotação do território em determinados recursos tangíveis ou intangíveis: competências e custo da mão-de-obra (qualidade e diversidade das profissões), infra-estruturas (redes hidráulicas, elétricas, telefônicas, estradas), serviços públicos postais, educativos e culturais, habitação.

Os problemas de desigualdade interindividual correspondem, em parte, a um fenômeno de pobreza particular no meio rural, a exemplo da persistência das formas tradicionais, afetando uma parcela dos agricultores familiares (paysannerie) e dos assalariados agrícolas, recentemente apontados por Perrier-Cornet e Blanc (2000). Esses problemas servem muito mais raramente para justificar políticas rurais particulares do que as desigualdades de infra-estrutura dos territórios anteriormente evocadas. Distinguimos assim, como objetivo geral essencial, a busca para compensar os efeitos da baixa densidade, da mediocridade dos recursos das administrações locais e do atraso na infra-estrutura. Recorde-se, de passagem, que o objetivo geral de compensação das desigualdades de renda é pouco utilizado.

b) Objetivos intermediários e grupos de disposições  relativas à finalidade alocativa

As disposições de atenuação da baixa mobilidade do capital e de deficiência de informação (objetivo geral A)

Uma parte bastante importante dessas medidas remete a um período considerado como crucial na evolução das empresas: o da instalação e da retomada de fundos (objetivo intermediário A1). As medidas de ajuda à instalação tratam de diferentes aspectos: facilidades financeiras para ter acesso ao capital de custeio, informações sobre oportunidades de compra de comércios ou de terras agrícolas, incitação à aquisição de técnicas, facilitando as condições de aprendizagem ou de formação.

As medidas para as empresas preexistentes (objetivo intermediário A2) se dirigem essencialmente àquelas em fase de crescimento. O apoio ao investimento nos espaços rurais diz respeito quase exclusivamente ao imobiliário. As medidas agrícolas têm orientações variadas que podem ser agrupadas em diferentes famílias: melhoria da estrutura fundiária, reforço das capacidades de produção, diversificação das atividades, assessoria técnica e luta contra riscos sanitários e naturais, e promoção da agricultura de grupo. O apoio às atividades florestais é realizado em duas famílias de ação, uma centrada no desenvolvimento dos recursos e outra para torná-los acessíveis.

O apoio às cadeias produtivas (objetivo intermediário A3) pode se dar por intermédio de incitações individuais ou coletivas que visam, de forma bastante direta, a melhoria da organização econômica. O respeito a normas sanitárias e, em um bom número de casos, a construção de uma especificidade territorial vão ser o resultado de uma visão que coloca em destaque a qualidade dos produtos agroalimentares. Os dispositivos públicos tendem a reforçar a coordenação dos agentes da cadeia produtiva, procurando, às vezes, as formas de organização que permitem uma distribuição julgada eqüitativa do valor agregado. Levando em conta a forte proporção das disposições consagradas, o apoio à oferta de habitação (em volume e em qualidade) foi considerado como um objetivo intermediário específico (A4).

As medidas de gestão das externalidades e dos bens públicos ambientais (objetivo geral B)

A aplicação sobre um território de medidas relativas a esse objetivo deve favorecer as condições de um desenvolvimento sustentável e oferecer a possibilidade efetiva da coexistência de diversas atividades sobre um mesmo território.

As medidas relativas aos efeitos externos positivos de produção (objetivo intermediário B1) dizem respeito exclusivamente aos setores agrícola e florestal. Trata-se de reforçar o impacto graças a medidas que são, às vezes, concertadas. As medidas visando a redução dos efeitos negativos da produção (objetivo intermediário B2) estão relacionadas, ao mesmo tempo, ao setor agrícola e às atividades de construção de infra-estrutura.

A gestão do lixo pode estar ligada à gerência dos efeitos externos negativos do consumo (objetivo intermediário B3).

c) Objetivos intermediários e grupos de disposições relativas à finalidade redistributiva

As políticas de compensação dos efeitos da baixa densidade, da mediocridade dos recursos das administrações locais e do atraso na infra-estrutura (objetivo geral C).

Gráfico dos objetivos das políticas rurais

(não disponível)

 

Esses dispositivos dizem respeito, inicialmente, ao reforço das infra-estruturas em rede (objetivo intermediário C1). Esse objeto remete a diferentes famílias de medidas que se referem à melhoria de áreas públicas de circulação e à infra-estrutura em redes domésticas (manutenção e ampliação da capacidade das redes telefônicas, elétricas, de adução e de tratamento de água).

O acesso e a animação dos organismos administrativos, esportivos, culturais ou escolares constituem um segundo objetivo intermediário (C2) ao qual se associam diversas famílias de medidas.

O desenvolvimento de serviços ambientais (objetivo intermediário C3) pode ser relacionado com famílias de ações ligadas com diferentes objetivos: a água, a paisagem e o patrimônio construído.

As medidas de conservação e melhoria de diversos serviços mercantis, como os recentes comércios polivalentes, ou não mercantis, destinados principalmente aos domicílios, ligam-se ao objetivo intermediário C4. Esses dispositivos dizem respeito igualmente à preservação de certos serviços públicos, que são, ao mesmo tempo, elementos da qualidade de vida e símbolos da presença do Estado (correio, escola, unidade policial). Uma parte desses serviços colabora para outro objetivo intermediário (C5), o da segurança.

Em numerosos casos, trata-se, para o poder público, de compensar a deficiência de rentabilidade econômica destes serviços. Deficiência essa imputável à baixa densidade demográfica ou aos sobrecustos gerados pela sua instalação.

As medidas de compensação das desigualdades interindividuais

As medidas específicas cujo objetivo é compensar as desigualdades entre indivíduos (objetivo geral D) são raras. Pode-se associar a este objetivo geral o objetivo intermediário ligado ao desenvolvimento dos serviços às pessoas, igualmente vinculado ao objetivo geral de compensação da falta de infra-estrutura. O desenvolvimento e a melhoria das moradias, assim como a compensação à queda de certas rendas ligadas às características do rural constituem os objetivos intermediários D6 e D7. A esses objetivos intermediários podem ser aproximadas, respectivamente, a família das medidas de criação e a melhoria da oferta de moradias ou de apoio à renda por atividade, que se dão dentro de uma lógica social. O dispositivo em favor dos agricultores em dificuldade se destina àqueles que fracassaram na tentativa de modernização e que resultou em um superendividamento. Ele não concerne, contudo, àqueles que ficaram de fora da modernização.

O tratamento da pobreza rural é mais uma adaptação dos dispositivos nacionais, dos quais se reforçam as condições de efetiva aplicação (por exemplo, para a Renda de Inserção Mínima, através das redes de assistentes sociais da Mutualité Sociale Agricole), do que a implantação de procedimentos específicos. Historicamente, a intervenção dentro de uma lógica redistributiva, no sentido que foi definido, sob a forma de políticas rurais específicas, parece ter surgido mais precocemente do que a realizada em uma lógica alocativa. Esta lógica redistributiva corresponde ao essencial das despesas dos Conselhos Gerais explicitamente dedicadas ao espaço rural. [10]

 

As possibilidades de utilização da classificação

Para melhor argumentar sobre a validade da abordagem, procura-se aproximar cada nível de objetivo a um tipo de indicador. Como recorda Daucé (1998), que utilizou esse tipo de abordagem no estudo de políticas regionais de desenvolvimento rural, indicadores de desenvolvimento (evolução geral da população, dos empregos e das rendas) podem ser usados para tentar estimar em que medida as finalidades do programa foram alcançadas. Indicadores de resultados podem ser mobilizados para avaliar objetivos estratégicos (volume de produção, de renda e de empregos atribuíveis ao dispositivo). A apreciação comparativa dos resultados de uma política regional em relação à evolução de outras regiões é, às vezes, buscada através de ferramentas mais sofisticadas, como a análise residual estrutural defendida especialmente por Dormard (1999). Os objetivos operacionais definem os dispositivos de intervenção adotados; os indicadores de mudança buscam constatar as modificações de comportamento dos agentes econômicos que podem acompanhar a realização desta categoria de objetivos (pode se tratar, por exemplo, da variação da freqüentação de turistas, da evolução da demografia das empresas, da variação da freqüentação dos serviços públicos locais).

Esses indicadores têm limites bem conhecidos. Na maioria dos casos, muito mais do que provas absolutas, eles fornecem índices de evolução e elementos de refutação. Apesar de diferentes precauções metodológicas possíveis, a identificação do efeito próprio das políticas permanece problemática.

Enfim, as ações elementares podem ser avaliadas por indicadores de realizações físicas e financeiras.

A avaliação da eficiência, que precisa confrontar os objetivos com os resultados, é, desta forma, baseada em aproximações. [11] Nessa perspectiva, o gráfico dos objetivos permanece, contudo, útil, na medida em que ele permite explicitar os fins da política.

Deixando mais clara a articulação entre objetivos, esse tipo de representação facilita a análise da coerência interna (adequação dos meios em relação aos objetivos e discussão do caráter mais ou menos judicioso da escolha dos instrumentos) e da coerência externa que supõe a comparação com outros tipos de políticas que tenham finalidades bastante próximas e que se aplicam sobre o mesmo território. O gráfico permite uma discussão sobre os objetivos de políticas rurais que se aplicam a um território, ao recompor a lógica geral de diferentes dispositivos, freqüentemente fragmentados em função dos setores e dos campos de competência de diferentes administrações locais que os impulsionam. Esse tipo de procedimento permite precisar os eventuais pontos de convergência e de divergência entre os fins. Da mesma forma, possibilita verificar os objetivos do programa que podem ser parcialmente antagônicos (crescimento econômico e preocupações ambientais; aumento da produção agrícola e melhoria da qualidade de vida para os habitantes e das amenidades buscadas pelos turistas; diversificação das atividades e complementaridade produtiva).

A clarificação dos objetivos permite, sobretudo, abordar a questão da pertinência. Isso quer dizer tratar da adequação entre as apostas relacionadas aos territórios onde as políticas rurais são aplicadas com os objetivos definidos pelo programa considerado. Nesta análise, é necessário ter em conta que a formulação dos problemas econômicos e sociais locais e as soluções propostas pelos dispositivos não são perfeitamente distintas, mas, ao contrário, fortemente contingentes, em razão do peso das redes institucionais de ação pública. Peso esse que já foi ressaltado por Beslay et al. (1998), ao tratar das políticas territoriais de conversão industrial. A análise da política pode se beneficiar desse tipo de abordagem, relacionada aos sistemas locais de ação pública e orientada para a dimensão cognitiva do dispositivo, para precisar o papel dos atores na definição conjunta do que está em jogo e do próprio programa (ou o que é considerado como tal). A reconstituição do gráfico de objetivos permite, além disso, tornar mais aparente a estratégia das instituições (Guérin et al., 2001).

Para discutir de forma aprofundada a pertinência, é necessário, contudo, poder precisar a hierarquia que pode ser estabelecida localmente entre os objetivos, porque, evidentemente, é a prioridade dada a um conjunto de objetivos que revela a estratégia adotada. A clarificação dessas possibilidades estratégicas permite construir categorias de combinações entre objetivos, que podem ser utilizadas como referência interpretativa que servirá de base a análises práticas.

Os diferentes objetivos são adotados com ordens de prioridade bastante variáveis conforme os territórios em que são aplicados. Essas variações, por sua vez, vão influenciar de forma fundamental a lógica de aplicação dos programas. A descrição dessas diferentes lógicas é uma etapa importante da análise de uma política. Em seguida, a confrontação da lógica com os mecanismos de evolução do território permite avaliar a coerência das ações.

Classificação das principais lógicas das políticas rurais

A partir da classificação das disposições elementares, a construção de categorias de políticas repousa sobre um princípio simples que procura distinguir os elementos dominantes dos Departamentos e Regiões. Para cada administração local, o conjunto de disposições repertoriadas, codificadas segundo a nomenclatura que foi apresentada anteriormente, é repartido em três grupos: as medidas ligadas ao objetivo A, ao objetivo C e aos objetivos B e D. O primeiro grupo compreende as medidas que visam objetivos econômicos, agindo sobre setores ou ramos de atividades. No segundo, as medidas são ligadas à implementação, manutenção e desenvolvimento de infra-estrutura e de serviços públicos de proximidade. Já o terceiro, pela associação dos objetivos gerais B e D, corresponde a lógicas de ação mais transversais, associando medidas que levam em conta os bens ambientais e a dimensão social dos fenômenos de desenvolvimento. As intervenções podem, assim, ser classificadas segundo três pólos que representam lógicas de ação mais destinadas a uma das grandes esferas (setor de atividade, categoria de infra-estrutura) ou mais horizontais (meio ambiente, social). A partir desse posicionamento, são construídas políticas-tipo de Departamentos ou Regiões segundo a orientação dominante das medidas que são priorizadas (cf. Anexo). É preciso ressaltar que, se a cada um dos pólos corresponde um grupo, uma categoria intermediária foi constituída (grupo 4) para dar conta das situações bastante equilibradas entre intervenções que privilegiam os setores de atividade econômica e intervenções que privilegiam as infra-estruturas e os serviços públicos locais.

Grupo 1: Políticas orientadas para o desenvolvimento de atividades econômicas

As administrações locais classificadas neste grupo apresentam, em suas guias de subvenções, uma política que parece ser inspirada por um objetivo geral de desenvolvimento econômico. A ênfase é colocada sobre os meios de produção e sua incorporação na atividade produtiva, com uma atenção especial às empresas e às atividades econômicas. São sete Regiões e dez Departamentos que compõem esse grupo, com um total de 600 disposições que são, em mais de dois terços, setoriais. Menos de uma disposição em quatro vai para a infra-estrutura; e menos de uma em dez, para o meio ambiente e a ação social.

As atividades concernidas são principalmente a agricultura, a agroindústria alimentar, a silvicultura, as indústrias de beneficiamento e transformação da madeira, o turismo ecológico e as atividades de lazer ao ar livre. Sobre esses setores tradicionais, as intervenções das administrações locais visam, primeiro, perenizar o nível de atividade, assegurando a renovação das pessoas que exercem atividade profissional, por diferentes subvenções à implantação, à retomada (compra) ou à cessão (transmissão por herança) de empreendimentos (objetivo A1). O principal alvo é a agricultura, graças a um leque de instrumentos clássicos que reforçam o dispositivo nacional de acompanhamento das instalações [12] agrícolas ("cheque instalação"), ou, às vezes, complementando-as (ajuda às instalações fora do quadro familiar, ajuda às instalações não-beneficiárias das subvenções do Estado etc.). Acessoriamente, outros setores são também atingidos, como a hotelaria e o pequeno comércio. Na mesma direção desta primeira linha de ação, a atividade das empresas beneficia-se de medidas que fortalecem as unidades de produção já instaladas (objetivos A2 e A4). As subvenções individuais se destinam à diminuição dos custos de produção (melhorando, por exemplo, a eficiência das técnicas de produção) e à diversificação (pequenas produções; conversão à produção orgânica; beneficiamento ou transformação). Elas são freqüentemente articuladas com medidas coletivas que buscam promover as atividades inseridas no seu território de origem, seguindo uma concepção de qualidade ligada à autenticidade e à tipicidade (subvenções às Denominações de Origem Controlada - DOC, às raças típicas da região, aos produtos regionais etc.). Da mesma forma, articulam-se com medidas e iniciativas à organização (subvenções à utilização em comum de máquinas agrícolas, ao desenvolvimento cooperativo, ao grupos de agricultores orgânicos, aos grupamentos de empregadores etc.) e às estruturas de gestão ou de regulação do mercado (implantação de estruturas para comercialização direta; subsídios para a realização de investimento imaterial de natureza comercial, como na imagem dos produtos etc.).

As políticas deste grupo, tanto para os Departamentos quanto para as Regiões, estão, assim, centradas na valorização da abundância de espaço. Pode-se depreender daí que as Regiões utilizam pouco suas competências sobre o desenvolvimento econômico regional, ao declinarem dos eixos de intervenção diferenciados em favor do rural. Associa-se a esse aspecto tradicional das atividades-alvo uma forma de agir bastante convencional. Realiza-se mais o acompanhamento de formas de proceder habituais do que a busca de vias renovadas de desenvolvimento. Não é necessário, entretanto, identificar de forma muito estreita esse grupo de políticas a uma concepção antiga ou tradicional de intervenção pública, uma vez que são observados, também, numerosos indícios de evolução, em particular, sobre o tema da territorialização dos modos de ação e sobre a promoção das capacidades de ação coletiva.

Grupo 2: Políticas de desenvolvimento orientadas para a infra-estrutura e os serviços públicos locais

Segundo grande pólo, a partir do qual podem ser ordenadas as políticas locais de desenvolvimento, a infra-estrutura rural é, contudo, reservada apenas aos Departamentos na nossa classificação, de acordo com a repartição regulamentar dos blocos de competências. A lógica que sustenta o objetivo geral (C) deste tipo de intervenção é a de compensação frente às administrações territoriais de base (as communes e seus grupamentos), que não dispõem de recursos suficientes para atualizar e adequar sua infra-estrutura e os serviços públicos locais.

Nos oito Departamentos considerados, as combinações de medidas são majoritariamente destinadas às infra-estruturas e aos serviços locais (56% em média para o grupo), economizando, contudo, nas intervenções econômicas setoriais (em média, uma medida em três). Todas as administrações classificadas neste grupo empregam fortemente uma bateria de subvenções destinadas à implementação e à manutenção de infra-estruturas em rede (objetivo C1), como estradas, adução de água potável, saneamento ou eletrificação. O mais freqüente é que a política de apoio à infra-estrutura das communes não seja a priori considerada como específica para o meio rural. Mas como ela é modulada segundo critérios de população ou de potencial fiscal, um esforço particular acaba, de fato, sendo destinado ao rural. A primeira característica deste grupo de políticas pode, assim, ser definida por uma atenção explícita aos contextos locais de produção de serviços públicos. Busca-se fazer uma relação entre os recursos de que pode dispor efetivamente cada commune com os que devem ser investidos para que ela esteja em condições de prestar serviços em nível satisfatório. Essa busca de eqüidade se dá, também, com a melhoria do acesso às infra-estruturas preexistentes (objetivo C2). Concretamente, as subvenções são destinadas a facilitar o deslocamento dos habitantes de communes rurais e a melhorar a qualidade dos serviços públicos nas communes-pólo (ou bourg-centres). Vê-se, dessa forma, desenhar-se uma orientação no seio dessas políticas no sentido de diferenciar o tratamento interno aos espaços rurais em favor dos pólos administrativos (ou chefs-lieux, que são os centros administrativos de uma circunscrição territorial), sobre os quais se concentram os esforços públicos para certas infra-estruturas e serviços de categoria intermediária (estruturas para práticas desportivas, pontos de acesso às novas tecnologias de informação ou comunicação, serviços de pré-escola etc.) acessíveis a todos os habitantes do "local" ou, mais precisamente, do perímetro inter-communal.

As ações sustentadas pelas políticas deste grupo são, por construção, alocadas entre realizações de infra-estrutura e regulamentadas por uma multiplicidade de regulamentos. As medidas arroladas nos guias de subvenções inserem-se nesse quadro compressivo, reforçando certos traços tradicionais (construção de salas polivalentes, embelezamento das ruas centrais etc.) e também as intervenções de escalões superiores (complemento de subvenções para edifícios classificados como patrimônio histórico ou para espaços considerados como carentes, por exemplo). Observou-se, da mesma forma, um crescimento em setores pouco ou não cobertos por políticas genéricas (patrimônio não protegido), assim como uma consideração, cada vez mais forte, da dimensão ambiental das obras de infra-estrutura, buscando um arranjo estético e uma integração paisagística.

Grupo 3: Políticas de orientação transversal

Os dois pólos precedentes exercem um forte poder estruturante sobre as políticas examinadas. Eles permitem perceber as orientações maiores presentes nos guias de subvenções. A utilização de um terceiro pólo, consagrado às ações menos setorizadas, é justificada pela vontade de discernir a existência de eventuais políticas construídas sobre bases mais transversais ou que, pelo menos, dêem uma importância perceptível às relações entre os diferentes componentes do desenvolvimento rural. As administrações incluídas neste grupo 3 são, desta forma, definidas pelo lugar que reservam às dimensões ambientais (objetivo B) e sociais (objetivo D). Apenas uma Região e sete Departamentos se encaixam neste perfil. Dentro destas oito políticas locais, chega-se a uma média de 20% das disposições que são ditas transversais, o que está longe de superar as disposições econômicas, que alcançam 45%, e as de infra-estrutura, com 35%.

A particularidade das políticas ditas transversais é a existência de uma proporção significativa de medidas ligadas aos objetivos B2 e D6. Pode-se esquematizar essa situação colocando lado a lado um conjunto de subvenções públicas destinadas ao desenvolvimento das atividades econômicas e das empresas (A2), e um conjunto de ações públicas que procuram conter os efeitos externos dessas mesmas atividades (B2). Levar em consideração os efeitos indesejáveis da exploração dos recursos locais é, portanto, o que diferencia este grupo. Nessa direção, arrolam-se as subvenções – que se somam às ajudas públicas já existentes – para facilitar o controle da poluição ligada à atividade agrícola (para tratamento de dejetos de unidades de confinamento animal ou de efluentes de agroindústrias, por exemplo). Isso passa, concretamente, pelos planos mais gerais de controle da poluição de origem agrícola e pela cobrança do respeito às normas para as construções e os equipamentos. Para além do reconhecimento e do acompanhamento das questões em jogo, as subvenções têm elementos que apontam soluções e que visam agir sobre práticas que são a causa das externalidades negativas. Ou seja, busca-se assegurar a promoção de práticas compatíveis com a preservação do meio ambiente. Além de considerar as interações entre as facetas produtiva e ambiental das atividades rurais, as políticas do grupo 3 dão ênfase também à questão habitacional. A referência pode ser a solidariedade, uma vez que as subvenções à moradia estão centradas no aluguel com uma preocupação social explícita (habitações communales para aluguel, habitações sociais no meio rural). Trata-se aqui, da mesma forma, de um indicador de tomada de consciência do caráter multidimensional do desenvolvimento. A moradia constitui um dos pontos de convergência dos diferentes movimentos que atravessam os espaços rurais, particularmente na relação entre lugar de emprego e lugar de residência.

O interesse desse grupo não está no plano numérico – já que as combinações de disposições continuam sendo predominantemente setoriais – mas numa perspectiva dinâmica, porque se pode supor que as administrações locais estão cada vez mais sensíveis às múltiplas interdependências que fazem o desenvolvimento dos espaços rurais. Para os sete Departamentos e a Região examinados sob esse ângulo, tudo se passa como se eles tivessem decidido gerir, no seu nível, as externalidades geradas pelas atividades econômicas do campo, quando, em outros casos, a mesma preocupação pode resultar na ajuda à organização para que os agentes, eles mesmos, de forma coletiva, assumam essa responsabilidade.

Grupo 4: Políticas de desenvolvimento "equilibradas" ou orientadas, ao mesmo tempo, para os setores de atividade e para os serviços públicos

Os resultados obtidos no estudo, quando da classificação das políticas das Regiões e Departamentos, fizeram surgir um grupo bastante importante de administrações territoriais para as quais as combinações de disposições não se ligam claramente a um dos três pólos. Numa primeira análise, essas políticas escapam à classificação adotada. Mas elas podem também ser consideradas em ligação com um certo equilíbrio entre as orientações dominantes.

No conjunto estudado, esse grupo compreende uma Região e 13 Departamentos. As disposições repertoriadas procuram, igualmente para essas administrações locais, apoiar as atividades rurais tradicionais (um terço das disposições). O setor turístico é, no entanto, particularmente levado em conta (uma medida econômica em cinco; quando, em média, a proporção é de apenas uma para sete nos outros grupos). Essa particularidade não tem um significado específico se considerada de modo isolado. Se a associarmos, no entanto, à constatação de um esforço igualmente importante sobre os serviços públicos, podemos, então, fazer a hipótese de que se trata de administrações locais que orientam suas ações de desenvolvimento para a melhoria da atratividade dos seus espaços rurais. Nos Departamentos que parecem seguir essa opção de desenvolvimento, as medidas que podem ter um efeito sobre a capacidade de acolher novas populações são fortemente representadas. Além disso, é necessário destacar uma certa complementaridade em cada conjunto de medidas entre as diferentes facetas da atratividade. As ações apoiadas no setor turístico colocam em jogo uma série de fórmulas (pousadas, colônias para crianças, albergues etc.) adaptadas à variedade das atividades de lazer possíveis nesse tipo de espaço (turismo ligado à pesca, trilhas, turismo eqüestre, lazer na floresta etc.). De forma complementar, são igualmente promovidas ações de communes ou de grupamentos intercommunaux em favor da preservação e da valorização do patrimônio local, seja ele arquitetônico ou natural, ou atividades de mise en scène dos recursos locais, através de diversas atividades de animação cultural.

É esse conjunto de medidas de incitação a ações, situadas em um feixe relativamente coerente do ponto de vista do desenvolvimento da capacidade de acolhida do território, que marca a lógica de intervenção dos Departamentos deste grupo. Nem todos têm uma posição clara nessa questão. Alguns foram classificados neste grupo por um simples efeito de divisão equilibrada das disposições que eles propõem. E, entre aqueles que se distinguem por essa opção de desenvolvimento, as estratégias não são forçosamente explícitas e voluntaristas. Para além dos casos em estudo, pode-se reter uma idéia: a das políticas de atratividade global dos espaços rurais, que visam, ao mesmo tempo, aumentar a capacidade de acolhida de residentes permanentes e de residentes temporários. Nos dois casos, trata-se de interessar e atrair populações atentas à qualidade de vida, tanto em termos de amenidades e de aprazibilidade dos lugares, quanto de atividades de lazer ou distração. A estratégia pode ser resumida pela idéia de promoção de um "meio rural vivo" (ou "campo vivo").

 

Conclusão

Os resultados do trabalho de pesquisa apresentados neste artigo mostram a complexidade do dispositivo de intervenção pública local em favor dos espaços rurais na França e a necessidade de limitar de forma bastante precisa o campo de análise, graças à realização preliminar de inventário ordenado das políticas correspondentes. Este trabalho contribui, dessa forma, para elucidar os elementos e para explicitar suas intenções. Os principais resultados aqui expostos permitem, assim, formular algumas pistas de análise: a primeira está ligada à própria constituição dos territórios do desenvolvimento rural; a segunda, à pertinência das intervenções que lhes dizem respeito e, a terceira, à coerência das ações que lhes são destinadas.

Os territórios dentro das políticas locais de desenvolvimento rural são, primeiro, os dos Departamentos e das Regiões. Cada administração territorial faz a gestão de seu perímetro com base em suas próprias prerrogativas, dirigindo-se aos seus habitantes de forma diferenciada segundo sua situação econômica, que pode variar especialmente no espaço. Naquilo que constitui o dispositivo de desenvolvimento rural do Conselho Regional ou Geral, os territórios locais intervêm, todavia, de duas formas complementares. Primeiro, em termos de delimitação e de elegibilidade, áreas de intervenção são escolhidas em função das características rurais que dão direito a medidas especiais ou a uma bonificação das ajudas-padrão. Em geral, trata-se apenas de zoneamentos estabelecidos com base em critérios de fragilidade (objetivo B5, zona de montanha etc.), mesmo que a partir deles seja difícil falar em territórios. Algumas administrações locais consideram, no entanto, "recortes" mais positivos, que correspondem a organizações coletivas (do tipo das Denominações de Origem Controlada ou dos Parques Naturais). A questão que se coloca aqui é sobre o papel dos Departamentos e Regiões na constituição dos territórios rurais, sabendo-se que cada categoria de administração local privilegia critérios distintos para promover os contornos e formas de organização locais que se enquadrem mais diretamente com sua própria política.

O segundo eixo de reflexão sobre o qual nosso trabalho permite insistir é aquele da pertinência da intervenção pública. Quando se ressalta a dimensão territorial do desenvolvimento rural, valorizam-se os processos que têm um significado especial neste campo, principalmente aqueles que se referem aos recursos localizados e a sua valorização em um quadro coletivo. Cada território é concebido como depositário de uma dotação diferente de recursos que precisam ser mantidos, desenvolvidos e valorizados. O campo (meio rural) é caracterizado, desse ponto de vista, pela abundância de espaço, pela presença de amenidades e pela existência de saberes humanos ligados à história econômica e social dos locais. Esses trunfos, implicitamente considerados como subaproveitados, podem ser reforçados e dar lugar a produções adaptadas às condições gerais de competição nos mercados. Ao mesmo tempo, cada região se distingue de sua vizinha por uma combinação particular de atributos. Ela pode buscar aprofundar essa diferenciação, respondendo às incitações de dispositivos públicos, cada vez mais freqüentemente consagrados a esse objetivo. O sucesso desse tipo de procedimento traz o potencial de um outro princípio de concorrência, este territorial, na medida em que é sobre uma lógica de diferenciação espacial que repousam as vantagens construídas.

Com relação à terceira pista, os territórios rurais podem ser considerados como áreas de intervenção sobre as quais convergem demandas e ações múltiplas. O caráter composto do dispositivo, que é construído pelos grandes atores públicos, em benefício desses territórios, torna essencial a consideração das questões de coerência. Suas intervenções não se traduzem por transferências globalizadas, das quais os territórios fariam livre uso, mas por subvenções para objetos precisos que dependem da visão que a administração local emissora faz do desenvolvimento local. Se há contradições entre as políticas dos diferentes parceiros – ou, até, entre setores de uma mesma instituição – ou se as incitações recebidas não correspondem à opção de desenvolvimento de algumas communes ou grupos locais, podem surgir problemas. É necessário, contudo, relativizar essa perspectiva, destacando a existência de dispositivos de coordenação das subvenções públicas nos Departamentos ou Regiões (fundos específicos de intervenção ou projetos), entre os operadores públicos (contratos e outras formas de parceria), assim como sobre os próprios territórios (consórcio de communes, associações regionais, associações de desenvolvimento). Além disso, há procedimentos integrados, fundados sobre uma estratégia de desenvolvimento relativamente unívoca para a totalidade do perímetro de ação, nos mesmos moldes do que foi levantado para a melhoria da atratividade do território. As subvenções propostas conservam um grau de diversidade compatível com as diferenças de situação dos agentes locais, mas elas estão também inseridas em um conjunto coerente. E cada uma contribui para o alcance dos objetivos gerais de desenvolvimento. A questão que se coloca, então, é sobre o papel que pode desempenhar o território como um nível de encontro entre a escala de apreensão dos problemas mais próximo de sua manifestação concreta e a escala da construção da coerência das diversas intervenções públicas ligadas a cada uma das categorias de problemas.

 

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ANEXO

Classificação das políticas rurais dos Departamentos e Regiões

Objetivos

Grupos de políticas

A

C

B + D

Administrações territoriais

Grupo 1 : Política com predominância econômica e setorial

N (número de medidas)

> 60%

N< 40%

N < 20%

Auvergne, Bourgogne, Centre, Franche Comté, Limousin, Pays de Loire, Rhône Alpes, Cher, Corrèze, Côte d'Or, Creuse, Loir et Cher, Loire Atlantique, Lot, Nièvre, Bas Rhin et Haute Saône

Grupo 2 : Política com ênfase em infra-estrutura e serviços públicos locais

N < 50%

N>45%

N<20%

Allier, Dordogne, Ille et Vilaine, Indre et Loire, Jura, Loiret, Maine et Loire, Deux Sèvres

Grupo 3 : Política com predominância "transversal"

N<60%

N<60%

N<15%

Aquitaine, Côtes d'Armor, Doubs, Drôme, Isère, Lot et Garonne, Saône et Loire, Savoie

Grupo 4 : Política "equilibrada"

40%<N<60%

30%<N<50%

N<20%

Alsace, Cantal, Eure et Loir, Finistère, Indre, Loire, Haute Loire, Mayenne, Puy de Dôme, Haut Rhin, Haute Saône, Tarn et Yonne.

 

Notas

[1] Tradução de Vanice Dolores Bazzo Schmidt, mestranda do Programa de Pós-graduação em Agroecossistemas da Universidade Federal de Santa Catarina e Coordenadora Técnica do Projeto Vida Rural Sustentável.

[2] As leis de descentralização de 1982-83 contribuíram para definir um novo quadro político-administrativo na França (Berriet-Solliec, 2002). De fato, elas criaram uma nova entidade política – a Região –, organizaram a transferência de competências do Estado para as instâncias infranacionais e participaram, da mesma forma, do fortalecimento das intervenções econômicas e sociais das administrações territoriais: 36.000 communes, 100 Departamentos e, a partir de então, 26 Regiões.  Este artigo se interessa apenas pelas intervenções dos Departamentos (Conselhos Gerais) e das Regiões (Conselhos Regionais). A commune é a menor unidade administrativa na França, dirigida por um prefeito e uma câmara legislativa.  Existe uma grande disparidade entre as communes francesas: 88,7% têm menos de 1.000 habitantes e 0,1%, mais de 100.000.  Por não existir uma unidade administrativa equivalente no Brasil e por se considerar que a utilização do termo município poderia gerar confusão, optou-se por manter a palavra comunne ao longo do texto.(N.T.)

[3] Esses sombreamentos (que se traduzem por fenômenos de antagonismos ou de complementaridade) existem porque não há uma hierarquia definida entre Departamento e Região. No entanto, a possibilidade dada às Regiões de destinar subsídios diretos e de gerir contratos de desenvolvimento com o Estado lhes confere uma espécie de ascendência sobre o Departamento.  Este último perde a iniciativa de algumas formas de desenvolvimento e se vê pressionado para um necessário entendimento com os Conselhos Regionais.

[4] De fato, a assinatura em março de 1999 dos Acordos de Berlim reafirma a vontade da Europa de envolver mais os escalões infranacionais no desenvolvimento rural.  Segundo o artigo 41 do novo Regulamento de Desenvolvimento Rural, "os planos de desenvolvimento rural são estabelecidos no nível geográfico mais adequado".

[5] Subdivisão administrativa que elege um representante no Conselho Geral (N. T.)

[6] Infra-estruturas intermediárias: ensino de 5a à 8a série; banco; supermercado; lojas de roupa, de móveis etc.; unidade de polícia; bombeiros; exatoria; cartório; dentista, veterinário etc.; casas de repouso para idosos.

[7] LEADER – Ligação Entre Ações de Desenvolvimento da Economia Rural (N. T.).

[8] Os Parques Naturais Regionais (PNR) constituem, ao mesmo tempo, perímetros de ação sobre os quais as administrações territoriais se comprometem a promover um desenvolvimento adaptado aos recursos locais e perímetros de proteção de alguns desses recursos, sendo privilegiada a primeira função.

[9] Dupraz et alli (2001) destacam a atualidade do debate entre escolhas alocativas e redistributivas no que diz respeito às políticas agrícolas e rurais.

[10] A título de exemplo, o orçamento inicial de 2000 do Departamento da Meuse consagra à função redistributiva três quartos do conjunto dos créditos, o que estimamos constituir uma política rural.

[11] A noção de eficiência interna, que significa precisar como um dispositivo assegura as tarefas desejadas, coloca um pouco menos de problemas de confiança porque faz referência a indicadores de mais fácil elaboração. Greffe (1999) ressalta, no entanto, o caráter insatisfatório dessa noção por vezes utilizada e suas fronteiras normalmente pouco definidas com a de eficiência externa.

[12] O termo instalação faz referência ao ingresso na atividade agrícola.  Para ser beneficiário das subvenções do Estado, o candidato deve ter uma formação adequada e ter aprovado um projeto para a unidade produtiva (N. T.)