Estudos Sociedade e Agricultura
John Wilkinson
Os gigantes da indústria alimentar entre a grande distribuição e os novos clusters a montante*
Estudos Sociedade e Agricultura, 18, abril, 2002: 147-174.
Resumo: (Os gigantes da indústria alimentar entre a grande distribuição e os novos clusters a montante). Neste artigo, enfocamos o desafio que os novos processos de reestruturação global representam para as empresas líderes de alimentos finais, explorando, complementarmente, a hipótese de que o novo paradigma da bio(tecno)logia e os novos padrões de demanda alimentar (nutricêuticos, orgânicos) acentuam a vulnerabilidade das empresas que se organizam em torno deste elo no sistema alimentar global. O setor de alimentos finais parece estar em perigo de ser comprimido entre os extremos da oferta e da procura. Por um lado, é altamente passivo em relação ao drama do novo paradigma das biotecnologias; e, por outro, falta-lhe o conhecimento detalhado da demanda global possibilitado pela tecnologia de informação, o que dá uma vantagem decisiva ao varejo.
Palavras-chave: indústria de alimentos finais, biotecnologia, nutricêuticos, orgânicos.
Abstract: (The World´s Food Giants between Retail and New Upstream Clusters) In this article, we focus on the challenges which current processes of global restructuring represent for the leading food industry firms, exploring, in addition, the hypothesis that both the new bio(techno)logy paradigm and novel patterns of food demand (nutriceuticals, organics) accentuate the vulnerability of firms organised around this link in the global food chain. The final food sector would appear to be in danger of being squeezed between the extremes of demand and supply. On the one hand, it is largely passive in relation to the drama of the new biotechnology paradigm, and on the other it lacks the nuanced knowledge of global demand made possible by information technology which provides a decisive advantage to retail.
Key Words: final foods industry, biotechnology, nutraceuticals, organics.
John Wilkinson é professor da UFRRJ/CPDA.
Introdução
Para o consumidor, o sistema agroalimentar é provavelmente mais identificado com marcas intimamente ligadas às empresas que historicamente lideraram a indústria de alimentos, embora a maioria destas tenha sido incorporada por grandes holdings transnacionais. A Nestlé, ainda a maior indústria alimentar do mundo, seria o melhor exemplo aqui, seguida por empresas-marcas como a Kraft e a Nabisco (agora incorporada a Phillip Morris) e suas congêneres do setor de bebidas – Coca e Pepsi. Neste artigo enfocamos os desafios que os novos processos de reestruturação global representam para as empresas líderes da indústria alimentar, explorando, além disso, a hipótese de que tanto o novo paradigma bio(tecno)lógico como os novos padrões de demanda alimentar acentuam a vulnerabilidade de empresas organizadas em torno desse elo do sistema agroalimentar global. Ao mesmo*tempo, esta reflexão nos dará a oportunidade de revisitar e reavaliar análises e conceitos que desenvolvemos em trabalhos anteriores. [1]
Características da indústria de alimentos na cadeia agroalimentar e seu papel na criação do sistema alimentar moderno
Em From Farming to Biotechnology (1987), argumentamos que a industrialização do sistema agroalimentar tem sido historicamente um processo sui generis, dadas as limitações impostas pela irredutibilidade dos processos biológicos às transformações industriais. Nossa hipótese de trabalho era a de que a nova fronteira biotecnológica estava redefinindo e talvez esmaecendo essas limitações. O perfil do moderno sistema agroalimentar consolidou-se ao longo do tempo em torno de uma série de alternativas industriais parciais aos processos agrícolas e produtos em consonância com o avanço do conhecimento científico e tecnológico. Diferentes setores industriais emergiram de tendências gerais mais amplas ou de apropriar-se dos processos agrícolas ou de substituir o produto agrícola. A idéia era a de estabelecer uma base analítica para uma abordagem até então descritiva de tipo "montante/jusante" e, ao mesmo tempo, fornecer uma visão dinâmica na qual o avanço da fronteira da C&T, além de redefinir permanentemente a abrangência das atividades a montante e a jusante, podia abalar, no limite, os fundamentos da própria distinção. É importante reconhecer que, nesse enfoque, estratégias apropriacionistas se estenderam a todos os atores engajados na valorização de uma matéria-prima agrícola específica enquanto a noção de substituição se referiu àqueles setores ou atividades comprometidos com a agregação de valor “depois da porteira”, transformando o produto agrícola num insumo e reduzindo a sua participação econômica e material no valor do produto alimentar final, aumentando, ao mesmo tempo, a autonomia deste último em relação à bases especificas de suprimento. [2]
A partir dessa ótica, as seguintes características e implicações da emergente indústria alimentar podiam ser identificadas: em primeiro lugar, ela era analisada como sendo em grande medida um processo empírico e experimental de upscaling de processos artesanais, mantendo as antigas técnicas de preservação/separação/transformação, isto é, prensagem, secagem, limpeza, craqueamento, aquecimento, congelamento e fermentação. [3] Embora detentora de algumas inovações notáveis patenteadas, com base nas quais as líderes do setor foram criadas e consolidadas – leite em pó e condensado (Nestlé), margarina (Unilever) –, e apesar de estabelecer vínculos universitários rotineiros para colocar a técnica de enlatados em bases científicas, a indústria de alimentos era vista como um setor de baixa tecnologia, do estilo “aprender fazendo”, ou, na tipologia industrial clássica segundo a dinâmica tecnológica elaborada por K. Pavitt (1984), como um setor “dependente de fornecedores de tecnologia”.
Em segundo lugar, a indústria alimentar adotou cada vez mais uma estratégia de substituição, ao reduzir sua dependência em relação a qualquer matéria-prima específica pela promoção da sua intercambiabilidade, pela redução da participação material e econômica de insumo no produto final e pelo uso crescente de alternativas químicas na forma de ingredientes e aditivos. A expressão organizacional desse processo de substituição foi uma crescente separação das atividades agrícolas e de primeiro processamento da produção de alimentos. As empresas alimentares se desfizeram das plantações e atividades ligadas à “origem” dos insumos para se concentrar na confecção e marketing do produto final. Com o passar do tempo, a indústria alimentar aumentou a sua distância de suas bases agrícolas, particularmente em relação àqueles produtos que poderiam ser organizados através de mercados independentes de commodities.
Em terceiro lugar, até mesmo dentro desta estratégia de substituição, a industrialização era parcial. Apesar das sopas enlatadas e biscoitos, a indústria alimentar permaneceu em grande medida ancilária à cozinha doméstica ao oferecer produtos na forma de ingredientes culinários. O ataque à cozinha foi feito pelo fast-food e take-aways, gerando ramos inteiramente novos da indústria alimentar, cujas taxas de crescimento e tamanho iriam sobrepujar e rivalizar com as, até então, tradicionais líderes [4] da indústria alimentar. A resposta das empresas alimentares envolveu uma mudança para refeições prontas para esquentar e prontas para comer, como veremos adiante. Igualmente importante, a indústria alimentar se mostrou incapaz de competir com a produção agrícola em uma série de produtos, entre os quais poderíamos apontar as carnes e os hortigranjeiros. Nesses casos, não há virtualmente distinção entre os produtos da fazenda e o alimento no prato. As limitações impostas à industrialização de alimentos não apenas acarretou a persistência da agricultura como fornecedora direta de alimentos finais básicos, como também levou o produto agrícola a assumir um papel normativo na definição de qualidade e que foi internalizado dentro da própria indústria na sua publicidade. O valor industrial foi, assim, justificado por seu grau de aproximação com o produto agrícola original. De forma similar, a persistência da cozinha caseira reforçou os valores superiores da produção do alimento artesanal, que seria mais tarde apropriado pela indústria de “alimentos como cultura”, estendendo-se desde livros de receitas e livros visando a aprendizagem do consumidor até roteiros turísticos gastronômicos.
Em nossas análises anteriores apontamos, então, três características da indústria de alimentos finais – um baixo perfil tecnológico, um distanciamento da produção agrícola e uma subserviência normativa a esta última com relação à qualidade – que, juntas, ajudam a entender a atual vulnerabilidade das tradicionais gigantes da indústria alimentar.
Entretanto, durante um largo período do século passado essas mesmas características foram responsáveis pelo dinamismo e flexibilidade do setor, permitindo-lhe assumir uma posição dominante dentro do sistema agroalimentar. Por outro lado, o baixo perfil tecnológico da agroindústria coincidia com um aspecto de conservadorismo no consumo de alimentos. Apesar de representar uma revolução nos padrões de consumo alimentar no mundo industrializado, a mudança de dietas rurais para urbanas foi acompanhada por um forte apego às marcas que pareciam fornecer "um ponto fixo num mundo em mutação", oferecendo segurança e familiaridade, que camuflavam as mudanças profundas na dieta e nas práticas de consumo. [5] As maiores inovações de produto e as marcas tiveram um extremamente longo e virtualmente estável ciclo de vida (o mesmo conteúdo, a mesma embalagem, a mesma publicidade), colocando um prêmio em questões de custos e escala e não na inovação tecnológica. O conservadorismo no consumo alimentar (mais subjetivo que real) criou o que tem sido denominado de “redundância da inovação”: as empresas refreiam as inovações mais radicais ao alcance de suas capacidades tecnológicas, avançando pela margem e promovendo novas demandas na base das preferências existentes e identificadas. [6]
O baixo perfil tecnológico, por outro lado, não deve ser identificado com a inexistência de progresso tecnológico. A dinâmica de substituição foi-se construindo com base na habilidade de adaptação constante de um processo tecnológico dominante a uma variedade de fontes de insumos. Isto permitiu que as empresas alimentares líderes se libertassem das restrições de uma única cadeia alimentar e se diversificassem horizontalmente. Entretanto, por um longo tempo, a predominância de uma competência tecnológica específica iria determinar os limites dessa diversificação. A Nestlé iria avançar dos laticínios para chocolates, café e biscoitos e a Unilever ou a Proctor iriam abarcar detergentes, margarina e óleo de cozinha, contudo estas empresas permaneceram presas às suas competências tecnológicas básicas, firmemente ligadas a tipos específicos de insumos de matéria-prima.
A dinâmica dual do novo sistema alimentar e a resposta das empresas alimentares líderes
Em algum ponto da década de 70, esse mundo começou a mudar. Uma nova geração urbana liberta das limitações da mentalidade do pós-guerra, novos níveis de bem-estar econômico e a saturação da "fronteira de consumo extensivo" decretaram o fim da estratégia de marcas de “produto-único de ciclo longo”. [7] Para sobreviver, a indústria alimentar teve que mudar para inovações de produto junto com uma orientação “multiproduto” mais radical que, por sua vez, mostrou a necessidade de romper com estratégias baseadas em competências tecnológicas centrais do processo/produto. As empresas alimentares se diversificaram tanto para responder a tendências mais voláteis e segmentadas de demanda como para se adaptar às exigências logísticas da grande distribuição. A diversificação e a sofisticação de tecnologias de processamento, com a crescente incorporação de ingredientes, foram acompanhadas pela necessidade de reajustar logística, distribuição, marketing e estratégia de marcas a mercados em rápida mudança e crescente segmentação.
Duas dimensões desse novo sistema orientado pela demanda, na medida em que impactam sobre a indústria de alimentos finais, podem ser destacadas analiticamente, embora, na prática, elas se sobreponham e se combinem, sendo ambas redefinidas, de forma ainda não muito clara, com o impacto da globalização. A primeira dimensão envolve, acima de tudo, a transição para uma demanda tipo “multiproduto” e para estratégias empresariais orientadas à inovação, em relação às quais, argumentamos, os atores líderes da indústria alimentar responderam bem. Esta reorientação, entretanto, é marcada pelo desafio da concentração da grande distribuição que, progressivamente, assume hegemonia na indústria alimentar. Durante um certo período pareceu que a norma seria uma coexistência pacífica entre as gigantes de cada setor. Contudo, a evidência recente sugere que a grande distribuição adotou um programa bastante mais ambicioso, que tem sido reforçado pelo que denominamos a segunda dimensão do novo sistema agroalimentar.
Essa segunda dimensão não focaliza tanto a diversificação da demanda quanto os novos conteúdos da demanda. Estes ou impulsionam ainda mais a trajetória substitucionista, chegando mais próxima à fronteira de farmacêuticos, cosméticos, nutricêuticos e alimentos funcionais, ou desafiam de forma cada vez mais radical a transformação industrial, ao utilizar tecnologias de preservação para reintroduzir o produto agrícola como alimento final. A primeira trajetória envolve barreiras de competência (regulação, pesquisa) que favorecem outros setores industriais (farmacêuticos) e/ou novos entrantes (empresas especializadas de alimentos funcionais), enquanto a segunda fortalece a mão do varejo que pode agora prescindir da indústria alimentar, estabelecendo ligações a montante com a agricultura em uma nova variante de apropriacionismo. [8]
Essas opções estratégicas têm sido enormemente complexificadas pela maturação, há muito esperada, das biotecnologias avançadas, atualmente focalizadas no esforço de recapturar o sistema agroalimentar para um grande complexo global oligopolizado baseado em estratégias de imposição tecnológica (technology push), no velho estilo apropriacionista. Em que medida este último pode reposicionar essa tecnologia de acordo com componentes- chave do novo perfil de demanda ainda resta uma questão em aberto. [9] Diante desses desafios, o setor de alimentos finais corre o perigo de ser comprimido entre os extremos da oferta e da procura. Por um lado, é basicamente passivo em relação ao drama do novo paradigma biotecnológico e, por outro, falta-lhe o conhecimento detalhado da demanda global, possibilitado pela tecnologia de informação que dá uma vantagem decisiva à grande distribuição. Argumentamos, portanto, que esta segunda dimensão do novo sistema agroalimentar coloca em dúvida o futuro dos tradicionais gigantes da indústria alimentar.
Indústria de alimentos e as demandas de inovações de ciclo curto e multiproduto
O desafio competitivo para a indústria de alimentos finais dessa primeira dimensão do sistema alimentar agora “orientado pela demanda” foi o da diferenciação e diversificação do produto. A demanda precisava ser constantemente reestimulada por novos apelos de caráter essencialmente sensorial, ao mesmo tempo em que novas demandas mais duradouras foram sendo promovidas via segmentação (idade, estilo de vida etc.). À medida que, desta forma se deslocou o foco da competitividade da empresa para a demanda, a escala começou a ser reinterpretada em termos de retornos sobre publicidade, logística e criação de marca, provocando uma onda de fusões e aquisições que radicalmente redefiniram as fronteiras das empresas alimentares líderes.
Tais empresas tinham que enfrentar simultaneamente uma série de diferentes linhas de ação. Em primeiro lugar, elas precisavam expandir a sua linha de produtos, quer para otimizar distribuição, logística e publicidade, quer para aumentar o poder de barganha com o intermediário da demanda par excellence, o setor do grande varejo. Isto acarretou um aprofundamento das linhas individuais de produto, bem como a expansão para produtos com sinergias evidentes tanto em nível de matéria-prima, distribuição, padrões de consumo, quanto de publicidade. Nas empresas líderes, a estratégia multiproduto estendeu-se a toda a linha de alimentos industrializados e destes para as bebidas. A ampliação deste processo, para cada empresa em particular, depende da natureza de suas forças e competências históricas e dos espaços já ocupados por concorrentes igualmente poderosos. O setor de bebidas está passando pela mesma tendência de diversificação e concentração horizontal. As características dos canais de distribuição, incompatibilidades em nível de consumo (álcool) e marcas consolidadas podem criar grandes barreiras à entrada, mas onde estas não se encontram presentes, como no caso de sucos de frutas e, em particular, de águas minerais e mineralizadas, o mercado de bebidas tornou-se um alvo-chave para a expansão das empresas alimentares.
A segunda grande tendência adaptativa consistiu no deslocamento de produtos individuais para alimentos preparados, como resposta às oportunidades crescentes de apropriação das atividades culinárias. Embora os alimentos preparados envolvam uma grande diversificação de ingredientes, as vantagens acumuladas em diferentes cadeias de produtos ainda representam fortes barreiras à entrada, sendo mais factível a associação da Nestlé com pizzas de queijo do que com refeições à base de carne. O segmento de peixes inteiros transformou-se, neste período, num acréscimo importante para o setor de produtos industrializados finais, acelerando a mudança para tecnologias preservacionistas e, ao mesmo tempo, criando oportunidades para o surgimento de novos atores que seriam subseqüentemente adquiridos ou engajados em estratégias de alianças com os líderes tradicionais. O mercado criado por este esvaziamento do trabalho de preparação das refeições tem, contudo, de enfrentar o desafio da substituição mais radical da cozinha pelo crescimento exponencial do setor de take-aways que combina as exigências de proximidade com a confiança de marcas através da inovação organizacional do franchising. [10]
O terceiro nível desse reajuste consistiu no foco em snacks frios e congelados, em vez de comida no sentido tradicional. A Nestlé talvez seja hoje tão conhecida pelos seus sorvetes quanto por seu leite condensado, café e leite em pó. Por sua vez, o segmento de snacks, na base de afinidades com ponto de consumo, oferece uma porta de entrada no mercado alimentar para o setor de refrigerantes. A globalização proporcionou, aos gigantes dos refrigerantes, uma vantagem decisiva, e o duopólio Coca/Pepsi está liderando a diversificação do setor de bebidas e a sua entrada no setor de snacks. A aquisição recente da Quaker pela Pepsi é, provavelmente, a expressão mais marcante da fragilidade dos líderes da indústria alimentar. A aliança estratégica da Nestlé com a Coca-Cola na Europa aponta para uma nova relação de forças dentro da indústria globalizada de alimentos e bebidas, cada vez mais combinada.
Essas mudanças no sistema agroalimentar desde os anos 1970 têm levado a uma reestruturação profunda e dinâmica do setor de produtos alimentares finais. A trajetória de inovação de produto, apresentada anteriormente, foi acompanhada por uma mudança radical do predomínio de estratégias de transformação para aquelas de preservação nas tecnologias de processo. Em outros trabalhos (Goodman, Sorj e Wilkinson, 1987) argumentamos que a transformação de produtos agrícolas foi um subproduto dos esforços de preservar sua qualidade nutricional ao longo do tempo. Embora esse processo desse origem a novos produtos com “vida própria”, o objetivo original de preservação surgiu de novo como tendência dominante com o aperfeiçoamento dos sistemas de frio da “fábrica-para-varejo-para-casa”. Esta temdência, por sua vez, reforçou o apelo normativo do “produto original” e preparou o caminho para um desafio mais radical ao sistema industrial alimentar.
Com o deslocamento da transformação de um único produto para refeições preparadas e para snacks, com um nível de sofisticação cada vez maior, a fábrica alimentar assume a qualidade híbrida de um vasto laboratório-cozinha. Alguns autores chegam a considerar que houve uma mudança qualitativa no papel e natureza da indústria alimentar, argumentando que esta não pode mais ser identificada, segundo a categoria de Pavitt, como “dependente dos fornecedores de tecnologia”. [11] Pelo contrário, ela é agora vista não apenas como uma fonte de forte inovação interna, mas também, devido à complexidade de suas demandas por equipamento, fornecimento de ingredientes e serviços externos vindas de trajetórias científicas e tecnológicas fortemente diversificadas, como um promotor e difusor-chave de inovação na economia como um todo – uma indústria “portadora” (carrier) no sentido neoschumpeteriano. Embora esta visão do perfil inovador da indústria alimentar seja compatível com as mudanças de produto e processo já assinaladas, é, no entanto, impressionante a rapidez com que empresas baseadas em capitais locais, nos países em desenvolvimento, conseguiram alcançar o “estado das artes” em segmentos como pratos-prontos e conseguiram, também, exercer um controle oligopólico sobre este mercado de crescimento acelerado. [12] As formas de terceirização, que começaram a ser utilizadas na produção alimentar, e a crescente importância de produtos “genéricos” mais sofisticados apontam para a difícil apropriação e fácil difusão dessa base de conhecimento.
A partir dos anos 1980, muitos pesquisadores passaram a enfocar o papel crescentemente hegemônico da grande distribuição e identificaram as conseqüências negativas deste fato para o setor da indústria alimentar. [13] Apesar disso, a visão dominante era a de que, após sua reestruturação em torno da estratégia de promoção de marcas líderes, as principais empresas alimentares teriam capacidade de se reposicionarem como parceiras na consolidação da grande distribuição. Os grandes perdedores seriam as empresas médias, incapazes tanto de oferecer uma quantidade suficiente de produtos e de garantir fornecedores na escala necessária, quanto de financiar a promoção de marcas no novo ambiente competitivo.
A globalização, inicialmente, oferecia vantagens diferenciadas às empresas alimentares líderes. Estas tiveram, tradicionalmente, uma presença maior que o varejo e dependiam menos que este da existência de infra-estrutura sofisticada. O setor de alimentos e bebidas mostrou-se capaz de se adaptar a estruturas de varejo pulverizadas, mesmo no caso de sua linha mais recente de produtos congelados e refrigerados, através do fornecimento de equipamentos de refrigeração sob diferentes acordos contratuais. As vantagens do varejo de larga escala, pelo contrário, dependem do funcionamento eficiente de transporte, sistemas de energia e comunicação, além de estabilidade econômica. De fato, seu sucesso depende da existência anterior de uma indústria alimentar moderna capaz de assegurar um abastecimento regular e de qualidade.
O valor agora atribuído às marcas globais originou uma segunda onda de fusões crescentemente internacionais entre as líderes, complementada por aquisições de empresas em países desenvolvidos, em desenvolvimento ou recém-industrializados. As aquisições da Bestfoods pela Unilever, da Quaker pela Pepsi e da Becks and Bass pela Interbrew poderiam ser mencionadas nesse contexto, assim como as aquisições recentes realizadas pela Parmalat, no setor de leite na América do Sul, que são apenas algumas das mais agressivas de uma febre de aquisições que afetaram todas as categorias de produtos alimentares e de bebidas, nessa e noutras regiões em desenvolvimento. Tudo isto ofereceu grandes oportunidades para expansão horizontal por parte das empresas líderes através da concentração de mercado, agora numa escala global. Essas novas pressões competitivas por escala provocaram, por outro lado, uma maior especialização de portfolio, desfazendo-se de tudo menos das marcas líderes ou líderes em potencial.
Contudo, houve uma internacionalização paralela do varejo, liderada pelos gigantes europeus – Carrefour, Metro, Ahold – mas seguida de perto pela Wal-Mart, que se acelerou acentuadamente nos anos 1990. A Wal-Mart talvez seja um caso especial, dada a importância de itens não alimentares, mas as empresas líderes do varejo, acima mencionadas, estão começando a superar suas congêneres na indústria alimentar. Os 10 maiores varejistas tinham um faturamento médio de US$ 45 bilhões, em 2000, contra US$ 23 bilhões para o setor alimentar e de bebidas. [14] A concentração no varejo avança em forma frenética e previsões apontam para uma redução ainda maior no número de atores globais. Nos países recém-industrializados e em desenvolvimento, os atores globais de varejo precisam, em primeiro lugar, se impor, promovendo o domínio do modelo de supermercado, para em seguida confrontar competidores nacionais e regionais. Uma vez consolidados, eles começam a exercer uma pressão nos líderes da indústria alimentar [15] similar àquela exercida nos países industrializados.
Se o perfil do moderno sistema agroalimentar fosse limitado às tendências já descritas, poderíamos concluir que o setor de alimentos finais, embora agora nitidamente um ator subordinado, teve sucesso no seu reposicionamento, fundamentalmente através do poder, cada vez mais globalizado, de suas marcas e da capacidade para inovações de produto. Que é um ator subordinado, fica evidente não apenas no crescimento dos “genéricos”, mas também na importância de diversas formas de taxas que o varejo é capaz de impor na indústria alimentar. Foi calculado que em torno de 50-75% dos lucros líquidos totais do grande varejo provêm de um conjunto de taxas de “entrada” e “penalização” no que diz respeito ao acesso às gôndolas de supermercado, uma expressão clara de poder econômico. [16]
Estratégias baseadas em marcas no contexto da globalização e a constante inovação de produtos colocam enormes tensões nas empresas líderes de produtos alimentares finais. Tendências anteriores de internacionalização, nos anos 1960 e 1970, normalmente correspondiam à exploração de novos mercados para produtos já maduros no país de origem, oferecendo o atrativo de um ciclo de vida estendido, com custos muito baixos de inovação apenas incrementais. No contexto atual de constante inovação de produto, os atores líderes em nível global podem continuar confiando nos portfolios desenvolvidos em seus países de origem, mas as exigências de adaptação e monitoramento da evolução do mercado local tornaram-se muito maiores. O resultado é um dilema permanente entre global e local que levou grandes empresas como a Nestlé e a Unilever a reorganizações sucessivas, em todos os níveis – produção, gestão e marketing –, num esforço de estabelecer um equilíbrio funcional entre os benefícios respectivos de centralização/ descentralização.
Os desafios de estratégias de marca globais no setor alimentar, contudo, são bem mais complexos. A vulnerabilidade das marcas, observada dramaticamente pelo fenômeno “Marlboro Friday”, quando Philip Morris diminuiu os preços para competir com seus concorrentes sem marca (Klein, 2001), é muito mais forte nas indústrias alimentares e de bebidas, nas quais os “genéricos”, como se observou, têm agora uma parcela sólida de mercado, mesmo em segmentos de preços mais elevados. Para empresas da “nova era”, como Gap, Virgin, Nike ou Apple, a marca é transferida do produto para a própria empresa e identificada com aspirações de estilo de vida. Uma série de fatores torna esta mudança mais problemática no setor de alimentos, embora, dentro das limitações impostas ao setor, se observe que as empresas líderes estão claramente se deslocando nesta direção.
Em primeiro lugar, a qualidade do alimento é, como vimos, associada mais à produção artesanal do que à industrial. Embora a Nestlé seja dona da Baci Perugina (chocolates), ela prefere não explicitar isto mais do que necessário. Segundo, muitos produtos alimentares têm uma base mais forte na sua utilidade e conveniência (pronto-a-esquentar, pronto-a-comer) do que em valores de experiência. E terceiro, o fator “onívoro”, combinado com a necessidade de comer três a quatro vezes todos os dias, dificulta a fidelidade do consumidor a uma marca/empresa exclusiva. Por essas razões, uma cadeia de lojas da Nestlé ou da Unilever seria uma estratégia improvável e mesmo grandes lojas de varejo estão longe de ser apenas saídas para os produtos próprios. À medida que assumem um status de estilo de vida, os produtos tendem a manter suas marcas originais e as empresas líderes concorrem para desenvolver um portfolio coerente de marcas globais. Estas tendências são mais desenvolvidas no setor de bebidas, um setor com maior apelo tipo estilo de vida. Por um lado, Coca, Pepsi e Heineken estreitam a identidade empresa/marca, enquanto que, por outro, a Guinness/UDV estabelece uma coleção de marcas globais em vinhos, cervejas e destilados. As empresas líderes se reposicionaram claramente em direção a setores mais “estilo de vida” – snacks, sorvetes, água mineral –, mas elas se mantêm solidamente ancoradas na faixa intermediária dos produtos alimentares industrializados e não estendem os seus nomes muito abertamente para as marcas com valor elevado que compram. No setor de serviços alimentares, essas empresas tendem a ocupar um papel central no fornecimento de insumos ou no setor de conveniência, mas é improvável que uma Nestlé seja capaz de competir de igual para igual com um Starbucks, embora a Parmalat tenha apostado em lojas de sorvetes. As empresas alimentares líderes ocupam, então, um espaço intermediário e heterogêneo, ameaçado permanentemente pela polarização entre “genéricos” e marcas globais.
No entanto, parece que, dentro desses limites, as empresas alimentares líderes se reposicionaram para confrontar as realidades do varejo moderno, a inovação de produto e a globalização. Embora numa posição cada vez mais subordinada dentro do sistema agroalimentar como um todo, as regras desse novo jogo tornaram-se claras e as empresas alimentares estão ajustando suas estratégias apropriadamente.
A vulnerabilidade da indústria alimentar ante as inovações radicais de produto e processo
Não fica tão evidente, contudo, que as mesmas empresas alimentares estejam em terreno tão sólido quando tomamos em consideração a segunda dimensão do novo sistema agroalimentar orientado pela demanda. Neste caso, o sistema alimentar, além das características discutidas anteriormente, enfrenta, de um lado, a introdução conflituosa de um novo paradigma tecnológico – engenharia genética, biologia molecular e genômica – que oferece a oportunidade única para uma reciclagem de atores bem estabelecidos a montante, mas com implicações radicais para toda a cadeia agroalimentar. No outro extremo, a demanda de alimentos está agora dirigida a seu conteúdo funcional que representa uma dupla ameaça à indústria alimentar – pela volta à agricultura ou pelo avanço para os nutricêuticos. Neste cenário, a dependência tecnológica dos alimentos industriais finais é uma vez mais reafirmada e as limitações de sua capacidade inovadora são perigosamente testadas. Não é nem um ator-chave em biotecnologia nem são tão relevantes suas “capacidades de combinação tecnológica”, identificadas de forma perceptiva por Ruth Rama, para lidar com os novos extremos da demanda.
As oportunidades, desafios e limitações da “revolução dos alimentos funcionais”
Argumentamos que a indústria de alimentos finais foi capaz de se adaptar (e mesmo promover) a diferenciação de produto, segmentação de mercado e inovação de produtos de ciclo curto. Ao mesmo tempo, ela assumiu a globalização e enfrentou o setor de varejo com um portfolio de marcas cada vez mais especializadas e de alto nível. Teve, contudo, maior dificuldade em lidar com visões normativas em relação à qualidade dos alimentos, que surgiram da comunidade científica nutricional, de forma cada vez mais autônoma, e que convergiram com as preocupações crescentes acerca da saúde pública. Esses dois corpos de opinião criaram uma forte identificação do alimento com a nutrição e a saúde, o que inicialmente enfrentou a resistência dos médicos e da indústria de alimentos finais. No que concerne à indústria alimentar, esse consenso crescente pode ser resumido na necessidade de menos açúcar, gorduras saturadas, carboidratos e sal, e mais fibras. A oposição inicial, no estilo da indústria de tabaco, foi gradualmente transformada em conformação, assim que se reconheceu que a adoção de menos açúcar, gorduras e sal não ameaçava o perfil de produto industrial existente e, de fato, poderia ser incorporada na estratégia dominante de segmentação de mercado (produtos diet e light). As tecnologias que asseguraram esses objetivos rapidamente se difundiram por toda a indústria, eliminando as vantagens do primeiro inovador. Um processo semelhante ocorreu com a importância atribuída aos suplementos vitamínicos e sua incorporação no modelo nutricional dominante. Leite e outros produtos passaram a ser oferecidos com diferentes níveis de gordura e um leque de aditivos fortificantes.
Ao mesmo tempo, o enfoque no conjunto de uma dieta balanceada significava que nenhum produto era intrinsecamente mau, e a idéia de “moderação”, que serviu para proteger a expansão e sofisticação do setor de bebidas alcoólicas, legitimaram, também, a expansão de produtos duvidosos do ponto de vista nutricional (doces, chocolates, sorvetes) que rapidamente se tornaram marcas líderes para os atores globais. Alguns autores mostraram como essa mudança de açúcares e gorduras para produtos “acessórios” significou, na prática, um aumento contínuo da ingestão desses “males”, acomodando, assim, os interesses dos grandes stakeholders de commodities. [17]
Mais subversiva, contudo, foi a ênfase concomitante de nutricionistas e representantes da saúde pública na importância de aumentar o consumo de produtos não industrializados e, particularmente, frutas e vegetais. Em parte, isto acelerou a adoção de produtos enriquecidos em vitaminas, mas teve, por outro lado, efeitos de mais longo prazo de duas ordens. Primeiramente, esses conselhos fortaleceram o papel do varejo, através de alianças com novos atores (empacotadores), como os principais articuladores dos circuitos de frutas e vegetais no sistema de consumo moderno. Em segundo lugar, eles promoveram a identificação da qualidade do alimento com produtos agrícolas frescos, o que preparou o caminho para a expansão dos orgânicos. [18] A oposição ao modelo industrial dominante tornou-se mais coerente com a consolidação das organizações de consumidores em torno de uma crítica ao alimento industrializado.
A resposta inicial da indústria alimentar foi hostil aos novos critérios nutricionais (“nenhum produto alimentar é intrinsecamente mau, mas deve-se preocupar com o conjunto da dieta”) para em seguida adotar uma postura defensivamente adaptativa. Todas as empresas líderes incorporaram a estratégia de segmentação nutricional em suas linhas de produtos e as vantagens competitivas foram efêmeras, uma vez que tais inovações se difundiram ao conjunto da categoria em questão. A velocidade de adoção, como no caso de alimentos preparados discutido anteriormente, revelou que essas inovações de produto não fornecem condições para vantagens competitivas duradouras. A indústria alimentar estava mais uma vez restrita a um ciclo contínuo de pequenas inovações de produto dependente de publicidade na mídia, cada vez mais dispendiosa, com lucros rapidamente diminuídos pela imitação, exemplificando a síndrome de competitividade de baixa base tecnológica.
Uma nova estratégia surgiu nos anos 1980, com base na inversão do argumento anterior de que nenhum produto individualmente é um produto mau, envolvendo o desenvolvimento de produtos que reivindicavam o status de qualidades especiais para a saúde. De fato, o impacto de adotar produtos de baixo teor de gordura em parte colocou em questão a noção do valor “natural” do produto original, preparando o consumidor para essa mudança radical na estratégia da indústria alimentar. Alimentos funcionais ou nutricêuticos aproximam o alimento da medicina e estabelecem uma ruptura com a revolução nutricional já descrita. [19] A adição de novas qualidades aos alimentos, oferecendo características específicas relacionadas com a saúde, implica um conceito mais radical de inovação de produto baseado em P&D, experimentos clínicos, aprovação regulatória e proteção de patentes. A reivindicação agora é a que certos atributos específicos dos produtos contribuem para diminuir o nível de colesterol, melhorar a função do sistema digestivo, fornecer picos de energia rapidamente, fortalecer os ossos e diminuir o risco de câncer, ataques de coração e outras doenças.
A estrutura regulatória para alimentos funcionais ainda se encontra em processo de construção. No Japão, país que tem liderado a estratégia de alimentos funcionais, foi estabelecida uma legislação de Alimentos para Uso em Questões Específicas de Saúde (Food for Specific Health Uses – FOSHU) no início dos anos 1990. Nos EUA, a legislação de rotulagem nutricional permitiu reivindicações genéricas em relação à saúde e o Ato de Suplemento Alimentar, Saúde e Educação (Dietary Supplement Health and Education Act), de 1994, abriu espaço para o posicionamento de alimentos funcionais como suplementos alimentares. Na Europa, regulamentações nacionais interpretam as diretivas comunitárias, cada uma a sua maneira, levando a aplicações bastante diferenciadas, sendo que a própria legislação comunitária acerca de novos alimentos e rotulagem se encontra ainda sob reformulação. No Codex Alimentarius, também, novas diretrizes estão em processo de elaboração sobre alimentos com reivindicações de qualidades específicas de saúde. Os debates sobre padrões para alimentos funcionais se constituem em terreno privilegiado para analisar a negociação entre diferentes interesses e valores, diferentes “mundos de produção” dentro do sistema alimentar. [20] Existem visões diferenciadas dentro da indústria. De um lado, setores tradicionais, ainda baseados na “apropriação” de uma ou outra cadeia de commodities, identificando seus interesses com reivindicações mais genéricas; de outro, empresas que apostam no caminho de inovação e que tentam legitimar atributos específicos como tendo vantagens para a saúde. As organizações dos consumidores têm sido, em geral, muito críticas, identificando os alimentos funcionais como uma continuação da estratégia de “aditivos” contra a qual têm sido opositores-chave.
A heterogeneidade e a incerteza que circundam o regime regulatório de alimentos funcionais impactam bastante as estratégias adotadas por empresas diferentes e têm sido responsáveis por grandes retrocessos, influenciando o desenvolvimento desse setor. Embora a situação atual seja de fluxo, uma série de conclusões provisórias acerca do impacto dos alimentos funcionais na indústria de alimentos finais pode ser adiantada.
Em primeiro lugar, esses alimentos têm sido um forte estímulo para inovações radicais de produto baseadas na ciência, na indústria alimentar. Os inovadores podem ser: i) PMEs baseadas na ciência, como no caso de “bífidos” (incorporada nos iogurtes) e bactéria de ácido lácteo (Yakult e bebidas lácteas fermentadas); ii) novos atores na indústria alimentar (Benecol e o Raisio finlandês); iii) líderes alimentares estabelecidas (Unilever nas margarinas, Danone nos ácidos lácteos); iv) setor de ingredientes alimentares (Hanson); e v) empresas químicas/farmacêuticas (Novartis). À medida que reivindicações de qualidades específicas de saúde se tornem obrigatórias, a indústria de alimentos finais se reorganizará em torno de empresas capazes de inovações radicais de produto. A dependência em acordos de licenciamento para acesso deixará as empresas alimentares vulneráveis aos inovadores que podem optar por acordos de marketing exclusivos ou por lançarem eles mesmos os produtos (o caso de Yakult). Embora essa tendência aproxime cada vez mais o alimento da indústria farmacêutica, as reivindicações almejadas parecem estar abertas à ação de vários ingredientes ativos. Toda uma gama de bactérias de ácidos lácteos tem um efeito benéfico similar no trato digestivo e são várias as plantas de sterols que podem atuar na diminuição do colesterol. Os benefícios de patentear serão, assim, provavelmente menos decisivos que no caso dos farmacêuticos.
Por outro lado, novos conhecimentos sobre as vantagens para a saúde de certos produtos tradicionais podem levar categorias inteiras de produtos a assumir o status de produtos substitutos dos alimentos funcionais. Isto parece ser uma estratégia atualmente adotada por empresas líderes fortemente identificadas com cadeias de commodities agora associadas a vantagens específicas para a saúde. Os principais exemplos neste caso seriam: a Quaker e seus produtos de aveia para reduzir colesterol, a Heinz e o licópeno nos tomates contra câncer e a General Mills e os grãos integrais contra doenças de coração. Estamos aqui lidando com uma reivindicação geral para toda uma gama de produtos que dá vantagens comparativas a certas firmas em seus mercados tradicionais. De fato, as diferentes respostas dos líderes da indústria alimentar podem ser relacionadas com o impacto da ciência nutricional na imagem de saúde de seus produtos principais. À medida que novos conhecimentos reposicionarem as cadeias tradicionais de commodities negativa ou positivamente em relação aos atuais valores nutricionais, as empresas líderes adotarão estratégias de marketing e de desenvolvimento de produto baseadas em reivindicações de qualidades específicas ou gerais dos alimentos para a saúde. Contudo, tomando em consideração a pressão para uma segmentação contínua do mercado, é provável que, a médio ou longo prazo, as empresas que foram forçadas a investir em inovação baseada na ciência estejam em melhor posição para responder às fronteiras em constante mudança entre alimento, saúde e nutrição.
As estimativas a respeito do tamanho do mercado de alimentos funcionais são bastante especulativas e dependem das definições utilizadas (os alimentos fortificantes são funcionais?), mas os próprios representantes da indústria situam o mercado entre US$10-20 bilhões nos EUA, o que o colocaria no mesmo nível que o dos orgânicos. Tal como estes, sua taxa de crescimento é de dois dígitos e apresenta uma capacidade aparentemente inesgotável de crescimento, à medida que novos critérios de segmentação encontrem uma boa aceitação por parte do consumidor: alimentos funcionais para mulheres, para idosos, para crianças. As estratégias de preço e de mercado estão ainda dando os seus primeiros passos, provocando muitos fracassos com linhas de produtos (o lançamento da margarina Benecol da McNeill, a Cozinha Inteligente da Campbell, a linha Aviva da Novartis). A capacidade de reposicionar alimentos, em particular os snacks, como suplementos nutricionais, abriu uma vantagem decisiva para empresas de medicamentos e cosméticos – McNeills, Johnson and Johnson.
O sucesso dos alimentos funcionais depende do estabelecimento de uma relação discursiva mais interativa com o consumidor. Altus, a joint-venture da Quaker e da Novartis, afirma que apenas lança produtos depois que grupos-alvo e sessões de teste os declararem iguais ou superiores a quaisquer outros no mercado. Neste caso, o exemplo clássico seria a estratégia de venda da Yakult da sua bebida láctea probiótica fermentada. Sessões de degustação, vendas diretas e a sua promoção pelos próprios consumidores, sem o uso de nenhum meio de comunicação de massa, tornaram esse produto um líder de mercado na Europa, criando um novo segmento de mercado e forçando os líderes mundiais, Nestlé e Danone, a uma estratégia de “eu também”. Recentemente, a Nestlé retirou seu LC1, concorrente do Yakult, do mercado inglês, argumentando que a sua estratégia tradicional de publicidade orientada à televisão e aos meios de comunicação não era apropriada para aquele tipo de produto. Essas tradicionais empresas líderes, além de serem tecnologicamente vulneráveis, têm ainda que lidar com mercados que não são criados através de suas estratégias tradicionais de marketing. [21]
Das três gigantes alimentares européias, Nestlé, Unilever e Danone, a última parece ser a que melhor se tem posicionado no mercado de alimentos funcionais. Esta companhia tem um enfoque global em apenas três categorias de produtos – lácteos, água e biscoitos – e está lançando alternativas funcionais com sucesso em água mineral e produtos lácteos. A Unilever, por sua vez, tem sido muito bem-sucedida em sua atividade-chave de óleos, na qual conseguiu rebater o desafio do Benecol, o redutor de colesterol criado pela Raisio, a empresa líder finlandesa de alimentos, que foi lançado nos EUA com base numa joint-venture com a McNeill. O mercado de margarina, contudo, é um segmento sem crescimento e a Unilever encontra-se num processo contínuo de aquisições e vendas numa busca, até agora interminável, de seu novo negócio-chave. A Nestlé tem sofrido uma série de retrocessos, como no caso do LC1 mencionado acima, e encontra-se numa busca semelhante de reposicionamento perante o desafio de alimentos funcionais. Indicações recentes sugerem que adotará uma orientação para o mercado de idosos, que é cada vez mais o perfil do segmento de alta renda no mundo desenvolvido.
A estratégia de alimentos funcionais tem sido desenvolvida num ambiente de oposição constante por parte das associações de consumidores, em paralelo à mobilização contra os transgênicos. Parece, portanto, que as empresas líderes tanto a montante como a jusante estão engajadas em impor estratégias diametralmente opostas à noção de um “sistema alimentar orientado pela demanda”. No entanto, enquanto as associações de consumidores estão defendendo uma abordagem mais holística da alimentação e saúde, de acordo com a orientação de “uma dieta balanceada” da política nutricional, grupos específicos de consumidores parecem cada vez mais seduzidos pelas soluções rápidas para a saúde através da alimentação na forma de snacks nutricionais. Isto explica o paradoxo aparente de um desenvolvimento “não desejado” se basear numa estratégia radicalmente nova de marketing que depende do engajamento dialógico do consumidor. Deve-se notar aqui a centralidade do mercado de snacks, um setor-chave em crescimento, que supera as barreiras entre suplementos nutricionais/alimentares e é feito sob medida com solução rápida para a saúde. Emblemático dessa tendência é o reposicionamento do ingrediente redutor de colesterol, Benecol, da margarina para as barras de cereais e chocolate feito recentemente pela McNeill Consumer Nutritional.
Os alimentos funcionais e as biotecnologias avançadas
Se a mudança para alimentos com atributos específicos à saúde coloca um prêmio para a inovação baseada na ciência, debilitando as estratégias competitivas tradicionais das empresas alimentares estabelecidas, a perspectiva de uma convergência crescente entre pesquisa nos alimentos funcionais e avanços na biologia molecular tenderá a agravar essa fraqueza. A atual oposição à aplicação da engenharia genética nos alimentos se mostrou bem mais persistente do que muitos analistas tinham previsto e se encontra cada vez mais reforçada pelo avanço impressionante dos orgânicos. A agricultura orgânica é vista agora por muitos como uma alternativa realista ao sistema agroalimentar dominante, uma visão reforçada por considerações ecológicas e sociais, favorecendo um papel crescente dos mercados locais e de pequenos e médios produtores. Por outro lado, os distintos regimes nacionais e internacionais de regulação, apesar de grandes diferenças e tensões, parecem estar se movendo na direção de uma maior liberação de transgênicos.
As respostas dos consumidores a produtos alimentares geneticamente modificados são atualmente objeto de muitas pesquisas, tendo sido adotados diferentes esquemas interpretativos – cognitivos, culturalistas, institucionalistas. [22] Análises estratégicas, que enfocam a importância da utilidade percebida do produto para questões relacionadas à aceitabilidade, têm recebido apoio de pesquisas recentes desenvolvidas na França. Essas pesquisas mostraram uma relação forte e positiva entre a utilidade percebida dos produtos geneticamente modificados e a disposição de aceitar os riscos a eles associados. Para os pesquisadores que seguem essa abordagem, a mudança de uma justificação basicamente agronômica para um apelo em torno de qualidades especiais preparará o caminho para a adoção de biotecnologias avançadas como central na oferta de alimentos funcionais. A crescente difusão dos alimentos funcionais poderá servir, ainda, para quebrar a polarização das respostas à engenharia genética, favoráveis ao uso farmacêutico, mas não em relação à indústria alimentar. A engenharia genética era interpretada como aceitável no caso de medicamentos, uma vez que quando tratamos de doença tudo é válido; contudo, regras bem diferentes se aplicam quando a saúde não está em questão. Se os alimentos finais são cada vez mais valorizados pelos ingredientes acrescentados que justificam a reivindicação de qualidades específicas para a saúde, este fato talvez crie um ambiente mais favorável à adoção de biotecnologias avançadas também nos alimentos.
Enquanto as negociações a favor e contra a engenharia genética são cruciais na concepção de sistemas regulatórios, nenhuma das hipóteses – proibição total ou liberalização total – parece ser um resultado provável. Existe, então, uma necessidade urgente de reorganizar o sistema alimentar para que este possa assegurar um abastecimento seguro de alimentos geneticamente modificados, de “convencionais” e de orgânicos. Rastreamento e preservação de identidade se tornam questões centrais de um sistema agroalimentar segmentado e baseado na oferta de produtos cada vez mais diferenciados. Caso esta postura não seja adotada, a generalização de um sistema agroalimentar transgênico é o cenário mais provável a médio prazo.
A utilização de biotecnologias nos alimentos funcionais certamente iria aumentar a vantagem das empresas baseadas em ciência no setor de alimentos finais. Mais ainda, as indicações atuais mostram que a biotecnologia tende a enfocar sua pesquisa na produção de especialidades agrícolas, mais do que nas fases seguintes de transformação industrial. Isto aparece particularmente claro no caso de produtos de biomassa e é cada vez mais evidente nas especialidades. Essa orientação daria um impulso decisivo a empresas que já têm uma presença a montante. Esse reposicionamento do valor agregado na produção agrícola, utilizando a linguagem de nosso estudo anterior, representaria o enfraquecimento de trajetórias substitutivas em favor de conjuntos de empresas baseados na apropriação do valor agregado de processos e produtos agrícolas, abrangendo atividades a montante e de primeiro processamento (Wilkinson, 1986).
Significativas a esse respeito são as alianças estratégicas que estão sendo estabelecidas entre empresas líderes em biotecnologia, em atividades a montante e a jusante, os grandes traders e o setor de primeiro processamento. Em seus estudos sobre a consolidação na cadeia alimentar, Heffernan e colegas identificam novos agrupamentos entre empresas agroquímicas/biotecnológicas e de primeiro processamento. Se essas novas alianças devem ser denominadas de clusters, como o fazem aqueles autores, já é outra questão, mas em tais acordos podemos observar a emergência de um novo sistema de coordenação econômica com o objetivo de assegurar o valor agregado oriundo de produção de especialidades. [23] Em seu estudo, eles destacam os acordos entre Monsanto e Cargill, entre Novartis e ADM, e a crescente importância da United AgriProducts no complexo da ConAgra. Embora essas alianças ainda sejam objeto de várias revisões, podemos ver aqui o ressurgimento de interesses apropriacionistas criados com o objetivo de assegurar que os benefícios de qualquer “descommoditização” não se desloquem facilmente a jusante. Toda uma série de alianças poderia ser aqui mencionada. A Quaker e a Novartis formaram a empresa de alimentos funcionais Altus; [24] a ADM está estabelecendo acordos para o desenvolvimento de propriedades funcionais, incluindo joint-ventures com a Kao Corporation no Japão e a Lifeline Technologies. A PTI (Protein Technologies International) da Dupont é particularmente ativa no desenvolvimento de ingredientes a base de soja e estabeleceu um acordo com a General Mills. Mais significativo é o caso da Marks and Spencer, varejista britânica de produtos alimentares, [25] que lançou uma linha de alimentos funcionais usando ingredientes da PTI. Os alimentos funcionais se tornaram a principal orientação estratégica dos interesses da soja, sendo que os atores-chave dessa cadeia de commodity estabeleceram uma associação para a promoção de ingredientes a base de soja. Uma associação comercial semelhante para os grãos é muito atuante no mercado europeu de alimentos funcionais.
Os alimentos funcionais estão dando um novo fôlego aos traders internacionais de commodities e aos primeiros processadores que durante um longo período estiveram condenados a margens baixas, mercados estagnados e preços declinantes. Estes agora vêem uma oportunidade de identificar e isolar novas propriedades funcionais cujo valor agregado pode ser assegurado através de patentes ou royalties a partir da concessão de licenças às empresas de alimentos finais a jusante. A integração vertical para a frente torna-se uma estratégia alternativa para assegurar o valor agregado criado a montante. As biotecnologias avançadas não apenas prometem acelerar a identificação de novas propriedades através de screening molecular e, agora, através de mapas genômicos, também se engajam na produção de material genético encomendado para a produção dessas propriedades desejadas. Tudo isto, porém, exigirá a implantação de sistemas de preservação de identidade e de rastreabilidade, levando a padrões radicalmente novos de coordenação econômica. Heffernan et al. (1999), no estudo referido anteriormente, sugere que um dos motivos para a compra recente da Continental pela Cargill foi a aquisição de serviços adicionais para a organização de sistemas de armazenagem e redes de transporte com preservação de identidade.
Conclusões
As empresas alimentares líderes detêm recursos enormes e vêm se mostrando extremamente habilidosas na adaptação a mudanças profundas no sistema e na demanda alimentares durante os últimos 25 anos. Apesar disso, apresentamos argumentos que apontam para um enfraquecimento de sua posição estrutural no sistema agroalimentar como um todo. Sugerimos que elas foram muito eficientes em seu reposicionamento em relação à segmentação de mercado, às inovações de produto de ciclo curto e à globalização. [26] Mas, mesmo neste caso, elas tiveram que se reajustar ao papel, agora hegemônico, do varejo em larga escala. Contudo, sua posição ficou menos segura, com a mudança de foco do sistema alimentar, dando uma maior atenção a alimentos nutritivos e saudáveis, e à medida que a revolução das biotecnologias tem aumentado o seu controle sobre as forças motrizes de inovação. Os alimentos funcionais estão dando vantagens competitivas para novas entrantes de base científica e para estratégias de diversificação de empresas farmacêuticas e de cosméticos. Esses mesmos padrões de demanda também abrem novas perspectivas para atores apropriacionistas a montante, os traders globais e os primeiros processadores, que agora transformam a sua linha de produtos de commodities em especialidades e ingredientes saudáveis. À proporção que a revolução biotecnológica se aprofunda, as empresas agroquímicas se tornam o carro-chefe do desenvolvimento dessas especialidades que, em seguida, são patenteadas e licenciadas para atores a jusante.
A natureza altamente contestada dessa revolução industrial no sistema agroalimentar tem levado a uma enorme e inesperada expansão dos orgânicos, que cada vez mais se apresentam, para um segmento importante de consumidores, como uma fonte alternativa de oferta de alimentos. O deslocamento de nicho para mainstream dos orgânicos vem sendo liderado pelo setor de grande distribuição e novos atores ocupam segmentos importantes das etapas industriais da cadeia de alimentos orgânicos. Pelo menos nessa sua fase inicial, a aliança entre agricultores orgânicos e o grande varejo exclui os líderes da indústria alimentar, numa trajetória original de apropriacionismo baseado no valor agregado do produto agrícola original, beneficiando, principalmente, a grande distribuição.
O futuro permanece, então, bastante incerto para as empresas líderes de alimentos finais e grandes reposicionamentos estarão certamente na ordem do dia, se elas quiserem manter sua posição dominante nos mercados alimentares. A estratégia de substituição, que orientou o setor de alimentos finais, favorece, agora, nitidamente, os atores baseados em ciência, quer os novos entrantes, quer os já posicionados na fronteira entre alimentação e saúde, sendo estes últimos os principais favorecidos. Por outro lado, alimentos funcionais e biotecnologias deram um novo fôlego a atores econômicos, fortemente identificados com cadeias de commodities específicas, baseadas no que denominamos estratégias apropriacionistas, que se emcontram agora numa posição de reivindicar direitos de propriedade para os ingredientes ativos que são a base dos novos alimentos funcionais, realocando, assim, o valor agregado para os atores a montante. Os líderes da indústria de alimentos precisam agora encarar as limitações da estratégia de substituição que tão bem os tem servido desde os primórdios da modernização agroalimentar até o presente.
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* O presente texto apresenta os principais argumentos do ensaio mais amplo Indústria de alimentos finais e sistema agroalimentar global: os desafios do novo paradigma tecnológico e o perfil da nova demanda. Tradução de Maria Antunes. Gostaria de agradecer a Julia Guivant pela leitura atenta e crítica deste texto.
[1] Em especial From Farming to Biotechnology, Goodman, Sorj e Wilkinson, 1987, Blackwell; The Future of the European Food Industry, FAST, Bruxelas; The Biotechnology Strategies of Leading Firms in Agrofood in Agriculture, Biotechnology and Food OECD, 1990; Patterns of Research and Innovation in the Modern Agro-Food System, in Technological Change & The Rural Environment, Ed. Lowe, P. Marsden, T., Whatmore, S., David Fulton Publishers, 1990 (com Goodman, D.).
[2] É claro que ambas as estratégias poderiam estar presentes na mesma empresa, tanto em momentos diferentes de sua história como em relação aos diferentes setores de suas atividades.
[3] Para uma visão muito interessante dos esforços anteriores da preservação dos alimentos ver Pickled, Potted and Canned de Sue Shephar (2000).
[4] Alguns excelentes estudos mais recentes sobre o tema incluem: The Fast Food Nation, Schlosser, E., 2001; Fast Food, Jackle, J. A & Sculle, K. A, 1999; Selling ‘em by the Sack, Hogan, D. G., NYUP, 1997; Refashioning Nature, Goodman, D. & Redclift, M., 1991.
[5] Naomi Klein in No Logo (2001) cita Ellen Lupton e J. Abbot Miller (1996) sobre a importância das personalidades nas marcas familiares – Uncle Ben e a Tia Jemina – reproduzindo a imagem do comerciante local num mundo industrializado.
[6] The R & D Priorities of Leading Firms in Agrofood, Wilkinson, J. in Industrial History and Tecnological Development in Europe, eds. P. Byé e D. Hayton, European Commission, 1999.
[7] Um estudo no início dos anos 1990, realizado na Europa, concluiu que 50% dos itens alimentares nas prateleiras dos supermercados não existiam cinco anos antes e um relatório recente de USDA (2001) refere-se à introdução de 12.000 novos produtos a cada ano nos EUA.
[8] Ver Functional Foods Revolution, Heasman, M. & Mellentin, J. Earthscan, 2001.
[9] Uma pesquisa recente do grupo originalmente francês de consultoria, que agora é global, Taylor, Nelson & Sofres, sugere uma forte correlação entre a percepção de utilidade e a aceitação de risco em relação à engenharia genética.
[10] Devido a restrições de espaço, não discutiremos o fenômeno complementar da industrialização do “consumo fora do lar”, em que a expansão da “marca” tem sido normalmente conseguida através do franchising. Para uma série de análises, com perspectivas diferentes: Eating Out, Warde, A. Martens, L. Cambridge, 2000 e “On Mass Distribution”, Joel L. Nielson, Journal of Consumer Culture, 2001.
[11] Ver, principalmente, a pesquisa original de R. Rama, Innovation in the Food Industry, Bruxelas, 1998.
[12] As empresas Sadia e Perdigão, ambas de capitais majoritariamente nacionais, dominam esse mercado no Brasil.
[13] Raul Green (INRA, France) criou um programa de pesquisa sólido sobre esse tema no final dos anos 80. Ver também o trabalho de Terry Marsden e colegas na Inglaterra, principalmente Consuming Interests (UCL, 2000). O setor de varejo, tal como a indústria de alimentos finais, baseia-se na apropriação e não na substituição da cozinha, sofrendo uma deterioração semelhante de seu mercado devido ao setor de fast-food e take-away. O grande varejo ainda precisa lidar com a crescente concorrência dentro de seu próprio setor, na medida em que a segmentação se traduz no aumento de lojas de conveniência e delicatessens. Neste sentido, o grande varejo é uma inovação tipicamente fordista e sua capacidade de acompanhar a atual segmentação de mercado está sendo questionada.
[14] Informações de ETC Group Communique “Globalization, Inc. Concentration in Corporate Power: The Unmentioned Agenda”, julho/agosto, 2001 (disponível em www.rafi.org).
[15] O rápido crescimento de “genéricos” no sistema de varejo argentino (de 6% para mais de 11% nos últimos cinco anos), um fenômeno também evidente no Brasil (10-15%), exemplifica esta tendência. O movimento em direção de “marcas próprias” tem, contudo, limites auto-impostos se não quiser questionar um dos conceitos básicos de legitimidade do grande varejo – que é um mercado e um local onde o consumidor pode exercer seu direito de escolha de produto e marca. Ver também Retailing in Latin America, Retail Forward Inc, 2001.
[16] Ver trabalho de Heffernan, W. et al. “Consolidation in Food Retailing and Dairy”, National Farmer’s Union, 2001.
[17] A pesquisa de Fine e seus colegas é particularmente reveladora a esse respeito. Ver Consumption in the Age of Affluence, Routledge, 1996.
[18] Embora os orgânicos tenham sido identificados, inicialmente, com produtos agrícolas frescos, estão agora se desenvolvendo numa trajetória mais ambiciosa de industrialização. Ver Marsden e colegas, Procisur, 1999.
[19] Um relatório recente, Script, vai além e sugere que os alimentos funcionais podem estar ocupando o mercado dos medicamentos prescritos, na medida em que eles se tornam mais preferidos para cuidar da saúde.
[20] A teoria de regulação francesa fornece, provavelmente, o esquema analítico mais útil para explorar a negociação dos diferentes valores e interesses. Ver Wilkinson “A New Paradigm for Economic Analysis?” in Economy and Society, 1997. Para análises sobre o contexto norte-americano, ver Busch, L., passim.
[21] A autoridade médica torna-se também fundamental no marketing de alimentos funcionais e as empresas consideram cada vez mais a aprovação da rotulagem pela associação relevante com a profissão do médico.
[22] Démeter, 2001; AgBioForum, v. 1, n. 1, Buttel, 2000; Guivant, 2001.
[23] Ver “Consolidation in the Food and Agriculture System”, W. Heffernan et al, 1999, National Farmer’s Union. A noção de cluster costuma se referir a vantagens de aglomeração que promovem interdependência especializada entre um conjunto de atores diferenciados envolvidos em níveis diferentes num sistema complexo de produção ou marketing. Aqui o termo aliança estratégica parece-nos mais apropriado.
[24] Joint-venture que terminou com a aquisição da Quaker pela Pepsi.
[25] A Tesco, outra varejista líder no mercado britânico, está igualmente promovendo os alimentos funcionais, assim como a Sainsbury que, numa iniciativa conjunta com a Unilever, encontra-se atualmente financiando “Healthy Heart Store Tours”. A adaptação do varejo aos alimentos funcionais depende de uma expansão importante no grau em que estes são regulados como alimentos ou como suplementos alimentares.
[26] Contudo, não exploramos ainda aqui as implicações da orientação central do setor de alimentos finais para segmento de alta renda e as preocupações de uma população envelhecida à luz das tendências demográficas globais que apontam para prioridades mais orientadas às commodities. Nem avaliamos os desafios específicos representados pelo papel central que a China assumiu no mercado global de alimentos.