Estudos Sociedade e Agricultura
Mauro Eduardo Del Grossi e José Graziano da Silva
A pluriatividade na agropecuária brasileira em 1995
Estudos Sociedade e Agricultura, 11, outubro 1998: 26-52.
Resumo: (A pluriatividade na agropecuária brasileira em 1995). O trabalho é uma tentativa de quantificar a pluriatividade das famílias agrícolas no Brasil com base nos microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 1995. Nossas estimativas mostram que a pluriatividade afetava 35% do conjunto de famílias ligadas às atividades agropecuárias, proporção essa que varia relativamente pouco em função da ocupação principal do seu chefe, se empregador (44%) ou conta própria com acesso a terra (33%), ou se pertence a outras categorias de trabalhadores agrícolas e/ou rurais sem acesso a terra(35%).
Palavras-chave: pluriatividade, emprego agrícola e rural.
Abstract: (The Pluralactivity in the Brazilian farming and cattle-raising production in 1995). This work is an attempt to quantify the farm families pluralactivity in Brazil based on microdata from the Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (PNDA) of 1995. Our reckonings show that the plural activities reaches 35% of most families involved in the farming and cattle-raising activities, which varies relatively bit in terms of the chief family main occupation, if he/she is an employer (44%) or works by himself with access to land (33%), or if he/she belongs to other ranges of farm and/or rural workers without access to land (35%).
Key words: pluralctivity, agricultural and rural employment.
Versões preliminares deste trabalho foram apresentadas no XXXVI Congresso Brasileiro de Economia e Sociologia Rural e no XXII Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs) em 1998.
Mauro Eduardo Del Grossi é pesquisador do Iapar (PR) e doutorando em Economia do IE/Unicamp; José Graziano da Silva é professor do Instituto de Economia da Unicamp e consultor da Fundação Seade.
Introdução
Este texto faz parte de um projeto mais amplo de pesquisas denominado sinteticamente de Projeto Rurbano, que se propõe a explorar a relevância dos cortes urbano/rural e agrícola/não agrícola no desenvolvimento brasileiro recente. [1] O presente trabalho é uma tentativa de quantificar a pluriatividade com base nos microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 1995, nas principais formas em que ela se apresenta no país.
O conceito de pluriatividade permite juntar as atividades agrícolas com outras atividades que gerem ganhos monetários e não monetários, independentemente de serem internas ou externas à exploração agropecuária. Assim, permite considerar todas as atividades exercidas por todos os membros dos domicílios, inclusive as ocupações por conta própria, o trabalho assalariado e não assalariado, realizados dentro e/ou fora das explorações agropecuárias. Desse modo, os conceitos de diversificação produtiva e de agricultura a tempo parcial ficam contidos dentro do de pluriatividade; como queremos estudar todos os integrantes da família, a unidade relevante de análise passa da exploração agrícola para as famílias ou domicílios rurais nela contidos. [2]
A primeira dificuldade de caráter metodológico com que nos defrontamos foi a escolha da unidade de análise que se deveria usar, se famílias ou domicílios. A revisão da literatura especializada indicou que as pessoas constituem uma unidade de análise significativa para se estudar o emprego ou ocupação múltipla (multiple job holding); mas, para se captar as distintas combinações de atividades agrícolas e não-agrícolas é preciso utilizar a família ou o domicílio, sendo que a escolha entre essas duas unidades deve-se mais a fatores de ordem*prática queteórica. [3]
Nas PNADs esses dois conceitos tem fortes limitações: a família porque considera apenas a unidade nuclear(casal e parentes mais próximos desde que não constituam um outro casal), o que em muitos casos separa grupos que vivem sob um mesmo teto e que têm dependência econômica entre si; os domicílios porque juntam as vezes famílias nucleares economicamente independentes simplesmente porque não possuem uma entrada privativa para seus aposentos. [4] Assim, a partir dos critérios adotados pelas PNADs, tanto famílias como domicílios mostram ser conceitos não inteiramente adequados para se avaliar a pluriatividade no meio rural.
Vale a pena dizer também que do ponto de vista quantitativo, a diferença entre domicílios particulares permanentes [5] e famílias nucleares nas PNADs não é grande. Segundo os dados de 1995, a distribuição das famílias nucleares ligadas a agricultura reflete basicamente a dos domicílios, dado que o número de domicílios com mais de uma família é pequeno: 40 mil moradias. Mas, do ponto de vista conceptual, a questão é importante pois adotar o conceito mais restrito da família nuclear subestimaria a pluriatividade, a qual, obviamente, tende a ser maior quanto maior forem o número de membros da unidade considerada.
Resolvemos, então, adotar como unidade de análise os domicílios particulares permanentes, excluindo-se dentre seus membros os pensionistas e as empregadas domésticas e seus parentes. [6] A unidade que vamos utilizar se aproxima, portanto, do que se poderia chamar de família extensa pois inclui além da família nuclear, os parentes desta que vivem no mesmo domicílio (mesmo que formem outro casal) e os agregados. [7] Mas, o nosso interesse neste trabalho é medir a pluriatividade entre as famílias extensas que têm alguma atividade agrícola, que doravante passaremos a denominar simplesmente de famílias agrícolas. Selecionamos para isso somente os domicílios permanentes urbanos e rurais onde pelo menos um de seus membros declarou exercer a atividade agrícola no ano anterior ou na semana de referência da pesquisa, como ocupação principal ou secundária.
Foram definidos como domicílios agrícolas aqueles em que todas as pessoas da família extensa estavam ocupadas apenas em atividades agropecuárias na semana de referência, considerando-se tanto a ocupação principal como as secundárias declaradas por seus membros como os trabalhos secundários que exerceram; e domicílios não-agrícolas, a situação contrária. Foram consideradas ainda domicílios pluriativos aqueles onde pelo menos um dos membros da família extensa declarou exercer sua ocupação principal ou secundária em atividades não-agrícolas. Definiu-se como índice de pluriatividade a percentagem dos domicílios pluriativos em relação ao total. Finalmente, foram definidos como domicílios de pessoas não ocupadas aqueles onde nenhum dos membros da família extensa declarou exercer qualquer trabalho na semana de referência.
Aqui aparece uma outra questão metodológica: considerar ou não como pluriativa a pessoa que declarou ter sua ocupação e outra secundária no próprio setor agrícola, como por exemplo, o trabalhador rural por conta própria que também é tratorista de aluguel; ou aquele que toca uma roça (de subsistência ou não ) numa área qualquer (própria, cedida, arrendada ou em parceria) e se emprega como bóia-fria em algumas épocas do ano. Em trabalho anterior encontramos que das 17,2 milhões de pessoas ocupadas residentes no meio rural segundo a PNAD de 1995, apenas 727 mil (ou seja, 4,2% do total ) declaram possuir uma ocupação secundária na própria agricultura, sendo que mais de 70% delas (521 mil ) também tinham a atividade agrícola como ocupação principal na semana de referência. [8] Considerar, portanto, apenas a ocupação principal ou não considerar as pessoas que têm mais de uma ocupação dentro do próprio setor agrícola subestimaria o índice de pluriatividade.
Na nossa opinião, o fundamental na pluriatividade é que a pessoa exerça uma outra atividade, além de sua ocupação principal. Mas também é verdade que muitas dessas combinações de atividades agrícolas principal e secundárias são formas tradicionais de pluriatividade no meio rural brasileiro, o que nos levaria a superestimar aquilo que existe de “novo” na pluriatividade atual, que é a combinação intersetorial, ou seja, a combinação de atividades agrícolas com ocupações fora da agricultura.
Para contornar o problema, apresentamos os domicílios pluriativos subdivididos em pluriativos agrícolas, quando todos os membros das famílias rurais extensas exercem apenas atividades agropecuárias, mas pelo menos um deles declarou ter também uma ocupação secundária na própria agricultura; e pluriativos agrícolas-não-agrícolas quando pelo menos um dos membros exerce uma atividade agrícola e outra atividade fora do setor, independente delas serem sua ocupação principal ou secundária.
Outra questão metodológica que enfrentamos foi como separar as famílias extensas que tinham acesso à terra daquelas constituídas apenas de empregados agrícolas e/ou trabalhadores rurais. Para isso usamos como proxie um quesito da PNAD que, depois de identificar se uma pessoa estava ocupada ou não e qual a sua posição na ocupação na semana de referência, indaga dos conta própria e empregadores “qual a área total do empreendimento em que trabalhavam”. Dos 7,5 milhões de domicílios rurais particulares permanentes identificados pela PNAD de 1995, um pouco menos da metade ( 3,2 milhões ou 42,8%) responderam positivamente a essa questão e constituem o universo de famílias extensas com acesso à terra que vamos analisar neste trabalho.
Finalmente, a questão de qual período de referência utilizar no cálculo do índice de pluriatividade já que as novas PNADs pesquisaram dois: a semana e o ano anterior à data do levantamento (IBGE, 1996). Como também já mostramos anteriormente, [9] a População Economicamente Ativa Ocupada em Atividades Agrícolas - doravante denominada simplesmente de PEA agrícola - varia conforme o período de referência que se considere para definir da atividade principal da pessoa entrevistada. [10] Em 1995 existiam 19,3 milhões de pessoas que declararam ter na agricultura sua atividade principal durante o ano, número esse que se reduz para 18,2 milhões de pessoas quando se considera a última semana de setembro. Ou seja, há quase um milhão e quinhentas mil pessoas no país como um todo que declararam a atividade agrícola como ocupação principal nos 365 dias anteriores à data da entrevista (outubro de 94 a setembro de 1995), e na semana de referência estavam ocupadas em atividades não-agrícolas, ou simplesmente não estavam ocupadas. O contrário também ocorre, mas com menor freqüência: na última semana de setembro de 1995 existiam 263 mil pessoas que não tinham a agricultura como sua atividade principal nos 365 dias anteriores, mas que na semana da entrevista estavam ocupadas em atividades agrícolas. Isto significa que havia no país pelo menos 850 mil pessoas que oscilaram entre atividades agrícolas e não-agrícolas durante o ano de 95.
Esse número pode variar em função da data de referência e do período de tempo (ano, mês, semana) que se leve em conta, dada a grande variação sazonal típica das atividades agrícolas. No caso da PNAD de 1995, a data é a última semana de setembro, que é uma época de safras nas regiões Sudeste e Sul, que concentram a maior parte da produção agropecuária do país. Supõe-se, portanto, que nessa semana um número maior de pessoas estejam ocupadas em atividades agrícolas que em outras épocas do ano. O inverso, porém, ocorre na região Nordeste, onde é tempo de seca, o que reduz as atividades agrícolas ao mínimo necessário para a manutenção das criações e dos tratos culturais.
Na definição usual da PEA adotada pelo IBGE toma-se como critério a última semana de setembro para o período de referência, o que também faremos neste trabalho. [11] Vale recordar que, segundo esse critério, a PEA agrícola representava em 1995 pouco mais de um quarto (26% para ser mais preciso) da PEA brasileira, ou seja, cerca de 18 milhões de trabalhadores, sendo que 73% deles residiam no meio rural.
Os índices de pluriatividade
A tabela 1 mostra a distribuição dos domicílios permanentes onde habitam pelo menos uma pessoa economicamente ativa ocupada em atividade agropecuária –PEA agrícola– que tem residência urbana e todas as pessoas economicamente ativas que tem residência rural –PEA rural– classificadas segundo a posição e o ramo da ocupação principal da pessoa com acesso à terra na semana anterior da entrevista. As quatro primeiras colunas referem-se as famílias extensas classificadas somente pelas atividades principais de seus membros, enquanto que as quatro últimas colunas consideram também as atividades secundárias. No total são quase 11 milhões de domicílios permanentes, 7,5 milhões dos quais localizados na zona rural e aproximadamente outros 3,4 milhões localizados em zonas urbanas.
De outro lado, porém, 40% dos 7,5 milhões de domicílios rurais identificados pela PNAD de 1995 eram pluriativos (24%) ou não-agrícolas (17%), o que reforça a nossa tese de que o mundo rural é hoje muito maior que o agrícola. Isso não significa que o mundo rural não seja mais predominantemente agrícola: como se pode ver, dos 5,4 milhões de famílias extensas que se dedicam exclusivamente à agricultura, apenas 1,4 milhão tinha residência urbana, o que significa dizer que de cada quatro famílias que exercem apenas atividades agrícolas, três ainda residiam em zonas rurais em 1995. No total do universo que estamos analisando –ou seja, levando-se em conta tanto a Pea agrícola urbana como a Pea rural– metade (50%) das famílias extensas foram consideradas exclusivamente agrícolas e pouco mais de um terço (35%), classificadas como pluriativas em 1995. [12]
Note-se que 4% das famílias extensas que estamos examinando foram classificadas como desocupadas, proporção essa que atingia 5,5% quando tomamos apenas os domicílios rurais. Se considerarmos somente os trabalhadores rurais sem acesso à terra, a proporção das famílias rurais desocupadas atinge 9,6%. É um valor muito elevado, especialmente se considerarmos que, pelo conceito das novas PNADs, também foram tidos como ocupados aquelas pessoas que se dedicam exclusivamente ao autoconsumo e, como o meio rural é um espaço predominantemente privado, a tendência é a expulsão para o meio urbano das famílias desocupadas. Esse também é um outro tema que está por merecer melhor aprofundamento em outra oportunidade. [13]
Quando consideramos a pluriatividade segundo a ocupação principal do chefe da família, verificamos que mais da metade dos empregadores (56%) e cerca de dois terços dos conta-própria (67%) pertencem a famílias exclusivamente agrícolas, proporção essa que cai para 40 % entre os trabalhadores sem terra. Esse é um indicador muito significativo de que o acesso à terra é ainda a forma predominante de gerar ocupação agrícola entre as famílias rurais. Já entre as famílias urbanas que tem algum membro exercendo atividades agropecuárias, a pluriatividade se destaca como a forma mais importante de ocupação, especialmente no caso dos trabalhadores sem acesso à terra, onde atinge o índice de 60%. Mas, é interessante observar que mais de 40% dessas moradias urbanas que abrigam pelo menos um trabalhador agrícola ainda foram classificadas como domicílios exclusivamente agrícolas, o que significa que todos os membros ativos dessas famílias ampliadas têm apenas ocupações relacionadas à agropecuária. Esperava-se, obviamente, que o fato de possuírem residência urbana favorecesse a pluriatividade dessas famílias. Esse é um tema que mereceria maior aprofundamento na análise para se saber as razões dessa dificuldade de inserção nos mercados de trabalho urbano das famílias agrícolas em função, por exemplo, do tempo de residência, do tamanho e do tipo de ocupação não agrícola disponível no município onde residem, da qualificação exigida pelos mercados de trabalho locais etc. [14]
Tabela 1. Domicílios permanentes segundo a posição na ocupação do chefe e o ramo de ocupação principal e secundárias e de seus membros na semana de referência de pesquisa: Brasil, 1995.
Posição do chefe
Atividade principal
Atividade principal e secundária
Urbano
Rural
Total
Urbano
Rural
Total
(1.000)
(1.000)
(1.000)
(%)
(1.000)
(1.000)
(1.000)
(%)
Empregador com terra
240
254
494
100
240
254
494
100
Agrícolas
118
201
319
64
108
167
275
56
Pluriativos
122
53
176
36
132
88
219
44
Conta-própria com terra
731
2.950
3.680
100
731
2.950
3.680
100
Agrícolas
392
2.451
2.842
77
345
2.107
2.453
67
Pluriativos
339
499
838
23
385
842
1.227
33
Outros s/ terra
2.306
4.290
6.596
100
2.432
4.290
6.722
100
Agrícolas
981
1.859
2.840
43
952
1.744
2.696
40
Pluriativos
1.325
709
2.034
31
1.480
874
2.353
35
Não Agrícola
…
1.309
1.309
20
…
1.260
1.260
19
Não Ocupados
…
413
413
6
…
413
413
6
Total dos Domicílios
3.277
7.494
10.770
100
3.402
7.494
10.896
100
Agrícolas
1.491
4.510
6.001
56
1.406
4.018
5.424
50
Pluriativos
1.786
1.262
3.048
28
1.996
1.803
3.799
35
Não Agrícola
…
1.309
1.309
12
…
1.260
1.260
12
Não Ocupados
…
413
413
4
…
413
413
4
(…) Valores não calculados. O total de domicílios particulares permanentes urbano é de 31.475.591.
Fonte: Tabulações Especiais da PNAD de 1995 realizadas pelo Projeto RURBANO.
A tabela 2 mostra as principais alterações resultantes da inclusão das ocupações secundárias dos membros das famílias extensas no cálculo do índice de pluriatividade. Tomemos por exemplo os empregadores com acesso à terra: na tabela anterior os 319 mil domicílios classificados como exclusivamente agrícolas em função apenas da ocupação principal dos seus membros reduzem-se a 275 mil quando se considera também as suas ocupações secundarias. A tabela 2 permite ainda identificar a distribuição desses 44 mil domicílios que passaram a pluriativos quando se leva em conta também a ocupação secundária dos membros dos domicílios: 16,8mil deles foram classificados como pluriativos agrícolas, ou seja, os seus membros declararam exercer também apenas ocupações secundárias no próprio setor agrícola; e outros 27 mil foram classificados como pluriativos agrícola/não-agrícola secundaria, pois pelo menos um de seus membros declarou exercer uma atividade secundária fora do setor agropecuário.
O resultado final mostra que proporção de empregadores pluriativos saltou de 36% para 44% ao se considerar também as ocupações secundárias dos membros dos domicílios no cálculo da pluriatividade. E que esse crescimento se deve principalmente as ocupações secundárias não-agrícolas. Entretanto, as combinações agrícolas e não-agrícolas entre as atividades principais são ainda mais importantes, já que as famílias dos empregadores com terra cujos membros declararam possuir atividades secundárias não-agrícolas representam somente 12,3% dos domicílios pluriativos dessa categoria.
No caso dos conta própria com acesso à terra, cujo índice de pluriatividade passa de 23% para 33% quando se consideram também as ocupações secundárias, a maior parte do crescimento se deve as atividades exercidas no próprio setor agrícola: as famílias dos conta própria com ocupações secundárias não-agrícolas representa 11,8% dos pluriativos dessa categoria enquanto que os que tem atividades secundárias no próprio setor agrícola representam quase 20%. Essa diferença está relacionada com o fato de uma proporção maior dos conta própria ter residência rural, onde as dificuldades de encontrar ocupações não-agrícolas certamente é maior que no meio urbano.
Já entre os trabalhadores rurais sem terra, a alteração provocada pela inclusão das atividades secundárias na semana de referencia é bem diferente. Primeiro, o impacto é bastante menor do que nas categorias analisadas anteriormente que têm acesso à terra: o índice de pluriatividade passou de 31% para 35% quando se considera também as ocupações secundárias. Segundo, o grupo que mais cresceu não foi dos que declararam ter atividades secundárias na própria agricultura (como no caso dos conta-própria com acesso à terra), nem dos trabalhadores agrícolas que declararam ter atividades secundárias não-agrícolas: foi justamente o das famílias que pela ocupação principal de seus membros eram tidos por não-agrícolas. Ou seja, grande parte do crescimento dos mais de 300 mil domicílios de trabalhadores sem terra pluriativos na tabela 2 se deve às atividades agrícolas secundárias de famílias que declararam ter como ocupação principal de seus membros apenas atividades não-agrícolas.
Algumas conclusões
A principal conclusão que podemos tirar dos dados analisados é que as atividades agrícolas constituem ainda a mais significativa forma de ocupação das famílias residentes no meio rural, e constituem também uma forma importante de complementar a ocupação das famílias especialmente dos trabalhadores rurais por conta própria que tem acesso à terra, como também para os trabalhadores sem terra, tanto para aqueles que tem residência rural como urbana.
Todavia isso não diminui a relevância que já assume a combinação com as atividades não-agrícolas entre as famílias que dependem da atividade agropecuária no país. Resumidamente podemos dizer que a pluriatividade afeta cerca de 1,8 milhões (24%) dos 7,5 milhões de domicílios rurais existentes no país; e 2 milhões dos 3,4 milhões de domicílios urbanos que tem pelo menos um de seus membros ocupados em atividades agrícolas, sejam ela a ocupação principal ou secundária, na semana de referência da PNAD de 1995. No total a pluriatividade afeta 35% do conjunto de famílias que estamos considerando, proporção essa que varia relativamente pouco em função da ocupação principal do seu chefe, se empregador (44%) ou conta própria com acesso a terra (33%), ou se pertence a outras categorias de trabalhadores agrícolas e/ou rurais sem acesso a terra(35%), quando se toma tanto a ocupação principal como as secundárias dos membros do domicilio.
Isso nos leva à questão das distintas formas de pluriatividade, ou seja, das diferentes combinações possíveis entre atividades agrícolas e não-agrícolas, entre os membros das famílias que dependem da agropecuária no país. É qualitativamente distinto por exemplo, considerar uma família sem terra ou de um trabalhador por conta própria com terra, como pluriativos quando apenas um de seus membros possui uma ocupação agrícola secundaria, daquela família em que a maioria dos seus membros está efetivamente ocupado em atividades agrícolas e tem apenas ocupações secundárias fora desse setor. Evidentemente, não basta construir um índice que considere se as famílias são ou não pluriativas apenas em função do tipo de ocupação exercida pelos seus membros: é preciso também construir uma medida que dê conta do grau de pluriatividade. Para isso poderíamos considerar tanto o tempo de trabalho despendido nas atividades exercidas e não-agrícolas pelos distintos membros do grupo familiar, como também a renda por elas gerada.
É importante assinalar que o período que se usa para definir a ocupação principal afeta tanto o índice de pluriatividade, como o grau de sua intensidade. No caso das novas PNADs, tomar somente a semana como período de referencia e considerar apenas a ocupação principal das pessoas superestima o número de famílias exclusivamente agrícolas e, consequentemente, subestima o índice de pluriatividade na nossa agropecuária. Seria, portanto, relevante explorar também as estimativas com base no maior período de referência disponível – o ano anterior. Mas isso é tarefa para outra oportunidade.
Tabela 2: Pluriatividade considerando-se as ocupações principal e secundárias na semana de referência: Brasil,1995.
Ocupação principal do chefe do domicílio
Situação do domicílio
Urbano
Rural
Total
Sub-Tot
Rur/Tot
(1.000) (%) (1.000) (%) (1.000) (%) %
%
Empregador com terra
240
7,1
254
3,4
494
4,5
100,0
51,4
Agrícolas
108
3,2
167
2,2
275
2,5
55,6
60,6
Pluriativos
132
3,9
88
1,2
219
2,0
44,4
39,9
Agric + Agr.sec
3
0,1
14
0,2
17
0,2
3,4
84,9
Agric + Não Agr.sec
7
0,2
20
0,3
27
0,2
5,5
73,6
Conta própria com terra
731
21,5
2.950
39,4
3.680
33,8
100,0
80,1
Agrícolas
345
10,2
2.107
28,1
2.453
22,5
66,6
85,9
Pluriativos
385
11,3
842
11,2
1.228
11,3
33,4
68,6
Agric + Agr.sec
20
0,6
224
3,0
245
2,2
6,6
91,7
Agric + Não Agr.sec
26
0,8
119
1,6
145
1,3
3,9
82,2
Outros sem terra
2.432
71,5
4.290
57,2
6.722
61,7
100,0
63,8
Agrícolas
952
28,0
1.744
23,3
2.697
24,7
40,1
64,7
Pluriativos
1.480
43,5
874
11,7
2.353
21,6
35,0
37,1
Agric + Agr.sec
21
0,6
101
1,3
121
1,1
1,8
82,9
Agric + Não Agr.sec
8
0,2
14
0,2
22
0,2
0,3
62,3
Não Agric + Agr.sec
126
3,7
50
0,7
176
1,6
2,6
28,3
Não agrícola
-
-
1.260
16,8
1.260
11,6
18,7
100,0
Não Ocupados
-
-
413
5,5
413
3,8
6,1
100,0
TOTAL GERAL
31.476
100,0
7.494
100,0
10.896
100,0
-
68,8
Fonte: Tabulações Especiais da PNAD de 1995 realizadas pelo Projeto RURBANO.
Anexo
Notas metodológicas: domicílios ou famílias?
Qual unidade de análise devemos utilizar para o estudo da pluriatividade a partir das informações das Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílios - PNADs? Esta questão surge da revisão da literatura internacional onde os estudos sobre a pluriatividade se valem indistintamente da família ou do domicílio como unidade de análise.
Mas, nas PNADs existem dois “complicadores” para o uso puro e simples da unidade “família” ou “domicílio” tal como estão nos dados secundários: alguns domicílios possuem mais de uma família (até 4); estão considerados como membros tanto das famílias, como dos domicílios, os pensionistas, empregados domésticos e parentes de empregados domésticos.
Para tornar a discussão mais clara é interessante apresentar inicialmente os conceitos adotados pelas PNADs, para domicílios e famílias. Na PNAD de 1995 “conceituou-se como domicílio o local de moradia estruturalmente separado e independente, constituído por um ou mais cômodos.”
“A separação fica caracterizada quando o local de moradia é limitado por paredes, muros, cercas, etc., coberto por um teto, e permite que seus moradores se isolem, arcando com parte ou todas as suas despesas de alimentação ou moradia”.
“A independência fica caracterizada quando o local de moradia tem acesso direto, permitindo que seus moradores possam entrar e sair sem passar por local de moradia de outras pessoas.”
Ou seja, existem dois critérios básicos que definam o domicílio na PNAD: a separação e a independência. A separação está relacionada às “despesas de alimentação ou moradia”, enquanto que a independência diz respeito ao “acesso” aos lares.
Vejamos alguns exemplos da própria PNAD, fornecida como orientação no Manual do Entrevistador:
Ex. 1: Em um prédio de dois andares, residem duas famílias, uma em cada andar. Cada família arca com suas despesas de alimentação e moradia. Contudo, os moradores do segundo andar precisam passar pela sala do primeiro andar para chegar ao seu local de habitação. Neste caso, só fica satisfeita a condição de separação, que caracteriza a existência de apenas um domicílio no prédio;
Ex. 2: Em um terreno, além de uma casa, há um cômodo isolado, onde dorme o filho mais velho da família. O acesso a este cômodo é feito sem passar por dentro da casa. As suas despesas com alimentação e moradia ficam a cargo de seu pai. Neste caso, fica satisfeita a condição de independência, mais não a de separação, o que caracteriza a existência de um só domicílio.
Estes dois exemplos tornam claro como são conceituados os domicílios com mais de uma família. Estão misturadas aí duas situações distintas: uma da família com dependência econômica em relação a outra (alimentação ou moradia) e que moram sob o mesmo teto; a outra situação é caracterizada por uma situação física, no sentido de não ter acesso isolado ao lar.
Infelizmente, da forma como foi construída a amostra da PNAD, não é possível separar as duas situações. A partir da identificação do domicílio pelo entrevistador, as perguntas passam a ser todas coletivas. Não é possível, por exemplo, identificar o número de fogões ou geladeiras do domicílio; a PNAD se limita a perguntar se existe ou não fogão e/ou geladeira naquele domicílio. Tampouco é possível identificar a repartição familiar da renda e de outros recursos, porque a PNAD pergunta apenas o rendimento monetário obtido por cada membro do domicílio, mas não fornece elementos para analisar a distribuição das despesas internamente. Assim, não se pode verificar a dependência econômica entre os membros do mesmo domicílio.
Vejamos agora o conceito de família na PNAD de 1995:
“Considerou-se como família o conjunto de pessoas ligadas por laços de parentesco, dependência doméstica ou normas de convivência, que residissem na mesma unidade domiciliar e, também, a pessoa que morasse só em uma unidade domiciliar.
“Entendeu-se por dependência doméstica a relação estabelecida entre a pessoa de referência e os empregados domésticos e agregados da família; e por normas de convivência as regras estabelecidas para o convívio de pessoas que morassem juntas sem estarem ligadas por laços de parentesco ou dependência doméstica”.
“Definiram-se como famílias conviventes aquelas constituídas por, no mínimo, duas pessoas cada uma, que residissem na mesma unidade domiciliar.”
A PNAD de 1995 também argüiu sobre a “Condição na Família”:
“Dentro de cada família as pessoas foram classificadas em função da relação com a pessoa de referência ou com o seu cônjuge, de acordo com as seguintes definições:
Pessoa de referência - Pessoa responsável pela família ou que assim fosse considerada pelos demais membros da família;
Cônjuge - Pessoa que vivia conjugalmente com a pessoa de referência da família, existindo ou não o vínculo matrimonial;
Filho - Pessoa que era filho, enteado, filho adotivo ou de criação da pessoa de referência da família ou do seu cônjuge;
Outro parente - Pessoa que tinha qualquer outro grau de parentesco com a pessoa de referência da família ou com o seu cônjuge;
Agregado - Pessoa que não era parente da pessoa de referência da família nem do seu cônjuge e não pagava hospedagem nem alimentação a membro da família;
Pensionista - Pessoa que não era parente da pessoa de referência da família nem do pagava hospedagem ou alimentação seu cônjuge e a membro da família;
Empregado doméstico - Pessoa que prestava serviço doméstico remunerado em dinheiro ou somente em benefícios a membro(s) da família; ou
Parente do empregado doméstico - Pessoa que era parente do empregado doméstico e não prestava serviço doméstico remunerado a membro(s) da família.”
Para os domicílios, também se levanta a “Condição no Domicílio”, com os mesmos conceitos anteriores.
Note-se que a categoria outros parentes: inclui genros, sogros, netos e irmãos das pessoas de referência ou cônjuge. Destaque-se também que as pessoas de referência têm uma certa ascendência sobre os demais membros do domicílio ou da família. Em outras palavras, a segunda família reconhece a relativa autoridade da “pessoa de referência” (ou seu cônjuge) do domicílio.
A Tabela 1 mostra que dos trinta e dois milhões de pessoas que vivem no meio rural brasileiro, pouco mais de três milhões vivem em domicílios com mais de uma família, o que corresponde a quase 10% da população rural (PNAD, 1995). Considerando a População Economicamente Ativa (PEA), a fração que vive em domicílios com mais de uma família também é muito parecida: 9,6%.
Tabela 1: População Rural do Brasil, 1995 (1.000 pessoas).
População
Domicílios + 1 família
Total da população
%
PEA
1.674,5
17.532,5
9,6
População
3.165,2
32.024,1
9,9
Fonte: Projeto Rurbano, tabulações especiais.
Como se pode observar, a dimensão quantitativa da questão “Família ou Domicílio” é relativamente pequena em relação ao total da população. Mas ela afeta substancialmente o conceito de pluriatividade pois, quanto mais ampla for a unidade de análise, maior tenderá a ser o grau de pluriatividade das famílias ou domicílios.
A Tabela 2 apresenta a distribuição das pessoas que residem nos domicílios rurais com mais de uma família segundo a PNAD de 1995. Rio Grande do Norte, Maranhão e Piauí são os estados com maior população rural neste tipo de domicílio.
Para melhor compreender como estão estruturados os dados das PNADs, são destacados, a seguir, sete exemplos de domicílios. A tabela 3 apresenta o caso de um domicílio rural com mais de uma família no RN. São seis pessoas no domicílio: 3 na primeira família (que inclui a pessoa de referência do domicílio) e 3 pessoas na segunda família. A PNAD tomou como segunda família os pais da cônjuge (2) que residem no mesmo domicílio com mais uma filha, irmã da cônjuge (2). Ou seja, a família do sogro do responsável pelo domicílio foi considerada uma segunda família “independente” da primeira.
Tabela 2. Pessoas de domicílios rurais com mais de uma família. Brasil, 1995 (1.000 Pessoas).
Estados
Pessoas (1.000)
Rio Grande Norte
404,5
Maranhão
386,3
Piauí
343,7
Ceara
252,8
Goiás
247,2
Espirito Santo
192,9
Rio de Janeiro
160,2
Paraná
157,3
Mato Grosso
142,4
Rio Grande Sul
134,5
Minas Gerais
120,3
Pernambuco
113,7
São Paulo
108,4
Alagoas
85,1
Paraíba
69,3
Tocantins
67,5
Mato grosso Sul
62,5
Santa Catarina
41,3
Bahia
33,8
Sergipe
30,6
Distrito Federal
10,9
Rondônia 1
…
Acre 1
…
Amazonas 1
…
Roraima 1
…
Pará 1
…
Amapá 1
…
BRASIL
3.165,2
1 - A PNAD não faz levantamentos nas áreas rurais destes Estados.
Fonte: Projeto Rurbano, tabulações especiais.
Tabela 3: Exemplo de um Domicílio Rural do Rio Grande do Norte com mais de uma família, PNAD de 1995.
Ordem no do
Sexo
Idade
Posição no domicílio
Posição na família
Ordem da família
Nº de ordem da mãe
1
M
50
pessoa de ref.
pessoa de ref.
1
-
2
F
45
cônjuge
cônjuge
1
5
3
F
10
filho
filho
1
2
4
M
71
outro parente
pessoa de ref.
2
-
5
F
68
outro parente
cônjuge
2
-
6
F
33
outro parente
filho
2
5
Fonte: Projeto Rurbano, tabulações especiais.
Observe que se a mãe (5) da cônjuge residisse sem o esposo e a filha, ela seria definida como “outro parente” no mesmo domicílio, e integraria a primeira família; teríamos, então, somente uma família neste domicílio. Ela só passou a ser considerada como integrante de uma segunda família porque mora com o marido e a filha, já que a família na PNAD é constituída no mínimo por duas pessoas.
A tabela 4 apresenta o caso de um domicílio rural com mais de uma família no Maranhão, com 11 pessoas: 8 na primeira e 3 na segunda. A família secundária é formada pela filha (9) que reside no domicílio com mais dois filhos pequenos (netos da cônjuge ou pessoa de referência no domicílio). A situação da filha (9) é idêntica ao caso anterior: ela só constitui uma outra família por viver junto com seus dois filhos. Se apenas os netos morassem com os avós, eles seriam tidos como “outros parentes” de uma única família.
Tabela 4: Exemplo de Domicílio Rural do Maranhão com mais de uma Família, 1995.
Ordem no dom
Sexo
Idade
Posição no domicílio
Posição na família
Ordem da família
Nº de ordem da mãe
1
M
66
pessoa de ref.
pessoa de ref.
1
-
2
F
41
cônjuge
cônjuge
1
-
3
F
12
filho
filho
1
2
4
F
10
filho
filho
1
2
5
F
6
filho
filho
1
2
6
M
5
filho
filho
1
2
7
M
2
filho
filho
1
2
8
M
0
filho
filho
1
2
9
F
19
filho
pessoa de ref.
2
2
10
F
2
outro parente
filho
2
9
11
F
1
outro parente
filho
2
9
Fonte: Projeto Rurbano, tabulações especiais
A tabela 5 apresenta exemplo do Piauí de um domicílio rural com 9 pessoas, com uma família secundária representada pelo filha que mora com o marido no mesmo domicílio dos pais.
Tabela 5: Caso de Domicílio Rural do Piauí com mais de uma família, 1995.
Ordem no dom
Sexo
Idade
Posição no
domicílioPosição na
famíliaOrdem da família
Nº de ordem da mãe
1
M
44
pessoa de ref.
pessoa de ref.
1
-
2
F
40
cônjuge
cônjuge
1
-
3
M
17
filho
filho
1
2
4
M
13
filho
filho
1
2
5
M
11
filho
filho
1
2
6
M
7
filho
filho
1
2
7
F
3
filho
filho
1
2
8
M
20
outro parente
pessoa de ref.
2
-
9
F
19
filho
cônjuge
2
2
Fonte: Projeto Rurbano, tabulações especiais.
No caso de São Paulo temos um domicílio com uma mulher como pessoa de referência do domicílio, onde também vivem a sua mãe e irmão (família secundária).
Tabela 6: Exemplo de Domicílio Rural do Estado de São Paulo com mais de uma família, 1995.
Ordem no dom
Sexo
Idade
Posição no
domicílioPosição na
famíliaOrdem da família
Nº de ordem da mãe
1
F
49
pessoa de ref.
pessoa de ref.
1
4
2
M
22
filho
filho
1
1
3
M
16
filho
filho
1
1
4
F
63
outro parente
pessoa de ref.
2
-
5
M
40
outro parente
filho
2
4
Fonte: Projeto Rurbano, tabulações especiais.
Na tabela 7 apresentamos um exemplo de domicílio com agregados. Os agregados mãe e filho são considerados como uma outra família pela PNAD.
Tabela 7: Exemplo de um Domicílio Rural com mais de uma família e agregados, Estado de São Paulo, 1995.
Ordem no dom
Sexo
Idade
Posição no
domicílioPosição na
famíliaOrdem da família
Nº de ordem da mãe
1
M
36
pessoa de ref.
pessoa de ref.
1
-
2
F
41
cônjuge
cônjuge
1
-
3
M
17
outro parente
outro parente
1
-
4
F
17
outro parente
outro parente
1
-
5
F
37
agregado
pessoa de ref.
2
-
6
F
12
agregado
filho
2
5
Fonte: Projeto Rurbano, tabulações especiais.
O exemplo da tabela 8 mostra um domicílio rural com 3 famílias com sete pessoas no total. A pessoa de referência do domicílio é mãe da pessoa de referência da segunda família. A pessoa de referência do domicílio também é a mãe da pessoa de referência da terceira família.
Tabela 8: Exemplo de um Domicílio Rural do Estado de São Paulo com três famílias,1995
Ordem no dom
Sexo
Idade
Posição no
domicílioPosição na
famíliaOrdem da família
Nº de ordem da mãe
1
F
41
pessoa de ref.
pessoa de ref.
1
-
2
M
17
filho
filho
1
1
3
M
18
outro parente
outro parente
1
-
4
M
24
filho
pessoa de ref.
2
1
5
M
4
outro parente
filho
2
-
6
F
23
filho
pessoa de ref.
3
1
7
M
1
outro parente
filho
3
6
Fonte: Projeto Rurbano, tabulações especiais
Neste caso do Espírito Santo, o casal tem a mãe do cônjuge do domicílio (pessoa 3 com 91 anos), mais o filho que vive com a esposa e seus três filhos. Observe que a bisavó (pessoa 3) é tida como “outro parente” tanto no domicílio, como na família.
Tabela 9: Exemplo de um Domicílio Rural do Estado do Espírito Santo com mais de uma família, 1995.
Ordem no dom
Sexo
Idade
Posição no
domicílioPosição na
famíliaOrdem da família
Nº de ordem da mãe
1
M
76
pessoa de ref.
pessoa de ref.
1
-
2
F
72
cônjuge
cônjuge
1
3
3
F
91
outro parente
outro parente
1
-
4
M
37
filho
pessoa de ref.
2
2
5
F
35
outro parente
cônjuge
2
-
6
F
11
outro parente
filho
2
5
7
F
8
outro parente
filho
2
5
8
M
3
outro parente
filho
2
5
Fonte: Projeto Rurbano, tabulações especiais.
A tabela 10 mostra que somente as pessoas das famílias secundárias nos domicílios rurais, ou seja, depois de retiradas as pessoas da família principal, somam quase 1 milhão e quatrocentas mil pessoas. Quando tomamos a posição das pessoas no domicílio e nas famílias, pode-se observar que a grande maioria das pessoas de famílias secundárias são “filhos” ou “outros parentes” no domicílio. Os “agregados”, “pensionistas”, “empregadas domésticas e seus parentes” nos domicílios representam uma pequena minoria nas famílias secundárias: menos de 20 mil pessoas no total.
Tabela 10: condição na família e nos domicílios das pessoas pertencentes a famílias rurais secundárias, Brasil, 1995 (1.000 pessoas).
Condição no domicílio
Condição na família
Pessoa de referência
Cônjuge
Filho
Outros
parentesAgregado
Empregado
domésticoParente de
emp. dom.TOTAL
Pessoa de referencia
-
-
-
-
-
-
-
-
Cônjuge
-
-
-
-
-
-
-
-
Filho
346,9
64,9
-
-
-
-
-
411,8
Outro parente
135,8
164,2
642,7
11,1
-
-
-
953,9
Agregado
6,6
3,9
7,1
0,6
2,4
-
-
20,6
Pensionista
1,1
-
1,1
-
-
-
-
2,2
Empregado doméstico
2,2
0,3
-
-
-
-
-
2,5
Parente ed.
-
0,2
1,8
-
-
-
0,5
2,6
Total
492,5
233,6
652,8
11,7
2,4
0,0
0,5
1.393,5
Fonte: Projeto RURBANO, tabulações especiais.
O fato dos “outros parentes” (sogros, genros, netos, etc) serem considerados como uma família secundária, deve-se ao conceito de família na PNAD ser muito restrito. Todos que não estão enquadrados dentro da relação de dependência direta de pais/filhos são definidos como “outros parentes” e parte de uma família secundária se viverem com o cônjuge ou tiverem filhos.
A conclusão é que seria o domicílio e não a família a unidade da PNAD mais interessante para a análise da pluriatividade, não fosse a inclusão de outras pessoas sem laços de parentesco na unidade domiciliar. Está claro que os pensionistas, empregados domésticos e parentes de empregados domésticos, que moram no mesmo domicílio, não devem ser considerados para qualificar se uma família é ou não pluriatividade, já que estes não fazem parte das tomadas de decisões da família nem se utilizam de um mesmo fundo de recursos, comum aos demais membros. Entretanto, ainda restam os agregados que são pessoas “que não eram parentes da pessoa de referência da família, nem de seu cônjuge e não pagavam hospedagem nem alimentação a membro da família”.
Os agregados
Em 1995, contou-se 149 mil agregados economicamente ativos. Destes, 42,4% declararam residir no próprio local de trabalho.
Quanto a posição na ocupação, os agregados se subdividem em
empregados com carteira assinada
empregados sem vínculo formalizado
não remunerados
por conta própria
empregado doméstico
trabalhadores em produção para o auto-consumo
15,2%
42,1%
17,0%
11,0%
6,8%
6,0%
Ou seja, a grande maioria dos agregados se declarou como “empregados”, e a sua inclusão ou não na unidade de análise afeta as estimativas da pluriatividade. Mas consideramos que é importante eles serem mantidos como parte da unidade de análise, já que muitos agregados são tidos efetivamente como membros das famílias, dividindo recursos e participando das suas decisões.
Conclusões
Como procuramos demonstrar pelos exemplos relatados, os domicílios com mais de uma família constituem realmente, na sua grande maioria, uma única família extensa, que por força do conceito restrito da PNAD foram consideradas como duas ou mais famílias nucleares. As famílias secundárias constituídas por agregados, pensionistas ou empregados domésticos são minorias.
Por outro lado, se tomarmos pura e simplesmente os Domicílios como unidade de análise, estaríamos considerando também os pensionistas e empregados domésticos (e seus parentes). Criamos, assim, uma categoria intermediária nos dados das PNADs que chamamos de famílias extensas, constituídas dos membros dos domicílios menos os pensionistas e empregados domésticos (e seus respectivos parentes). Mantivemos os agregados na “família extensa” pela importância que estas pessoas tem em muitas unidades familiares, agindo como se fossem ligadas a elas por laços de parentesco.
Podemos estar assim incorrendo em erro, na medida em que alguns casos há uma separação de fato da renda e despesas das famílias, mesmo existindo laços de parentesco. Porém para a realidade brasileira, a relação de parentesco entre as pessoas do mesmo domicílio indica mais uma lógica de renda e consumo única ao redor do mesmo “fogo”, como sendo uma grande família.
É importante salientar que a exclusão dos pensionistas e empregados domésticos dos membros do domicílio ocorre somente para a classificação da unidade de análise em pluriatividade ou não. Ou seja, para levar em conta a combinação de atividades agrícolas e não-agrícolas, principal ou secundárias. Após essa caracterização da família extensa, todos os seus membros voltam a ser considerados na análise.
Notas
[1] É um Projeto Temático denominado “Caracterização do Novo Rural Brasileiro, 1981/95” que conta com financiamento parcial da Fapesp e que pretende analisar as transformações no emprego rural em onze unidades da federação (PI, RN, AL, BA, MG, RJ, SP, PR, SC, RS e DF). Para maiores detalhes consulte nosso site: http://www. eco. unicamp.br/projetos/rurbano.html
[2] Ainda que o conceito de pluriatividade seja vantajoso dada a sua natureza abrangente, pode ser argüido que a noção de diversificação e de agricultura a tempo parcial podem continuar a serem úteis para ajudar nas pesquisas empíricas. Por conta disso, os três conceitos ainda continuam sendo muito utilizados na literatura especializada de acordo segundo Evans, N. J. & B. W. Ilbery (1993). The pluriactivity, part-time farming and farm diversification debate. Environment and Planning, Great Britain 25: 945-959.
[3] Fuller, Antohony (1990). From Part-time to Pluriactivity: a decade of Change in Rural Europe. Journal of Rural Studies, Great Britain. 6(4): 361-373.
Bryden, John (1995). Pluriatividad Rural en Europa: El proyecto “Rural Change in Europe”. In: Real, E. & J. Villalón (coord.) Hacia un nuevo Sistema Rural. Madrid, Min. Agricultura, p. 459-481 (Serie Estudios).
[4] IBGE (1996). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, PNAD 1995: Síntese de Indicadores. Departamento de Emprego e Rendimento, Rio de Janeiro, 176p.
[5] Ou seja, excluímos os domicílios coletivos que se destinam “a habitação de pessoas cujo relacionamento se restringisse ao cumprimento de normas administrativas”; e os domicílios particulares improvisados, assim considerado aquele “domicílio localizado em unidade que não tivesse dependência destinada exclusivamente à moradia, tal como: loja, sala comercial, etc. Assim também foi considerado o prédio em construção, embarcação, carroça, vagão, tenda, barraca, gruta, etc. que estivesse servindo de moradia”. (IBGE, op. cit., p. XXVII).
[6] Segundo o IBGE (1996) entre os membros dos domicílios foram classificados como: “Pensionista - Pessoa que não era parente da pessoa de referência da família nem do seu cônjuge e pagava hospedagem ou alimentação a membro da família; Empregado doméstico - Pessoa que prestava serviço doméstico remunerado em dinheiro ou somente em benefícios a membro(s) da família; ou Parente do empregado doméstico - Pessoa que era parente do empregado doméstico e não prestava serviço doméstico remunerado a membro(s) da família.”
[7] Segundo o IBGE (1996) foi considerado agregado “a pessoa que não era parente da pessoa de referência da família nem do seu cônjuge e não pagava hospedagem nem alimentação a membro da família”. A maioria dos 149 mil agregados rurais ativos registrados pela PNAD em 1995, além de residirem no próprio local de trabalho (42,4%), declararam-se ou empregados sem vínculo formalizado (42,1%),ou não remunerados (17%),ou por conta própria (11%) ou ainda trabalhadores produzindo para o próprio consumo (6%). Apenas 15,2% declararam-se empregados com carteira assinada e outros 6,8%, empregados domésticos. Estamos conscientes que a inclusão dessa categoria de agregados que são empregados, que somam quase 100 mil pessoas em 1995, pode levar a uma pequena superestimativa da pluriatividade entre as famílias extensas.
[8] Ver a respeito: Graziano da Silva & Del Grossi (1997). A Evolução do Emprego não Agrícola no Meio Rural Brasileiro, 1992-95. Anais do XXV Encontro Nacional de Economia, Anpec, Recife, vol. 2 p. 940-954.
[9] Graziano da Silva e Del Grossi (1997).
[10] Nas “PNADs” anteriores a 1992, a ocupação principal era definida pelo trabalho remunerado ao qual a pessoa dedicou maior número de horas na semana de referência; nas novas, pelo maior tempo de ocupação nos 365 dias anteriores. Na verdade, são duas modificações simultâneas na definição da ocupação principal: troca-se o critério de remuneração pelo tempo de ocupação; e amplia-se o período de referência da semana para o ano anterior à data da pesquisa. Essas modificações tendem a afetar especialmente aqueles ramos de atividades nos quais é freqüente o trabalho não remunerado e/ou o trabalho precário, seja pela intermitência, seja pela baixa remuneração, como é o caso do pequeno comércio e da prestação de serviços pessoais, além da própria agricultura. Para maiores detalhes veja-se Graziano da Silva e Del Grossi (1997). A mudança do conceito de trabalho nas novas PNADs. Economia e Sociedade. Instituto de Economia - Unicamp. Campinas, 8: 1-16 (jun.).
[11] Isso significa não considerar como pluriativas 161 mil famílias urbanas e outras 48 mil rurais que declararam ter pelo menos um de seus membros ocupados em atividades agrícolas durante o ano anterior. Ou seja, esse subconjunto de 209 mil famílias foi considerado como não agrícola por termos considerado apenas a semana anterior como período de referência.
[12] Se considerássemos apenas a ocupação principal dos membros das famílias, o índice de pluriatividade cairia para 28% e as famílias exclusivamente agrícolas aumentariam para 56% do total das famílias urbanas com atividades agropecuárias mais as famílias rurais, que é o total que estamos considerando.
[13] Como mostramos em outra oportunidade, os desempregados que residem no meio rural estão localizados em sua maioria em pequenos e médios municípios do interior do país. Ver a respeito, Graziano da Silva (1997). Testando as novas aberturas das PNADs. Anais do 35º Congresso Brasileiro de Economia e Sociologia Rural, Brasília, p. 114-146. (ago/97).
[14] Como a pesquisa realizada com os dados da PNAD de 1990 por Leone, E. (1985) famílias Agricolas no meio urbano. In: Reydon, B. e P. Ramos (org.). Agropecuária e Agroindustria no Brasil. Campinas, Abra, p. 151-172 .