Estudos Sociedade e Agricultura
Otavio Valentim Balsadi
O novo rural paulista: evolução e perspectivas
Estudos Sociedade e Agricultura, 17, outubro 2001: 81-103.
Resumo: Nos anos 90 consolidou-se uma mudança estrutural nas ocupações da população rural paulista, de tal forma que, a partir de 1997, mais de 50% da população economicamente ativa (PEA) estava ocupada em atividades não agrícolas. Com esse quadro, o texto traz uma análise sucinta da evolução e das perspectivas do novo rural no Estado de São Paulo, tendo como principais destaques as recentes transformações ocorridas no meio rural, a distribuição das ocupações agrícolas e não agrícolas da PEA rural, as características das famílias rurais e a qualidade do emprego rural não agrícola (ERNA) vis-à-vis o emprego nas tradicionais atividades agropecuárias. O enfoque da análise está concentrado no meio rural não metropolitano paulista.
Palavras-chave: novo rural; emprego rural; famílias rurais; Estado de São Paulo.
Abstract: (The New Rural in Sao Paulo State: Evolution and Perspectives) In 1990’s, structural changes became consolidated in the occupations of the rural population in Sao Paulo State. Since 1997, more than 50% of the economically active population (EAP) are occupied in non-agricultural activities. Within this framework, this article analyses the evolution and perspectives of the new rurality in Sao Paulo State, focusing mainly on recent transformations in the rural areas, the relative participation of rural agricultural and non-agricultural occupations, the characteristics of the rural families and the quality of non-agricultural rural employment (NARE) vis-a-vis the employment in traditional agricultural activities. The analysis is concentrated in the Sao Paulo State rural non-metropolitan area.
Key words: new ruralities; rural employment; rural families; São Paulo State.
Otavio Valentim Balsadi é analista da Fundação Seade e pesquisador do Projeto Rurbano/UNICAMP.
Introdução
Apesar de a literatura internacional já tratar do tema da pluriatividade e do crescente engajamento dos residentes rurais em atividades não agrícolas desde o final dos anos 70, no Brasil essa discussão começou a ganhar corpo, dentro de uma linha de pesquisa sistemática e de âmbito nacional, apenas no início dos anos 90.
Desde então, inúmeros estudos foram realizados, com grande destaque para aqueles contidos no Projeto Rurbano1, com o intuito de mostrar que o rural brasileiro não pode mais ser entendido como o espaço onde são desenvolvidas apenas as tradicionais atividades agrícolas e pecuárias. A profunda transformação da estrutura de ocupação da população rural, com o forte crescimento das atividades não agrícolas, consolidou um quadro de grande heterogeneidade das famílias rurais, cujas estratégias de sobrevivência e/ou acumulação cada vez mais incluem outras atividades econômicas juntamente com a agricultura. Essas mudanças trazem consigo a necessidade de um novo olhar para a realidade rural brasileira neste início de século e de novos instrumentos para a elaboração das políticas de desenvolvimento rural.
Nesse contexto, o objetivo do trabalho é, inicialmente, fazer uma rápida recuperação das preocupações que originaram esse olhar para o novo rural brasileiro. Depois disso, trazer uma abordagem mais específica da evolução das transformações recentes no rural paulista (destacando-se o rural não metropolitano, que responde por cerca de 90% da PEA rural total do estado), com a consolidação, nos anos 90, de uma mudança estrutural no perfil ocupacional dos residentes rurais, e da qualidade do emprego gerado nas atividades não agrícolas vis-à-vis o emprego na agropecuária. Por fim, pretende-se apontar algumas perspectivas e novas linhas de pesquisa do Projeto Rurbano para o estado de São Paulo. [1]
Mudanças rurais e crescimento das ocupações nas atividades não-agrícolas
Vários trabalhos que trataram do crescimento das ocupações não agrícolas da população rural tenderam a explicar o motivo desse comportamento focalizando apenas um dos pontos fundamentais relacionados com as profundas transformações pelas quais vem passando o meio rural, qual seja, a clara e forte tendência de queda das ocupações agrícolas. Essa tendência ocorreu, e continua ocorrendo, como conseqüência da modernização e mecanização das principais operações de cultivo das grandes culturas e também pela redução da área cultivada, motivada seja por crises de algumas culturas (como no Brasil e vários países em desenvolvimento, cujas políticas agrícolas estão sendo, ou já foram, desmontadas), seja por políticas específicas de controle de excedentes (set aside nos EUA e Europa, por exemplo). Como resultado dessa modernização, houve um grande aumento da produção física, com uma área cultivada substancialmente menor e um contingente cada vez mais reduzido de trabalhadores no processo produtivo.
No entanto, para melhor entender o grande crescimento das ocupações rurais não agrícolas da população economicamente ativa (PEA) com domicílio rural, principalmente nos anos 80 e 90, é necessária a inclusão de outros fatores explicativos: a crise na agricultura e a queda dos preços das principais commodities e da renda dos agricultores; as novas funções de turismo, lazer, moradia e local de investimentos industriais e de serviços do meio rural e a emergência de novos atores rurais; as mudanças nas famílias rurais, cujas estratégias crescentemente deixam de estar nucleadas na agropecuária; as mudanças nas explorações agropecuárias, com a externalização (terceirização) de atividades agrícolas antes feitas por membros familiares; e as similaridades entre os mercados de trabalho urbano e rural, não somente em termos de participação dos ramos de atividade na ocupação das pessoas como também em relação ao próprio processo de trabalho. Esses pontos, conjuntamente com o avanço tecnológico que reduz as ocupações agrícolas, ajudam a explicar, de forma mais adequada, por que cada vez mais a PEA rural nos diferentes países, desenvolvidos ou em desenvolvimento, ocupa-se fora das atividades agropecuárias (Balsadi, 2000).
Em um dos trabalhos de pesquisa pioneiros sobre o crescimento das ocupações não-agrícolas (ORNA) da PEA rural em países em desenvolvimento, Anderson e Leiserson (1980) mostraram que, para 15 países analisados [2] , a participação das ORNA variava entre 12% e 49%, em 1970. Para todos os países estudados, já era possível constatar, no período 1950-70, que as atividades não agrícolas passavam a assumir importância crescente como ocupação para os trabalhadores com residência rural. Segundo os autores, em regiões da Ásia e da África Ocidental, onde entre 70% e 90% do total da força de trabalho estava em áreas consideradas rurais, a agricultura era a principal ocupação para menos de 2/3 dos trabalhadores. Esse crescimento das ocupações não agrícolas, observado com intensidade desde os anos 60, aponta para o fato de que não se tratava de variações conjunturais, mas sim de um componente estrutural na ocupação da população rural.
Klein (1992), analisando a evolução das ocupações rurais não agrícolas em 18 países latino-americanos, [3] nas décadas de 70 e 80, observou que o número de pessoas ocupadas na agricultura vem se reduzindo de forma acentuada e sistemática. Em 1950, 54% dos trabalhadores latino-americanos estavam ocupados na agricultura. No início dos anos 90, essa participação caiu para 25%.
Na América Latina, ao redor de 70% dos ocupados com residência em áreas rurais tinham sua ocupação principal na agricultura até o início dos anos 90. No entanto, comparando-se os anos iniciais e terminais considerados na pesquisa, Klein observou que a proporção de pessoas residentes no meio rural e dedicadas principalmente à agricultura diminuiu em praticamente todos os 18 países pesquisados. Como contrapartida, houve um crescimento das ocupações não-agrícolas, chegando a absorver mais de 40% dos ocupados rurais na Venezuela, Panamá, Costa Rica e Cuba. Ou seja, em alguns países latino-americanos, já no final da década de 80, quase a metade da população economicamente ativa residente nas áreas rurais estava ocupada em atividades não agrícola, desenvolvidas no meio rural ou urbano. No período considerado, a PEA rural agrícola decresceu a uma taxa de -0,8% ao ano, ao passo que a PEA não agrícola cresceu a taxas de 3,4 % ao ano, valor maior do que o crescimento médio da PEA total na América Latina como um todo (2,6% ao ano).
No Brasil, o estudo pioneiro é o de Graziano da Silva (1993). Analisando os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) para os residentes rurais, o autor constatou um aumento de 6,0% ao ano no número de ocupados em atividades não agrícolas, contra um ligeiro acréscimo de 0,7% nas ocupações agrícolas no período 1981-90. Com isso, em 1990, a participação da PEA não agricola já representava 31,6% do total da PEA rural ocupada (ou seja, de cada três pessoas ocupadas e residentes nas áreas rurais brasileiras, uma estava trabalhando em atividades não agrícolas). Segundo o autor, “esse é um indicador extremamente expressivo das novas funções que assume o campo brasileiro, que além de produzir produtos agrícolas representa hoje também local de moradia, de lazer, de serviços e de emprego para pessoas ocupadas em atividades não agrícolas. Ou seja, embora muita gente ainda acredite que quem mora na zona rural está ocupado (somente) em atividades agropecuárias, isso há muito deixou de ser verdade”.
Para o estado de São Paulo, os primeiros trabalhos foram os de Graziano da Silva et alii (1996) e Graziano, Balsadi e Del Grossi (1997). Esses estudos, a partir da constatação de que no rural paulista as transformações acima já eram sentidas de forma muito acentuada, também analisaram a evolução das ocupações agrícolas e não agrícolas dos residentes rurais. A principal conclusão era que, analisando-se essas novas funções do meio rural, já não se podia mais caracterizá-lo somente como agrário. Era fundamental incluir outras variáveis, como as atividades rurais não agrícolas decorrentes da crescente urbanização do meio rural (moradias de alto padrão, turismo rural, lazer e outros serviços), as atividades de preservação do meio ambiente, além de um conjunto de atividades agropecuárias intensivas (olericultura, floricultura, fruticultura de mesa, piscicultura, criação de pequenos animais - rã, escargot, aves exóticas), que buscam nichos de mercado para sua inserção econômica. Além disso, o comportamento do emprego rural, principalmente dos movimentos da população residente nas zonas rurais, não pode mais ser explicado apenas com base no calendário agrícola e na expansão/retração das áreas e/ou produção agropecuárias. Esse conjunto de atividades, assim como a ocupação da população economicamente ativa com domicílio rural nos setores do comércio, da indústria e da prestação de serviços, públicos e privados, responde cada vez mais pela nova dinâmica populacional do meio rural paulista.
Evolução das ocupações agrícolas e não agrícolas da PEA rural não metropolitana paulista nos anos 90
O crescimento das ocupações não agrícolas da PEA rural na região não metropoliatana do Estado de São Paulo manifestou-se com grande magnitude nos anos 90. Esse crescimento foi tão intenso que, no período compreendido entre 1992 e 1997, as ocupações não agrícolas dos residentes rurais (entendidos como as situações de domicílio de distritos e povoados e rural agropecuário) superaram as agrícolas [4].
Pode-se notar que, desde 1997, o número de pessoas ocupadas em atividades não agrícolas é superior ao de pessoas ocupadas na agricultura. Em 1999, as ocupações não agrícolas superaram as agrícolas em 56 mil pessoas. Deve ser ressaltado, também, que nesse ano, pela primeira vez as ocupações não agrícolas dos residentes no rural agropecuário superaram as ocupações agrícolas (448 mil pessoas ocupadas, contra 432 mil em atividades agrícolas). Na área rural classificada como distritos e povoados, desde o início dos anos 90, a PEA não agrícola já era bem superior à agrícola. Saliente-se que cerca de 90% do total da PEA rural não metropolitana (agrícola e não agrícola) encontrava-se no rural privado. [5]
Tabela 1: População Ocupada (1) segundo a área, situação do domicílio e ramo de atividade. Região Não-metropolitana do Estado de São Paulo, 1992-1999.
Em mil pessoas
Área, situação do domicílio
e ramo de atividade
1992
1993
1995
1996
1997
1998
1999
1992/99
% a.a.
Urbano
6.086
6.198
6.578
6.643
6.748
6.665
6.916
1,7
***
Agrícola
558
565
440
507
400
398
420
-5,0
***
Não-agrícola
5.528
5.633
6.138
6.136
6.347
6.266
6.496
2,3
***
Periferia
149
120
149
130
127
149
139
0,3
Agrícola
73
45
57
56
38
38
51
-5,2
*
Não-agrícola
75
75
92
74
88
110
89
3,8
*
Distritos e Povoados
61
52
85
78
75
82
89
6,4
***
Agrícola
18
15
10
18
16
14
24
2,8
Não-agrícola
43
37
76
60
60
69
64
7,7
**
Rural Agropecuário
831
914
873
841
822
825
881
-0,3
Agrícola
562
605
501
483
423
415
432
-5,1
***
Não-agrícola
269
309
373
359
400
410
448
6,9
***
Fonte: Tabulações Especiais do Projeto Rurbano, IE/Unicamp.
(1) PEA restrita.
Notas: ***,**,* indicam, respectivamente, 5%, 10% e 20% de confiança, estimado pelo coeficiente de regressão log-linear contra o tempo; indica menos de seis observações na amostra.
No período 1992-99, as ocupações agrícolas da PEA rural não metropolitana diminuíram de 580 mil para 456 mil (apenas nos distritos e povoados houve crescimento de 2,8% ao ano, ao passo que no rural agropecuário a queda foi de -5,1% ao ano), enquanto as não agrícolas saltaram de 312 mil para 512 mil (aumento de 200 mil pessoas ocupadas, ou 7,7% ao ano nos distritos e povoados e 6,9% no rural agropecuário). Esse comportamento das ocupações não-agrícolas atenuou a queda da PEA rural não-metropolitana residente no rural agropecuário para a taxa de 0,3% ao ano.
Também a PEA agrícola com residência no urbano não-metropolitano teve forte decréscimo (-5,1% ao ano no urbano urbanizado e -5,2% ao ano na periferia urbana). O mau desempenho para as ocupações agrícolas resultou numa redução do número total de pessoas ocupadas na agropecuária, que passou de 1.211 mil, em 1992, para 927 mil, em 1999. Saliente-se que, do total de ocupados na agricultura com residência na região não metropolitana paulista, quase a metade reside em áreas consideradas urbanas.
A partir dos dados do Sensor Rural, boletim quadrimestral da Fundação Seade, é possível observar quais foram as culturas que mais influenciaram na queda das ocupações agrícolas nos anos 90. Pelas informações do gráfico a seguir, pode-se notar que a demanda de mão-de-obra vem apresentando queda ao longo dos anos 90, reforçando os dados das PNADs. A incorporação das modernas tecnologias disponíveis para os agricultores, principalmente para as operações de colheita e pós-colheita, e a queda da área cultivada de importantes culturas provocaram forte exclusão de trabalhadores do processo produtivo na agropecuária paulista. As principais reduções das ocupações agrícolas ocorreram nas culturas de cana-de-açúcar (após 1995, com a crise do setor e a intensificação do uso de colhedoras mecânicas na colheita da cana crua), café e grãos e oleaginosas. Os principais destaques, em termos de crescimento da demanda de força de trabalho, foram a fruticultura e a olericultura, atividades muito intensivas no uso de mão-de-obra e que responderam de forma muito positiva aos estímulos da expansão de uma demanda diferenciada das classes urbanas de alta renda.
Os contratos de produção dos agricultores com as agroindústrias fabricantes de compotas, doces e sucos, além do próprio aumento do consumo in natura de frutas frescas, têm permitido a expansão da área cultivada com a fruticultura no estado de São Paulo. No caso das olerícolas, cuja produção concentra-se no “cinturão verde”, seu crescimento foi uma resposta à grande expansão e diferenciação do mercado consumidor, puxado, em boa medida, pelas redes de fast-food, supermercados e por um mercado consumidor de alta renda localizado nas regiões metropolitanas. Salienta-se que a demanda de mão-de-obra na olericultura paulista cresceu 87,1% no período 1990-2000, ao passo que na fruticultura o crescimento foi de 28,2%.
Os principais ramos de atividade da PEA rural não metropolitana paulista, em 1999, foram os de prestação de serviços, indústria de transformação, comércio de mercadorias, indústria da construção e serviços sociais, que responderam por cerca de 85% do total das ocupações.
Um aspecto interessante a ser destacado é que a taxa de crescimento da prestação de serviços, nos anos 90, ficou abaixo daquela do total das ocupações não agrícolas. Apesar de continuar sendo o principal ramo de atividade não agrícola, sua participação diminuiu de 39,5%, em 1992, para 35,4%, em 1999, como pode ser visto no gráfico a seguir. O mesmo ocorreu com a indústria de transformação, que também perdeu importância relativa no total da ocupação da PEA rural. Assim, foram outros ramos que mais cresceram (comércio de mercadorias, construção civil e serviços sociais, por exemplo) e mesmo outros setores dentro da prestação de serviços, que não o emprego doméstico, sendo essa a “novidade” da década de 90. Entre 1992 e 1999, o número de ocupações no emprego doméstico cresceu em 31 mil pessoas. Ele continua sendo o principal setor, mas diminuiu sua participação relativa na ocupação da PEA rural não metropolitana paulista, indicando que outros setores estão ganhando maior importância. Pode-se notar que o aumento total das ocupações não agrícolas (200 mil pessoas ocupadas) foi quase sete vezes maior que o aumento do número de pessoas ocupadas no emprego doméstico.
No estado de São Paulo, nota-se a presença de praticamente todas as dinâmicas responsáveis pelo crescimento das ocupações não agrícolas da população residente no meio rural. As dinâmicas referem-se: às atividades econômicas diretamente vinculadas à agricultura, fornecendo bens e serviços que servem como insumos da produção e, também, processando, comercializando e transportando os produtos agropecuários; às ocupações geradas pelo consumo da população rural, incluindo tanto os bens e serviços de consumo como os serviços auxiliares para o consumo de bens urbanos (transporte, comércio etc.); ao “excedente” da mão-de-obra rural, que busca ocupações não agrícolas no próprio meio rural, ou urbano, principalmente na prestação de serviços, sem abandonar a unidade familiar; à demanda por bens e serviços não vinculados diretamente à produção agropecuária, como o artesanato, o lazer e o turismo rural; à expansão dos serviços públicos para as zonas rurais; à demanda por terras para uso não agrícola por parte das (agro)indústrias e empresas prestadoras de serviços; à demanda da população urbana de baixa renda por terrenos para autoconstrução de suas moradias em áreas rurais situadas nas proximidades das cidades e que possuem infra-estrutura mínima de transportes e de serviços públicos; à demanda da população urbana de alta renda por áreas de segunda residência, bem como pelos serviços relacionados a elas; e às novas atividades agropecuárias, voltadas para nichos de mercado.
Os principais resultados das tabulações especiais do Projeto Rurbano para as famílias residentes no rural não-metropolitano paulista podem ser sintetizados da seguinte forma:
n Em 1999, das 598 mil famílias existentes, 337 mil (ou 56,3%) eram de empregados; 169 mil (ou 28,3%) eram de conta-própria; 58 mil (ou 9,7%) eram de não-ocupados; e 34 mil (ou 5,7%) eram de empregadores. Com exceção das famílias de empregadores, que sofreram redução de 2,0% ao ano no período 1992-99, todas as demais tiveram crescimento, com destaque para os empregados (2,1% ao ano) e para os não-ocupados (12,7% ao ano).
n Entre as famílias de não-ocupados, o maior crescimento, no período 1992-99, ocorreu com as famílias de pensionistas e/ou aposentados (8,4% ao ano). Em 1999, elas representavam 60,3% do total de famílias não ocupadas (35 mil do total das 58 mil famílias). Um fato a ser destacado é que no período 1995-99 a taxa de crescimento das famílias de não-ocupados, cujos membros estavam só procurando emprego foi de 22,8% ao ano (o número saltou de 6 mil para 11 mil famílias).
n Outro resultado relativamente surpreendente refere-se ao fato de que, em 1999, das 598 mil famílias residentes no rural não metropolitano paulista, 244 mil eram não agrícolas, ou seja, formadas por pessoas ocupadas somente em atividades não agrícolas (esse valor era de 138 mil famílias em 1992); 211 mil eram agrícolas (contra um valor de 254 mil famílias em 1992); 84 mil eram pluriativas (em 1992, o valor era de 77 mil famílias); e 58 mil eram famílias de pessoas não ocupadas (em 1992, o valor era de apenas 24 mil famílias nessa situação). Pode-se notar que as maiores oscilações (para cima) ocorreram com as famílias não agrícolas e com as famílias não ocupadas e que a pluriatividade cresceu muito pouco no rural paulista nos anos 90. As famílias não agrícolas cresceram entre os empregadores (10,6% ao ano), entre os conta-própria (13,2% ao ano) e entre os empregados (7,1% ao ano). A pluriatividade só cresceu para as famílias de conta-própria (3,4% ao ano).
n O número médio de pessoas ocupadas por família caiu de 1,9, em 1992, para 1,6, em 1999 (queda de 2,6% ao ano). O único crescimento foi registrado para as famílias pluriativas de conta-própria (0,5% ao ano, passando de 2,6 para 2,9 ocupados por família).
n As tabulações do Projeto Rurbano também permitem uma comparação da renda per capita, segundo o tipo de família. Em 1999, a renda per capita nas famílias de empregadores era de R$1.070,15, a maior de todas (seis vezes maior que as demais, em média). Para as famílias de conta-própria, a renda per capita foi de R$117,60, com as seguintes diferenciações: R$99,68 para as famílias agrícolas; R$154,93 para as famílias pluriativas e R$156,68 para as não agrícolas. No caso das famílias de empregados, os dados mostraram uma renda per capita de R$108,77, com as seguintes diferenciações: R$105,72 para as famílias agrícolas; R$133,12 para as famílias pluriativas e R$86,48 para as não agrícolas. Para as famílias de não ocupados, que tinham rendimento, a renda per capita foi de R$149,76, uma situação bem melhor do que muitos ocupados! Isso indica a importância fundamental da aposentadoria e das pensões para os residentes no rural não metropolitano paulista.
n Quanto à composição da renda familiar, serão comentados apenas os resultados obtidos para as famílias pluriativas. Os dados do gráfico a seguir mostram que, de fato, os rendimentos obtidos pelos membros familiares ocupados em atividades não agrícolas são muito relevantes para a composição da renda. Para as famílias de empregados, a renda não agrícola é a mais importante (48,8% da renda total). Para os empregadores ela representava 37,2% do total, em 1999, e para os conta-própria o valor era de 34,4 do rendimento familiar total. Considerando-se a renda de todas as famílias residentes no rural não metropolitano, pode-se notar que as rendas não agrícolas constituem a maior fonte dos rendimentos: 52,5% do total, superando as rendas agrícolas (que responderam por 32,5% do total, em 1999).
n Na evolução dessas rendas que compõem o rendimento familiar dos pluriativos, os dados do Rurbano mostram que para todas as famílias, exceto para os empregados (queda de 1,9% ao ano), a renda agrícola cresceu no período 1995-99 (5,7% para as famílias pluriativas de empregadores e 8,2% para os conta-própria). Esse resultado, possivelmente, deve-se a uma conjuntura favorável no preço de comercialização de algumas commodities: café, cana, laranja e soja, principalmente. A evolução das rendas não agrícolas teve o mesmo comportamento: aumento de 8,5% ao ano para as famílias pluriativas de empregadores; crescimento de 8,7% ao ano para os conta-própria e queda de 2,2% ao ano para os empregados. O principal destaque na evolução das rendas provenientes de aposentadorias e/ou pensões foi o significativo crescimento de 14,1% ao ano para as famílias de não-ocupados no período 1995-99. Saliente-se que, para as famílias pluriativas, o desempenho desse tipo de renda também foi bastante favorável. No entanto, as outras rendas apresentaram quedas generalizadas para todas as famílias rurais não-metropolitanas.
Qualidade do emprego rural não agrícola (ERNA)Nos anos 90, segundo Balsadi (2000), houve predomínio dos homens nas atividades agrícolas e não agrícolas. Em 1992, 78,2% dos ocupados na agropecuária paulista eram do sexo masculino, contra 21,8% de mulheres. No período 1992-98, houve forte redução no número de pessoas ocupadas de ambos os sexos e, em 1998, 82,2% eram homens e apenas 17,8% eram mulheres.
Nas atividades não agrícolas, a distribuição entre os sexos manteve-se praticamente inalterada no período 1992-98, sendo que as mulheres, diferentemente do que se verificou nas atividades agrícolas, tiveram grande participação em quase todas as posições na ocupação. Em 1992, 63,4% dos ocupados eram homens e 36,6% eram mulheres. No período analisado, aumentou significativamente a inserção de homens e mulheres residentes no meio rural não metropolitano em atividades não agrícolas, mas, em 1998, a distribuição dos ocupados correspondia a 63,1% de homens e 36,9% de mulheres.
Com isso, no final dos anos 90, 46% dos homens residentes no meio rural não metropolitano paulista estavam ocupados em atividades fora da agricultura. A participação das mulheres era ainda maior: 70% ocupadas em atividades não agrícolas. Para as mulheres rurais, as ocupações não agrícolas passaram a ter um peso muito mais importante do que a agricultura.
Quanto à posição na ocupação, os empregados eram maioria nas atividades agrícolas (45,2%, em 1992, e 55,4%, em 1998, atingindo um máximo de 59,1%, em 1997) e não agrícolas (83,5%, em 1992, e 75,9%, em 1998). As quedas verificadas nas ocupações agrícolas ocorreram em todas as posições na ocupação. No entanto, foi entre os membros não remunerados da família que ela foi mais intensa, reforçando o argumento das estratégias familiares em busca de outras fontes de trabalho e renda fora da agricultura (pluriatividade). Em 1992, somando-se homens e mulheres, havia 170.822 membros não remunerados da família ocupados em atividades agrícolas, valor que foi reduzido para 86.617 pessoas, em 1998. Para os empregados, conta-própria e empregadores, as reduções foram bem menos acentuadas.
Com esse quadro geral de mudanças estruturais na PEA rural paulista, marcada pelo contínuo crescimento das ocupações não agrícolas, tornou-se fundamental fazer uma avaliação se o emprego não agrícola (ERNA) dos residentes rurais oferecia melhores condições de trabalho vis-à-vis o emprego nas tradicionais atividades agropecuárias. Para responder essa indagação, foi construído um índice de qualidade do emprego para os empregados rurais, que foram separados, por gênero, do total de ocupados. Essa diferenciação é muito relevante, pois, segundo Lanjouw (2000), a grande heterogeneidade das ocupações rurais não agrícolas torna fundamental a realização de estudos para os seus diferentes segmentos, separando-se a análise por posição na ocupação e gênero. De acordo com o autor, as políticas públicas podem tornar-se mais claras e objetivas se forem considerados, de formas distintas, os dois principais componentes das ocupações rurais não agrícolas: o emprego assalariado e as ocupações dos conta-própria (self-employment).
Os grupos de ocupações agrícolas para os quais havia número de casos suficientes nas amostras das PNADs eram os de trabalhadores rurais permanentes, trabalhadores rurais temporários e operadores agrícolas. Conjuntamente, eles representavam, 86%, 89% e 89%, respectivamente, do total de empregados agrícolas com residência rural no estado de São Paulo nos anos de 1992, 1995 e 1998 (Tabela 2).
Tabela 2: Grupos de Ocupações Agrícolas e Total de Empregados Residentes Rurais, segundo o Gênero (Estado de São Paulo, 1992-1998)
Grupos de Ocupação
1992
1995
1998
Homens
Mulheres
Total
Homens
Mulheres
Total
Homens
Mulheres
Total
Total de Empregados
228.026
34.170
262.196
262.727
33.442
296.169
212.308
25.478
237.786
Trab. Rurais Temporários
28.596
14.306
42.902
27.870
5.573
33.443
20.383
6.793
27.176
Trab. Rurais Permanentes
146.192
16.685
162.877
171.962
24.684
196.646
144.370
16.138
160.508
Operadores Agrícolas
19.069
-
19.069
31.845
-
31.845
24.627
-
24.627
Subtotal
193.857
30.991
224.88
231.67
30.257
261.94
189.380
22.931
212.1
Fonte: Balsadi (2000).
Para as ocupações não agrícolas, foi possível selecionar os grupos de serviços domésticos, serviços não domésticos, indústria de transformação, comércio não especializado, professores, motoristas e construção civil, que representavam, em conjunto, 75%, 80% e 76%, respectivamente, do total de empregados com residência rural e trabalhando nas atividades não-agrícolas nos anos de 1992, 1995 e 1998 (Tabela 3).
Tabela 3: Grupos de ocupações não agrícolas e total de empregados residentes rurais, segundo o gênero (estado de São Paulo, 1992-1998).
1992
1995
1998
Grupos de Ocupações
Homens
Mulheres
Total
Homens
Mulheres
Total
Homens
Mulheres
Total
Total de Empregados (1)
161.293
99.316
260.609
212.578
136.940
349.518
223.336
140.111
363.447
Serviços Domésticos
27.808
54.820
82.628
27.070
75.635
102.705
32.271
78.122
110.393
Serviços Não Domésticos
15.097
11.123
26.220
11.147
13.533
24.680
16.136
14.437
30.573
Ind. De Transformação
38.934
6.359
45.293
68.469
14.329
82.798
47.553
8.491
56.044
Comércio Não Espec.
5.560
3.974
9.534
8.758
5.574
14.332
12.738
6.795
19.533
Professores
-
2.385
2.385
-
9.555
9.555
849
9.342
10.191
Motoristas
12.711
-
12.711
14.330
-
14.330
18.679
-
18.679
Construção Civil
17.480
-
17.480
31.846
-
31.846
29.723
-
29.723
Subtotal
117.590
78.661
196.251
161.620
118.626
280.246
157.949
117.187
275.136
Fonte: Balsadi (2000).
(1) Inclui os empregados nos serviços domésticos.
Para construir o índice de qualidade do emprego (IQE), os procedimentos básicos foram os seguintes, de acordo com a metodologia descrita por Kageyama e Rehder (1993):
a) obtenção dos indicadores simples para cada grupo de ocupação em 1992, 1995 e 1998, a partir das variáveis das PNADs. São eles: % de empregados com idade acima de 15 anos (Ninf), o que representa a proporção de trabalhadores não infantis empregada; % de empregados com jornada semanal de até 44 horas (Jorn), o que corresponderia à participação dos empregados sem sobretrabalho; % de empregados com carteira assinada (Cart); % de empregados contribuintes da Previdência Social (Prev); rendimento médio mensal dos empregados no trabalho principal (Rend); % de empregados com remuneração acima de 1 salário mínimo (Npob); % de empregados que recebiam auxílio-moradia (Auxmor); % de empregados que recebiam auxílio-alimentação (Auxalim); % de empregados que recebiam auxílio-transporte (Auxtrans); % de empregados que recebiam auxílio-educação (Auxeduc); % de empregados que recebiam auxílio-saúde (Auxsau) [6] .
b) construção dos indicadores parciais, a partir das médias aritméticas dos indicadores originais, no sentido de captar três dimensões da qualidade do emprego, que estão relacionadas com o grau de formalização do trabalho, o rendimento obtido no trabalho principal e os auxílios recebidos pelos empregados. Assim, os três indicadores parciais foram obtidos da seguinte forma:
n TRABFORMAL = (Ninf + Jorn + Cart + Prev)/4; indica o grau de formalização do trabalho e foi calculado dessa forma apenas para os homens;
n TRABREND = (Rend padronizado + Npob)/2; agrega as duas variáveis de rendimento;
n TRABAUX = (Auxmor + Auxalim + Auxtrans + Auxeduc + Auxsau)/5; agrega as variáveis de auxílios recebidos pelos empregados.
Para as mulheres empregadas, devido à elevada proporção de dados não disponíveis para a variável carteira assinada (Cart) em alguns grupos de ocupações, o indicador TRABFORMAL foi composto pelas variáveis Ninf, Jorn e Prev, de forma a não distorcer os resultados finais.
c) obtenção do IQE a partir das médias ponderadas dos indicadores parciais. Essas ponderações podem gerar controvérsias porque sempre envolvem um certo grau de arbitrariedade, em função da importância atribuída para cada indicador parcial. Para atenuar esse problema, foram feitas três ponderações diferentes: a primeira, com o mesmo peso para os indicadores parciais, e a segunda e terceira, com pesos diferentes, aumentando-se o peso do indicador parcial de rendimento. Assim, as três ponderações utilizadas foram as seguintes:
n IQE = 1/3 TRABREND + 1/3 TRABFORMAL + 1/3 TRABAUX
n IQE’ = 0,40 TRABREND + 0,40 TRABFORMAL + 0,20 TRABAUX
n IQE” = 0,50 TRABREND + 0,30 TRABFORMAL + 0,20 TRABAUX
Como os indicadores originais não foram padronizados em função dos máximos e mínimos, com exceção do rendimento (mas, levou-se em consideração os valores da série toda), o IQE obtido é passível de comparação intertemporal. Para essa comparação, trabalhou-se com a idéia de progresso relativo, calculado pela fórmula:
valor do índice em t1 – valor em t0
100 – valor em t0
O denominador mostra o máximo crescimento que seria possível a partir do ano inicial (progresso possível) e o numerador indica o crescimento obtido de fato no período considerado (progresso efetivo). A razão entre os dois valores compreende a velocidade relativa da melhoria nas condições e qualidade do emprego (Kageyama e Rehder, 1993).
Assim, a partir das variáveis selecionadas e da metodologia do indicador sintético utilizada, observou-se que, para os homens empregados residentes no meio rural, as ocupações agrícolas tiveram pior qualidade de trabalho do que as não agrícolas, com exceção dos operadores agrícolas. Em outras palavras, no final dos anos 90, no meio rural não metropolitano paulista, a inserção dos homens em empregos não agrícolas significou a obtenção de melhores condições de trabalho em comparação aos empregos agrícolas de trabalhadores permanentes e temporários, mesmo que o emprego fosse na construção civil e nos serviços domésticos (em que se destacam os “caseiros”).
Tabela 4: Posição relativa dos grupos de ocupações dos empregados residentes rurais (Estado de São Paulo, 1992-1998)
Posição Relativa
Grupos de Ocupações
1992
1995
1998
Indústria de Transformação
1a
1a
1a
Comércio Não Especializado
5a
7a
2a
Motoristas
2a
2a
3a
Serviços Não Domésticos
6a
4a
4a
Operadores Agrícolas
3a
3a
5a
Serviços Domésticos
8a
8a
6a
Construção Civil
4a
5a
7a
Trab. Agrícolas Permanentes
7a
6a
8a
Trab. Agrícolas Temporários
9a
9a
9a
Fonte: Balsadi (2000).
Entre as empregadas residentes rurais, os grupos de ocupações que figuravam entre os melhores foram os de professoras, serviços não domésticos e indústria de transformação. O grupo de trabalhadoras agrícolas permanentes ficou na 3a posição, em 1995, enquanto o de comércio não especializado ficou em 2o lugar, em 1992. Os grupos com os piores índices de qualidade do emprego foram os de trabalhadoras agrícolas temporárias (último colocado em 1992 e 1998), serviços domésticos e trabalhadoras agrícolas permanentes (com exceção de 1995). Com isso, para as mulheres residentes no meio rural não metropolitano paulista, a inserção no emprego não agrícola, no final dos anos 90, só não significou melhores condições de trabalho quando o emprego era nos serviços domésticos, cujo IQE ficou abaixo do registrado para as trabalhadoras agrícolas permanentes. Todos os demais grupos de ocupações não agrícolas (professoras, indústria de transformação, serviços não domésticos e comércio não especializado) apresentaram melhores indicadores do que os grupos de ocupações agrícolas. O fato preocupante desses resultados é que o grupo de ocupações nos serviços domésticos responde pelo maior contingente de empregadas residentes rurais com trabalho fora da agricultura (ao redor de 50% do total das ocupações não agrícolas femininas).
Tabela 5: Posição relativa dos grupos de ocupações das empregadas residentes Rurais (Estado de São Paulo, 1992-1998)
Grupos de Ocupações
Posição Relativa
1992
1995
1998
Professoras
1a
1a
1a
Indústria de Transformação
4a
4a
2a
Serviços Não Domésticos
3a
2a
3a
Comércio Não Especializado
2a
7a
4a
Trab. Agrícolas Permanentes
5a
3a
5a
Serviços Domésticos
6a
5a
6a
Trab. Agrícolas Temporários
7a
6a
7a
Fonte: Balsadi (2000).
Os resultados obtidos para as outras duas ponderações adotadas, as quais dão mais peso para os indicadores de rendimento no trabalho principal e grau de formalização do trabalho, mostraram pequenas alterações nas posições relativas dos grupos de ocupações selecionados, principalmente daqueles dos residentes rurais. Isso evidencia que as diferentes ponderações pouco modificaram a situação mais desfavorável das ocupações agrícolas no tocante à qualidade do emprego. Ou seja, independente das ponderações utilizadas, os grupos de ocupações agrícolas ficaram nas últimas posições após o cálculo do IQE’ e do IQE’’ pelo fato de possuírem indicadores parciais mais desfavoráveis.
Resumidamente, as alterações nas ponderações dos indicadores parciais que compõem o IQE produziram os seguintes principais efeitos: a) para as empregadas residentes no meio rural não metropolitano paulista, a única alteração ocorrida, em 1992 e 1995, foi a troca de posição do comércio não especializado com as trabalhadoras agrícolas temporárias, indicando a pequena sensibilidade dos resultados às mudanças nas ponderações; b) para os homens, as maiores alterações ocorreram com o IQE”, em 1992, quando as ocupações de operadores agrícolas e trabalhadores permanentes perderam posição para os grupos da construção civil e dos serviços domésticos, respectivamente, indicando um quadro ainda mais desfavorável para as ocupações agrícolas; c) por último, houve maior distanciamento entre os grupos de ocupações agrícolas e não agrícolas e um aumento nas diferenças dos valores do IQE dos residentes rurais e dos urbanos empregados nos mesmos grupos de ocupações, reduzindo o número de ocupações com padrões próximos de qualidade do emprego para as duas situações de domicílio.
Perspectivas e novas linhas de pesquisa
Os dados das PNADs mostraram que, nos anos 90, consolidou-se uma mudança estrutural, que já estava em curso desde meados da década de 80, nas ocupações da população economicamente ativa residente no meio rural paulista, principalmente daquela com domicílio no rural não metropolitano.
A forte redução das ocupações agrícolas, motivada pela mecanização crescente do processo produtivo na agropecuária e pela redução da área cultivada com importantes culturas, juntamente com as marcantes transformações pelas quais vem passando o meio rural no estado de São Paulo (crise de rentabilidade da agricultura, novas funções de moradia, lazer e turismo no meio rural, mudanças nas famílias rurais, alterações na estrutura das propriedades rurais, “homogeneização” dos mercados de trabalho urbano e rural), produziram como resultado um significativo aumento da PEA rural ocupada em atividades não-agrícolas.
Os resultados do IQE obtidos para os homens e as mulheres têm um desdobramento interessante no que se refere à formulação de políticas de geração de emprego e renda para a população residente no meio rural. Se, por um lado, o fomento às atividades não agrícolas tem um efeito muito positivo em termos de melhoria da qualidade do emprego e, por conseguinte, das condições de vida dos trabalhadores com residência rural, por outro, ainda resta um grande desafio, que é definir políticas que gerem mais empregos na agricultura e, ao mesmo tempo, melhorem as condições de trabalho para as pessoas nela empregadas. Essa necessária integração das atividades agrícolas e não-agrícolas, gerando empregos de melhor qualidade, em projetos de desenvolvimento local/regional sustentáveis, ainda está por ser enfrentada pelas políticas públicas.
Obviamente que, com esses resultados do IQE, não se está querendo dizer que as atenções do governo, sociedade e entidades de representação dos trabalhadores devam ser desviadas da busca por melhores condições de emprego na agricultura paulista, principalmente para os trabalhadores agrícolas permanentes e temporários. Pelo contrário, pois, em 1999, 456 mil pessoas residentes no meio rural não metropolitano ainda estavam ocupadas em atividades agropecuárias. O resultado mais favorável (ou menos desfavorável) para os grupos de ocupações não agrícolas não significa que tal situação permanecerá imutável no futuro, nem que toda atenção deva ser dada somente para as atividades não agrícolas. Pensar dessa forma seria reintroduzir outra dicotomia (agrícola/não agrícola) em substituição à velha e desgastada separação rural/urbano.
Para finalizar, são colocadas algumas questões que apontam para novas linhas de pesquisa, as quais mereceriam um aprofundamento teórico e empírico no futuro próximo:
a) a necessidade de pesquisas sobre o emprego rural em outros estados, com o intuito de reunir diferentes experiências e resultados que confirmem, ou não, o quadro menos desfavorável para o emprego não agrícola dos residentes rurais. Também seria muito interessante a realização de estudos para o outro grupo mais numeroso de residentes rurais ocupados em atividades não agrícolas, os trabalhadores conta-própria;
b) pesquisas empíricas sobre as formas de pluriatividade das famílias rurais e o seu desempenho nos anos 90 e o porquê do enorme crescimento das famílias não agrícolas no rural não metropolitano paulista;
c) pesquisas de campo sobre turismo rural e sustentabilidade, regulação do uso do solo rural, novos rurais e suas relações com as atividades não agrícolas. Essas pesquisas são as que estão em estágio mais avançado na fase 3 do Projeto Rurbano;
d) aprofundamento teórico das relações urbano-rural e do papel dos grandes centros urbanos na demanda por bens e serviços de qualidade no meio rural e na dinamização das atividades não-agrícolas;
e) pesquisas que analisem as relações entre crise urbana e crise agrícola como “motor” de expansão das ocupações dos residentes rurais em atividades não-agrícolas.
Referências bibliográficas
Anderson, Dennis e Leiserson, Mark. Rural Nonfarm Employment in Developing Countries. Economic Development and Cultural Change. v. 28 n. 2, janeiro 1980.
Balsadi, Otavio V. Características do emprego rural no Estado de São Paulo nos anos 90. Campinas, IE/Unicamp, 2000, 160p. (Dissertação de Mestrado).
Botelho Filho, Flávio Borges. Dinâmica hegemônica das ocupações rurais não-agrícolas no Distrito Federal. In: Graziano Da Silva, J.F.; Campanhola, C. (editores). O novo rural brasileiro: uma análise estadual – Sul, Sudeste e Centro-Oeste. Jaguariúna (SP), Embrapa, v. 3, 2000.
Graziano Da Silva, José. A industrialização e a urbanização da agricultura brasileira. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v. 7, n. 3, julho-setembro de 1993.
Graziano Da Silva, José; BALSADI, Otavio Valentim; DEL GROSSI, Mauro Eduardo. O emprego rural e a mercantilização do espaço agrário. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v.11, n.2, abril-junho de 1997.
Graziano Da Silva, José; Balsadi, Otavio Valentim; Bolliger, Flávio Pinto; Borin, Maria Rosa; Paro, Maria Regina. Meio rural paulista: muito além do agrícola e do agrário. São Paulo em Perspectiva. São Paulo, Fundação Seade, v. 10, n. 2, abril-junho de 1996.
Kageyama, Angela; Rehder, Paulo. O bem-estar rural no Brasil na década de oitenta. Revista de Economia e Sociologia Rural. Brasília, v. 31, n.1, jan/mar. 1993.
Klein, Emilio. El empleo no agricola en America Latina. Prealc-OIT, n. 364, agosto de 1992.
Lanjouw, Peter. Policy options for employment in the rural non-farm sector. The World Bank, mimeo, 2000.
Silva, Aldenôr Gomes da. Novas configurações no espaço rural do Rio Grande do Norte. In: Graziano Da Silva, J.F.; Campanhola, C. (editores). O novo rural brasileiro: uma análise estadual – Nordeste. Jaguariúna (SP), Embrapa, 2000, v. 2, cap.1.
Teixeira, Vanessa Lopes. A evolução das ocupações não agrícolas no meio rural fluminense nas décadas dos anos oitentas e noventas. In: Graziano Da Silva, J.F.; Campanhola, C. (editores). O novo rural brasileiro: uma análise estadual – Sul, Sudeste e Centro-Oeste. Jaguariúna (SP), Embrapa, 2000, v. 3, cap.4.
Notas
[1] O Projeto Rurbano é coordenado pelo Instituto de Economia da Unicamp e envolve várias entidades de pesquisa em dez estados brasileiros (PI, RN, AL, BA, MG, RJ, SP, PR, SC, RS, além do DF). Esse projeto temático procura discutir a relevância dos cortes rural/urbano e agrícola/não agrícola nas pesquisas sobre o meio rural, além de analisar a importância das atividades não agrícolas para a população residente em áreas rurais, através do processamento dos microdados da PNAD para os anos 90. Para maiores informações, consultar http://www.eco.unicamp.br/projetos/rurbano .html.
[2] Kenya, El Salvador, Guatemala, Colômbia, Venezuela, Chile, Brasil, Indonésia, Tailândia, Taiwan, Filipinas, Malásia, Coréia do Sul, Irã e Índia.
[3] Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Equador, El Salvador, Guatemala, Haiti, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela.
[4] Saliente-se que a PEA rural metropolitana paulista já era predominantemente não agrícola desde o início dos anos 90 (Balsadi, 2000).
[5] Além de São Paulo, os Estados do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Norte também tinham, no final dos anos 90, mais de 50% da PEA rural ocupada em atividades não agrícolas, dentre os Estados pesquisados no Projeto Rurbano. No Rio de Janeiro, a PEA rural não-agrícola representava, em 1997, 54% da PEA rural total e 58,6% da PEA rural ocupada (Teixeira, 2000). No Rio Grande do Norte, a PEA rural não-agrícola correspondia, em 1997, a 48,3% da PEA rural total e a 52,2% da PEA rural ocupada (Silva, 2000). Além desses três estados, no Distrito Federal ocorreu o mesmo processo. Segundo Botelho Filho (2000), a PEA rural não-agrícola representava, em 1997, 66% da PEA rural total e 71% da PEA rural ocupada, ou seja, apenas 29% dos residentes rurais ocupados estavam trabalhando na agricultura do Distrito Federal. Para o total do Brasil, Del Grossi (1999) também observou que a população rural não é exclusivamente agrícola, uma vez que mais de 3,9 milhões de pessoas estavam ocupadas em atividades não agrícolas, em 1995, o que representava 26% da PEA rural ocupada.
[6] Desses indicadores, apenas o rendimento médio mensal precisou ser padronizado para variar de 0 a 100, segundo a fórmula: ((valor – mínimo)/(máximo – mínimo)), onde o mínimo e o máximo são, respectivamente, os valores mínimo e máximo do rendimento encontrados em toda a série, possibilitando a comparação intertemporal.