Estudos Sociedade e Agricultura
Nelson Giordano Delgado
Desenvolvimento local e extensão rural e pesqueira: reflexões metodológicas
À memória de Elisabeth Leivas de Otero Ribeiro
Estudos Sociedade e Agricultura, 16, abril 2001: 62-73.
Resumo: (Desenvolvimento local e extensão rural e pesqueira: reflexões metodológicas). O texto sustenta a idéia de que a dimensão do local constitui papel crucial no desenvolvimento rural. Associando essa questão com o tema da extensão rural, o autor tece considerações metodológicas em torno do par iniciativas/criatividade nas atividades rurais, focalizando a necessidade de políticas públicas orientadas para o setor pesqueiro.
Palavras-chave: agricultura, pesca, agricultura familiar, extensão rural, desenvolvimento local.
Abstract: (Local development, rural extension and fishing: methodological considerations). The article defends the idea that the local dimension is an important condition for rural development. Making an especific connection between development and rural extension, the author presents some methodological notes on the theme of initiatives/criativity in rural activities, focussing on the need for public policies directed to the promotion of fishing.
Key-words: agriculture, fishing, familiar agriculture, rural extension, local development.
Conferência pronunciada no Iº Seminário Brasileiro de Extensão Pesqueira, promovido pelo Prorenda Rural–PE e pela UFRPE/CMARCR, Recife (PE), em 3 e 4 de maio de 2001.
Nelson Giordano Delgado é professor da UFRRJ/CPDA.
1. Ao ter sido convidado pela coordenadora brasileira e pela consultora alemã do Projeto Prorenda Rural-PE para participar como palestrante num seminário sobre extensão pesqueira, minha primeira reação foi sentir-me como um “peixe fora d’água”, já que meus conhecimentos sobre “a economia e a sociedade da pesca” são mínimos. Ao refletir um pouco mais, no entanto, ponderei que, apesar disso, não seria de todo impróprio considerar-me também como um “peixe dentro d’água”, pois entre os temas de meu interesse profissional figuram a agricultura familiar e o desenvolvimento local. Pertenço ainda a um departamento universitário multidisciplinar que trata de aplicar os conceitos e as abordagens das diferentes ciências sociais – aí incluída obviamente a economia – sobre a temática do rural, valendo-se de uma gama bastante diversificada de linhas de pesquisa que cobrem, por exemplo, desde os movimentos sociais no campo até as políticas públicas voltadas para o meio rural.
Por outro lado, existem muitas semelhanças – não obstante suas diferenças – entre os agricultores familiares e os pescadores artesanais, entre as quais se incluem a sua marginalidade diante da estrutura de poder econômico e político dominante no país e a sua histórica resistência frente a condições econômicas e sociais bastante adversas. Além disso, representam atividades produtivas de considerável risco econômico, para as quais os mercados muitas vezes não existem ou existem apenas de forma incompleta, de modo que diversos arranjos ou contratos institucionais particulares são criados para substituí-los, fazendo com que, tanto a agricultura quanto a pesca, sejam atividades que combinam formas institucionais “modernas” e “arcaicas”. Essas características das atividades rurais têm sido ressaltadas e teorizadas pela chamada economia neo-institucional e, mais recentemente, incorporadas nas análises e no jargão dos economistas do *Banco Mundial. [1]
Há um primeiro ponto sobre o qual quero chamar atenção aqui: as atividades rurais, como a agricultura e a pesca, são atividades humanas nas quais a relação com a natureza é determinante e, em grande medida, incontrolável. E para essa relação homens/mulheres e natureza o mercado não é um bom mediador. A natureza não pode ser simplesmente reduzida à situação de mercadoria, pois, na verdade, como sabemos, ela é uma condição indispensável e indissociável da existência e da sobrevivência humanas. Por esta razão, é necessária a intervenção pública sobre os mercados – não apenas por meio de agências estatais, mas também de organizações da sociedade civil – para regular essa relação homens/mulheres e natureza, tentando proteger essa última da volúpia ilimitada dos interesses econômicos privados.
É graças a essa situação, entre outros fatores, que o protecionismo agrícola (pela política estatal) tem sido tão importante nos países capitalistas indus-trializados desde a Grande Depressão de 1929, a tal ponto que a agricultura foi praticamente deixada à parte do processo de liberalização restringida do comércio mundial que ocorreu desde o imediato pós-2ª Guerra Mundial até a década de 1980. [2]
A relação contraditória entre mercados e natureza está presente também na idéia de reservas extrativistas, lançada por Chico Mendes, como uma intervenção pública indispensável para a defesa da floresta em algumas regiões da Amazônia. No caso do Acre, a atividade produtiva que preserva a floresta, o seringal, tem se mostrado contraditória com o mercado, ou seja, não tem rentabilidade econômica mercantil estrito senso e, portanto, não pode ser administrada pelo funcionamento do mercado auto-regulado. Nesse sentido, a reserva extrativista é uma intervenção pública que revela a existência de um serviço (a proteção da floresta) não pago pela sociedade à comunidade dos seringueiros e tenta encaminhar uma solução para contornar a ação predatória do mercado. Assim, a idéia das reservas extrativistas antecipa a discussão sobre a chamada multifuncionalidade das atividades rurais, tão em moda hoje nos debates sobre o protecionismo agrícola e a reforma da política agrícola da União Européia, e destaca a complexidade da questão amazônica, em que a demanda mais “pós-moderna” da sociedade civil planetária (a conservação do meio ambiente) é atendida por uma atividade produtiva (o seringal) considerada das mais “arcaicas” existentes no meio rural brasileiro e cuja reprodução não é garantida pelo mercado.
2. Talvez se possa dizer que nosso seminário esteve polarizado em torno de duas abordagens principais sobre a atividade pesqueira. Uma primeira, que poderíamos chamar de abordagem do “agronegócio”, enfatiza o “peixe” como uma mercadoria, como um produto para a venda, e para a qual o elemento determinante da atividade produtiva deve ser o mercado. [3] E uma outra abordagem, que denominaríamos – em apreço às exposições de Jefferson Souza da Silva e Josenildo Souza e Silva – de “complexidade das comunidades costeiras”, aborda a problemática da gestão costeira a partir da exigência de reconhecimento da complexidade das comunidades, onde o mercado é um entre outros fatores – como, por exemplo, a preservação ambiental, a relação com os de fora (a relação com o global), a organização e a participação dos atores, os arranjos e desenhos institucionais etc. – cuja consideração é indispensável para que se criem as condições para o desenvolvimento sustentável e a melhoria de vida das comunidades, e não apenas para o aumento das exportações brasileiras, tendo em vista melhorar a situação da nossa balança comercial e, assim, não ameaçar as expectativas dos investidores externos.
É possível que eu esteja simplificando excessivamente essa visão que chamo de “agronegócio”. Ela é, sem dúvida, mais complexa do que até mesmo seus defensores gostariam de admitir. Os mercados não surgem do nada, não são o verbo do princípio dos tempos. São instituições, têm história e dependem do estabelecimento de convenções e de normas que permitam a construção de uma teia de relações econômicas e sociais que viabilize seu funcionamento em um mundo que é intrinsecamente incerto e no qual o conhecimento que informa a tomada de decisões é sempre precário. Ademais, a relação dos atores econômicos e sociais com o mercado não é uma relação meramente passiva ou de subserviência total. Mercados podem ser criados, destruídos, transformados e regulados, tanto pela ação privada como pela pública.
No entanto, e no fundamental, essa abordagem do “agronegócio” não se aplica imediatamente aos pescadores artesanais, só tendo sentido quando referida à pesca empresarial. Mas ela é dominante no governo, mesmo em relação à reforma agrária, e, por isso, deve ser discutida num seminário como este. Na verdade, é uma visão ideológica, de quem quer mostrar, no caso dos Ministérios da Agricultura e da Reforma Agrária, que está fazendo o dever de casa nos moldes exigidos pelo Ministério da Fazenda e pela Presidência da República, na crença – manifesta no seminário pelo representante da Secretaria da Pesca do Ministério da Agricultura e do Abastecimento – de que a pesca somente vai ser reconhecida pelo Governo Federal se demonstrar que pode contribuir, significativamente, para o aumento das exportações brasileiras, evidenciando, dessa forma, que o próprio Governo Federal está fazendo o dever de casa exigido pelos organismos e pelos investidores internacionais.
3. Nos debates do primeiro dia do seminário, nosso interesse foi convidar os palestrantes a explicitarem mais sistematicamente as razões do “sucesso” de algumas experiências que foram relatadas, em especial um caso no âmbito do Projeto Prorenda Rural-PE, pois, num contexto em que os “fracassos” são usualmente predominantes, é muito importante analisar cuidadosamente as razões dos “sucessos” para avaliar se as condições que os viabilizaram podem ser generalizadas para outras situações concretas – pelo menos como pontos de partida metodológicos – ou se estão circunscritas ao meio ambiente econômico-social-ecológico do caso particular em consideração. Como já sugerimos em outro lugar, faz parte do processo de formulação da política pública setorial mapear as inúmeras experiências que estão sendo realizadas em um estado, ou região ou, mesmo, no país como um todo, e avaliar com muita cautela o aprendizado que propiciam e as condições necessárias para a sua reprodução em outros contextos (Delgado 2000a: 173-180).
Ademais, esse interesse também pretendia ser uma forma de introduzir a discussão da questão do desenvolvimento local sustentável e suas implicações para o perfil que é hoje requerido de extensionista rural, em particular, pesqueiro.
Quero iniciar, então, minhas considerações a respeito, com três observações:
A idéia de desenvolvimento local expressa, por definição, o papel crucial que as iniciativas locais desempenham para o desenvolvimento das comunidades. Essas iniciativas tornam esses lugares/locais/territórios em ambientes de inovação (de criatividade) e, em conseqüência, representam fatores fundamentais de competitividade (Veiga, 2000). Ou seja, a associação iniciativas-criatividade é um processo de criação de vantagens competitivas em um determinado local e, portanto, de geração de virtuosidades indispensáveis ao seu desenvolvimento sustentável.
De acordo com o geográfo e pensador da USP, Milton Santos, “cada lugar é, ao mesmo tempo, objeto de uma razão global e de uma razão local, convivendo dialeticamente” (Santos, 1999: 273). Entre os possíveis significados dessa provocativa sentença, podemos dizer que sugere que uma das particularidades da discussão do desenvolvimento local hoje é que o local tem de ser considerado necessariamente de uma dupla ótica: a dos atores e do meio ambiente econômico, social e ecológico locais – sua história, características específicas das comunidades, seu grau de organização, coesão e capacidade de iniciativa etc. – e a dos atores globais – empresários e suas estratégias, agências governamentais e suas políticas, organismos nacionais e internacionais etc. Sem a devida e cuidadosa apreciação da interação e do convívio, real ou potencial, dessas duas “razões” e ações, as possibilidades, complexidades e dificuldades do desenvolvimento local sustentável não serão plenamente compreendidas, com sérias implicações para a formulação e a implementação de políticas públicas, inclusive de extensão rural.
Por fim, aceitando as observações feitas, em sua exposição, pelo representante da Pastoral da Pesca de Pernambuco, podemos admitir que existem três questões principais que devem ser enfrentadas quando encaramos o desenvolvimento local das comunidades pesqueiras, a saber (sem qualquer hierarquia):
a preservação ambiental;
a conquista de direitos sociais pelos membros das comunidades pesqueiras, o que implica o seu reconhecimento pelo Estado como cidadãos, tornando-se a comunidade, conseqüentemente, objeto de políticas governamentais e de fornecimento de bens e serviços públicos;
geração sustentável de renda e a melhoria das condições de vida das comunidades.
É essencial admitir, ademais, que essas/esses três questões/objetivos só podem ser equacionadas/alcançados de maneira intrinsecamente solidária. O meio ambiente não vai ser conservado se as comunidades continuarem em condições miseráveis e sem direito às políticas e aos serviços fornecidos pelo Estado. A geração de renda não será sustentável sem preservação ambiental e sem exercício da cidadania por parte das comunidades. E a condição de cidadão não será plenamente conquistada e usufruída sem consciência ecológica e sem melhoria das condições de vida das comunidades pesqueiras.
4. As observações anteriores nos permitem chamar a atenção para o fato de que o desenvolvimento local não é simplesmente uma questão de acesso a ou de disponibilidade de recursos econômicos e naturais. [4] De um modo muito mais complexo, o desenvolvimento local deve ser encarado como um processo que requer a criação das condições para que as comunidades tenham acesso, isto sim, a pelo menos cinco tipos de “ativos de capital”: [5]
o produtivo, que se refere aos equipamentos e às condições necessárias à realização da atividade produtiva propriamente dita;
o humano, que diz respeito à educação, aos saberes acumulados, estocados e transmitidos nas comunidades, e à sua dignidade existencial;
o natural, relativo aos recursos naturais existentes;
o político, referente à capacidade de organização, de exercício da cidadania e de representação política;
o social, que diz respeito à existência de normas de confiança e de reciprocidade entre os membros de uma comunidade e à criação de laços e de redes de coesão e de solidariedade dentro dela. [6]
É fundamental compreender, ademais, que esses ativos de capital da comunidade não são apenas meios ou instrumentos com os quais as pessoas organizam sua atividade produtiva e ganham a vida: são, na verdade, capacidades através das quais, como diz Bebbington, essas pessoas dão um significado ao mundo em que vivem. Assim, não são simplesmente recursos que usam para sobreviver, mas sim elementos que lhes dão capacidade para construir uma identidade e para agir.
Dar significado ao mundo è construir uma identidade è agir: esse é o processo de edificação do poder das instituições representativas das comunidades, capaz de dar-lhes condições de reproduzir-se socialmente e de desafiar e mudar as normas e as regras, formais ou informais, que governam o controle e o uso dos recursos.
Admitido isso, talvez não seja absurdo argumentar que a capacidade de acesso a outros atores sociais locais e “globais” seja mais relevante para a determinação das estratégias comunitárias do que o próprio acesso aos recursos materiais, pois através dessas relações estabelecem-se os mecanismos por meio dos quais a possibilidade, a forma e a intensidade do acesso a tais recursos são determinadas. [7] Em particular, a capacidade das comunidades relacionarem-se com os mercados e com o Estado é essencial, pois, na grande maioria dos casos, as lógicas (diferenciadas) desses condicionam e governam o controle e o uso dos recursos.
Assim, quando falamos em desenvolvimento local só podemos estar falando sobre isso – ainda que com diferente terminologia ou com outro aparato conceitual –, pois o desenvolvimento depende de decisões e de iniciativas locais, e da possibilidade de formulação e de implementação de um projeto, formal ou informal, pelos atores locais, que possa servir como uma espécie de catalisador das diferentes estratégias de reprodução social das unidades familiares que fazem parte das comunidades locais.
5. Por fim, algumas observações sobre a questão da extensão rural/pesqueira.
Com a crise econômica, política e ambiental do modelo da revolução verde, a bancarrota do estado desenvolvimentista na década de 80 e o avanço do neoliberalismo nos anos 90 do século passado, o modelo institucional e técnico de extensão rural posto em prática no Brasil entrou em colapso. O auge de seu prestígio foi a modernização agrícola da década de 70, que representou uma reprodução adaptada do modelo da revolução verde no país e foi implementada a partir do final dos anos 60, início dos 70, em condições excepcionalmente favoráveis de disponibilidade de crédito subsidiado e de comércio internacional, no contexto econômico e político do que ficou conhecido na literatura como o “milagre brasileiro” (1967-73).
No modelo de extensão próprio da revolução verde, o papel do extensionista era difundir um “pacote tecnológico” pronto, perfeitamente adaptado aos requerimentos da agroindústria, a montante e a jusante, e cujo objetivo era “modernizar” tecnologicamente a estrutura produtiva de agricultores familiares que eram considerados, desse ponto de vista, “atrasados”, tendo em vista a implantação de um padrão fordista, de produção em massa, de desenvolvimento agrícola. O modelo era, portanto, único e homogeneizador: sua finalidade era transformar agricultores “atrasados” em “modernos”, através da ação do extensionista e da adoção do “pacote tecnológico”. Expressava um mundo relativamente simples, em que a identidade e as certezas dos extensionistas estavam garantidas pela crença nas virtuosidades da ideologia da modernização.
Com a crise econômica, política e ambiental do modelo fordista de extensão rural – associada à crítica contundente que começou a ser feita ao conceito de modernização – desapareceram as certezas “técnicas” e a identidade do extensionista foi profundamente abalada, ao mesmo tempo em que, durante a década de 90, ocorriam o desmonte e o sucateamento do aparato institucional montado pelo Governo Federal para a extensão rural. Na verdade, a situação atual do extensionismo complexificou-se enormemente e o extensionista passou a conviver com uma circunstância na qual as certezas não mais existem, a reconstrução de sua identidade enfrenta inúmeras dificuldades –muitas das quais parecem quase insolúveis – seu prestígio social está desgastado diante dos atores relevantes, tanto na sociedade civil quanto na política, e as agên-cias governamentais, por intermédio das quais os serviços de extensão rural são oferecidos, estão debilitadas e constantemente ameaçadas de extinção.
Na verdade, não existe atualmente um consenso convincente acerca de qual deva ser o perfil do extensionista rural, qual seria a sua função social e qual deveria ser a estrutura organizacional adequada ao fornecimento dos serviços de extensão.
Isso é, sem dúvida, um problema, devido, entre outras coisas, a seu efeito imobilizador. Entretanto, a possibilidade de sua resolução passa pelo pleno reconhecimento desse impasse, por todos os atores envolvidos com a problemática da extensão, pois é muito provável que nenhum deles – agricultores familiares, pescadores artesanais, agências governamentais, ONGs, organismos internacionais etc. – seja capaz isoladamente de formular uma proposta que permita a saída do impasse atual. A única esperança é a insistência na criação das condições para o estabelecimento de um diálogo permanente a respeito, no qual estejam representados todos os atores, especialmente os agricultores familiares e os pescadores artesanais, que são, afinal, a única razão para a existência do fornecimento público desses serviços.
Aceitando que a existência de uma extensão rural e pesqueira pública é indispensável para que as políticas governamentais alcancem os agricultores familiares e os pescadores artesanais, e o façam de uma forma que atenda aos interesses dos mesmos e enfrente seus principais problemas, queremos encerrar este texto com duas observações finais.
A primeira é que não se pode pensar em um modelo único de extensão rural/pesqueira que se aplique a todas as situações existentes, real ou virtualmente, no país. A diversidade de estruturas e de estratégias de reprodução econômico-social é uma característica do universo dos agricultores familiares e mesmo dos pescadores artesanais brasileiros. Não é possível, nem desejável, homogeneizar essas estruturas e estratégias, de modo que as políticas públicas para esses grupos sociais têm de ser diferenciadas – para potencializarem as virtuosidades específicas contidas nas diferentes estratégias – e assim deve ser a extensão rural/pesqueira. O mapeamento das diferentes experiências de extensão atualmente em curso em todo o Brasil pode representar um ótimo insumo para alimentar o diálogo mencionado anteriormente.
A segunda observação é que, da mesma maneira que não é conveniente a existência de um modelo único de extensão, também não é recomendável que todos os extensionistas tenham o mesmo perfil ou que exista um único tipo de extensionista. As demandas de extensão são diversificadas e o nível de qualificação e de especialização dos extensionistas deve ser adequado e suficiente para o atendimento das diferentes demandas existentes. Ademais, o papel ou a função principal da extensão não será mais a difusão de tecnologias “modernas” nas comunidades de agricultores familiares ou de pescadores artesanais, inclusive por razões que têm a ver com a racionalização produtiva adequada à preservação ambiental.
No contexto atual, os diferentes tipos de extensionistas deverão estar adequadamente preparados para agir, em níveis distintos e compatíveis com sua qualificação, como uma espécie de “mediadores” entre os agricultores familiares/pescadores artesanais e os diversos programas e projetos governamentais (federais, estaduais e municipais) que – na maior parte das vezes de modo completamente desarticulado – têm esses grupos sociais como seu público-meta privilegiado. Nesse sentido, poderão desempenhar, talvez, um papel relevante para a criação de “sinergias” entre as instituições estatais e as instituições representativas das comunidades de agricultores familiares ou de pescadores artesanais locais, que venham a ser “co-produtoras” de condições, capacidades e serviços indispensáveis ao desenvolvimento local sustentável dessas comunidades. [8]
Referências bibliográficas
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Bebbington, Anthony. Capital and Capabilities. A Framework for Analysing Peasant Viability, Rural Livelihoods and Poverty in the Andes. London: IIED/DFID, Policies that Work For Sustainable Agriculture and Regenerating Rural Economies, January 1999, especialmente a Introdução, p. 3-7.
Delgado, Nelson Giordano. “As relações entre a macroeconomia e a política agrícola. Provocações para um debate interrompido”, Estudos Sociedade e Agricultura, nº 14, abril 2000a, p. 173-180.
________. O Regime de Bretton Woods para o Comércio Mundial: Origens, Instituições, e Significado. Rio de Janeiro: CPDA/UFRRJ, Tese de Doutorado, julho de 2000b, 453p.
Elias, Norbert. Norbert Elias por Ele Mesmo. Rio de Janeiro: Zahar, 2001 (1ª ed. alemã: 1990), p. 157.
Evans, Peter. “Introduction: development strategies across the public-private divide”, World Development, 24(6), julho de 1996, p. 1033-1037.
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Putnam, Robert D. Comunidade e Democracia. A Experiência da Itália Moderna. Rio de Janeiro: Editora da FGV, 1996 (1ª ed. em inglês: 1993), P. 177.
Santos, Milton, A Natureza do Espaço. Técnica e Tempo. Razão e Emoção. São Paulo: Hucitec, 3ª ed., 1999, p. 273.
Veiga, José Eli. da. “A face territorial do desenvolvimento”. Documentación 3, Taller sobre Desarrollo Rural. Madrid: Ministerio da Agricultura, Pesca y Alimentación, Dirección General de Desarrollo Rural, 9-27 de octubre de 2000.
Notas
[1] Um exemplo muito estudado, especialmente na Índia, desses contratos e arranjos institucionais estabelecidos para substituir a inexistência, parcial ou total, de mercados específicos é o da parceria agrícola. Para uma introdução à economia neo-institucional, consultar, por exemplo, Ayala Espino (1999). Para análises que aplicam esse enfoque à economia agrícola, ver, entre outros, Figueroa (1998: 105-137) e Bardhan (1989).
[2] Para uma análise aprofundada da questão do protecionismo agrícola nos países desenvolvidos durante o regime comercial internacional de Bretton Woods, consultar Delgado (2000b).
[3] “Só interessa peixe que vende”, como disse, em sua palestra, o representante da Secretaria da Pesca do Ministério da Agricultura e do Abastecimento.
[4] As observações contidas neste item estão baseadas na estimulante análise de Bebbington (1999: 3-7).
[5] Esta é uma terminologia emprestada da economia, embora o termo “capital” venha sendo utilizado por vários não-economistas ilustres, como, por exemplo, Putnam e Bourdieu. Existem, de qualquer modo, algumas razões que justificam o emprego desses termos. Representam um conjunto permanente (no sentido de não conjuntural, não ocasional) de bens, recursos e capacidades a que as famílias e as comunidades passam a ter acesso; são um estoque – e não meramente um fluxo – de que passam a dispor ao longo do tempo; trazem implícita a idéia da necessidade de um período relativamente longo de tempo e de investimentos (produtivos, em capacitação, organização, cidadania, solidariedade etc.) para que esses “ativos de capital” sejam acumulados; e indicam a importância decisiva da presença de outros ativos de capital, que não os meramente econômicos ou produtivos, para a viabilização do processo de desenvolvimento das comunidades/locais/territórios/regiões.
[6] Putnam, um dos principais responsáveis pela introdução do termo “capital social” na literatura sobre desenvolvimento, define-o, em seu estudo clássico sobre a Itália, como um “estoque” de “regras de reciprocidade e sistemas” (redes) “de participação cívica”. Segundo ele, “o capital social diz respeito a características da organização social, como confiança, normas e sistemas” (redes), “que contribuam para aumentar a efi-ciência da sociedade, facilitando as ações coordenadas”. Ver Putnam (1996: 177).
[7] É bom não esquecer o que nos lembra Elias (1990: 157): “... os problemas de poder, à exceção de alguns casos-limite, são problemas de relações e de interdependência”. Putnam, por sua vez, destaca, de forma análoga, que “para a estabilidade política, para a boa governança e mesmo para o desenvolvimento econômico, o capital social pode ser mais importante até do que o capital físico ou humano” (idem: 192).
[8] Sobre a idéia de sinergias na relação Estado-sociedade civil, ver Evans (1996: 33-37).