Estudos Sociedade e Agricultura

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John Wilkinson

Sociologia econômica e agroindústria


Estudos Sociedade e Agricultura, 6, julho 1996: 81-90.

Este texto é um projeto de pesquisa atualmente em desenvolvimento pelo autor.

John Wilkinson é professor da UFRRJ/CPDA.


Duas preocupações principais têm dominado o meu trabalho acadêmico desde a elaboração da minha tese de doutorado (Wilkinson, 1985). Em primeiro lugar, tenho me dedicado ao estudo global da evolução histórica e da reestruturação atual do sistema agroalimentar. Ao mesmo tempo, esta preocupação substantiva foi acompanhada por uma reflexão sobre as formas específicas de desenvolvimento deste setor e as suas implicações na dinâmica do desenvolvimento capitalista.

Num primeiro momento focalizei a minha análise sobre o papel do campesinato e a pequena produção, não como vestígios do passado ou atores com uma capacidade peculiar de resistência em face dos processos de modernização, mas como um elo privilegiado do complexo agroindustrial que representava a forma de modernização capitalista da agricultura.

Esta reflexão me levou, em colaboração com outros colegas, a identificar a “natureza”, entendida como um processo produtivo e “uma fábrica natural”, como um conceito-chave para entender a modernização agrícola. Elaboramos, assim, uma visão de agroindústria cuja dinâmica foi dada pela interação entre a natureza como processo produtivo e o progresso técnico, e desenvolvemos ao mesmo tempo uma crítica a certas versões do “complexo agroindustrial” (Goodman, Sorj e Wilkinson, 1985 e 1987).

Dentro da noção de progresso técnico, demos destaque às tecnologias biológicas por elas representarem uma transformação da própria natureza e não uma simples intervenção ou substituição como no caso da química ou da mecânica. Desta maneira, desenvolvemos uma série de estudos sobre o potencial das novas biotecnologias para modificar radicalmente a trajetória da agricultura e da agroindústria (Sorj, 1984; Goodman e Wilkinson, 1990).

Esta análise foi desenvolvida inicialmente dentro do âmbito da literatura setorial sobre os complexos agroindustriais. Porém, as limitações desta literatura para lidar com questões de inovação e o benefício de uma estada na Comissão Européia como coordenador de um projeto de pesquisa sobre as biotecnologias no sistema agroalimentar, levaram-me a incorporar a literatura neo-schumpeteriana à minha análise (Wilkinson, 1990).

Tal literatura, que enfatiza prioritariamente o lado da technology push, encaixava bem com as minhas análises anteriores. Dois fatores, porém, apontavam para os limites deste enfoque e as pistas alternativas e/ou complementares foram encontradas parcialmente nesta mesma literatura.

Trata-se, por um lado, do reconhecimento de que inovações organizacionais eram tão ou mais importantes quanto a tecnologia para entender a evolução do sistema agroalimentar. Uma estada junto ao INRA em Paris foi decisiva para a consolidação desta orientação (Fanfani, Zuñiga e Wilkinson, 1991). A noção de setores industriais tecnologicamente “dominados por fornecedores”, por um lado, desenvolvida por Pavitt (1984), bem como trabalhos de Gaffard e Amendola, partindo de uma tradição mais “austríaca”, foram importantes neste sentido (Amendola, 1988). Foi neste período também que tentei incorporar algumas idéias vindas da nova economia institucional, com a sua crítica a aspectos da tradição neoclássica (adoção de uma perspectiva de racionalidade limitada, prioridade para fatores organizacionais e não tecnológicas). Ao mesmo tempo, contatos com os trabalhos da escola regulacionista serviram para colocar macroinovações organizacionais num mesmo patamar de importância de paradigmas tecnológicos na periodização da evolução econômica e do sistema agroalimentar.

Doutra parte, uma reflexão crítica sobre a pouca difusão das novas biotecnologias, elaborada com base numa pesquisa conduzida pela OCDE, levou-me à necessidade de analisar como a dinâmica da demanda influi na organização econômica (Sorj e Wilkinson, 1992). Este tema foi desenvolvido no contexto da minha participação num seminário em Roma sob o título: “As biotecnologias: reforma ou revolução”. Nesta mesma oportunidade, procurei integrar os conceitos de “reversibilidade/irreversibilidade” e o fenômeno de lock-in para evitar uma tendência ao determinismo tecnológico (Wilkinson, 1993).

Como sociólogo, sempre trabalhei sobre temas econômicos com o intuito de explorar áreas incorporadas com dificuldade pela própria economia - o campesinato, a natureza. No decorrer das minhas leituras da tradição neo-schumpeteriana dei-me conta do rico veio de sociologia contido nesta linha de pensamento econômico. Neste mesmo período encontrei a literatura da nova economia sociológica e defini o meu campo de análise mais claramente nesta tradição.

Como conseqüência, deixei de focalizar a questão das biotecnologias e inovação para desenvolver uma série de trabalhos sobre processos de reestruturação do sistema agroalimentar. Através de estudos paralelos sobre os padrões dominantes de competitividade e perspectivas para a produção familiar no contexto de globalização e abertura, debrucei-me sobre a relação das noções de eficiência econômica e formas de organização da atividade econômica (Wilkinson, 1993b, 1993c e 1994).

A minha hipótese de trabalho atual é que nos espaços de convergências entre a economia e a sociologia pode-se desenvolver um quadro de análise que permite pensar a atividade econômica como sendo organizada em forma não-reducionista por relações sociais, organizações e instituições. A noção de embeddedness, um conceito-chave da economia sociológica, aqui é crucial e abre perspectivas para compatibilizar exigências de eficiência com um pluralismo nas formas de organização da atividade econômica.

Especificamente na minha área setorial de análise pretendo desenvolver este enfoque para repensar as opções de organização do sistema agroalimentar, sobretudo levando em conta as pressões vindas da abertura econômica e da integração regional do Mercosul. Nos últimos tempos tenho desenvolvido trabalhos sobre a reestruturação agroindustrial à luz do Mercosul (Wilkinson, 1995). As análises nesta área são dominadas por uma concepção reducionista de formas organizacionais e institucionais a partir de pressões para maior eficiência econômica (economias de escala, especialização, empresarialização das cooperativas etc.). Pretendo rever a questão das opções de reorganização agroindustrial a partir de um aprofundamento das diversas correntes da sociologia econômica.

Esta área é ainda muito pouco desenvolvida aqui no Brasil e a proposta de minha pesquisa faz parte de um projeto de consolidar uma área de ensino e pesquisa em sociologia econômica aplicada à agroindústria no mestrado e doutorado do CPDA/UFRRJ, onde sou responsável pelas disciplinas de “Estruturas Agroindustriais”, “Tópicos Avançados no Sistema Agroalimentar” e “Metodologia das Ciências Sociais”.

Para poder consolidar esta área e fazer avançar os meus próprios trabalhos, sinto necessidade de aprofundar os meus conhecimentos de diversas correntes que trabalham na encruzilhada entre a economia e sociologia, e de estabelecer relações de intercâmbio com instituições atuando neste campo.

Nos últimos anos houve um movimento generalizado de convergência entre distintas tradições de pensamento nas ciências sociais, acelerada em parte pela globalização da atividade acadêmica, em parte pelo choque do modelo japonês de desenvolvimento, e em parte também pelas oportunidades de reorganização econômica e social vislumbradas a partir das novas tecnologias e sobretudo a informática. (Não analiso aqui a convergência igualmente importante entre o conjunto das ciências sociais e as ciências biológicas e ecológicas.)

Um dos pontos altos desta convergência, ao meu ver, foi a pesquisa coordenada por Chesnais, então responsável pela área de tecnologia da OCDE e agora professor na Universidade de Paris (Chesnais, 1991). Neste trabalho, convergiram as tradições evolucionista/neo-schumpe-teriana, regulacionista e neo-institucionalista, bem como correntes de pensamento japonês. Ao mesmo tempo, e pela primeira vez, acho eu, numa pesquisa de economia e inovação foram incorporados também os trabalhos da sociologia da ciência, sobretudo de Callon e Latour sobre redes “sociotécnicas”. O núcleo do novo pensamento reside na superação da polarização entre “mercados x hierarquias” e o reconhecimento de que toda a atividade econômica processa-se em forma institucionalizada, tanto em nível micro, quanto macro.

Uma corrente da economia - a nova economia institucional - , com enorme popularidade na atualidade, focaliza privilegiadamente esta institucionalidade da atividade econômica e acena para um projeto interdisciplinar com a psicologia e a teoria das organizações (William-son, 1994). Esta corrente merece todo respeito e existem reformulações da sua teoria principal de “custos de transação” que abrem para uma perspectiva mais sociológica (Dietrich, 1994). No entanto, o eixo central do pensamento desta corrente baseia-se numa visão a-social do comportamento dos atores (padrões universais de racionalidade limitada e oportunismo) e reducionista em relação às instituições econômicas que são vistas fundamentalmente como respostas eficientes às exigências econômicas. A teoria das convenções na sua formulação francesa também exibe algumas destas tendências (Favereau, s/d.).

A tradição neo-schumpeteriana, por outro lado, tanto na sua análise da firma, quanto das inter-relações entre os atores econômicos, e sobretudo no seu encontro com a escola regulacionista, aponta para um enfoque fundamentalmente interdisciplinar na direção da história e da sociologia, atribuindo autonomia à dinâmica das relações sociais e à institucionalização da atividade econômica (Dosi, 1992 e 1994).

Na literatura econômica, portanto, o meu projeto é o de aprofundar os espaços de convergência interdisciplinar tanto nas críticas à nova economia institucional quanto no conjunto das tradições neo-schumpe-teriana e regulacionista.

Da ótica da psicologia existem convergências importantes com a literatura econômica acima citada no que se refere ao desenvolvimento da teoria geral e três tradições específicas, que pretendo aprofundar. Em relação à teoria geral, os trabalhos de Giddens (1991), Beck (1992), Lash (1994) e Bauman (1989), entre outros, sobre as noções de “rotinas”, “reflexividade”, “consciência prática” e “expert systems” estão muito próximos das idéias de “rotina” e “busca” desenvolvidas pela tradição da economia evolucionista, bem como das análises de Dosi, Hodgson (1988) e outros sobre a firma e de Lundvall (1992) sobre a learning economy. A teoria sociológica também oferece pistas decisivas para captar a dinâmica da demanda que apresenta tantas dificuldades para a teoria econômica e que se encontra consensualmente ao centro das definições da nossa sociedade pós-moderna.

Das tradições sociológicas específicas proponho analisar a teoria das redes sociotécnicas de Callon, Latour e outros (1991); a nova sociologia econômica associada com Granovetter (1992), Swedberg (1987), Block (1990) e, mais recentemente, Mingione (s/d.), tendo todos eles raízes comuns na obra de Polanyi (1994) e no Movimento Antiutilitarista nas Ciências Sociais liderado por Caillé e inspirado nos trabalhos do Mauss (1993), o herdeiro da tradição durkheimiana.

A teoria das redes sociotécnicas surgiu da nova sociologia da ciência associada aos trabalhos de Collins, Shapin, Mackenzie e outros, onde a “caixa preta” do laboratório foi sujeita à “pesquisa de campo” para entender a produção e disseminação do conhecimento científico. Na teoria econômica clássica, o progresso técnico ou a incorporação da ciência no processo produtivo foi visto como uma resposta eficiente às mudanças nos preços relativos dos fatores de produção. Esta associação do progresso técnico a uma trajetória unívoca de eficiência tem sido colocada em questão pela economia evolucionista e neo-schumpeteriana com a incorporação de conceitos como lock-in, onde trajetórias tecnológicas “ineficientes” podem se firmar, fechando o caminho a alternativas num processo de estabelecimento de “irreversibilidades” (David, 1996; Boyer, Chavance e Godar, 1991). O trabalho de Callon e Latour vai ainda mais longe na sua análise de rotas tecnológicas em termos da mobilização e consolidação de redes sociotécnicas. Esta metodologia a meu ver pode ser de grande utilidade para desmistificar propostas de modernização agroindustrial no âmbito do Mercosul. Pretendo aprofundar este enfoque para poder examinar, entre outras questões, as estratégias alternativas de modernização que colocam em rota de colisão o modelo de produção não diversificada da unidade familiar e a agricultura especializada.

A nova sociologia econômica associada aos trabalhos inspirados na obra de Polanyi funde duas tradições sociológicas - network analysis e social construction theory - no intuito de desenvolver novos instrumentos analíticos para captar a dinâmica da atividade econômica. Este enfoque, sobretudo no trabalho de Granovetter, representa talvez a alternativa mais abrangente ao reducionismo institucional associado à escola de Williamson (1975). Num diálogo com a literatura econômica (incorporando noções de “irreversibilidade” e “lock-in”), Granovetter elabora uma metodologia que, ao meu ver, evita simultaneamente os problemas de “contingency” e “determinismo” na análise da organização da vida econômica. O seu conceito de “redes sociais”, distinto mas complementar à noção de “redes sociotécnicas” de Callon e Latour, bem como a sua noção específica do “strength of weak ties” permitem uma análise inovadora tanto dos atores, quanto das organizações e instituições econômicas. O artigo clássico de Granovetter sobre a noção de embeddedness já merece citações nos trabalhos de representantes destacados das tradições neo-schumpeteriana e regulacionista. Inicialmente norte-americana, esta corrente foi introduzida nos países nórdicos por Swedberg, e artigos de Granovetter já foram publicados na França. Além dos trabalhos do próprio Granovetter, a coletânea The Sociology of Economic Life (Granovetter, 1992) oferece um panorama do potencial deste enfoque e, numa contribuição recente de grande importância, Mingione, no livro Fragmented Societes, aplica os conceitos de economia sociológica à análise da dinâmica do setor informal na economia moderna. Acredito que insights deste trabalho podem ser muito úteis na análise das formas de organização na agricultura.

A introdução ao livro The Sociology of Economic Life escrita por Granovetter e Swedberg encontra-se publicada na revista Mauss, o movimento antiutilitarista nas ciências sociais, num número intitulado Para Uma Outra Economia (1993). Este grupo, liderado por Alain Caillé, tenta desenvolver bases alternativas para pensar a economia a partir dos trabalhos de Mauss e especificamente a sua noção do gift, que se aproxima das noções de reciprocidade desenvolvidas por Polanyi e elaboradas por Mingione no trabalho citado. Este grupo representa uma tradição especificamente francesa e as suas idéias são desenvolvidas também em debate com as contribuições influentes de Bourdieu. Qualquer esforço de aprofundar uma análise a partir da ótica da sociologia econômica deve levar em conta a produção deste grupo que sintetiza a contribuição francesa a esta temática (que inclui contribuições importantes na área de antropologia econômica) e cuja revista remonta ao início dos anos 80.

A minha proposta, portanto, é aprofundar uma leitura destas tradições convergentes na economia e na sociologia, com o intuito de consolidar uma área de análise de sociologia econômica aplicada à agricultura no CPDA/UFRRJ. Mais especificamente, neste ano me proponho desenvolver três atividades básicas: I) preparar um texto de síntese das distintas correntes indicadas acima para subseqüente publicação; II) organizar material didático com o objetivo de produzir um reader para esta área; III) aplicar este enfoque à análise da reestruturação do sistema agroalimentar no âmbito da globalização e da integração regional do Mercosul.

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