Estudos Sociedade e Agricultura

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Carmen Diana Deere

Diferenças regionais na reforma agrária brasileira: gênero, direitos à terra e movimentos sociais rurais


Estudos Sociedade e Agricultura, 18, abril, 2002: 112-146.

Resumo: (Diferenças regionais na reforma agrária brasileira: gênero, direitos à terra e movimentos sociais rurais). Mesmo que as mulheres tenham conquistado a igualdade formal nos direitos à terra na Constituição Federal de 1988, sua parcela de participação no programa de reforma agrária, se comparada a de outros países da América Latina, continua sendo muito baixa. Além disso, o índice de beneficiárias varia consideravelmente por região e estado. O argumento deste artigo sugere que o índice de mulheres beneficiárias pela reforma agrária esteja vinculado tanto à discriminação particularmente das mulheres chefes de família pelo Incra, como pelo fato de o efetivo direito das mulheres à terra não ser prioridade dos movimentos sociais até fins dos anos 90. No entanto, o papel destes na reforma agrária também variou consideravelmente por região e estado, explicando muito a variação regional daquele índice.

Palavras-chave: Reforma agrária; gênero; movimentos sociais.

Abstract: (Regional Differences in the Brazilian Agrarian Reform: Gender, Land Rights, and Rural Social Movements). Even though women achieved formal equality in land rights in the 1988 Federal Constitution, they represent a much lower share of agrarian reform beneficiaries in Brazil than in other Latin American countries. Moreover, the share of female beneficiaries varies considerably by region and state. In this article, the low share of female reform beneficiaries is attributed both to discrimination, particularly of female household heads, by the agrarian reform institute, as well as to the fact that attaining effective land rights for women was not a priority of any of the rural social movements until the late 1990s. However, the role of the social movements in the agrarian reform also varied considerably by region and state which accounts for much of the regional variation in women’s participation rates.

Key words: Agrarian reform; gender; social movements.

Carmen Diana Deere é professora de Economia e Diretora do Center for Latin American, Caribbean and Latino Studies, University of Massachusetts.


Introdução

Sob uma perspectiva de gênero, o programa de reforma agrária brasileiro apresenta como peculiaridade básica um índice relativamente baixo de mulheres contempladas, se comparado ao de outros países da América Latina. De acordo com o I Censo Nacional da Reforma Agrária de 1996, as mulheres constituíam somente 12,6% dos beneficiários diretos. Em contraponto, nas recentes distribuições de terra na Colômbia, as mulheres compunham 45% e, em El Salvador e Nicarágua, 34% (Deere e León, 2001: 335). Além disso, podemos constatar no Brasil uma grande variação regional quanto à porção de mulheres cadastradas nos assentamentos de reforma agrária.

O baixo índice de mulheres beneficiárias no Brasil vai de encontro à Constituição Federal de 1988, que reconhece explicitamente os direitos das mulheres à terra. De acordo com o art. 189, que regula a distribuição de terras por reforma agrária, os lotes serão conferidos "ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil" (in da Luz, 1996: 177). A mesma Constituição também pôs fim às prerrogativas dos maridos como chefes de família, estabelecendo uma dupla chefia da casa (art. 226, in CFEMEA, 1996: 49). Assim sendo, a terra distribuída pela reforma agrária deveria ser concedida e titulada aos cônjuges conjuntamente (ou aos casais amasiados, que também obtiveram reconhecimento pela reforma constitucional). No entanto, a distribuição conjunta de terra aos casais se tornou uma opção raramente praticada, não sendo devidamente controlada e regulamentada pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). [1]

Alguns dos movimentos sociais rurais passaram a reivindicar a distribuição e a titulação conjunta de terra somente em meados de 2000, ou seja, mais de uma década após a previsão constitucional desse direito. Podemos nos perguntar por que as mulheres rurais levaram tanto tempo para se organizarem e conseguirem o reconhecimento efetivo de seus direitos à terra. A fim de responder a esta indagação, procuro relacionar três fatores: primeiramente, a ampliação da participação feminina nos movimentos sociais que surgiram entre os anos 80 e 90; depois, a diversificação das prioridades desses movimentos sociais rurais, por fim, a imensa variação regional dos perfis desses mesmos movimentos no Brasil. [2]

A conquista de igualdade entre homens e mulheres quanto aos direitos à terra, alcançada na Constituição de 1988, foi o resultado das demandas das mulheres do meio rural, organizadas através dos sindicatos e do movimento autônomo de trabalhadoras rurais e de suas alianças com o movimento de mulheres do meio urbano e o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (Deere e León, 1999). Contudo, a conquista formal não aumentou o índice de beneficiárias na reforma agrária.

Essa conquista do direito das mulheres à terra não era a principal prioridade de nenhum dos movimentos sociais rurais e, embora a participação das mulheres nos movimentos rurais continuasse a crescer nesse período, o tema,  na maioria dos encontros e congressos nacionais, era apenas um entre vários outros. Também as prioridades do movimento autônomo das trabalhadoras rurais eram tão difusas e variadas quanto as apresentadas pelos sindicatos. Tanto a Contag e a CUT, como os MMTR estaduais, acabaram por dar uma maior atenção à questão mais urgente do reconhecimento da profissão das mulheres rurais, a fim de alcançar os benefícios da previdência social, outra conquista da Constituição de 1988. Talvez possamos compreender essa prioridade pelo fato de a questão trabalhista afetar do mesmo modo todas as mulheres do meio rural, independentemente de sua posição de classe. Por outro lado, tal avanço deixou um vácuo na luta pelos direitos das mulheres à terra. Durante todo esse período, o principal movimento social que determinava a forma e o conteúdo da reforma agrária era o MST e, de todos os movimentos, foi o mais silencioso em termos do discurso de gênero, pois considerou as questões de classe e gênero basicamente incompatíveis.

No que tange à variação regional que caracteriza o Brasil, o índice das beneficiárias da reforma agrária era maior no Nordeste (13,4%) e Sudeste (13,8%) do que no Sul (7,9%) ou Centro-Oeste (11,5%) (ver Tabela 1). Que conjunto de fatores explicaria tal variação? Já que a titulação conjunta a casais não era obrigatória, podemos conjecturar que as mulheres beneficiárias eram em sua maioria chefes de família (ou seja, mulheres viúvas, separadas, divorciadas ou solteiras). Outras chaves para entender esse fenômeno podem ser encontradas nos padrões de migração ou nas diferentes taxas de participação das mulheres na agricultura. Por outro lado, podemos nos perguntar em que medida tais variações, menos que estruturais, são um reflexo do modo particular pelo qual os movimentos sociais rurais têm se desenvolvido e definido suas prioridades.

Com a intenção de responder a essas questões, durante o ano 2000, foram realizadas entrevistas com os líderes dos movimentos sociais rurais e com funcionários do Incra em sete estados brasileiros. A escolha dos locais para a investigação se pautou na variação do índice de participação feminina no programa de reforma agrária, sendo esse respectivamente alto em Pernambuco, na Paraíba e no Rio de Janeiro, e baixo nos estados do Ceará, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul e Paraná.

Variações regionais no índice de beneficiárias

Como mostra a Tabela 1, o índice de beneficiárias na reforma agrária variou de uma alta de 17,9% no estado do Rio de Janeiro, seguido do Amazonas, Paraíba e Pernambuco (todos 16,5% ou mais), a uma baixa em torno de 7% no Paraná e Santa Catarina. Com vistas a explicar esta grande variação no nível estadual, testei várias hipóteses quantitativamente.

A prática do Incra tem sido de confiar os direitos de propriedade somente a uma pessoa da família. Como os homens que residem em casa costumam ser considerados os chefes das famílias (e, por isso, são designados como beneficiários), ainda esperava-se que a variação no índice das beneficiárias estivesse relacionada com o índice de mulheres na zona rural que são chefes de família por estado. Como a Tabela 2 mostra, a correlação por estado entre o índice de beneficiárias e chefes de família é positiva (0,3031), mas não tão forte quanto se esperava (uma correlação forte geralmente tem um coeficiente de 0,5000 ou mais). Outro critério para a seleção de beneficiários é a experiência com agricultura. Desse modo, também se esperava que o índice de beneficiárias fosse mais alto naqueles estados com alta taxa de participação feminina na população economicamente ativa (PEA) na agricultura. A Tabela 2 indica que essa variável revela-se numa correlação negativa (-0,20695) com o índice de beneficiárias por estado, sugerindo que a taxa de participação feminina na agricultura não é muito bem captada pelas estimativas do Censo ou, ainda, que tal critério não é preponderante no processo de seleção dos beneficiários – visto que nem todos os computados como PEA na agricultura são candidatos para o programa de reforma agrária. A população economicamente ativa na agricultura comporta agricultores familiares, trabalhadores familiares não remunerados, além de trabalhadores assalariados temporários e permanentes; por isso o índice de mulheres entre os trabalhadores temporários poderia ser uma variável mais relevante, uma vez que capta tanto a experiência com a agricultura, como a potencial demanda de terra por mulheres sem terra. [3] Porém, também essa variável demonstrou ter uma correspondência negativa (-0,0340) com o índice de beneficiárias por estado.

Ainda esperava-se que o índice de beneficiárias por estado tivesse uma correspondência negativa com a taxa de migração das áreas rurais, variando inversamente com as taxas relativas ao sexo na zona rural por estado. A maior taxa de masculinidade refletiria ou uma alta taxa de imigração masculina e/ou uma emigração feminina relativamente maior, podendo também estar associada a uma intensa competição entre os homens pela posse da terra, levando à exclusão das mulheres como beneficiárias. Porém, como a Tabela 2 mostra, o coeficiente de correlação (0,1797) para a variável da taxa relativa ao sexo também não se mostrou uma boa pista. Outra variável, que correlacionaria uma grande competição entre os homens pela terra e a exclusão das mulheres, poderia ser o preço da terra, se esse valor fosse elevado. Póderíamos inferir que a luta para obtenção da terra fosse mais acirrada. [4] Mas, embora negativa (-0,2284), a correlação entre a participação feminina nos programas de reforma agrária e o preço da terra no nível estadual não se mostrou substancial.

Cotejando esses diversos dados estatísticos, poderíamos ver que a variação no índice de beneficiárias por estado é positivamente relacionada com o índice de mulheres chefes de família na zona rural e negativamente associada com as variações do preço da terra por estado. Mesmo assim, essas correlações são fracas. Devemos então atentar para o papel de fatores que não são facilmente mensuráveis, como as variações na política e nas atitudes das instituições envolvidas nesse processo, no que diz respeito aos princípios de igualdade de gênero e, mais especificamente, em relação ao reconhecimento da importância dos direitos das mulheres à terra.

Discriminação contra a mulher chefe de família

Como vínhamos dizendo, até pouco tempo atrás, o Incra outorgava os direitos à terra somente a uma pessoa por família, geralmente, ao que era considerado o chefe da família. Para justificar tal procedimento, seus agentes chegam mesmo a declarar que “na ficha cadastral só tem espaço para o nome do homem”. [5] A meta da reforma agrária para os diretores do Incra é beneficiar famílias (aos seus olhos, ao contemplar o chefe da família, todos os membros que a compõem estariam sendo também beneficiados). Essa postura também revela um sistema classificatório, segundo o qual toda família deve ser nuclear, ou seja, com ambos os pais presentes. Esse modelo não contempla outros tipos de família, como, por exemplo, aquelas nas quais as mulheres são as suas chefes.

Antes de 1988, todas as mulheres eram diretamente discriminadas pelo sistema de pontuação do Incra, cujo cálculo servia para determinar os beneficiários. Pelo fato mesmo de serem mulheres, por terem menos membros em suas famílias ou, como já dissemos, por não terem como comprovar sua experiência na agricultura, eram as que obtinham menos pontos. A discriminação contra as mulheres era tal que os funcionários do Incra assumiram que mulheres sem marido ou companheiro seriam incapazes, a não ser que tivessem um filho crescido. [6] Não era nada incomum encontrar mulheres viúvas que, por terem somente filhos jovens, perdiam seus direitos de permanecerem num assentamento da reforma agrária (Lavinas, 1991: 6). Mais ainda, quando o filho mais velho de uma viúva era nomeado beneficiário, ela algumas vezes perdia o acesso à terra quando ele se casava e formava sua própria família (Rufino e Albuquerque, 1990: 367).

A principal conseqüência da reforma constitucional foi estabelecer que as mulheres poderiam ser beneficiárias da reforma agrária, através da norma do Incra (Seasc, 1º de outubro de 1988) que dava peso igual ao trabalho masculino e feminino no sistema de pontuação utilizado para selecionar os beneficiários (Suárez e Libardoni, 1992: 119). Mas como os outros critérios de seleção de beneficiários não foram mudados, as mulheres chefes de família continuaram a ser discriminadas tanto por aquele que beneficiava as famílias numerosas como pelo que favorecia os homens por sua experiência com a agricultura. Assim, a participação de beneficiárias da reforma agrária não somente deixou de aumentar nos anos subseqüentes como diminuiu. As mulheres constituíam 13% dos beneficiários nos assentamentos da reforma agrária antes de 1991; este índice baixou para 12,5% no período de 1991 a 1996. [7] As entrevistas indicam que, independentemente da norma constitucional, o Incra continua a discriminar as mulheres, preferindo assignar as terras a um filho (mesmo se legalmente menor de idade) do que adjudicar a uma mulher chefe de família. [8]

O I Censo da Reforma Agrária esclarece algo sobre o estado civil dos beneficiários da reforma. Como a Tabela 3 mostra, a grande maioria (58,9%) das beneficiárias era casada ou vivia numa união consensual e 41,1% eram chefes de família. Neste grupo, viúvas predominavam (16,7% do total), seguidas de solteiras (13%), separadas (9,3%) e divorciadas (1,4%). Em comtraste, a maioria esmagadora dos beneficiários masculinos (82,5%) era de homens casados ou vivendo numa união consensual; somente 10,1% eram solteiros e o restante viúvo, separado ou divorciado.

Os dados sobre o estado civil sugerem que as mulheres chefes de família têm sido particularmente sub-representadas como beneficiárias da reforma agrária. De acordo com o Censo Demográfico de 1991 (Brasil, 1996: Tabela 6.11), as mulheres da zona rural representam 12,2% dos chefes de família em termos nacionais; em contraste, elas constituíam somente 5,2% dos chefes de família nos assentamentos, de acordo com o Censo da Reforma Agrária. Esses dados também são sugestivos porque, na análise quantitativa apresentada anteriormente, a porcentagem de mulheres chefes de família por estado é positiva, mas fracamente relacionada ao índice de beneficiárias da reforma agrária.

Em 13 estados brasileiros, a mesma discriminação se faz notar através do índice de mulheres chefes de família na população rural, sendo pelo menos duas vezes maior que seu respectivo índice nos assentamentos. É interessante frisar que mesmo nos nove estados nordestinos essa situação se repete, ou seja, mesmo em estados onde a larga presença de mulheres chefes de família é considerada como sendo uma mola propulsora para o relativamente alto índice de beneficiárias da reforma.

Com base nesses dados, uma questão intrigante se coloca: se os homens usualmente são considerados os chefes de família, por que a maioria das mulheres beneficiárias no Censo da Reforma Agrária de 1996 é casada ou vive numa união consensual? Minhas entrevistas, assim como outros estudos acerca das mulheres nos assentamentos, sugerem que a razão principal para que as mulheres apareçam nos cadastros como representantes de sua família é a impossibilidade de seus maridos ou companheiros serem beneficiários da reforma (Rua e Abramovay, 2000: 197). Para que um homem seja considerado inelegível basta que ele: i) já tenha sido beneficiário da reforma agrária ou do programa de colonização; ii) tenha uma ficha criminal, e/ou iii) seja física ou mentalmente deficiente para realizar o trabalho na agricultura (Incra, 1998: Apêndice). Em tais casos, os técnicos do Incra às vezes registram a esposa ou companheira como beneficiária, se a família se qualifica em outros critérios. Em alguns estados, os técnicos do Incra fazem outras exigências, tais como que os demandantes não sejam aposentados [9] ou que não tenham outro trabalho senão o de agricultor, ou que não se ausentem do assentamento por um período maior que três meses. Nos estados do Nordeste, a migração temporária dos homens para o Sudeste pode ter favorecido as mulher casadas a receberem os direitos à terra, [10] especialmente quando elas são consideradas viúvas de maridos vivos (ou seja, mulheres abandonadas). [11] Há ainda casos excepcionais de maridos que preferem ter a terra registrada em nome da esposa, se esta é alfabetizada ou dispõe da documentação exigida no processo mais completa que a sua.

Nos estados de Pernambuco e Rio de Janeiro, há casos de mulheres casadas que têm exercido seus direitos à terra, especialmente quando são essas que lutam por sua aquisição, apoiadas pelo movimento social responsável pelo assentamento. Um  exemplo é o Assentamento de Açude Grande, na zona da mata de Pernambuco, onde, de 47 famílias, havia 14 mulheres cadastradas. Somente duas dessas mulheres eram chefes de família solteiras. As demais mulheres acabaram por entrar na lista dos beneficiários, em vez de seus maridos ou companheiros, porque eram elas que tinham participado do acampamento. Esse foi o caso da presidente dessa associação, cujo companheiro não concordou com a ocupação de terra ("então o título da terra será dela, ela conquistou seu direito à terra”). [12]

A atuação heterogênea dos movimentos sociais rurais

Como notado anteriormente, comparado a outras regiões, o Nordeste é caracterizado por um alto índice de mulheres chefes de família na zona rural. Mesmo assim, as mulheres não são proporcionalmente beneficiadas pela reforma agrária nessa região. [13] Um dos fatores que chamou atenção no Nordeste foi a discrepância entre o alto índice de beneficiárias da reforma em Pernambuco e na Paraíba e aquele encontrado nos estados vizinhos do Rio Grande do Norte e Ceará (ver Tabela 1).

Podemos inferir que o papel dos vários movimentos sociais rurais, associado a uma efetiva participação das mulheres nos mesmos, tenha um peso nessa heterogeneidade regional. Esses foram precisamente os casos de Pernambuco e da Paraíba, nos quais as primeiras agitações tiveram lugar, na primeira metade dos anos 80, com vistas a incorporar mulheres rurais aos sindicatos (Fetape, 1986; Cappellin, 1989). Nesses dois estados, a reivindicação pelos direitos das mulheres à terra foi também primeiramente verbalizada. [14] Mesmo que se disponha de dados quantitativos sobre a extensão da sindicalização feminina, as entrevistas realizadas mostram que as mulheres formam uma parcela relativamente alta entre os membros dos sindicatos de Pernambuco e da Paraíba, ao passo que no Ceará e no Rio Grande do Norte a sua sindicalização é um fenômeno recente, dos anos 90. [15]

Esse dado é importante tendo em vista que a luta pela reforma agrária no Nordeste nesse período foi liderada primeiramente pelos sindicatos rurais e/ou pela CPT (Comissão Pastoral da Terra). O MST não estabeleceu uma presença na região até fins dos anos 80, não começando a organizar ocupações de terra significativas antes de meados dos anos 90. [16] Portanto, a variação do índice de mulheres beneficiárias da reforma agrária nesses quatro estados (até 1996) pode ser um reflexo das políticas e das diferentes trajetórias dos sindicatos rurais estaduais, dos MMTR e da CPT, e não do MST.

Os MMTR também se desenvolveram mais cedo em Pernambuco e na Paraíba do que no Ceará e no Rio Grande do Norte e, no início dos anos 90, o movimento de mulheres autônomas era também muito mais forte naqueles dois estados do que nesses outros. [17] A simbiose que existe em Pernambuco e também na Paraíba entre o MMTR e os sindicatos rurais locais provavelmente contribuiu para fortalecer as mulheres rurais, colocando-as numa melhor posição para reivindicar seus direitos à terra, quando há oportunidade.

No que diz respeito à CPT, de acordo com ativistas da Paraíba, o tema do direito das mulheres à terra foi incorporado em seu discurso em meados dos anos 80, seguindo as diretrizes do primeiro Congresso estadual da CUT. A política da CPT, ao menos neste estado, foi apoiar a distribuição de terra às mulheres solteiras, assim como a titulação conjunta de terra aos casais. [18] Em termos das diferenças no âmbito estadual, a CPT é ativa somente em uma região do Rio Grande do Norte e não parece ser muito forte no Ceará se comparada a Paraíba e Pernambuco. [19] Nas palavras de Vanete Almeida (uma das forças de liderança por detrás do MMTR-NE desde sua fundação), a participação das mulheres, em qualquer tipo de organização, as prepara para a luta pela terra. [20] Talvez isso explique as diferenças nos números de mulheres beneficiárias da reforma agrária encontrados na região Nordeste.

Para dar conta das diferenças entre o alto índice de participação das mulheres na reforma agrária na maioria dos estados do Nordeste e o baixo índice de participação no Sul, líderes femininas de movimentos sociais rurais têm explicações um tanto diferentes. No Sul, as entrevistadas marcaram a diferença de estrutura familiar nas duas regiões e o maior grau de pobreza no Nordeste [21] . O alto índice de beneficiárias nesta última região foi visto como um resultado do colapso (ou falta histórica de uma existência) da cultura da agricultura familiar, do elevado índice de migração masculina e, comcomitantemente, do alto índice de chefia feminina. Para elas, a luta pela sobrevivência no Nordeste tem sido sempre extrema, com as mulheres tendo que assumir um papel maior na representação da família do que no Sul. Mas, como resultado, elas também mostram que as mulheres no Nordeste possuem mais autonomia e auto-estima, fatores que podem explicar por que as mulheres têm sido capazes e dispostas a reivindicar seus direitos à terra naquela região. As mulheres do Sul retratam sua própria região como uma região de agricultores familiares, enraizada na imigração de famílias alemãs e italianas no fim do século XIX, bem machista. Assim, a família conservadora, com as mulheres casadas totalmente dependentes dos maridos, tem sido apoiada pelas práticas da herança patrilinear, nas quais “a terra é do homem”. Assim sendo, nessa região seria quase inconcebível que mulheres da zona rural pudessem ter ou precisassem ter independentemente direitos à terra ou aspirassem se tornar agricultoras por si próprias.

Para explicar o maior índice de beneficiárias no Nordeste, as entrevistadas deram maior peso ao papel positivo dos sindicatos rurais no encorajamento das mulheres à crescente conscientização de seus direitos, incluindo o direito à terra. Com muito orgulho, elas invocam os nomes de Elizabeth Teixeira e Margarida Alves, líderes camponesas da região, assim como o da sindicalista Maria Penha Nascimento, [22] mulheres que se tornaram ícones nacionais na luta pela terra. Embora somente Penha tenha lutado especificamente pelos direitos das mulheres à terra, no discurso popular das mulheres organizadas nordestinas, todas as três aparecem simbolizando a participação feminina na luta pela terra e cidadania.

Os sindicatos rurais têm cumprido um papel muito maior na luta pela reforma agrária no Nordeste do que no Sul. No Nordeste, 45% dos beneficiários da reforma agrária são membros de sindicatos, ao passo que no Sul esse índice cai para 32%. [23] Porém, a composição social do movimento sindical nas duas regiões é bastante diferente, com predominância de agricultores familiares no Sul e de trabalhadores/proletários no Nordeste. [24] Assim sendo, ainda que a sindicalização das mulheres da zona rural tenha começado mais ou menos ao mesmo tempo no Nordeste e no Sul do Brasil, na primeira região as mulheres sem terra, trabalhadoras assalariadas, temporárias ou permanentes, costumam ser componentes ativas e mais visíveis dos sindicatos (Carneiro, 1994: 16-17). Em contraposição, no Sul, são as esposas de agricultores e suas filhas que pertencem aos sindicatos. Esse mesmo panorama social caracteriza os MMTR no Sul, com a maioria esmagadora de seus membros sendo mulheres de agricultores familiares. Talvez dessa composição específica decorra o fato de que tanto o movimento sindicalista, como os MMTR no Sul, apóiem a reforma agrária, sem que esta seja a sua bandeira principal, via de regra orientada para as condições da agricultura familiar. [25] Mesmo assim, podemos acrescentar um foco comum das comissões de mulheres dentro do movimento sindical e também dos MMTR, no qual há uma orientação para o reconhecimento da mulher do campo como trabalhadora rural, visando benefícios como a licença-maternidade remunerada e a previdência social. [26]

Desde o princípio dos anos 80, a organização dos sem-terra no Sul tem sido domínio do MST, líder incontestável dos esforços pela reforma agrária (Navarro, Moraes e Menezes, 1999). Por isso, no Sul, mais do que em qualquer outra região, a composição de gênero dos beneficiários da reforma agrária até 1996 reflete as políticas e a orientação do MST, o qual, dentre os movimentos sociais rurais, foi o mais lento a incorporar uma perspectiva de gênero, sendo até recentemente o mais silencioso em relação aos direitos das mulheres à terra (Deere, 2002).

O caso do Rio de Janeiro – onde os movimentos sociais rurais são relativamente mais fracos, até anos recentes, e onde encontramos o maior índice de beneficiárias femininas entre todos os estados [27] – complexifica o argumento que vincula os diferentes índices de mulheres beneficiárias diretas da reforma agrária ao papel dos movimentos sociais rurais. No Rio de Janeiro, o MST somente se tornou ativo depois de 1993 e, além disso, de acordo com sua coordenadora no estado, para ele ainda é uma raridade promover a mulher. Ou seja, os 18% de mulheres beneficiárias no estado não podem ser atribuídos a uma atuação desse movimento. [28] A Fetag-RJ também não tem sido protagonista na reforma agrária, senão muito recentemente. E o movimento das mulheres trabalhadoras rurais é aqui o mais fraco. O MMTR simplesmente não existe e, apesar de a Fetag-RJ possuir uma comissão de mulheres, sua participação efetiva nos sindicatos municipais é incipiente. [29] Os ativistas da CPT tiveram influência em algumas ocupações de terra no início dos anos 80, mas o estado foi considerado o interlocutor privilegiado com respeito à reforma agrária (Medeiros et al., 1999: 135).

As experiências urbanas de muitos dos beneficiários da reforma agrária no Rio de Janeiro – estado onde somente 4,75% da população foi classificada como rural no Censo Populacional de 1991 (Medeiros et al., 1999: 123) – podem explicar tanto o perfil dos beneficiários da reforma agrária no estado como a alta concentração de assentamentos na região metropolitana (ibid.: 146). Mario Giuliani e Elisa de Castro (1996: 145) caracterizam a maioria dos assentados como tendo passado pela trajetória rural/urbana/rural, ao passo que um número insignificante apresenta somente experiências urbanas sem nenhuma passagem prévia pela agricultura. Uma das principais conseqüências dessa trajetória e da proximidade urbana é que os assentamentos se caracterizam por um alto grau de pluriatividade, freqüentemente facilitado por uma divisão de trabalho por gênero.

Em alguns assentamentos deste estado (resultados de ocupações de terra, como no caso do Mutirão Sol da Manhã na Baixada Fluminense), as mulheres foram muito ativas na tomada de terra, no acampamento e no assentamento. Paola Cappellin e Elisa de Castro (1997: 124) relatam que algumas das mulheres casadas participaram na luta pela terra sem o consentimento de seus maridos, os quais somente se uniram a elas quando os assentamentos foram legalizados. Além disso, as esposas eram freqüentemente as cadastradas, uma vez que seus maridos continuavam a trabalhar nas áreas urbanas enquanto elas, quase sempre, tratavam da produção agrícola ou, ao menos, dividiam com seus esposos as tarefas de cultivo no lote e as tomadas de decisões. As autoras atribuem essas atitudes às influências urbanas e contrastam a participação das mulheres neste assentamento com a de mulheres no assentamento de São José da Boa Morte (em Cachoeiras de Macacú), no qual a maioria dos membros é camponesa e são poucas as mulheres ativas na agricultura e beneficiárias diretas da reforma (ibid, 128-129; Castro, 1998: 234).

De acordo com o superintendente do Incra do Rio de Janeiro, embora seja uma regra relativamente nova (dos anos 90), [30] o órgão tem buscado titular toda mulher casada que seja agricultora, caso seu marido esteja envolvido em atividades urbanas ou seja aposentado, portanto, muito velho para ser beneficiário. Contudo, se o marido reivindica seus direitos, mesmo que a mulher tenha tido uma participação ativa na luta pela terra, ele será cadastrado. [31] Não obstante, as entrevistadas no Rio de Janeiro consideraram as relações de gênero mais avançadas em seu estado em parte devido ao movimento feminista e de mulheres historicamente forte. A cultura é mais aberta, com poucas restrições à mobilidade das mulheres (tanto casadas como solteiras). Esse quadro tem facilitado a participação de mulheres casadas nas ocupações de terra e a reivindicação da concessão dos lotes em seus próprios nomes.

Aumentando a participação das mulheres na reforma agrária

O ritmo da reforma agrária brasileira aumentou em meados dos anos 90, sobretudo como resultado das ações do MST. Em meados de 1999, havia 3.958 assentamentos em termos nacionais, com 475.801 famílias beneficiárias controlando quase 23 milhões de hectares de terra. [32] Dados preliminares de oito estados sugerem que o aumento do ritmo da reforma agrária tem sido acompanhado pelo crescimento do índice de mulheres beneficiárias. Como a Tabela 4 mostra, entre 1996 e 2000, o número de beneficiárias mais que duplicou em cinco estados enquanto que crescimentos substanciais foram reportados em outros três. O índice de beneficiárias aumentou significamente no Rio de Janeiro, Ceará, Rio Grande do Norte, Santa Catarina (estados localizados na parte mais baixa do espectro em 1996) e Paraíba. Permaneceu mais ou menos o mesmo em Pernambuco e no Rio Grande do Sul, decrescendo apenas no Paraná.

Antes de explicar esses resultados estaduais, é relevante primeiro considerar as mudanças que têm ocorrido no discurso de gênero do MST.

Foi somente em 1996, quando o Coletivo Nacional da Mulher do MST se constituiu, que os direitos da mulher à terra foram considerados explicitamente pela primeira vez. Em seu panfleto, A questão da mulher no MST, dentre as ações propostas, estão a garantia do título de terra às mulheres e a participação igualitária das mesmas nas associações e cooperativas (MST, 1996: 7). Foi enfatizado que uma campanha maior se faria necessária se os nomes das mulheres fossem garantidos, junto com o de seus maridos, nos registros do assentamento. Além disso, ficou reconhecido que uma condição prévia para as mulheres serem beneficiárias da reforma agrária era o fato de elas terem os documentos pessoais necessários. Num outro contexto, foi organizada pela ANMTR uma campanha nacional para a emissão dos documentos necessários ao reconhecimento da profissão das mulheres rurais, a fim de alcançar os benefícios da previdência social.

Em 1999, o Coletivo de Mulheres do MST foi reconstituído como o Coletivo Nacional de Gênero, a partir de um número igual de homens e mulheres participantes, com o objetivo de criar estruturas similares nos estados e em suas sub-regiões. Ficou patente que daquele momento em diante tratava-se de um “problema de ambos, mulher e homem em todas as suas dimensões”. [33] Muitos fatores explicam a maior abertura por parte do MST nesse momento para as questões de gênero. As lideranças reconhecem que as mulheres tendem a deixar de participar ativamente nos assentamentos quando estes são constituídos, [34] pois a partir de então, impedidas de responderem pela terra (por não serem as titulares), às mulheres não é dada voz nas associações e cooperativas (instituições que, desde o momento do assentamento, passam a capitanear decisões cruciais concernentes aos planos de produção, à obtenção de crédito, infra-estrutura e investimentos sociais etc.).

“Nós temos a avaliação de que a mulher não ter o cadastro em seu nome é um grande problema... porque ela não é dona da propriedade, então, quando vem a assistência técnica, o que acontece? O técnico chega e convida: Olha, os proprietários, os parceleiros venham para a reunião. Então, quem é o parceleiro oficialmente? É o marido. Só ele vai para a reunião da assistência técnica. Só ele vai para discutir os recursos... E aí vai excluindo a mulher em todos os momentos...” [35]

Há no MST um reconhecimento crescente das conseqüências, para o bem-estar dos assentamentos e do movimento, advindas da impossibilidade de participação das mulheres. A exclusão de mulheres do cadastro tem gerado problemas práticos, tais como a incapacidade de obter crédito para a produção devido à ausência do marido. Assim acontece também quando os casais se separam. Em geral, como o marido é o titular, é ele também quem fica com a terra. A esposa quase nunca tem outra opção senão a de sair com os filhos: “a mulher perde todos os direitos na separação, neste caso”. [36] Às vezes ela tem de começar o processo todo de novo, indo para outro acampamento com a esperança de obter terra, apesar de ter dedicado anos à luta. Mesmo que, algumas vezes, o homem queira sair, para que sua esposa e filhos fiquem na casa, apresenta-se uma série de dificuldades decorrentes do fato de a terra estar no seu nome e ele oficialmente não poder voltar a ser um beneficiário da reforma agrária. O desfecho desses casos costuma ser um só, como bem observou uma entrevistada: “mas isso é raro, em todos os casos que eu tenho acompanhado, ela (a mulher em geral) acaba pegando a trouxinha e as crianças e vai embora, e ele fica com o lote e traz outra mulher com ele. Então é terrível essa coisa de a mulher não ter acesso ao cadastro.” [37]

A fim de contemplar essas questões, o Coletivo de Gênero publicou um panfleto de treinamento intitulado Mulher Sem Terra (MST, 2000), no qual, no tópico “As Mulheres e a Reforma Agrária”, argumenta: “na luta pela terra, ocupação, acampamento, mobilizações, participa toda a família; portanto, a conquista da terra é uma conquista da família. Nada mais justo que, quando o Incra venha fazer o cadastro, este seja feito no nome dos dois...” (ibid.: 57-8). [38] As entrevistas com líderes mulheres do MST confirmam, como indicado nesse documento, que a distribuição conjunta de terra a casais passou a fazer parte das linhas políticas do movimento, aparecendo agora na pauta de reivindicações. [39]

No entanto, a demanda pelos direitos das mulheres à terra ainda não faz parte do discurso público do MST, fato que ficou evidente na mobilização das trabalhadoras rurais, em Brasília, coordenada pela ANMTR e pelo MST, em março de 2000. No chamado “Primeiro acampamento das mulheres rurais”, cerca de 3.000 mulheres, dos 24 estados do país, reuniram-se para reivindicar a reforma agrária, crédito subsidiado para pequenos produtores, o seguro-agricultura, o perdão das dívidas rurais e seus direitos à previdência e à saúde. Elas denunciavam assim o projeto neoliberal do governo, ao mesmo tempo em que propunham um Projeto Popular. [40] Porém, dentre todas as demandas, não havia nenhuma concernente aos direitos das mulheres à terra.

Essa ambigüidade também ficou evidente no IV Congresso Nacional do MST, realizado em Brasília, em agosto de 2000. Das doze orientações reafirmadas no congresso, estava “resgatar e implementar em nossas linhas políticas e em todas as atividades do MST e na sociedade a questão de gênero...” [41] Mesmo que o MST tenha estado calado em relação aos direitos das mulheres à terra, mudanças recentes podem ser verificadas na própria participação das mulheres na Direção Nacional do MST: dos 21 membros, nove são mulheres. [42]

Nas entrevistas realizadas ficou claro que a internalização das questões de gênero está tomando lugar no MST, mas num ritmo diferente em cada estado brasileiro. Em algumas regiões há uma notável mudança no discurso de gênero a partir da base do movimento, às vezes associada ao crescimento do número de mulheres nas posições de liderança nos assentamentos ou dentro da liderança regional ou estadual do MST. Esse processo em desenvolvimento pode explicar, em parte, o aumento do índice de beneficiárias da reforma agrária em estados como Ceará, Rio Grande do Norte e Santa Catarina. Não é uma coincidência o fato de as mulheres serem coordenadoras do MST nestes estados; mais ainda, no Ceará as mulheres constituem maioria na liderança estadual do MST. O MST, no Ceará e no Rio Grande do Sul, lidera a implementação de algumas das novas leis contidas no documento de 1999 (citado anteriormente). No Rio Grande do Sul, desde 1997, a liderança do estado tem buscado reorganizar suas bases nos assentamentos, reestruturando-os como núcleos de família, ou seja, reunindo 10 a 15 famílias, com um coordenador masculino e outro feminino. [43] Além disso, os benefícios da titulação conjunta para casais e as petições de crédito feitas por marido e esposa têm sido bastante discutidos, tornando-se uma demanda do MST nas discussões com o Incra em relação ao programa de reforma agrária no estado do Rio Grande do Sul. [44] No Ceará, esforços nesse sentido vêm focalizando o treinamento de gênero a casais na liderança do MST de nível regional e estadual. O plano é estender tais sessões aos assentamentos antes do início do processo de nucleização (isto é, organização por grupos de 15 a 20 famílias, com um homem e uma mulher como coordenadores). Além disso, em discussões com o Incra, tem-se sublinhado a necessidade de incluir nos cadastros tanto as mulheres chefes de família, quanto os jovens. Em relação ao primeiro caso, a coordenadora estadual do MST considera que tem havido algum progresso, talvez captado pelos dados dispostos na Tabela 5. [45]

No Paraná, estado que apresenta o mais espetacular crescimento no número de beneficiários da reforma agrária de todos os estados nestes últimos anos, o índice de mulheres tem, na verdade, caído, refletindo parcialmente a falta de atenção às questões de gênero por parte do MST do Paraná até muito recentemente. Somente em outubro de 2000 a diretoria do estado (composta por duas mulheres e 16 homens, diretores) dedicou-se à discussão das questões de gênero, mas o Coletivo de Gênero estadual estava ainda para ser criado. Apesar da falta de atenção por parte do MST acerca dos direitos das mulheres à terra, os dados também refletem a natureza muito conservadora deste estado, caracterizada pela continuidade do poder dos latifundiários e por uma sociedade civil e movimentos sociais muito mais fracos se comparados a outros estados do Sul. [46]

A Contag organizou uma comissão nacional sobre a questão das mulheres somente em 1997 (três anos depois de ter se unido à CUT), embora até então houvesse cerca de dois milhões de mulheres afiliadas a sindicatos rurais (Abramovay e da Silva, 2000: 355). Naquele mesmo ano, a Contag organizou a Primeira Plenária Nacional de Trabalhadores Rurais, na qual se discutia uma quota de 30% para mulheres nas eleições do sindicato, além da questão dos benefícios da previdência social às mulheres, ainda não asseguradas plenamente. No ano seguinte, em seu VII Congresso, a Contag adotou a quota feminina de 30% e criou o cargo de Coordenadora da Comissão Nacional das Mulheres como parte de sua Diretoria Executiva. Ao fim de tudo, 47 ações relevantes, específicas às mulheres rurais, foram aprovadas. Exigia-se que o Incra enquadrasse “as mulheres como trabalhadoras rurais no cadastro de assentados e ITR...” e inscrevesse o casal e não somente o homem (Contag, 1998: 124). [47]

O ano de 2000 rendeu algum progresso com relação à questão dos direitos das mulheres à terra. Como integrava a coordenação nacional para a Marcha Mundial de Mulheres, [48] a Contag deu início, com a celebração do Dia Internacional da Mulher em 8 de Março de 2000, a eventos em todo o Brasil, animando a Marcha das Margaridas que rumou a Brasília, no dia 10 de agosto, data em que o movimento relembra o assassinato da líder sindical nordestina, Margarida Alves. As demandas principais dessa campanha prolongada foram a “valorização e fortalecimento da participação da mulher na reforma agrária e na agicultura familiar; a garantia e ampliação de direitos trabalhistas e sociais e o combate à violência e impunidade no campo e a todas as formas de discriminação social e de gênero”. [49] Nas Pautas de Reivindicações da Marcha das Margaridas, preparadas para o evento de 10 de agosto pelo Comitê de Coordenação do evento, [50] figuraram com destaque o direito das mulheres à terra. Dentre as demandas, estavam o acesso das trabalhadoras rurais às políticas públicas da reforma agrária e, especificamente, a criação de uma norma que exigia que “a documentação do assentamento ou parcela fosse expedida em nome do casal e no nome da mulher quando esta for solteira” (Contag et.al., 2000: 6).

Com um número estimado entre 15.000 e 20.000 mulheres marchando para Brasília, o Comitê de Coordenação foi recebido pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso e pelo presidente do Incra no dia 9 de agosto, para os quais se apresentou uma lista de 81 demandas específicas. De acordo com a imprensa, o presidente do Incra teria declarado que “o Instituto iria modificar os títulos de propriedades rurais (para que saíssem) em nome dos casais e não apenas no do homem, corrigindo a distorção reclamada pelas trabalhadoras... O Incra iria estudar as outras reivindicações”. [51] Mesmo com a marcha amplamente coberta pela imprensa, a demanda dos direitos das mulheres à terra recebia pouca atenção. [52] Mas as Margaridas chamaram a atenção do governo com a “maior manifestação de mulheres nesse país”, como disseram suas organizadoras. Depois do evento, um calendário detalhado de reuniões contínuas foi definido entre o Comitê Coordenador e os ministérios federais implicados.

Nos meses subseqüentes, o aumento no interesse pela questão dos direitos da mulher à terra tornou-se palpável, concreto. Nas minhas entrevistas, entre setembro e novembro de 2000, ficou evidente que a demanda da titulação conjunta a casais tinha sido internalizada pelos líderes, não somente das federações estaduais filiadas à Contag mas também dos MMTRs, MST e CPT. Além disso, as mulheres dos acampamentos e assentamentos rurais também verbalizaram a expectativa de que os nomes das mulheres fossem incluídos junto com os dos homens no cadastro da reforma agrária. Esperava-se de fato que as mulheres chefes de família nos acampamentos tivessem suas reivindicações pelos direitos à terra reconhecidas. [53]

Apesar disso, os superintendentes do Incra estavam confusos acerca do que significaria na prática a demanda pela titulação conjunta. Alguns afirmavam que a adjudicação compartilhada não era necessária, pois, de acordo com o Código Civil Brasileiro, em caso de separação ou divórcio, casais casados e amasiados em uniões consensuais têm direitos iguais e, portanto, toda propriedade comum adquirida durante a união deveria ser dividida em partes iguais. [54] Além disso, eles argumentaram que, na titulação definitiva das parcelas nos assentamentos, ambos os nomes deveriam sempre aparecer. [55] Houve também a preocupação segundo a qual, incluindo os nomes de ambos os parceiros no cadastro, seria complicado computar quantas famílias estavam realmente sendo beneficiadas. Alguns superintendentes, contudo, favoreceram a medida, mas por razões bastante distintas. No estado do Paraná, o superintendente considerou que se tratava de uma medida positiva, porque iria “fortalecer a família”. Já em Pernambuco, acreditava-se que ela era uma medida positiva porque iria melhorar o status das mulheres nos assentamentos, cujo papel o superintendente local considerava chave para o sucesso da reforma agrária. [56]

A Resolução n.º 6, de 22 de fevereiro de 2001, aprovada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), foi o resultado do processo de negociação entre o Comitê de Coordenação da Marcha das Margaridas e o grupo interministerial anteriormente designado. De acordo com o Ministério, essa resolução provê uma “perspectiva de gênero em todos os instrumentos administrativos do MDA”, implicando mudanças “nas normas de seleção para facilitar o acesso das mulheres aos benefícios da reforma agrária”. [57]

Subseqüentemente, o Programa de Ações Afirmativas para Promoção de Igualdade de Oportunidades e de Tratamento entre Homens e Mulheres foi institucionalizado no Ministério. [58] O novo escritório governamental ficou encarregado de rever todos os critérios e normas para facilitar o acesso das mulheres rurais à terra e aos títulos, créditos, treinamentos, assistência técnica e benefícios da previdência social. Este objetivo tornou-se mais concreto com outra diretriz que estabeleceu uma meta para 2001 de 30% de representação feminina na distribuição de créditos dentro do Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar) e do Banco da Terra (Fundo de Terras e da Reforma Agrária), assim como nos programas de treinamento e de extensão. [59] O próprio Ministério propõs uma meta de progressivamente atingir 30% de representação feminina em sua estrutura administrativa. [60] No que diz respeito ao Incra, uma das primeiras realizações do seu Programa de Ações Afirmativas foi redesenhar quase todos os formulários utilizados no processo de seleção de beneficiários da reforma agrária de maneira que os nomes de ambos os cônjuges ou companheiros aparecessem na primeira página do formulário como co-pleiteadores ou beneficiários. [61]

Embora um número de medidas progressistas em relação ao gênero esteja sendo adotado desde 2001, ainda não há nenhuma menção específica acerca do chefe de família feminino. Dado o fato de que a maioria das beneficiárias da reforma agrária brasileira, até 1996, eram esposas ou companheiras e não chefes de família, a falta de atenção específica à mulher chefe de família permanece uma lacuna nas leis brasileiras para acabar com a discriminação de gênero. Seguindo o exemplo de outros países da América Latina, poder-se-ia pensar numa ação afirmativa ou em uma “discriminação ao revés”, fazendo das mulheres uma prioridade explícita nos programas estatais relativos à redistribuição de bens. Usualmente isto tem sido realizado por intermédio da seleção dos beneficiários, através da concessão de mais pontos para as mulheres, a fim de compensar a discriminação sofrida por elas historicamente (Deere e León, 2001).

No entanto, o Brasil é pioneiro, dentre os países da América Latina, em designar às mulheres rurais a meta de uma quota de 30% no crédito que se está disponibilizando para a compra de terra através do Banco da Terra. Esta é uma questão que envolve uma intensa controvérsia, pois alguns críticos a vêem como um modo de minar a responsabilidade do governo federal em fazer a reforma agrária. [62] De um ponto de vista feminista, podemos indagar se um programa que exige do assentado não só a obtenção de empréstimo, como o pagamento de suas dívidas dentro das leis neoliberais do mercado, garante de fato a eqüidade de gênero através da conquista da terra. Mas esta é uma questão que exigiria uma pesquisa mais detalhada.

Conclusão

A conquista da igualdade formal dos direitos à terra entre homens e mulheres alcançada com a Carta Constitucional de 1988 foi um avanço importante, mas limitado, para as mulheres trabalhadoras rurais. Essa conquista de igualdade formal dos direitos à terra não implicou um aumento do número de mulheres beneficiárias no programa de reforma agrária, por exemplo. Embora o Incra tenha modificado sua prática discriminatória mais explícita (aquela que atribuía menos pontos às mulheres no processo de seleção dos beneficiários), outros critérios adotados pelo órgão continuaram a discriminar aquelas mulheres chefes de família. Também a possibilidade legal de adjudicação e titulação conjunta não tem sido de fato implementada por tratar-se somente de uma opção e não de uma obrigação. Ao longo do presente artigo, argumentou-se que, em meados dos anos 90, o baixo índice de beneficiárias da reforma agrária refletia, além da inoperância estatal, o pouco interesse dos movimentos sociais rurais em colocar num primeiro plano a conquista efetiva dos direitos das mulheres à terra.

Se tais fatores, por um lado, acima explicam por que as mulheres têm ocupado uma parcela relativamente baixa de beneficiários da reforma agrária no Brasil, comparada a de outros países latino-americanos, por outro, eles não explicam a ampla variação dos dados por estado e região. Para isto, considerei fatores quantitativos e qualitativos. A análise quantitativa revelou que a parcela de beneficiárias da reforma por estado foi positivamente relacionada com o índice de chefes de família femininos na zona rural e negativamente relacionada com o preço da terra cultivada por estado, mas essas correlações são fracas. Ela procurou mostrar como as mulheres chefes de família têm sido sub-representadas nos assentamentos, quando pensamos na proporção de sua presença na população da zona rural como um todo. As mulheres beneficiárias, em sua maioria, o são porque estavam casadas ou eram companheiras de homens que não se qualificavam como beneficiários da reforma. Há casos excepcionais em que a conquista dos direitos das mulheres à terra foi resultado de sua luta individual. Não por acaso isto ocorreu nos estados que, em geral, mostram o maior índice de beneficiárias da reforma agrária: Pernambuco e Rio de Janeiro.

Outro destaque, no que diz respeito à luta pela terra, refere-se às diferenças na composição dos movimentos sociais rurais: por um lado, a importância marcante dos sindicatos na região Nordeste do Brasil, onde os trabalhadores assalariados predominam, e a relação estreita entre os sindicatos e o MMTR. Como contraponto, no Sul, o MST foi o líder incontestável dos sem-terra e da reforma agrária, com os sindicatos e o movimento autônomo de mulheres muito mais voltados para a agricultura familiar. Mesmo que o aumento da participação de mulheres da zona rural nos sindicatos e na organização dos MMTRs tenha ocorrido quase ao mesmo tempo no Sul e no Nordeste, a composição diferente desses movimentos nas duas regiões explica em parte por que os direitos das mulheres à terra se tornaram uma questão muito mais relevante no Nordeste, abrindo o caminho para que as mulheres se tornassem beneficiárias da reforma agrária.

Os dados disponíveis sugerem que com a expansão da reforma agrária na segunda metade dos anos 90 – vinculada à consolidação territorial do MST como uma organização nacional e à radicalização de muitos dos sindicatos na questão da reforma agrária – tem havido um crescimento no índice de mulheres como beneficiárias, em alguns estados. Acredito que essa mudança se deva, em parte, à gradual abertura do MST às questões de gênero. Tal fato é evidenciado na crescente, mesmo que lenta, participação das mulheres na direção do MST, em todos os níveis, circunstância associada à urgência em consolidar os assentamentos.

O reconhecimento da importância dos direitos das mulheres à terra geralmente ocorre por duas razões, que, em outro lugar, chamamos de argumentos “producionistas” e de “empoderamento” (Deere e León 1997, 2001). O argumento “producionista” refere-se ao reconhecimento de que aos direitos das mulheres à terra está vinculado um aumento do bem-estar das mulheres e de seus filhos, em virtude de um aumento na produtividade que, ao fim, beneficia tanto aos assentados como a sua comunidade. O argumento de empoderamento reconhece que os direitos das mulheres à terra são importantes para o seu poder de barganha dentro da família e da comunidade, e para acabar com sua subordinação aos homens e, daí, atingir uma real igualdade entre homens e mulheres. A abertura do MST às questões de gênero, no fim dos anos 90, está relacionada à tomada de consciência (mesmo que de modo implícito) daquilo que chamo de argumento “producionista”, ou seja, admite-se que a falha em reconhecer os direitos das mulheres à terra é prejudicial à consolidação dos assentamentos e, por conseqüência, do próprio movimento. Há também o reconhecimento de que, de algum modo, a falta dos direitos das mulheres à terra reduz seu poder de barganha, evidente em conflitos envolvendo violência doméstica. Além disso, a adjudicação conjunta e a titulação do casal têm possibilitado a participação das mulheres nas assembléias, associações e cooperativas do assentamento. Ao participarem de tais estruturas da comunidade, as mulheres se habilitam a defender e perseguir seus interesses práticos e estratégicos. Para aqueles que perseguem a igualdade – tanto social quanto de gênero – medidas desse cunho, que alcançam o aumento do poder de barganha das mulheres dentro da família e da comunidade, são não só necessárias, mas também imprescindíveis.

Tabela 1: Beneficiárias da Reforma Agrária por Sexo, Estado e Região, 1996 (porcentagens).

 

Homens

Mulheres

S.i.

Total

Acre

81.3

14.3

4.4

100

Amazonas

78.3

16.9

4.8

100

Amapá

83.1

16.1

0.8

100

Pará

84.9

13.7

1.4

100

Rondônia

89.0

 8.2

2.8

100

Roraima

81.9

17.5

0.6

100

Tocantins

90.4

 8.4

1.2

100

Norte

85.0

12.7

0.3

100

         

Alagoas

85.7

13.7

0.6

100

Bahia

83.2

14.5

2.3

100

Ceará

91.3

 8.2

0.5

100

Maranhão

88.9

14.6

1.5

100

Paraíba

82.5

16.9

0.6

100

Pernambuco

82.6

16.5

0.9

100

Piauí

86.1

13.4

0.5

100

Rio Grande do Norte

89.8

 8.3

1.9

100

Sergipe

82.9

16.0

1.1

100

Nordeste

85.3

13.4

1.3

100

         

Espírito Santo

85.8

12.9

1.3

100

Minas Gerais

81.5

10.8

7.7

100

Rio de Janeiro

81.5

17.9

0.6

100

São Paulo

85.7

13.2

1.1

100

Sudeste

83.3

13.8

2.9

100

         

Goiás

90.8

8.6

0.6

100

Mato Grosso

84.7

11.7

3.6

100

Mato Grosso do Sul

86.9

12.0

1.1

100

Centro-Oeste

86.8

11.5

1.7

100

         

Paraná

93.3

7.2

0.5

100

Rio Grande do Sul

89.1

9.3

1.6

100

Santa Catarina

91.7

7.3

1.0

100

Sul

86.8

7.9

1.0

100

         

TOTAL

86.6

12.6

1.8

100

(n=157,757)

Nota: S. i. = sem informação.

Fonte : Incra/CRUB/UnB, I Censo da Reforma Agrária (1998 : 26).

Tabela 2: Correlações com o Índice de Beneficiárias da Reforma Agrária por Estado.

Índice de Mulheres

Chefes de Família

Taxa de Participação

da Mulher na PEA Ag.

Índice de M. Trabalhadoras

Temporárias na Agricultura

Razão de

Sexo Rural

Valor Médio

da Terra

0,303072

- 0,20695

-0,03400

0,179667

-0,22840

Conforme as expectativas:

       

Sim

Não

Não

Não

Sim

 

Fontes: Incra /CRUB/UNb, I Censo da Reforma Agrária (1998: Tabela 1.7).

Brasil, I Censo Demográfico 1991 - Famílias e Domicílios (1996: Tabelas 6.11 e 1.2).

Brasil, Censo Agropecuário 1995-1996 (1998: Tabela 12).

Fundação Getúlio Vargas, Preços de Compra e Venda de Terras-Lavouras, junho 1997, in www.fgv.br.

Tabela 3: Estado Civil dos Beneficiários da Reforma Agrária por Sexo, 1996

 

Mulheres

Homens

Total

Casado

33.9

63.7

59.9

União Consensual

25.1

22.3

22.6

Subtotal

58.9

86.0

82.5

Solteiro

13.3

9.6

10.1

Separado

9.3

2.2

3.1

Divorciado

1.4

0.5

0.6

Viúvo

16.7

1.5

3.5

Outro

0.4

0.2

0.2

Subtotal

41.1

14.0

17.5

Total

100.0

100.0

100.0

 

(n=18,048)

(n=124,134)

(n=142,182)

Fonte: Cálculos da autora com base no I Censo da Reforma Agrária, 1996.

Tabela 4: Mudanças no Índice de Beneficiárias da Reforma Agrária, 1996 e 2000

Estado

1996

2000

Nordeste

   

Ceará

8.15

10.98

 

(n= 9.191)

(n=17.753)

Paraíba

16.91

17.93

 

(n= 3.703)

(n= 8.900)

Pernambuco

16.47

16.45

 

(n= 3.321)

(n= 8.559)

Rio Grande do Norte

8.30

10.29

 

(n= 4.098)

(n=13.619)

Sudeste

   

Rio de Janeiro

17.89

22.99

 

(n= 2.605)

(n= 3.497)

Sul

   

Rio Grande do Sul

9.34

9.79

 

(n= 2.570)

(n= 5.618)

Santa Catarina

7.27

9.76

 

(n= 2.498)

(n= 4.385)

Paraná

7.20

6.80

 

(n= 3.071)

(n=11.390)

 

Fontes: Incra /CRUB/UNB, I Censo da Reforma Agrária, Tabela 1.7, 1996.

Entrevistas da autora com superintendências do Incra; dados de registro no Sistema de Informação do Sipra de setembro de 2000.

Tabela 5: Mulheres chefes de família rurais. Censo Demográfico comparado com o I Censo da Reforma Agrária (porcentagem)

Estado

Censo

Demográfico

I Censo da

Reforma Agrária

AC

8.0

4.8

AL

15.2

5.0

AM

8.1

5.9

AP

12.4

6.3

BA

15.1

6.1

CE

12.9

4.9

ES

8.9

5.8

GO

8.1

3.7

MA

16.9

6.7

MG

12.3

6.4

MS

5.5

5.5

MT

5.4

4.5

PA

13.1

4.8

PB

15.0

7.4

PE

15.1

6.4

PI

14.7

5.5

PR

8.3

4.4

RJ

13.2

10.5

RN

13.6

2.6

RO

6.2

3.3

RR

4.0

5.3

RS

9.9

4.1

SC

8.9

6.2

SE

17.8

5.5

SP

8.1

5.5

TO

10.1

3.1

Brasil

12.6

5.2

Fonte: Brasil, Censo Demográfico 1991 (1996: Tabela 6.11).

INCRA/CRUB/Unb, I Censo da Reforma Agrária, cálculos da autora.

Tabela 6: Incremento na porcetagem de mulheres beneficiárias da Reforma Agrária, 1996 e 2000.

Estado

1996

2000

Nordeste

 

 

Ceará

8.15

(n=9.191)

10.98

(n=17.753)

Paraíba

16.91

(n=3.703)

17.93

(n=8.900)

Pernambuco

16.47

(n=3.321)

16.45

(n=8.559)

Rio Grande do Norte

8.30

(n=4.098)

10.29

(n=13.619)

Sudeste

 

 

Rio de Janeiro

17.89

(n=2.605)

22.99

(n=3.497)

Sul

 

 

Rio Grande do Sul

9.34

(n=2.570)

9.79

(n=5.618)

Santa Catarina

7.27

(n=2.498)

9.76

(n=4.385)

Paraná

7.20

(n=3.071)

6.80

(n=11.390)

 

Fontes: 1996 Incra/Crub/Unb, I Censo da Reforma Agrária, Tabela 1.7.

2000 entrevistas da autora com as superintendências do Incra; dados no Sipra até setembro.

Referências bibliográficas

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Notas

[1] A pesquisa para o presente artigo foi realizada, durante o ano de 2000, no IFCS da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Agradeço aos muitos colegas brasileiros que me ajudaram, sobretudo a Paola Cappellin, Maria José Carneiro, Anita Brumer, Emma Siliprandi e Gema Galgani Esmeralda, e a Merrilee Mardon. Tradução de Tania Martusseli.

[2] Além dos principais movimentos sociais que sustentam reivindicações concernentes à reforma agrária (o MST, a Contag e a CUT), destacam-se o movimento autônomo de mulheres trabalhadoras rurais, a ANMTR (Articulação Nacional de Mulheres Trabalhadoras Rurais) que, desde 1995, reúne o MMTR-NE (Movimento das Mulheres Trabalhadoras Rurais do Nordeste), a AIMTR-Sul (Articulação das Instâncias das Mulheres Trabalhadoras Rurais dos cinco estados do Sul) e suas associações de nível estadual e municipal.

[3] Essa hipótese está apoiada no trabalho de Botta Fernandes (1995) com os bóias-frias em São Paulo.

[4] O respaldo para essa hipótese vem dos estudos sobre as práticas de herança no Brasil. Enquanto a herança de terra é geralmente patrilinear práticas de herança com mais igualdade de gênero têm sido associadas ao declínio da agricultura familiar como uma atividade viável, deixando a terra de ser um bem altamente valorizado (Carneiro et al., 1998; Carneiro, 2001).

[5] Entrevistas com Nina Tonin, MST-RGS (8 de novembro de 2000, Porto Alegre) e Isabel Greem, MST-Paraná (14 de novembro de 2000, Curitiba); e Rua e Abramovay (2000: 198-201).

[6] Esses pontos têm sido analisados nos trabalhos de Albuquerque e Rufino, 1987; Siqueira, 1991: 63; Suárez e Libardoni, 1992: 118-19.

[7] Calculado a partir dos dados do I Censo da Reforma Agrária.

[8] Entrevistas com Wellington Gurgel, Superintendente interino do Incra-CE (28 de setembro de 2000, Fortaleza), e Genero Ieno Neto, pesquisador da UFPB, e outros (23 de setembro de 2000, João Pessoa). Cf. Rua e Abramovay (2000 : 198-99).

[9] No sistema de pontuação para a seleção dos beneficiários, candidatos entre 35 e 45 anos de idade ganham cinco pontos, ao passo que os maiores de 56 anos ganham somente 1,5 ponto. (Incra 1998: Apêndice). Assim, os aposentados encontram um incentivo para registrar suas esposas/companheiras como beneficiárias.

[10] Há um relato que diz que, na Paraíba, o Incra não permite que os beneficiários migrem em busca de trabalho por nenhum período de tempo, um fator que, algumas vezes, encorajou a cessão dos direitos à terra à esposa, de forma que o marido possa continuar a migrar sazonalmente. Entrevista com Francimar Fernandes, COAGRP-Projeto Lumiar (25 de setembro de 2001, João Pessoa).

[11] Nesse caso as esposas são, de fato, chefes de família e deveriam ser assim consideradas para os propósitos do Censo. O fato de continuarem a reportar seu estado civil como casadas levaria a uma subestimação da mulher chefe de família nos censos de população e de reforma agrária.

[12] Entrevista da autora e de Magdalena León com Nalva Josefa do Espírito Santo (15 de junho de 1998, Recife). O caso do Rio de Janeiro vai ser discutido em seguida.

[13] Na Paraíba, as mulheres representam 15% dos chefes de família na zona rural e 7,4% dos chefes de família nos assentamentos; em Pernambuco, elas representam 15,1% e 6,4%, respectivamente. Em contraponto, no Ceará elas constituem 12,9% e 4,9% e no Rio Grande do Norte, 13,6% e 2,6%, respectivamente. Cf. Brasil (1996:Tabela 6.11) e em cálculos da autora com dados do I Censo da Reforma Agrária.

[14] Entrevistas com Vanete Almeida, assessora do MMTR-NE (20 de setembro de 2000, Recife), e Inez Bassanez, antiga assessora do MMTR-Paraíba (23 de setembro de 2000, João Pessoa). Cf. Albuquerque e Rufino (1987: 324-25) e Miele e Guimarães (1998: 239).

[15] Essa proposição apóia-se em entrevistas com Sílvia Camurça e Ana Paola Portilla, do SOS Corpo (20 de setembro de 2000, Recife); Maria Aparecida Melo do Nascimento, coordenadora da Comissão Estadual da Mulher, Fetape (18 de setembro de 2000, Recife); Zildethe Rodriguez Vera e Maria Lourdes Pereira, diretora da Fetraece (28 de setembro de 2000, Fortaleza); e Fátima Pessoa, Comissão Estadual da Mulher, Fetarn (3 de outubro de 2000, Natal). Os únicos dados quantitativos disponíveis são para Pernambuco. Numa amostra de 1997, de 170 sindicatos municipais, as mulheres constituíam 43% dos membros (dados fornecidos à autora e a Magdalena León pela Assessoria de Comunicação da Fetape, em 17 de junho de 1998).

[16] Pernambuco foi um dos últimos estados em que o MST estabeleceu sua presença, precisamente por causa da força e do ativismo do movimento sindical. A primeira ocupação de terra liderada pelo MST na região ocorreu em 1992, justamente com base num sindicato (Sigaud, 2000: 78-9, 89). Até então, quase todos os conflitos de terra e assentamentos organizados tinham sido apoiados pela Fetape e/ou pela CPT. Hoje, o MST e a Fetape são forças dominantes na luta pela reforma agrária. Como contraponto, na Paraíba, a organização que apóia os esforços para a reforma agrária, até recentemente, tem sido a CPT; a presença do MST data do início dos anos 90, período em que a federação afiliada à Contag também começou a cumprir um papel mais ativo nesses esforços. No Ceará, o MST chegou em 1989 e somente depois que uma chapa orientada pela CUT sucedeu a Fetraece, em 1992, o sindicato começou a se envolver ativamente nas ações para a reforma agrária. Hoje, as duas organizações competem pela liderança desses esforços. No Rio Grande do Norte, a presença do MST também data dos anos 80, mas sua presença não é tão forte como no Ceará. Além disso, os esforços dos sindicatos em prol da reforma agrária também parecem mais fracos com o Incra ainda controlando os assentamentos, num panorama similar ao que caracterizou o Ceará até meados dos anos 90. Entrevistas com Sônia Freire, ativista da CPT (19 de setembro de 2000, Recife); Emília Moreira, pesquisadora da UFPA (24 de setembro, João Pessoa); Gema Galvani, pesquisadora da UFC (26 de setembro de 2000, Fortaleza); Fátima Rivera, MST-RGN (1 de outubro de 2000, Fortaleza), e Zildethe Rodriguez Vera, Fetraece, op. cit.

[17] Entrevistas com Vanete Almeida, op.cit.; Inez Bassanez, op.cit.; Maria de Soledad de Leite, membro fundador do MMT-Brejo (25 de setembro de 2000, João Pessoa), e Margarida Pinheiro, Cetra e ex-assesora do MMTR-NE (27 de setembro de 2000, Fortaleza).

[18] Entrevista em grupo, em 26 de setembro de 2000, com ativistas da CPT presentes numa sessão mensal de treinamento na sede da CPT, em João Pessoa. Um objetivo da Regional Nordeste da CPT é: “Abordar a luta na terra e pela terra a partir da ótica feminina e considerar seu jeito próprio de se relacionar na sociedade” (CPT, 1997: 258). Porém, o direito das mulheres à terra não foi especificado.

[19] Entrevista com Margarida Pinheiro, Cetra, op. cit.

[20] Entrevista de 20 de setembro de 2000, op. cit.

[21] Entrevista em grupo com Loiva Rubenitch, ANMTR, e ativistas do MMTR-RS (10 de novembro de 2000, Passo Fundo); entrevista com Nina Tonin, op.cit.; e entrevista em grupo com Sonilda Silva Pereira, assessora, e mulheres líderes municipais da Fetag-RS (8 de novembro de 2000, Porto Alegre).

[22] Todas as três são da Paraíba, mas de diferentes períodos; cf. Carneiro (1994). Penha ganhou fama nas fileiras para se tornar presidente do sindicato municipal de Margarida Alves depois de sua morte e foi a fundadora do MMTR-Brejo e, do MMTR-NE e AMNTR.

[23] Cálculo da autora a partir do I Censo da Reforma Agrária. Os números para outras regiões são os seguintes: Norte, 24%; Sudeste, 27%; e Centro-Oeste, 35%.

[24] No Nordeste, 33,6% dos membros da Contag são trabalhadores assalariados; 15,2%, titulares de pequenas propriedades; e 14,8%, agricultores familiares sob várias formas de arrendamento, com o restante de aposentados. Quanto  ao Sul, os números são: 12% de trabalhadores assalariados; 39,4% de titulares de pequenas propriedades; e 8,3% de outros agricultores familiares, com o restante de aposentados (Contag, CUT, 1999a: 32; 1999b:32).

[25] Entrevistas com Sonilda Silva Pereira, FETAG-RS, op.cit., e Salete Escher, coordenadora da Comissão Estadual da Mulher Trabalhadora Rural, CUT-Paraná (14 de novembro de 2000, Curitiba).

[26] Ibid., e entrevista com Loiva Rubenitch (op. cit.) a qual notou que os MMTR no Sul encorajam as mulheres sem terra a se unirem ao MST. O MST também cumpriu um papel na fundação do MMTR-RS em 1989 e os dois movimentos mantêm uma relação de proximidade. Em contraponto, no Paraná o movimento autônomo das mulheres trabalhadoras rurais, recentemente reorganizado como Organização da Mulheres Trabalhadoras Rurais do Paraná (OMTR), está intimamente ligado às ONGs e à Igreja, no lugar do MST, e parece ainda mais distante dos esforços pela reforma agrária do que o MMTR no Rio Grande do Sul. Entrevistas com Isabel Greem, MST-PR, op. cit. e Hermínia Schuartz, OMTR (13 de novembro de 2000). Acerca das origens, composição e demandas dos movimentos autônomos de mulheres no Sul, ver Paulilo (2000) e Brumer (1990; 1993; e 2000).

[27] Entrevistas com Leonilde Servolo de Medeiros, pesquisadora do CPDA/UFRRJ (6 de abril de 2000, Rio de Janeiro) e Maria Emília Pacheco, pesquisadora da Fase (27 de agosto de 2000, Rio de Janeiro).

[28] Entrevista com Marina dos Santos (28 de agosto de 2000, Rio de Janeiro). O MST foi ativo no Rio de Janeiro em meados dos anos 80, mas deixou o estado em 1988 (Giuliani e Castro, 1996: 145).

[29] Entrevista com Judith Oliveira de Santos, coordenadora da Comissão das Mulheres, e Paolo Cesar, Presidente da Fetag-RJ (30 de outubro de 2000, Niterói).

[30] Entrevista com Josemar Costa de Oliveira, superintendente do Incra (30 de agosto de 2000, Rio de Janeiro).

[31] Entrevista com Marina dos Santos (MST-RJ), op.cit.

[32] http://www.mst.org.br/bibliotec/assentam/assent4.html (acessado em 18 de novembro de 2000). Originalmente criado por Dataluta, Banco de Dados da Luta pela Terra, Unesp/MST, junho de 1999. 

[33] Entrevista com Marina dos Santos (MST-RJ) op.cit.

[34] Essa tendência tem sido reportada em vários estudos, tais como os de Miele e Guimarães (1998) e Rua e Abramovay (2000).

[35] Entrevista com Isabel Greem (MST-PR) op.cit.

[36] Entrevista em grupo feita pela autora e Emma Siliprandi com mulheres militantes no MST Regional Sarandi (9 de novembro de 2000, Pontão). Ver Rua e Abramovay (2000: 201-3).

[37] Entrevista com Isabel Greem (MST-PR) op.cit.

[38] Outros pontos criticamente importantes naquele tópico incluem a meta de as mulheres participarem na liderança do MST em todos os níveis e, especificamente, a de que a coordenação dos acampamentos e assentamentos seja metade masculina e metade feminina (MST, 2000: 58).

[39] Entrevista com Fátima Rivera (MST-RN), op.cit.

[40] Boletim Semanal da Secretaria Agrária Nacional do PT, 18-24 de março de 2000, ano III, nº. 145, Anexo 3, in www.pt.org.br/san/3milmulheres.htm.

[41] Cf. www.mst.org.br/historico/congresso, acessado em 18 de abril de 2001.

[42] Entrevista com Vilanisi Oliveira da Silva, Coordenadora do MST no Ceará (27 de setembro de 2000, Fortaleza). Cf. Entrevista a Fátima Ribeiro Jornal do Comércio (19 de agosto de 2001, p. 5, Recife).

[43] Também as horas das reuniões nos assentamentos estão sendo mudadas, de forma que sejam compatíveis com as responsabilidades domésticas das mulheres, e está se tornando cada vez mais comum providenciarem cirandas ou creches para cuidarem das crianças durante os encontros do MST em todos os níveis. É de se notar que, neste estado, há agora cinco mulheres (dentre 21) na Direção Estadual do Movimento. Entrevista em grupo pela autora e Emma Siliprandi com mulheres militantes no MST Regional Sarandi, op.cit.

[44] Entrevistas com Nina Tonin, op. cit.; Maria Lourdes Alvarez da Rosa, Superintendente Substituta, Incra-RS (6 de novembro de 2000), e Elenice Pastore, Coordenadora Estadual da Mulher-RS (8 de novembro de 2000, Porto Alegre). Este estado está agora adotando a titulação conjunta a casais como mandatória na distribuição de terra através do programa de reforma agrária de nível estadual.

[45] Entrevista com Vilanisi Oliveira da Silva, op.cit. De acordo com a entrevistada, o Incra tem resistido em discutir a possibilidade da titulação conjunta a casais até hoje. Isto pode mudar logo, uma vez que o Ceará e o Paraná foram escolhidos como casos para estudo em um projeto do Incra-FAO que inclui dentre os seus objetivos a implementação da titulação conjunta a casais.

[46] Entrevista com Isabel Greem, op.cit., e Salete Escher, op.cit.

[47] A Pauta de Reivindicações do MMTR-NE apresentada em 1998 ao Incra era similar àquelas adotadas pela Contag (MMTR-NE, 1998: Apêndice). Nota-se que, em contraponto, a AIMTR-Sul (que tende a dominar a ANMTR) geralmente segue a linha política do MST.

[48] A Marcha Mundial de Mulheres de 2000 resultou de uma proposta do movimento de mulheres no Quebec, Canadá, com vistas a organizar as mulheres de todo o mundo entre 8 de março e 17 de outubro (Dia Internacional da Luta Contra a Pobreza), culminando essa marcha numa delegação que apresentaria suas demandas ao Banco Mundial, ao Fundo Monetário Internacional e às Nações Unidas.

[49] «Marcha das Margaridas vai reunir 20 mil trabalhadoras rurais em Brasília », cf. Boletim Trabalhador Rural (Contag), 1-14 de maio 2000: 6-7.

[50] Esse Comitê de Coordenação, além da Contag e suas federações estaduais e sindicatos municipais, incluiu a CUT, o MMTR-NE, o Movimento Nacional de Quebradeiras de Coco, o Conselho Nacional de Seringueiros, o Movimento de Luta pela Terra, a União Brasileira de Mulheres e as ONGs Sempre Viva e Organização Feminista (SOF); Associação Agroecológica Tijupa, Fase e Esplar. É de se notar a falta do MST e da ANMTR.

[51] Correio do Povo (10 de agosto de 2000, Porto Alegre) e Página Agrária (Boletim Semanal da Secretaria Agrária Nacional do PT) n. 165, de 12-18 de agosto de 2000, in www.pt.org.br/san.

[52] Cf. O Globo de 11 de agosto de 2000: 10; Jornal do Brasil de 11 de agosto de 2000. O que chamou a atenção da imprensa foi que a Marcha das Margaridas coincidiu com o IV Congresso Nacional do MST em Brasília e que os dois grupos não uniram as forças para pressionar algumas das suas demandas em comum (tal como a de aprofundar a reforma agrária), refletindo a relação tensa entre o MST e a Contag daquele tempo.

[53] Entrevistas de 19 de setembro de 2000 no acampamento realizado na cidade do Recife pelo MST-CPT para protestar contra a falta de expropriações pelo Incra-PE durante o ano de 2000. Duas das mulheres que entrevistei (afiliadas à CPT) tinham participado da Marcha de Brasília e reiteraram que os direitos das mulheres à terra foram centrais nas discussões e demandas.

[54] Enquanto isto pode ser o que rege a lei, o argumento não considera a dificuldade que as mulheres têm, no caso de separação ou divórcio, de assegurar metade dos bens comuns, particularmente quando estes consistem em terra. Além disso, desde que a terra na maioria dos assentamentos não tem sido oficialmente titulada, ela não faz legalmente parte do patrimônio comum do casal.

[55] Examinei esses títulos definitivos no escritório do Incra no Rio de Janeiro e eles dão um espaço para o nome de cada cônjuge e requer a assinatura de ambos no verso. O problema é que muito poucos assentamentos alcançaram o estágio de estarem prontos para uma titulação definitiva ou emancipação. Isto requer, dentre outros fatores, que a infra-estrutura planejada seja cumprida no local.

[56] Entrevistas com José Carlos de Araújo Vieira, superintendente do Incra-PR (13 de novembro de 2000, Curitiba), e Geraldo Eugênio, superintendente do Incra-PB (18 de setembro de 2000, Recife).

[57] A resolução não estabelece explicitamente a adjudicação conjunta e titulação de terra, mas, de certa forma, enfoca a não-discriminalização. Restabelece-se que as mulheres podem ser consideradas, no cadastro, trabalhadoras rurais ou agricultoras, situação melhor do que a designação tradicional de donas de casa, nisso cumprindo-se outra demanda da Contag e da Marcha das Margaridas. Cf. Diário Oficial da União, 5 de março de 2001 e www.desenvolvimentoagrario.gov.br/mulher/noticias (acessado em 10 de março de 2001).

[58] MDA, Portaria nº. 33, 8 de março de 2001.

[59] MDA, Portaria nº. 121, 22 de maio de 2001.

[60] MDA, Portaria nº. 120, 22 de maio de 2001.

[61] Como dizíamos antes, os nomes das esposas e companheiras costumavam aparecer na segunda página, encabeçando a lista de dependentes do chefe de família. Em agosto de 2001, observei que ainda faltava mudar um formulário essencial que lista os beneficiários em cada assentamento. Seguindo a prática tradicional, tal listagem ainda incluía somente uma pessoa por família. Durante minha visita ao MDA/Incra, alguns passos se encaminhavam para assegurar que o nome do casal aparecesse nessa lista definitiva de beneficiários. Entrevista com Lenita Nonan, Assessora Especial do Ministro e Coordenadora do Programa de Ações Afirmativas, e equipe, MDA/Incra (8 de agosto de 2001, Brasília).

[62] “A Cédula da Terra: mais uma mentira do governo”, in Jornal Sem Terra, dezembro de 1998: 10-11; cf. Artigos sobre reforma agrária, in http://www.mst.org.br/bibliotec.htm (acessado em 18 de novembro de 2000).