Estudos Sociedade e Agricultura

autores | sumário

 

Paulo Teixeira Iumatti

Caio Prado Jr. e as Ciências Naturais: sua apreensão das transformações epistemológicas da virada do século XIX


Estudos Sociedade e Agricultura, 14, abril 2000: 103-128.

Resumo: Neste artigo, procuramos explicitar o modo como traços fundamentais da escrita historiográfica de Caio Prado Jr., no livro Formação do Brasil Contemporâneo, estiveram vinculadas a um peculiar deslocamento, no plano da história, do problema da relação entre, de um lado, a tradição “iluminista” e positivista dos meios científicos franceses nos anos 30 e, de outro, as questões levantadas pela revolução científica e epistemológica ocorrida na virada do século XIX para o século XX - discutidas, à luz do marxismo, nesses mesmos meios.

Palavras-chave: Trocas culturais; historiografia; ciência.

Abstract: Caio Prado Jr. and the Natural Sciences: his understanding of the epistemological transformations at the turn of the XIX century. In this article we try to demonstrate how fundamental characteristics of Caio Prado's historigraphy, in the book "The Formation of Contemporary Brazil" were tied to a particular displacing, on the historical plane, of the problem of the relation between the enlightenment and positivist tradition in French scientific circles during the '30s, and questions raised by the scientific and epistemological revolution at the turn of the last century - discussed in the light of marxism within these same circles.

Key words: Cultural exchanges, historiography; science.

Paulo Teixeira Iumatti é doutorando da área de História Social da USP


Para avaliarmos a obra de Caio Prado Jr. dentro do debate pós-colonial e historiográfico é preciso discernir traços e padrões intertextuais da relação de seu pensamento com as transformações epistemológicas da virada do século XIX ao XX, sintetizadas por Gaston Bachelard – na interpretação de Gattinara. As múltiplas vozes que se mesclam na criação ou nos "deslocamentos discursivos" do escritor paulista remetem a uma tradição intelectual com raízes na especificidade assumida pela Ilustração no Brasil e em Portugal no século XVIII, à sensibilidade peculiar de setores das elites brasileiras no vértice do contato dinâmico com a cultura universitária francesa transplantada para a organização da Universidade de São Paulo, e a uma relação ambígua e bastante original com o marxismo francês da década de 30.

Nesse viés particular, o complexo de relações dialógicas que se constitui na formação do pensamento de Caio Prado Jr. assume diversas formas. Uma delas, que se entrelaça, de um certo lado, com suas características sociais e pessoais, diz respeito a um traço comum da tradição intelectual marxista, dos cientistas na época do Front Populaire e de todo um ambiente cultural que o escritor vivenciou intensamente ao longo dos anos 30. Trata-se da herança do Iluminismo e do Republicanismo, tão vivo para figuras como Lucien Febvre, Henri Berr, Jean Perrin e Paul Langevin. Assim, coloca-se o problema da relação entre a tradição "iluminista" e positivista nos meios científicos franceses nos anos 30 e as questões levantadas pela revolução científica e epistemológica ocorrida na virada do século XIX para o século XX - discutidas, à luz do marxismo, nesses mesmos meios. Veremos neste artigo que as inovações introduzidas por Caio Prado Jr. na escrita historiográfica marxista em inícios da década de 40 se relacionam a um peculiar deslocamento dessas questões para o plano da História.

Em seu livro clássico de 1942, Caio Prado Jr. conferiu, aos brasileiros que estudaram na Europa em finais do século XVIII e começos do século XIX e sofreram a influência do pensamento cientificista, empirista e racionalista da Ilustração, um especial destaque no processo de conhecimento do país. Da mesma forma, demonstrou, até certo ponto, uma relativa simpatia com os viajantes estrangeiros naturalistas que visitaram o Brasil ao longo do século XIX. Ora, a Ilustração no Brasil teve um caráter extremamente conservador; do pensamento dos filósofos oitocentistas, só tiveram larga difusão –e, ainda assim, sob os auspícios do Reino português– aqueles traços compatíveis com uma estrutura social escravocrata e colonial (Dias, 1969).

Situando-nos nessa perspectiva, uma porta de acesso ao universo de Caio Prado nos é dada pela lista de revistas que ele importou da França a partir de 1931. Seu livro de contas correntes registra pagamentos a diversas livrarias e revistas – embora nem sempre haja a especificação dos livros e periódicos correspondentes. Contudo, saltam aos olhos algumas informações. Caio Prado Jr. assinava revistas americanas e sobretudo francesas. Em Paris, um certo Louis Cousin, a quem eram enviados pagamentos todos os meses, cuidava das assinaturas de revistas e jornais.

Mais curioso ainda é o fato de que entre 1931 e 1934, período de descoberta do marxismo, os registros do livro de contas são antes de tudo relativos a revistas de atualidades políticas e econômicas. A partir de 1934, ano em que Caio Prado freqüentou na USP os cursos de Geografia Humana ministrados por Pierre Deffontaines e os de Filosofia por Jean Maugüé, registram-se assinaturas das revistas The American Geographical Society, Cahiers Rationalistes e Annales d’Histoire Economique et Sociale.

Tendo estudado os aspectos filosóficos do marxismo através de seus textos clássicos conhecidos na época, Caio Prado Jr., quando escolheu os cursos que seguiria na recém fundada USP, perseguia já um determinado viés.

Inicialmente, observemos que os campos abrangidos por esses cursos não poderiam ser mais amplos: um deles, o das relações entre a vida humana e a natureza no tempo e no espaço; o outro, a reflexão sobre o problema do próprio conhecimento.

Caio Prado Jr. tinha uma personalidade bastante abrangente, de interesses multifacetados. Cedo demonstraria talento para as diversas áreas do conhecimento, da Matemática e da Biologia até a História, a Filosofia e a Literatura. Seus boletins escolares do colégio São Luís mostram que ele foi sempre um aluno brilhante tanto em Matemática como em Português. Esse espectro amplo de talentos, ao longo dos anos, seria afunilado de modo a quase excluir, dentre outras disciplinas, a Literatura. Aptidões seriam sublimadas: a inclinação para o desenho se reduziria à elaboração de mapas nos trabalhos de Geografia e História.

Dotado de uma inteligência ímpar, Caio Prado Jr. tinha tanto facilidade para o mais abstrato raciocínio matemático como sensibilidade para a literatura e certo gosto pelas coisas concretas e práticas. Este último, aliás, é de longe sua característica mais significativa, e relaciona-se com uma formação pessoal bem peculiar: nas fazendas de sua família, e como filho do sexo masculino, ele vinha, desde muito cedo, entrando em contato com as especificidades da exploração da natureza, da produção agrícola e pecuária – os diferentes tipos de gado e métodos de plantação. É bem provável que isto, junto ao talento para o raciocínio lógico e para as ciências naturais, incliná-lo-ia, mais tarde, para um dos aspectos do marxismo mais tributários do cientificismo dos séculos XVIII e XIX: o da "unidade do conhecimento" e da dialética como método passível de ser aplicado à natureza.

Com 17 anos, escolhendo a faculdade de Direito, o jovem se enredou nas humanidades, demonstrando apego à família e à sua classe social, e abrindo caminho para a política, a economia e a literatura – o que, aliás, fazia-se "natural" por sua própria posição social e, em verdade, era esperado e desejado por "todos".

Entretanto, dentro do meio brasileiro e dada a alternativa, para ele possível, de viver sem trabalhar, o jovem não tinha o futuro definido após graduar-se. Amplas possibilidades se abriam, e suas múltiplas capacidades tornavam angustiante a escolha. Que caminho seguir? Como discernir o que devia ou não ser priorizado? Em vista de seus talentos, a escolha tinha de ser definitiva; e, com a sua rigorosa formação, tinha de ter um componente predominantemente moral e preservar um vasto horizonte para seus ambiciosos projetos intelectuais.

A solução –afastar-se do Direito e tornar-se um escritor e político marxista– implicava uma ruptura com as sufocantes expectativas que se colocavam para ele (não se imaginava de seu futuro nada menos que uma brilhante carreira de político, homem de negócios e escritor), e que ele mesmo, ambicioso, colocava para si mesmo. E a única compensação seria, embora pelo caminho inverso, a busca do reconhecimento: revés da culpa que o acompanharia pela ruptura.

Nesse momento de escolhas, os fatores aqui apontados giravam em sua mente, alteravam seu humor e tornavam febris suas buscas intelectuais. No marxismo, e superada uma breve fase de sectarismo, Caio Prado Jr. encontraria espaço para vislumbrar sentido em desdobramentos nos campos da Psicologia, da Antropologia, da Física, da Biologia e da Matemática.

Contudo, só isso não explica o fato de seus interesses multifacetados e diletantes terem sido preservados ao longo de sua trajetória. A amplitude de assuntos sobre os quais publicou livros e artigos é surpreendente e desafiadora. Para que a compreendamos, havemos de levar em conta que o essencial da formação de Caio Prado Jr. deu-se na ausência da pressão de um meio acadêmico do qual dependesse e que o empurrasse, sutil porém eficazmente, no sentido da especialização. A quase completa liberdade que lhe era proporcionada por sua família deixava seu espírito livre, apenas orientado pela criatividade, pela responsabilidade social e por sua vontade de participação política e social. Parecerá talvez fácil relacionar a "universalidade" a que Caio Prado Jr. aspirou ao modo "ensaístico" da produção intelectual brasileira do começo do século, à falta de profissionalização dos meios literários. Entretanto, por seu tom por vezes digressivo, assim como pela evocação, em seu discurso historiográfico, ao "homem brasileiro médio", formado em Direito, versado na cultura greco-latina e nos rudimentos da filosofia e da literatura ocidental, ele parece de fato transpirar essas características do meio.

E, no entanto, não só participou dos primeiros passos da vida acadêmica no Brasil, mas criou laços de afinidade intelectual com pesquisadores franceses, e chegou a participar, informalmente, da vida acadêmica européia. No processo, absorveu concepções, padrões de demonstração, análise, verificação e avaliação.

Na recém fundada Universidade de São Paulo, Caio Prado Jr. seguiu os cursos de Filosofia, ministrados por Jean Maugüé, e de Geografia, dados por Pierre Deffontaines. Não nos é ainda possível avaliar o significado que para ele tiveram os cursos de Jean Maugüé. Assinalemos, todavia, que dentre os pensadores estudados incluíam-se Hegel, Marx e Freud. Para o professor, seu auditório comportava "brilhantes representantes dos fazendeiros locais, das mulheres muito elegantemente vestidas. (...) Com eles, havia também gente muito séria, como Caio Prado Jr. (...)" (cf. Petitjean, 1996).

Já sobre o curso ministrado por Pierre Deffontaines, algumas palavras se impõem. O impacto que sobre Caio Prado Jr. causou seu contato com a Geografia Humana foi enorme. Em um depoimento da década de 70, o intelectual evocava esse contato, e em particular a memória do professor Pierre Deffontaines. Segundo Caio Prado Jr., Deffontaines não era um grande escritor, mas tinha o dom de empolgar seus alunos com o trabalho. Um certo "antiintelectualismo" manifesto na rejeição ao conhecimento puramente livresco, a simpática personalidade e a humildade intelectual de Deffontaines cativaram Caio Prado Jr., além de terem-no dotado de um método para algo que já fazia intuitivamente: o "trabalho de campo".

Desde cedo Caio Prado Jr. acostumou-se a viajar pelo mundo e desenvolveu gosto pela viagem como meio de conhecimento. A observação direta do mundo à sua volta, das condições de vida dos trabalhadores, era um dos aspectos dos trabalhos de Marx e Engels que mais o havia impressionado. É esta, sem dúvida, uma das fontes de seu interesse pela Geografia e também da empatia que o tomava ao ler os viajantes europeus e ilustrados brasileiros que percorreram o Brasil entre finais do século XVIII e começos do século XIX.

Apesar de avessa aos determinismos, marcada pelo "possibilismo" e aberta a um estilo interpretativo, a Geografia inspirada na obra de Vidal de Lablache, no contrapé do historismo alemão, era uma disciplina a meio caminho da abordagem dos fatores humanos e naturais (Ferro, 1985). Nem sempre encontrava um caminho equilibrado e dialético para o estudo das interações entre a vida humana e seu meio geográfico, e freqüentemente privilegiava o fator "natureza". Contudo, situada numa encruzilhada de diversas tendências, a Geografia Humana deixava espaço aberto tanto para os interesses enciclopédicos de Caio Prado Jr. como para a interpretação dialética dessas mediações – em sua concretude e sensualidade.

II

Encontramos, desta forma, alguns aspectos importantes para entendermos porque Caio Prado Jr. escolheu freqüentar os cursos de Filosofia e de Geografia quando a USP foi fundada. Essas escolhas determinaram, em parte, sua assinatura das revistas supracitadas: The American Geographical Society, Annales d’Histoire Economique et Sociale e Cahiers Rationalistes.

A partir do estudo dessas três revistas – e poderíamos acrescentar a Revue de Synthèse Historique – teremos elementos fundamentais para compreendermos a trajetória intelectual de Caio Prado Jr. até sua viagem a Paris e sua obra Formação do Brasil Contemporâneo. Tais elementos nos darão preciosos indícios de uma determinada escolha filosófica que norteou, junto a outros fatores, e por mediações de toda sorte, essa trajetória. A seguir, limitaremo-nos a algumas palavras sobre os Cahiers Rationalistes.

Antes de tudo, cumpre sublinhar que mais do que assinante e leitor dos Cahiers Rationalistes, Caio Prado Jr. tornou-se membro da Union Rationaliste. Em seu livro de contas correntes, vê-se um pagamento para sua cota de membro efetuado em março de 1935 – mais ou menos a época em que começou seu contato com o professor Pierre Monbeig. A revista –senão um contato mais direto com membros da "Union"– parece ter empolgado bastante o escritor, já que nessa mesma data fez uma assinatura por dois anos. Em 1937, ano de sua partida para Paris, renovou-a.

Em 1936, depois de seguir os cursos de Deffontaines e Monbeig, e tendo se tornado amigo de ambos, não foi em Geografia e História que Caio Prado Jr. esteve matriculado, mas sim na subsecção de Ciências Naturais da USP, como ouvinte (Anuário, 1937, 313). No primeiro ano dessa subsecção eram ministrados cursos de Zoologia Geral e Fisiologia animal, Botânica, Biologia Geral, Mineralogia, Química e Física Geral e Experimental.

Podemos encarar esse fato como um desdobramento do seu interesse pela Geografia Humana, sobretudo no que se refere à análise do mundo natural e da leitura das paisagens. É curioso, aliás, que o conhecimento do país em suas características naturais, guiado por professores estrangeiros, tenha reproduzido, de certa forma, o percurso de descoberta dos relatos descritos por viajantes estrangeiros do século XIX; inseria-se, assim, numa herança intelectual ainda muito viva para as elites brasileiras.

Em 1935, participando ativamente da Associação dos Geógrafos Brasileiros – de cujas reuniões era o redator – e também como contribuidor regular de sua revista, a Geografia, Caio Prado Jr. escreveu, ao lado de breves notas sobre trabalhos das áreas de Geografia Agrícola e Urbana, Antropologia, Demografia e Economia, resenhas de artigos sobre a composição geológica do "loess" na China setentrional, a distribuição das zonas de terremotos na superfície da Terra e o movimento dos glaciares, e ainda um comentário sobre o livro do geólogo Guilherme Bastos Milward, Contribuição para a Geologia do Estado de Goiaz.

A tônica geral desses escritos é a avaliação e divulgação, para o público "interessado", da contribuição concreta que tais trabalhos traziam e a crítica ao método que em geral empregavam: o apego a detalhes individualizados, observados, descritos e por vezes analisados, junto à fuga das "apreciações geraes", das "conclusões", das "interpretações". Estudando em profundidade as chamadas "ciências naturais", Caio Prado Jr. certamente pretendia dominar um instrumental que lhe permitiria compreender as interações entre natureza e ocupação humana, e também entrar no debate com os diversos especialistas, desafiando-os à interpretação, à síntese, à reflexão filosófica. É nesse contexto que devemos entender sua adesão não só à Union Rationaliste, mas às perspectivas abertas pelo Centre Internationale de Synthèse, de Henri Berr, e pela Encyclopedie Française, de Lucien Febvre[1].

Sendo membro da Union Rationaliste, Caio Prado Jr. assumia um compromisso justamente na divulgação da ciência e na reflexão sobre seus desdobramentos mais gerais. É este um aspecto bastante profundo, e em consonância, é claro, com o pensamento de Marx, Engels e Lenin, e com as heranças do iluminismo e do positivismo. Mais tarde, a partir de 1944, Caio Prado Jr. publicaria em sua editora, a Brasiliense, obras de divulgação como A Ciência e o Mundo Moderno, de Whitehead, e outras, de médicos, sanitaristas e especialistas das mais diversas áreas científicas, professores comunistas da USP que abordavam questões de seu métier à luz dos problemas sociais e econômicos do país.

Em nossa pesquisa, ainda não tivemos acesso aos Cahiers Rationalistes; contudo, algumas referências a eles aparecem na bibliografia que temos consultado. A Union Rationaliste foi fundada em 1930 por Henri Roger, Ernest Kahane e Henri Laugier (Petitjean, 1996: 163) e tinha por meta, segundo os termos de seu primeiro presidente Henri Roger, "propagar e fazer melhor conhecer o progresso da ciência, fazer apreciar os serviços que ela prestou e prestará à humanidade." (cf. Laberene, 1950: 131). De acordo com Pascal Ory, dela também faziam parte os físicos Jean Perrin, Langevin, F. Joliot-Curie, o matemático Borel, além de Paul Rivet e outros (Idem: 493-494). Ou seja, em torno dela girava parte da elite científica francesa. Com Langevin, o cientista britânico Bernal participou também da União, cuja principal tarefa de popularização da ciência é destacada por Petitjean (1996).

Segundo Laberenne (1950: 131), no momento de sua fundação a União aparecia como um "prolongamento do pensamento progressista burguês que havia inspirado os homens de 1789", com sua fé numa razão abstrata e sua crença em um progresso indefinido em que tinha papel motor a ciência. O físico Langevin, um dos fundadores da Union, que vinha dos mesmos horizontes filosóficos –mas cujo pensamento já se orientava para um racionalismo marxista–, teve, desde o começo, um papel preponderante, chegando a presidi-la a partir de 1938.

De acordo com Petitjean (1996: 162), o fato de que nesse período as conexões políticas estavam profundamente interligadas com os laços profissionais, e enraizadas em associações profissionais ou instituições, originou os movimentos de "frente popular" no campo da ciência – "scientific popular fronts", no dizer de Werskey (Idem: 186). A Union Rationaliste seria uma dessas organizações em que cientistas socialistas associavam-se a colegas reformistas, alguns deles aderindo ao liberalismo ou ao humanismo científico. Tais organizações se dispersaram rapidamente depois da guerra (Idem: 186).

Assim, tratava-se de cientistas de alto nível, engajados numa frente relativamente heterogênea que se dispunha a divulgar a ciência. Isto refletia o engajamento social desses cientistas - muitos dos quais participavam de outras atividades para a popularização da ciência, falando e escrevendo para milhares de pessoas em conferências públicas, livros, colunas em jornais, transmissões de rádio, participando também em vários movimentos relacionados aos problemas da educação (Idem: 186). Este caráter de "Frente Popular" também se manifesta na participação de cientistas que se consideravam marxistas, como Langevin, em organizações e projetos heterogêneos, tais como o Centre Internationale de Synthèse, de Berr, e a Encyclopedie Française, de Febvre.

A defesa, popularização e organização de uma ciência una e multidisciplinar estavam na base de todos esses projetos, e mais ainda na organização internacional de cooperação intelectual e na idéia que motivou a criação do Palais de la Decouverte. Segundo Petitjean (1996: 162-3), as concepções que impulsionaram o surgimento do Palais remontavam à mesma tradição:

Dedicated to the popularization of science and built for the International Exhibition of 1937, the Palais was actually the temple of science and modern rationalism. On this occasion, a large scientific conference, with many disciplinary congresses, were organized. Langevin, J. Perrin and Perrin, Wurmser, Auger and F. Juliot-Curie were the Official Committee. Needham attended the biology congress, Bernal and Crowther were among the invited British scientists. A ‘month for intellectual cooperation’ was organized, in addition to which there was a meeting of the ‘Society of Minds’, a conference of national commissions for intellectual cooperation, etc.

Caio Prado Jr., tendo chegado em Paris em 20 de outubro de 1937, teve pouco mais de um mês para ir à exposição, o que fez com extrema atenção e interesse - embora destacasse, numa das cartas que escreveu a seus pais, que teriam sido necessários vários meses para dar conta de sua "maior parte". Nessa carta, informou que não havia gostado dos pavilhões estrangeiros, mas que os das províncias francesas, o "setor colonial" e "todas as demais seções francesas de arte, ciência etc. ultrapassaram em tudo que se podia imaginar." Tanto pela apresentação como pelo interesse que ofereciam, não parecia possível mostrar melhor as "realizações modernas em todos os terrenos." (Prado Jr, 1937: 3-4).

Esse comentário é extremamente significativo. Durante a exposição de 37, os temas das mostras no Palais eram as relações entre arte e ciência. Na semana de síntese ocorrida entre 18 e 22 de maio desse mesmo ano –a exposição abriu dois dias depois– , Paul Valéry discutiu a "invenção" nas artes em contraposição à "descoberta" no campo da ciência.[2] O assunto foi também abordado por Jean Perrin em sua palestra na ocasião da abertura do Palais.

O leit motiv das exposições do Palais eram, segundo Ory, as "etapas do Progresso". Já os diversos pavilhões de "Paris 1937", escreve August, visavam à glorificação de todos os aspectos do progresso industrial. De acordo com o Comissário Geral da exposição, Labbé, "Paris 1937" demonstraria tecnicamente como as condições morais e materiais da vida francesa poderiam ser melhoradas. A mostra do "Comité des techniques appliquées à la mécanique française" abordava, por exemplo, as melhorias na vida diária propiciadas pela máquina, "um ponto de vista compartilhado pelos representantes do trabalho e da indústria na Exposição de 37." Com o planejamento apropriado, a uma vez já temida máquina poderia se tornar um agente de lazer e liberação. Nas palavras do mesmo autor:

A nearby model enterprise confirmed a machine age of healthy and unalienating work conditions. Instead of a capitalism gone mad and beyond the control of society as depicted by certain writers and artists, Paris 1937 showed the imminence of toilless labor. The colorful murals of Fernand Léger captured the spirit of industrial paradise awaiting the worker. The pavilions housing the latest developments in cinema, aviation, and the automobile heralded a universe of time and space ever more within the grasp of the rational mind. Man could control his environment. (August, 1980: 43-45).

Nesse aspecto peculiar, a atmosfera da exposição rescindia uma tradição que remontava aos Enciclopedistas, a Saint-Simon e a Comte:

It was rather Voltaire, Mandeville, Montesquieu and the Encyclopaedists who associated increased wealth with progress, a point of view vigorously adopted by the English Utilitarians. Saint-Simon was perhaps the first to adapt this enthusiasm to a socialist blueprint, and it was he more than any other theorist who anticipated the ideology of the fellow-travellers, which might be described as left-wing technocratic totalitarianism.(...) in a work published in 1825 Saint-Simon envisaged scientists, industriels and artists as members of a projected administrative élite presiding over the future socialist state, a vision elaborated later by his former secretary, Comte, who naturally entrusted the guidance of a scientific and industrial society to those who understood science and production – the savants.(...) (Caute, 1973: 260-1).

Bem ao espírito das frentes populares da época, o Palais de la Solidarité, por sua vez, traçava a história da intervenção do Estado em favor do bem-estar social, da educação primária gratuita e da legislação sobre o trabalho infantil, desde seu início no artigo 21 da "Declaração dos Direitos do Homem". A França aparecia como o berço da responsabilidade social – uma história particularmente relevante na implantação imediata das grandes reformas industriais de junho de 1936, a semana de trabalho de 40 horas e as férias anuais pagas (August, 1980: 44).

O Palais teve um sucesso estrondoso de público, apesar das críticas de certos setores da esquerda, que observavam que algumas de suas seções não haviam respeitado o programa historicizante (e evolucionista) de Perrin, além de destacarem as lacunas e a insuficiente sistematização de apresentação na seção médica – a qual ainda tinha a falha de silenciar a respeito das chagas sociais do câncer, da sífilis e da tuberculose. A despeito disso, e em decorrência de seu sucesso, o Palais consolidou-se, e por iniciativa de Perrin foi associado à universidade, concretizando o projeto de torná-lo a "grande Université Populaire plongeant ses racines dans le peuple de Paris, dans le peuple de France." (Ory, 1994: 479-483).

É muito provável que o aparente sucesso do projeto de popularização da ciência tenha causado forte impressão sobre Caio Prado Jr. – que certamente viu nele um modelo a ser adaptado, seguido e perseguido no Brasil. Aliás, toda a experiência de organização e reestruturação da ciência na França, a qual culminou na criação do CNRS, foi presenciada pelo intelectual. Anos depois, em 1947, quando deputado estadual pelo PCB, ele propôs a criação de uma fundação de amparo à pesquisa em São Paulo – idéia que mais tarde resultaria na criação da Fapesp.

Muitos elementos ideológicos presentes na atmosfera intelectual da Paris da década de 30 já vinham sendo recebidos por Caio Prado Jr. quando estava no Brasil, através dos professores franceses, dos jornais e revistas que assinava (inclusive os Cahiers Rationalistes), dos livros que importava e mesmo, em certos aspectos, por intermédio da própria tradição intelectual brasileira, em que tão intrinsecamente estavam enraizados o iluminismo, o positivismo e o prestígio cultural francês.

Na França, muitos dos cientistas que participaram de todo aquele movimento representado pela Union Rationaliste e que em meados de 1937 vinha alcançando seu auge, fundariam, ao lado de Prenant e Wallon, em 1939, a revista La Pensée – revue du rationalisme moderne. O periódico viria a se tornar um elo importante entre o PCF e o mundo acadêmico, notadamente depois de 1945 (Lichtheim, 1968: 87).

O percurso dos membros da Union Rationaliste que participaram da fundação de La Pensée é emblemático da trajetória política e ideológica de parte significativa dos meios científicos franceses ao longo da década de 30. É certo que, já no final do século XIX, a maioria dos cientistas que haviam expresso seu engajamento político o haviam feito à esquerda.[3] Mas, de acordo com P. Ory, entre 1935 e 1938 os meios científicos alcançaram um de seus picos em termos de politização, a qual foi incorporada na própria produção científica: vários médicos psiquiatras, discípulos mais de Gustave Le Bon que de Pinel, relatavam em 1937 ante a "Sociedade Médico Psicológica" sobre os "Delírios da Greve" - objeto também de uma publicação do professor Delmas-Marsalet; no ano seguinte, o psiquiatra Maurice Leconte defendeu sua tese sobre a relação entre os conflitos sociais e as psicoses; no começo da guerra da Espanha, a imprensa fez eco a um protesto de vários médicos contra um texto em que o ultradireitista doutor Thierry Martel vituperava contra os apóstolos da paz da Frente Popular Espanhola.

As obras do zoólogo Prenant sobre biologia e marxismo, as denúncias por Labérenne dos vícios do pensamento matemático burguês em Os Matemáticos e a Técnica e os textos da coleção À la Lumière du Marxisme (ambos prefaciados por Wallon), fazem parte desse contexto. A morte de Pavlov, no começo de 1936, foi a ocasião de manifestações de homenagem em meio às organizações comunistas, destinadas a celebrar o pensador materialista e a organização soviética da pesquisa científica (Ory, 1994: 474-5).

A que tipo de teoria teria tido acesso Caio Prado Jr. através de todo esse movimento? Teria sido a um simples cientificismo vulgar?

A pergunta não é trivial, já que a época do Front Populaire chegou a ser celebrada como "uma data primordial no encontro entre ciências da natureza e marxismo." (Sève, 1989). O destaque ao "materialismo dialético" é um dos traços da conjuntura específica da década de 30. Nesse período, cientistas de alto nível como Perrin e Langevin se interessaram pela filosofia marxista da natureza – e os motivos desse interesse têm sido apontados por diversos estudiosos. Contudo, que características do próprio marxismo teriam favorecido tal interesse ?

Em nossa visão, essas características dizem respeito ao fato de que os modelos teóricos marxistas apresentavam-se, na época, como essencialmente ambíguos com relação às revoluções epistemológicas por que vinham passando os diversos ramos das ciências "exatas" e "naturais" a partir de finais do século XIX. Por exemplo, ao mesmo tempo em que a filosofia marxista baseava-se no rompimento entre o dualismo entre sujeito e objeto do conhecimento, dualismo que vinha sendo contestado pelas descobertas científicas e reflexões epistemológicas dessa época, enraizava-se na tradição do cientificismo e positivismo do século XIX. Havia, assim, dentro do marxismo, um elemento de abertura e outro de fechamento, convivendo tensamente e permitindo leituras as mais diversificadas. Nas obras de cientistas como Jean Perrin, Langevin e Marcel Prenant percebem-se claramente oscilações, ecletismos, inovações e persistências. As persistências e ecletismos têm sido abordados de forma bastante convincente pelos historiadores.

Para Lichtheim, os fundadores de La Pensée, ex-participantes dos Cahiers Rationalistes, aderiram a um materialismo "mecânico" que devia muito mais aos Enciclopedistas que a Hegel (Lichthenim, 1968: 87). Indícios apontam para certa continuidade entre o pensamento de membros da Union Rationaliste em 1930 e o de La Pensée, em 1939: segundo Laberenne, todos os fatores políticos, sociais e ideológicos que levaram os cientistas de países como a Inglaterra e a França a simpatizarem com a esquerda, ou a se engajarem nela, fizeram com que esses cientistas não tardassem a "aprofundar o conteúdo da noção de progresso e mesmo o da noção de razão".[4] Assim, houve um "aprofundamento" das noções de progresso e razão, e não uma ruptura com as mesmas.

De acordo com Petitjean, na década de 30 ocorreu o ressurgimento de um positivismo triunfante; os cientistas progressistas que estamos abordando encabeçaram esse movimento e interpretaram o desenvolvimento histórico da ciência dentro do quadro geral do cientificismo. Ademais, não contestaram o modelo de uso e abuso da ciência: muitos sentiam que o abuso e a não realização das potencialidades benéficas da ciência para a humanidade no capitalismo[5] poderiam ser sanados por uma sociedade socialista em que - outros sentiam – a ciência pura deveria predominar sobre as aplicações materiais e a responsabilidade social dos cientistas. Uma variedade de posições se escondia por trás desse quadro geral: o cientificismo de Bernal e Joliot-Curie era uma forma de determinismo social e econômico, enquanto o de J. Needham baseava-se em uma concepção –próxima de Langevin– da ciência como principal fonte de valores éticos e morais.[6] Mas, mesmo com variações, para todos a ciência havia se tornado a principal força social – e caminhava na direção certa (Petitjean, 1996: 186-187).

George Lichtheim assevera que o grupo de La Pensée filiava-se à tradição positivista que os marxistas mais velhos –se eles vinham das ciências naturais– compartilhavam com a Esquerda. Os próprios positivistas mais radicais teriam se tornado marxistas[7]. Acreditavam –seguindo a tradição dos Enciclopedistas– que o marxismo deveria ser entendido como a forma contemporânea do racionalismo científico (Lichtheim, 1968:153). Assim, o ardente racionalismo de Langevin é a chave para seu interesse no marxismo: ele chegava mesmo a identificar o racionalismo científico ao materialismo dialético (Petitjean, 1996: 188). Contrariamente a seus predecessores de antes de 1914, cientistas como Langevin estenderam essa interpretação a Engels e à "filosofia pseudo-hegeliana de Lenin" (Lichtheim, 1968).

O texto de Stalin Materialismo Dialético e Histórico, publicado na França em finais de 1938, como parte do Pequeno Curso de História do PCUS, reforçou a tendência a enfatizar a herança do pensamento materialista no marxismo dos cientistas franceses: na forma esquemática com que, distorcendo os passos já claudicantes de Engels, resumia os traços gerais da filosofia da natureza marxista como compostos de dois elementos estanques, o método dialético hegeliano, de um lado, e a filosofia materialista, de outro, Stalin privilegiava esta em detrimento daquele.[8] Embora Lucien Sève destaque a diferença básica entre o materialismo dialético que aparece nos textos de A La Lumière du Marxisme e o do texto de Stalin –que o apresentava como um receituário de princípios a serem aplicados (Kelly, 1982: 41)–, aquela distinção na verdade parece ter reforçado uma tendência já existente: comprovam-no, observa Kelly, o livro de Nizan, Les Matérialistes de l’Antiquité (1938), e o fato de que o principal texto de referência para os filósofos marxistas do período fosse a obra Materialismo e Empirio-criticismo (1908), na qual Lenin defendia o materialismo "contra as variedades mais ou menos sutis do idealismo." É o caso do físico Perrin que, segundo Mary Jo Nye (1975), em suas preocupações com a metodologia e a epistemologia da ciência, não raro acompanhava as críticas e preocupações marxistas – em particular as do líder bolchevique. Este destaque que ganhava Lenin tem raízes no fato de que foi ele, e não Engels, que presenciou o surgimento dos inúmeros problemas teóricos ocasionados pela revolução científica de finais do século XIX e começos do século XX, empenhando-se em polemizar com as correntes de pensamento que vinham se formando em torno desses problemas.

Traços conjunturais colaboraram para que a ênfase de Stalin fosse aceita: o contexto de "polarização ideológica" dos anos 30, que intensificou o debate de idéias e fez com que o materialismo dialético fosse cada vez mais atacado por representantes de outras correntes filosóficas; ameaçados, destaca Michael Kelly, os marxistas franceses passaram a ver como tarefa urgente a reiteração do valor do materialismo e sua importância para o pensamento ocidental. Petitjean, traçando um panorama de uma conjuntura específica dos anos 30, ressalta que a defesa da ciência representava uma batalha pela racionalidade, contra o nazismo e outros assim chamados movimentos anticiência; em seu célebre livro de 1939, o cientista inglês Bernal interpretava o abuso nazista da ciência como um ataque contra a racionalidade e a própria ciência. Vendo-se uma ligação visceral entre fascismo e capitalismo, acentuava-se a identificação entre a defesa da ciência e a luta pelo socialismo (Ney, 1975: 186-192). Ressalte-se, aliás, que o próprio racionalismo de Descartes foi celebrado pelos comunistas franceses: segundo Ory, em 1937 o PCF foi o principal celebrador do tricentenário do Discurso do Método (Ory, 1994: 477). Também a Revue de Synthese comemorou a data, destacando especialmente o viés da "unidade do conhecimento", preconizado por Descartes e encampado por Berr e Febvre.[9]

O livro de Stalin vendeu na França, nos nove meses que vão do seu lançamento à eclosão da II Guerra, 300 mil cópias (Kelly, 1982: 41). Como é possível constatar no prefácio à História Econômica do Brasil, escrito em janeiro de 1945, e ainda em outros de seus textos, Caio Prado Jr. adquiriu uma delas. A obra seria citada em dois livros de filosofia que escreveu e publicou na década de 50.

Kelly, contrapondo-se a Lichtheim, e excessivamente preso ao debate ideológico em torno da herança stalinista, não vê a tradição da Enciclopédia por trás da ênfase francesa no lado "materialista" e "cientificista" do marxismo. Não obstante, como já observamos, muitos estudiosos da história intelectual européia na primeira metade do século XX têm se deparado, de uma forma ou de outra, com essa filiação. Um dos eixos básicos do artigo de Mary Joe Nye, "Jean Perrin, Science and Socialism" (1969), é justamente a demonstração de como se deu a síntese entre as tradições francesas do iluminismo e do positivismo, de um lado, e o marxismo, de outro. O artigo oscila entre a demonstração dessa síntese no plano político, destacando a herança socialista e a tradição republicana, e no plano científico.

Assim, o marxismo desses cientistas era questionável. Como teoria social, ele aparecia como redutível a uma variedade de determinismo social e econômico subjacente ao desenvolvimento científico (Petitjean, 1996: 188). Exemplo disso está em passagens do texto "Ciências Biológicas e Sociedade", de Prenant, publicado em 1934 no volume A la Lumière du Marxisme, como aquela em que afirmava que o sistema de classificação moderno foi "como que imposto aos naturalistas em torno do século XVII, pela pressão dos fatos materiais, e não foi pesquisado conscientemente por eles" (Anuário, 1937: 118).

A dupla frente de ataques ao marxismo –as correntes de pensamento críticas da herança positivista e racionalista, de um lado, e as forças políticas e ideológicas do nazismo e do fascismo, de outro– levaram os seus expoentes e simpatizantes a reagirem, por vezes, indiscriminadamente contra ambas, chegando mesmo a confundi-las. São bastante conhecidos, aliás, os posicionamentos assumidos por Lukacs depois de sua adesão ao stalinismo. Na década de 30, porém, a política de "frente popular", tornando a esquerda marxista aberta à cooperação com grupos não marxistas, mas democráticos, dava um equilíbrio singular a esta tendência. Afinidades e incompatibilidades do marxismo com as questões epistemológicas mais modernas, junto à necessidade constante de interpretar novas e inesperadas descobertas, davam instabilidade a tal equilíbrio.

Caio Prado Jr. não tinha muitas afinidades com o modo específico como os cientistas dessa época relacionavam ciência e sociedade. Apreciava seus trabalhos, possivelmente, na medida em que neles a ciência era abordada de uma perspectiva concreta e histórica, demonstrando a penetração do marxismo nos mais diversos campos do conhecimento. Mas como historiador que se aprofundava nos campos da Antropologia, da Psicologia Social e da Sociologia, estava bem ciente das críticas que se faziam ao esquematismo com que marxistas interpretavam os fenômenos da cultura, julgando impossível a redução da ciência à sociedade, ou da sociedade à ciência. Elaboraria filosoficamente sua aversão aos reducionismos com a idéia, haurida da própria tradição hegeliano-marxista, de que as diferentes instâncias da realidade eram qualitativamente diferentes umas das outras, e portanto carregavam especificidades que seria impossível subsumir.

Vê-se tal pensamento em elaboração já em 1938, no manuscrito "Viagem aos Países Baixos", em que as características das paisagens citadinas da região batava eram interpretadas em suas relações com um modo de pensar e sentir desconectado de determinações geográficas ou econômicas. Esse manuscrito é como que um exercício, uma prova de que era possível isolar certos fenômenos específicos da vida humana. Ressalte-se aqui que a compreensão da dialética por parte de Caio Prado Jr. era muito mais "orgânica", e de nenhuma forma se reduzia a um materialismo nos moldes daquele dos Enciclopedistas. Ao longo de sua trajetória, aliás, Caio Prado Jr. chegaria a negar a existência da matéria, que se apresentaria como essencialmente dinâmica, instável, vazia de conteúdo próprio ou de "essência" e, portanto, em constante transformação (Prado Jr., 1945). Salientemos, outrossim, que não só o texto de Stalin foi traduzido em 1938; também a Lógica de Hegel e os Manuscritos Econômicos e Filosóficos de Marx apareceram em língua francesa nesse mesmo ano ( Kelly, 1982).

Em seus escritos teóricos, Caio Prado Jr. procurou conciliar a dialética hegeliana com uma interpretação bastante ousada e um tanto diletante sobre as descobertas científicas nos campos da Física e da Matemática.

Por outro lado, se enfatizamos em demasia a herança positivista ou oitocentista dos diversos "marxismos" que surgiram na década de 30, não veremos sua relação ambígua, igualmente significativa, com as modernas revoluções científicas, tanto no campo prático como no epistemológico – relação esta que tanto estimulou num grau extremo as imaginações dos cientistas da época.

Nos anos 30, diversos cientistas chegaram a acreditar que o materialismo dialético seria cada vez mais reforçado com o desenvolvimento "progressivo" da ciência. Apenas o modo de produção capitalista embaraçava esse caminho necessário. Para os próprios Engels e Lenin, o materialismo dialético não podia ser uma construção mental exterior à ciência, sendo, pelo contrário, uma conseqüência de seu desenvolvimento. Paul Labérenne, em seu texto para A La Lumière du Marxisme, cita vários trechos das obras de Lenin e Engels que comprovam a centralidade dessa idéia (p. 244-254). Seu corolário era que as recentes descobertas teriam de vir no sentido de confirmar os princípios do materialismo dialético – mas não as afirmações específicas dos textos clássicos marxistas, necessariamente presos ao momento em que haviam sido escritos.

Contudo, uma infinidade de novas descobertas e desdobramentos nos campos da Física, da Matemática, da Biologia, da Química desafiavam a epistemologia das ciências e o modelo que delas se fizera durante o século XIX. Desde o começo do século, a história e a epistemologia vinham se aproximando e descobrindo suas relações recíprocas. Os filósofos das ciências, debatendo as conseqüências das inovações teóricas e científicas que minaram a concepção tradicional do saber e os fundamentos de disciplinas como a Matemática e a Física, chegaram, por diferentes caminhos, à idéia da historicidade do conhecimento, de seus limites e de seu caráter relativo (Dias, 1998; Gattinara, 1998). Tudo parecia ter sido colocado em questão.

As indagações que se colocavam aos filósofos das ciências antes mesmo da revolução einsteiniana se compunham, em primeiro lugar, em torno da relação entre necessidade e contingência, a qual englobava a contestação de conceitos tais como o de causalidade, visto como uma das categorias essenciais da razão humana, o de exatidão absoluta, que pelo cálculo das probabilidades passou a ser percebido como infactível, e o de determinismo - colocado em cheque na segunda metade dos anos 20 pela concepção probabilista em microfísica. Em segundo lugar, a relação entre o objeto e o sujeito do conhecimento foi reformulada de modo a questionar o empirismo e destacar o papel ativo do sujeito, dos limites da linguagem e dos instrumentos de medição na elaboração da ciência e de seus resultados. Com isso, a verdade e a objetividade seriam concebidas de um modo mais dinâmico, e as leis e as experiências, em sua relação com a realidade, encaradas a partir de perspectivas provisórias, não definitivas. As hipóteses e modelos teóricos assumiram um papel fundamental, embora estritamente ligados à experiência – a qual era interrogada em função daquelas idéias e hipóteses. A maioria dos filósofos franceses das ciências do começo do século encaravam a realidade não como redutível à "razão", já que essa mesma realidade representaria a instância pela qual a razão mudaria e se adaptaria.

Ou seja, a relação entre sujeito e objeto podia ser vista como de determinação mútua, dialógica, dialética.

Era toda uma concepção de mundo que caía por terra. A historicidade do conhecimento científico estava sendo revelada – e a porta para a consideração da ciência como fato cultural ligado à história social, política e econômica de uma época estava aberta:

Henri Poincaré, Pierre Duhem, Édouard Le Roy, Abel Rey, Léon Brunsch-vicg, Émile Meyerson étaient tous d’accord sur ce point: les lois des sciences sont une représentation, une interprétation de l’expérience sur la-quelle la réalité agit avec autant de force que la théorie qui l’engendre. D’où le fait que les lois changent, parce qu’elles ne peuvent être que des approximations d’une vérité qui nous échappera toujours; jamais elles ne pourront en donner une détermination définitive et ultime. Cela explique pourquoi la science évolue et pourquoi les théories se substituent les unes aux autres: l’histoire des sciences nous le montre aisément. Dans la perspective de cette épistémologie, l’histoire (l’histoire de sciences surtout) recouvrait un rôle de plus en plus essentienl pour tous ceux qui voulaient rendre compte de l’évolution des connaissances scientifiques. Qu’il s’agit de Duhem ou de Rey, de Brunschvicg ou de Meyerson, l’histoire donnait raison au mouvement dynamique de la connaissance impliqué par la remi-se en cause du rapport entre donnée et hypothèse. (Gattinara, 1998: 15-16).

Essa concepção dialógica do conhecimento científico foi denominada de "racionalismo experimental". Um racionalismo abrandado e "fecundo", segundo a formulação de Brunschvicg: o conhecimento era o meio pelo qual a razão e a realidade se relacionavam reciprocamente. Nem esta nem aquela existiam mais como instâncias autônomas, mas eram "pólos" do próprio dinamismo do conhecimento. Este, assim, seria sempre aproximado e estaria sempre em transformação. O movimento dinâmico e dialético do conhecimento era, por esse mesmo fato, histórico. A realidade que a ciência deveria explicar e desvendar estava num meio fluido e móvel, instável, obrigando-nos a uma permanente insatisfação com o que acreditamos ter conseguido (Idem:17).

O modo como cientistas, filósofos, historiadores da ciência encararam esse conjunto de revoluções no campo do conhecimento não foi unívoco. Dependendo de seu grau de apego aos princípios tradicionais da ciência, do estágio que estavam em suas carreiras e de inúmeros outros fatores, eles reagiram diversamente, e combinaram de diversas formas suas concepções de mundo com esses elementos novos e revolucionários. Para muitos deles, observa E. Castelli Gattinara em outro contexto, tratava-se de reunir os destroços dos princípios que pareciam ter regido, até o final do século precedente, a razão e o conhecimento.

O mesmo autor ressalta que o indeterminismo na microfísica havia dado "um golpe quase definitivo na confiança que se tinha nos princípios da razão." (Idem: 12). Mais adiante, depois de observar que a epistemologia que Gaston Bachelard desenvolveu nos anos 30 na verdade não inovou com relação aos filósofos do começo do século, mas apenas radicalizou certos aspectos de seu corpo de questões, ele afirma que a incorporação da história e da historicidade do conhecimento científico, já presente desde Poincaré e Brunschvicg, não ocorreu de forma homogênea. A ciência não deveria mais ser estática e os critérios de sua identidade passam a se definir como sempre móveis. Assim, o que acontecera fora uma "crise de identidade":

Les épistémologues et les philosophes étaient mobilisés soit pour formuler une nouvelle identité de la science capable d’intégrer l’histoire et fournir une solution qui faisait table rase de toute identité et de tout principe fondateur, soit encore pour s’engager dans une voie moyenne entre les deux. Pour tous, l’histoire était une réalité qu’aucune réflexion ne pouvait désormais ignorer, fût-ce pour en nier l’importance, comme dans le cas du néo-positivisme du Cercle de Vienne (Idem: 18).

Nesse sentido, é curioso que numa palestra proferida em 1932, Koyré se lamentasse pelo fato de que os filósofos não haviam ainda sido capazes de fornecer aos cientistas os conceitos novos que lhes eram demandados e que as novas teorias requisitavam. Essa observação não se justificava, pois certos filósofos e sábios já vinham tentando desde o começo do século – e mesmo antes – seguir o passo da evolução das ciências; alguns, como Ernst Mach, Henri Poincaré ou Pierre Duhem, tinham mesmo precisado as concepções e os princípios novos do conhecimento científico (Idem :12).

Assim, ao longo das primeiras décadas do século houve uma multiplicidade de apropriações das transformações no campo epistemológico. O marxismo, enfatizando aspectos tais como a historicidade do desenvolvimento científico, suas raízes sociais e econômicas; a relação dialética entre sujeito e objeto do conhecimento; a dinamicidade de um mundo em constante vir a ser, no qual, no dizer de Hegel, o real trazia a "marca do negativo"; e, finalmente, a inter-relação entre os desenvolvimentos nos diversos campos do conhecimento, vale repetir, o marxismo, com todas essas características, oferecia um campo aberto à assimilação de certos temas da nova epistemologia das ciências dentro de um quadro teórico em que as heranças intelectuais dos séculos XVIII e XIX eram preservadas: e em especial os conceitos de razão e de racionalidade do real. É claro que tudo se passava num plano puramente teórico e especulativo, já que, como ressaltou M. J. Nye em seu estudo sobre Jean Perrin, "encontra-se pouca evidência de um enfoque dialético marxista na ciência em qualquer parte." (Nye, 1975: 149-150). Destarte, o que se pode afirmar com toda certeza é que o materialismo dialético fornecia uma espécie de "ficção científica" que restabelecia, a um mundo em estilhaços e a antigos paradigmas do conhecimento, um sentido renovado e total.

Infelizmente, não é possível desenvolver este tema com maior profundidade. Lembremos, contudo, que Prenant e o inglês Haldane tentaram combinar biologia e materialismo dialético nas décadas de 30 e 40, mas mostraram mais reservas depois do caso Lysenko; já Needham viu o materialismo dialético nos "níveis de organização" do mundo vivo (Petitjean, 1996). Ory assinala que durante os anos 30 Langevin foi muito mais um ideólogo, um "intelectual", do que propriamente um cientista. Em sua obra, encontramos afirmações como aquela segundo a qual o princípio da relatividade, em sua forma restrita e geral, confirmaria a existência "d’une réalité indépendante des systèmes de référence en mouvement les uns par rapport aux autres à partir desquels nous en observon des perspectives changeantes"  (Langevin, 1950: 79).

Tal como o desses cientistas, o marxismo de Joliot-Curie era mais uma proclamação ideológica que uma ferramenta prática para o trabalho científico (Ory, 1994; Petitjean, 1996). Já a ciência de Perrin enfocava dicotomias num tempo em que muitos cientistas, em particular da área da termodinâmica, vinham enfatizando absolutos. Como pesquisador, ele era de uma nova geração, que unia as duas disciplinas da Física e da Química, conciliando os enfoques da continuidade e da reversibilidade dos fenômenos (Física), de um lado, e sua descontinuidade e irreversibilidade (Química), de outro. Sua metodologia não era indutiva nem dedutiva, mas uma síntese do que ele chamava os métodos das "analogias" e da "intuição". Como Marx, Engels e Lenin, acreditava que a indução e a dedução deveriam ir juntas, "como análise e síntese". O esforço científico deveria compreender tanto os dados concretos do experimento como as abstrações da matemática criativa. Esta poderia fornecer ferramentas para a pesquisa e a invenção. Em um plano, esta atitude era a "unidade dos opostos" marxista, e noutro, senso comum (Ney, 1975).

Restringindo-nos aos anos 30, não seria difícil encontrar nos escritos desses cientistas semelhanças com observações e apontamentos de Caio Prado Jr. Mas o que importa salientar é que o historiador brasileiro estava atento às obras de filósofos e cientistas não marxistas, como Henri Poincaré e Niels Böhr –de quem assistiu uma palestra sobre "Culturas Humanas e Filosofia Natural" em 1938, na Dinamarca–, à busca de observações que fossem ao encontro de sua concepção dialética do mundo.

Parece-nos que tudo isso é fundamental para a compreensão do modo como elaborou sua escrita historiográfica em Formação do Brasil Contemporâneo. Paradoxalmente, sua interpretação das grandes transformações nas representações do mundo físico, como a teoria da relatividade, a física nuclear e a descoberta de que os instrumentos de medição e experimentação influenciavam os resultados das experiências, dentro dos moldes de uma filosofia com uma herança tão presa ao século XIX, foi o ponto de partida para que ele revisse vários conceitos como o de "objetividade", "fato social" e "matéria", admitindo a fluidez do vir a ser histórico da vida em sociedade.

No ponto de vista em que nos colocamos, escritos teóricos como os de Langevin deixam de parecer "esconder" um positivismo, e passam a representar um momento do pensamento europeu do século XX em que a herança dos séculos XVIII e XIX foi preservada, embora apresentando inúmeras fissuras.

Conclusão

Na década de 30, os cientistas, confrontados com todas as revoluções no campo do conhecimento, viram no marxismo uma alternativa. Como notou Löwy, os intelectuais são indivíduos para os quais os motivos de razão moral ou puramente ideológica têm enorme peso. Assim, o próprio engajamento no ou a afinidade com o marxismo estava intrinsecamente ligado à possibilidade de este fornecer um modelo teórico que pudesse dar conta da crise de identidade da ciência, mas ao mesmo tempo preservando aspectos da concepção tradicional da ciência.

Se é certo que o acirramento da polarização ideológica tornava mais simplistas os dualismos (razão/não-razão; cultura/barbárie), a atmosfera de "frente popular", de aproximação entre liberais, socialistas e marxistas, o entrelaçamento das relações profissionais e políticas, faziam com que pontes entre diferentes modos de pensar fossem construídas. É o que se deve ter em mente para compreender como Caio Prado Jr. processou todas as informações que estava absorvendo durante sua estadia na Europa.

A mescla de enfoques dava a sensação de que havia todo um mundo novo de descobertas pela frente. O materialismo dialético aparecia como um campo de ilimitadas possibilidades, estimulando as imaginações criativas. Se as analogias que a teoria social marxista encontrou entre fatos da vida humana e do comportamento da natureza nunca foram, na verdade, colocadas em bases mais sólidas do conhecimento, esta ausência não foi um fator que refreasse as imaginações de um sem-número de cabeças brilhantes. E, para aqueles que, como Caio Prado Jr., não eram e não podiam ser "cientistas", mas sempre haviam tido um especial talento para a área das ciências "naturais" e "exatas", a sedução era ainda mais forte.

Por outro lado, as transformações o levaram a relativizar os conceitos e a tornar mais "plásticos" os modelos teóricos. Isto, somado à experiência de uma sociedade instável em que havia um enorme contraste entre a forma e o vivido, as normas e a informalidade, junto à experiência de diferenças culturais que se apresentavam como desafios ao conhecimento, colaborou para levá-lo a uma elaboração teórica criativa no campo da historiografia. Desse complexo nasceu Formação do Brasil Contemporâneo.

A recepção do marxismo na França, como filosofia e como método nos diversos ramos das ciências, foi determinada em parte pelas tradições do racionalismo e do cientificismo – implícitas já nos textos clássicos do marxismo e reforçados pela palavra de Stalin e pelo fascínio que causava a busca de novas explicações para as revoluções científicas que vinham ocorrendo desde finais do século XIX. É dentro desse contexto que podemos dimensionar a relação dialógica de Caio Prado Jr. com o pensamento europeu, e em especial, francês nas primeiras décadas do século XX.

Referências bibliográficas

Além dos depoimentos de Y. Prado e de Maria Odila L. da S. Dias, bem como dos manuscritos e cartas de Caio Prado Jr., constantes de seu arquivo particular, utilizamos para a elaboração deste artigo as seguintes obras:

Ab’Sáber, A. Pierre Monbeig: a herança intelectual de um geógrafo. Estudos Avançados, vol. 8, n. 22, set./dez. 1994, p.221 a 232.

Anuário da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras – 1936, São Paulo: USP, 1937.

August, T. Paris 1937: The Apotheosis of the Popular Front. Contemporary French Civilization, Fall 1980, vol. 5, n. 1

Baby, J. et alii. A La Lumière du Marxisme, Paris: Editions Sociales Internationales, 1937, tomo I.

Bohr, N. Física Atômica e Conhecimento Humano (Ensaios 1932–1957), Rio de Janeiro: Contraponto, 1995.

Candido, A. A Educação pela Noite e Outros Ensaios, São Paulo: Ática, 1989.

Caute, D. The Fellow Travellers, New York: The MacMillan Company, 1973.

Charle, C. Ambassadeurs au Chercheurs? Les Relations Internationales des Professeurs de la Sorbonne sous la IIIe. République. Genèses 14, janv. 1994, p. 42 a 62.

__________. "L’Histoire Comparée des Intellectuels en Europe. Quelques points de méthode et propositions de recherche". In: Trebitsch, M. et alii (dir.), Pour une Histoire Comparée des Intellectuels, Paris: Éditions Complexe, 1998, p. 39 a 60.

Collini, S. "Intellectuals in Britain and France in the twentieth century: confusions, contrasts – and convergence." In: Granjon, M.-C. et alii (dir.), Histoire Comparée des Intellectuels, Paris: CNRS/IHTP, 1997, p. 45 a 68.

Dias, M. O. L. da S. Aspectos da Ilustração no Brasil [1969], São Paulo, 1998.

__________. Hermenêutica do Cotidiano na Historiografia Contemporânea. Projeto História, São Paulo, (17), nov./ 98, p. 223 a 258

D’Incao, M. A. (org.), História e Ideal – ensaios sobre Caio Prado Jr., São Paulo: Unesp/Bra-siliense, 1989.

Dworkin, D. Cultural Marxism in Postwar Britain, Durham e Londres: Duke University Press, 1997.

Espagne, M. Sur les Limites du Comparatisme en Histoire Culturelle. Genèses, 17, sept. 1994, p. 112 a 121.

Fernandes, F. "Obra de Caio Prado nasce de rebeldia moral". Folha de São Paulo, 7/9/91, caderno 6, p. 5

Ferro, M. L’Histoire sous Surveillance, Paris: Calmann-Lévy, 1985.

Gattinara, E.C. Épistémologie, histoire et histoire des sciences dans les années 1930. 1. L’étrange théâtre. Revue de Synthèse, 4e. S. n. 1, janv.-mars 1998, p. 9 a 36.

Granjon, M.-C. et alii (dir.), Histoire Comparée des Intellectuels, Paris: CNRS/ IHTP, 1997

Iumatti, P.T. Diários Políticos de Caio Prado Jr.: 1945, São Paulo: Brasiliense, 1998.

Kelly, M., Modern French Marxism, Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 1982.

Langevin, P. La Pensée et L’Action – textes recueillis et présentés par Paul Laberenne. Les Éditeurs Français Réunis, 1950.

Levi, D. A Família Prado, São Paulo: Cultura 70, 1977.

Lichtheim, Marxism in Modern France, New York: Columbia University Press, 1968.

L’Invention – neuvième semaine internationale de Synthèse, Paris: Librairie Félix Alcan, 1938.

Löwy, M. Para uma Sociologia dos Intelectuais Revolucionários, São Paulo: LECH, 1979.

Miceli, S. Intelectuais e Classe Dirigente no Brasil, Rio de Janeiro: Difel, 1979.

Nye, M.J. Science and Socialism: the case of Jean Perrin in the Third Republic. French Historical Studies, 9(1), 1975, p. 141 a 169.

Ory, P. La Création Scientifique. La Belle Illusion, Paris: Plon, 1994, p. 471 a 509.

Pécaut, D. "Réflexion sur les relations entre la politique et les intellectuels au Brésil". In: Granjon, M.-C. et alii (dir.), Histoire Comparée des Intellectuels, Paris: CNRS/ IHTP, 1997, p. 209 a 224.

Petitjean, P. "As Missões Universitárias Francesas na Criação da Universidade de São Paulo (1934-1940)". In: Hamburger, A. I. et alii (orgs.), A Ciência nas Relações Brasil-França (1850 – 1950), São Paulo: Edusp; Fapesp, 1996.

__________. Needham, Anglo-French Cooperation and Ecumenical Science. Situating the History of Science, 1998, p. 152 a 197. No prelo.

Pontes, H. "Retratos do Brasil: Editores, Editoras e Coleções Brasiliana nas décadas de 30, 40 e 50". In: Miceli, S. (org.), História das Ciências Sociais no Brasil, São Paulo: Vértice, 1989.

Prado Jr., C. Diversos artigos e resenhas publicadas em 1935 na revista Geografia

__________. Evolução Política do Brasil, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1933.

__________. Carta de 4 de dezembro de 1937.

__________. Formação do Brasil Contemporâneo, São Paulo: Martins, 1942.

__________. História Econômica do Brasil, São Paulo: Brasiliense, 1945.

Roth, M. S. Knowing and History – appropriations of Hegel. Twentieth-Century France, Ithaca e Londres: Cornell University Press, 1988.

Sève, L. La Pensée’ et le Mouvant. Sciences de la Nature, Matérialisme et Dialectique en 1939 et en 1989. La Pensée, 270-271, juil.-oct. 1989, p. 75 a 87.

Suleiman, S. R. (ed.). Exile and Creativity, Durham e Londres: Duke University Press, 1998.

Trebitsch, M. "Internationalisme, Universalisme et Cosmopolitisme: les représentations du monde dans les milieux intellectuels français, d’une guerre à l’autre", in Les Cahiers de L’Institut d’Histoire du Temps Presént, 28, juin 1994, p. 13 a 27.

__________. "L’Histoire Comparée des Intellectuels comme Histoire Expérimentale", in Trebitsch, M. et alii (dir.), Pour une Histoire Comparée des Intellectuels, Paris: Éditions Complexe, 1998: 61 a 78.

Trebitsch, M. et alii (dir.). Pour une Histoire Comparée des Intellectuels, Paris: Éditions Complexe, 1998.

Whitehead, A. N. A Ciência e o Mundo Moderno, São Paulo: Brasiliense, 1946.

____________________

[1] Note-se que Langevin colaborava com Lucien Febvre no Centre Internationale de Synthèse, nas Semaines de Synthèse e na Revue de Synthèse (1930). Febvre encarregava-se das ciências sociais e Langevin, das ciências exatas. As linhas mestras do CIS eram a unidade das ciências naturais e sociais, e a noção de que a ciência provia a base para um síntese intelectual geral. Ademais, Henri Berr e seus colegas propuseram-se a editar uma história geral da humanidade, muitos anos antes do começo do projeto da Unesco. Essa história valorizava a ciência, mas só como uma forma de atividade intelectual mais alta, o assim chamado milagre grego que fundou a nova civilização européia. Langevin, Paul Rivet e Jean Perrin cooperaram com a Encyclopedie Française, que estava sendo dirigida por Febvre desde 1933. Seu modelo era a Enclyclopedie de Diderot, em que a ciência era o principal fator unificador. O objetivo do projeto era "emancipar as massas pelo programa de doutrinação cultural e científica, e despertar um senso crítico dentre elas. Langevin e Febvre compartilhavam o mesmo culto pela ciência atual e a humanidade." (Petitjean, 1998: 160).

[2] Nessa semana, o tema "invenção" foi contemplado a partir das perspectivas da Psicologia (Blondel), da Matemática (Hadamard), das Ciências Experimentais (Broglie e E. Bauer), da técnica (Bréguet) etc.

[3] A minoria que havia se engajado em um partido havia escolhido mais freqüentemente o SFIO do que o PCF, muito embora este contasse com figuras como Marcel Cohen, Louis Lapicque, Marcel Prenant e Henri Wallon, e os saudasse como a "elite do pensamento francês". E havia "companheiros de viagem" como Langevin, cujo discípulo Jacques Solomon, jovem físico que prometia um futuro brilhante, era, desde essa época, um comunista ativo, símbolo das novas gerações (Ory: 475).

[4] Dentro de sua ótica materialista dialética, Paul Laberenne ainda destaca as lutas que os cientistas tiveram de travar contra os "idealistas reacionários".

[5] A ciência era progresso, e lutar por ela era lutar pelo socialismo. Essa concepção se coadunava com a participação em redes e instituições de elite – e isto era mesmo desejado pelos partidos comunistas. Ou seja, os comprometimentos políticos desses cientistas de elite eram compatíveis com suas carreiras científicas. Desenvolvendo a ciência, o capitalismo mostrara o caminho possível do bem-estar universal, mas suas estruturas sociais, o lucro e o individualismo opunham-se ao mesmo. O capitalismo, assim, criou condições para sua substituição por outro sistema social em que a ciência poderia se desenvolver em sua plenitude. A demonstração soviética da ciência sob o socialismo pro-porcionou a alternativa política para os cientistas de esquerda (Petitjean, 1996: 187 e 188).

[6] Para Needham, a ética era uma necessidade biológica no longo prazo; para Langevin, a ciência era a filha e a mãe da democracia; era o principal fator para a transformação da mentalidade e, subseqüentemente, o único meio de banir a guerra. As contribuições materiais da ciências eram mais importantes que seus aspectos materiais (Petitjean, 1996: 187).

[7] Na crise dos anos 30, quando a fé no liberalismo e no positivismo entrou em colapso, a direita política atraiu alguns socialistas que tinham perdido sua crença num progresso pacífico, ao passo que os positivistas mais radicais vinham agora como marxistas completos: se a burguesia não queria mais dar suporte ao materialismo científico, esses herdeiros do racionalismo iriam juntar-se ao proletariado (Lichtheim, 1968: 153).

[8] "(...) its incipient tendency to counterpose dialectic and materialism did lead in practice to an over-concentration on materialism at the expense of the dialectic." (Kelly,1982: 41).

[9] Ver o primeiro número de 1937.