Estudos Sociedade e Agricultura
Manlio S. Fernandes (coord.), Mariangela Guajará, Miguel Angelo da Silva, Ricardo Motta Miranda e Roberto José Moreira
Universidade pública: questões para o século XXI
Estudos Sociedade e Agricultura, 3, novembro 1994: 45-55.
Os textos desta seção foram preparados pelo Reitor da UFRRJ e sua assessoria para subsidiar as discussões do I Encontro de Dirigentes das Ifes da Região Sudeste, a se realizar na Universidade Rural nos dias 17 e 18 de novembro do corrente ano. Ao tomarem conhecimento deles, quando a revista já estava praticamente no prelo, os editores solicitaram autorização para incluí-los na presente edição. Os seus autores esclarecem que eles são apenas uma contribuição para o debate e que a posição dos dirigentes universitários sobre o temário do Encontro só poderá ser conhecido após a sua realização.
1. Introdução
Pensar o passado e o presente, buscando refletir sobre ações que se desdobram no futuro das universidades públicas no Brasil, requer um esforço para o entendimento das complexas e dinâmicas relações entre Sociedade e Universidade. Este texto visa a contribuir para esta avaliação. Procura consolidar idéias que fortaleçam uma ação conjunta das universidades públicas na definição das políticas associadas à ciência e à pesquisa, ao ensino superior e à extensão universitária.
Os processos social-históricos de institucionalização do fazer universitário público comportam elementos dos valores dominantes na consolidação do capitalismo no Brasil, bem como comportam elementos associados às dinâmicas internas da ciência e da pesquisa, do ensino e da extensão universitária. Refletir sobre estas questões requer entender nossas instituições universitárias públicas em associação com a dinâmica dos interesses sociais expressos no Brasil e nas regiões brasileiras neste final de século.
Em um contexto planetário, os desdobramentos da dinâmica capitalista apontam para uma nova ordem de dominação, de exercício da hegemonia. Esta dinâmica está associada às revoluções tecnológicas da comunicação, da engenharia genética, da química fina, da automação e das considerações ambientalistas. A consolidação desta nova ordem sob o império da busca da lucratividade privada não aponta necessariamente para a construção de uma ordem social mais justa.
A nova dominação cultural, que se estrutura neste final de século, tem uma nova face e flexibilidade que a tornam profundamente mais sutil e eficiente do que as dos anos 50 e 60, caracterizando o que alguns autores têm denominado de mercantilização da psique, do subjetivo, da cultura, onde tudo é transformado em mercadoria. A globalização da cultura, associada à dinâmica da indústria das comunicações, recontextualiza a autonomia de todos os Estados-nação. Como manter a autonomia econômica e política quando se fracassa na autonomia cultural?
No Brasil, estes desdobramentos da alta modernidade rebatem-se em duas grandes ordens de questões. De um lado, temos a expressão dos interesses econômicos dominantes que, associados às estratégias neoliberais de integração dos mercados mundiais, reclamam por políticas que visem a modernização das estruturas econômico-produtivas e o redimensionamento da ação e responsabilidade do Estado, em busca do fortalecimento da competição intercapitalista e da incorporação de novas tecnologias. De outro, temos as questões sociais e regionais do capitalismo brasileiro, onde a Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida, coordenada por Betinho, é seu símbolo maior. Novas agendas são colocadas pela radicalização da democracia e da liberdade de expressão e pelo fortalecimento dos movimentos sociais em busca de soluções para as questões sociais do capitalismo brasileiro, dentre as quais, a responsabilização do Estado na esfera da pesquisa e educação. Dentro deste contexto, como fica a definição de prioridades para a ciência e a pesquisa, para o ensino superior e para a extensão universitária? Pensar as Universidades públicas no Brasil do século XXI é também pensar estas questões.
Como estabelecer novas agendas para estes três momentos do fazer universitário no interior das universidades públicas? Como pensar o caráter e a natureza da nova universidade pública neste contexto?
2. Ciência e técnica: apropriação privada e movimentos sociais
A dinâmica contemporânea associada ao fazer científico e técnico aponta para algumas evidências de uma crise paradigmática na ciência. Os desdobramentos do pensamento científico associados aos novos objetos da ciência que se colocam neste final de século XX - as partículas subatômicas, o ser vivo, o código genético, a psique e o social histórico - passam a requerer profundas mudanças nas noções conformadoras da ciência moderna, já em curso nas diferentes perspectivas relativistas. No entanto, as noções de espaço, tempo, matéria, objeto, causa e efeito, essência, identidade e autonomia - herdadas da tradição científica - ainda mantêm o seu vigor no mundo da cultura e em vários campos do conhecimento técnico-científico. Continuam a ser a base da formação de nossas novas gerações de cientistas e de profissionais, em uma perspectiva disciplinar. As mudanças paradigmáticas em curso estão associadas à percepção de que o todo não é uma simples composição da somatória das partes e sim uma totalidade nova, diferente de suas partes componentes. As noções contemporâneas sobre os limites do conhecimento científico e as críticas a este conhecimento - quando tomado como verdade absoluta ou superior - implicam necessariamente no reconhecimento dos valores culturais como parte constitutiva da própria ciência. Este reconhecimento está associado à noção de crise do pensamento científico herdado e se apóia na noção da vivência de alguma crise no conhecimento disciplinar, também vivida no interior da universidade, da formação profissional e da própria ciência. A fragmentação do conhecimento científico nas mais distintas disciplinas e profissões, própria da tradição da análise científica, tem dificultado a compreensão da totalidade dos fenômenos. De um lado, a síntese tem-se mostrado insuficiente para recompor a realidade em sua complexidade e, de outro, a tradição científica toma como dada a realidade do mundo exterior, impossibilitando, no interior deste pensamento, a crítica da cultura e da ordem social.
A noção tradicional de neutralidade da ciência baseia-se na separação do objetivo e do subjetivo. O reconhecimento dos valores como partes constitutivas do próprio saber científico invalida esta noção. Promove a dissociação da noção de razão científica da noção de verdade. Trata-se aqui de reconhecer os limites de validade do conhecimento científico, este é o campo da crítica. Da noção cultural de que o saber científico e técnico é um saber neutro, segue-se, sem demonstração, que o saber científico e tecnológico é socialmente neutro e que, portanto, beneficia a todos. Ideologicamente, esta percepção despolitiza o campo da ciência e da técnica. Este proceder deixa de fora o problema da apropriação privada destes conhecimentos e de sua expressão na definição das prioridades no campo da ciência e a tecnologia e, por conseguinte, na definição da magnitude e da direção do financiamento destas atividades. Pensar a missão das universidades públicas considerando-as apenas como produtoras de conhecimento técnico e como formadoras de profissionais é deixar de fora do fazer científico e técnico as questões políticas e sociais da sociedade.
Como incorporar a própria sociedade no fazer universitário sem politizar a definição das prioridades na destinação de verbas? A privatização da universidade, seja através da privatização da instituição ou da privatização do financiamento, fortalece ainda mais a influência do poder econômico dominante na definição dos destinos da pesquisa e do ensino superior.
Os processos de avaliação do fazer universitário, já em curso nos processos estatuintes, podem apontar para uma nova universidade pública. Este novo caráter estará se consolidando com a incorporação de novas agendas no campo da ciência e da técnica.
A nova universidade pública deverá viabilizar o pensamento complexo e dinâmico, crítico da ciência e da técnica e crítico do social. Deverá, portanto, incorporar o social histórico como parte componente da ciência e da técnica. A agenda aqui aponta para o estímulo à ruptura paradigmática da ciência tradicional, o estímulo ao pensamento flexível e dinâmico, o reconhecimento dos limites e da incerteza e o estímulo à compreensão da esfera político-social da ciência e da técnica.
Aqui se torna importante a garantia da autonomia universitária - própria das universidades públicas - frente aos interesses econômicos dominantes associados à privatização da instituição e do financiamento, bem como à própria apropriação privada do conhecimento científico e técnico. Esta autonomia deve abrir espaço, para a pesquisa e o ensino, voltado para as novas agendas sociais, colocadas e impulsionadas pelos movimentos sociais emergentes, associados à radicalização da democracia e da liberdade de expressão e à oposição ao controle da mente, pelo império da comunicação e da mercantilização do subjetivo. Este é o verdadeiro caráter do exercício da democracia universitária. Garantir o exercício desta autonomia é dever do Estado democrático e das universidades públicas. A privatização do fazer universitário não garante necessariamente esta autonomia. A avaliação das universidades públicas deve valorizar este aspecto qualitativo, hoje ignorado pela grande mídia e pela vertente da avaliação quantitativa. A democratização das universidades públicas implica também na consolidação das universidades nas diferentes unidades da federação, em busca de uma mais estreita ligação com as questões regionais.
3. A formação-educação superior: profissionais e cientistas flexíveis, críticos e responsáveis
As dinâmicas contemporâneas associadas à competição intercapitalista e à expressão dos movimentos sociais apontam para a necessidade de uma educação ininterrupta dos adultos (retreinamento e reciclagem). Estas dinâmicas contemporâneas pressupõem o fim de uma era, onde a perspectiva do emprego estava associada à idéia de um posto de serviço certo e vitalício. Os fenômenos da alta rotatividade da mão-de-obra no futuro estão associados à dinâmica das transformações técnico-econômicas e sociais e à imprevisibilidade de economias e sociedades dinâmicas. Tais processos conformam um ambiente que oferece cada vez menos segurança e estabilidade ao trabalhador. Nos países ricos, os sistemas educacionais associados à nova ordem mundial apontam para os requisitos de eficiência, qualidade e educação continuada dos trabalhadores. A educação é cada vez mais vista como um bem econômico, como mercadoria sujeita à mercantilização. Neste contexto, a avaliação dos sistemas de ensino apontam para a valorização de variáveis que afetam o desempenho educacional, sujeitando-o cada vez mais aos critérios de rentabilidade econômica. Estes critérios obscurecem o papel da educação como um valor moral e ético da ordem democrática.
Esta perspectiva educacional está associada à busca da eficiência econômica e da competitividade nos mercados internacionais e ganha força nos países ricos e da semiperiferia. A visão terceiro-mundista sobre a questão educacional rejeita amplamente os parâmetros econométricos como critérios educacionais e quer que o Estado assuma o custo educacional nos países pobres, para tornar a escola aceitável. Uma terceira perspectiva vê a possibilidade de propor novos objetivos e novos fins educacionais, que abandonem o protagonizo econômico e o substituam pelo da cultura democrática, seja nos centros hegemônicos mundiais, seja fora deles.
O modelo de universidade brasileira que está em cheque neste final de século é o modelo consolidado pela reforma universitária de 1968, em pleno regime militar. Este modelo de formação profissional está associado ao paradigma de ciência acima referido. Associa-se à ver-tente educacional que visualiza os processos educacionais a partir de critérios econômicos e esteve associado aos processos de internacionalização do mercado interno e a internalização de grandes capitais, próprios à dinâmica industrial brasileira dos anos 60 e 70. Neste modelo a única crítica legitimada é a crítica à técnica, requisito básico para a inovação tecnológica.
Ao nível cultural e ideológico, este modelo de formação universitária se baseia nas noções de ciência neutra e crítica que, por sua vez, fundamentam a noção ideológica de que o saber científico e técnico é um saber superior. Não caberia aqui a idéia de um saber “superior” e sim o reconhecimento que este saber é saber relativo às condições de sua validação. A idéia de “superior” envolve juízo de valor, portanto, envolve o campo da ética, da moral e da justiça. Deste meandro ideológico valorativo segue-se que os outros saberes, como o senso comum, o saber das artes, o saber religioso, o saber filosófico, o saber ético e os saberes associados aos valores culturais são “inferiores”, não tendo, contudo, espaço legitimado na estrutura curricular dos cursos profissionalizantes.
A esta mistificação do saber científico e técnico associa-se a idéia de que nossas decisões devem ser pautadas pela razão científica e tecnológica. A universidade enquanto instância deste saber “superior” teria o papel - a missão - de gerar e transmitir o saber técnico, formar o profissional-técnico. Segue-se, neste raciocínio ideológico, não demonstrado, que ao cumprir este papel a universidade atenderia, dessa forma, aos interesses da sociedade. Neste contexto, a idéia de superioridade serve de elemento legitimador ao argumento de que as decisões políticas devem ser decisões técnicas, tão cara à tecnoburocracia e ao autoritarismo. Este argumento oculta os interesses econômicos e sociais que são beneficiados por estas decisões: os interesses das elites econômicas e sociais.
Neste quadro ideológico, a missão da universidade se restringe à formação de técnicos de melhor qualidade e de técnicas de ponta: o objetivo é garantir o avanço da produção, da produtividade e da eficiência econômica. A difusão deste conhecimento técnico resolveria os problemas da sociedade. O desenvolvimento econômico e tecnológico é visto como a solução para os problemas nacionais. A ciência e a técnica funcionam como elementos da ideologia e dos interesses dominantes, como elementos ocultadores dos meandros da dominação social. Enquanto apoiadas neste modelo, as universidades públicas tendem a formar cientistas e profissionais ingênuos, capazes de realizar a crítica da técnica, mas incapazes de compreender os interesses econômicos e sociais.
O ocultamento da natureza e do caráter das relações sociais dominantes e seus elementos de desigualdade, próprio desta ideologia, torna o profissional incapaz de realizar a crítica do social, tão necessária à consolidação da ordem democrática. Este elemento da ideologia dominante e este procedimento acrítico, no que se refere às relações da universidade e da sociedade, vai, assim, reduzir o fazer científico ao seguinte questionamento: mantendo-se as condições sociais constantes, como mudar as técnicas em uso, visando um progresso material? Esta formulação é a formulação que aprendemos e ensinamos subliminarmente nos bancos escolares e na prática da ciência moderna.
Este modelo está em crise. As questões da contemporaneidade e a aceleração da dinâmica do conhecimento e dos mercados estão cada vez mais requerendo um profissional com capacidade de pensar criativa-mente, que tenha flexibilidade no pensamento, que seja adaptável a novas situações imprevisíveis e, principalmente, que seja sensível às questões da sociedade e da democracia. Estas dinâmicas tendem a tornar o conhecimento transmitido obsoleto. A valorização de novos conhecimentos e de novas técnicas é, ao mesmo tempo, a desvalorização do conhecimento e das técnicas anteriormente transmitidas.
As estruturas acadêmicas, objeto de críticas da mídia, em processo de avaliação nas estatuintes, estão ainda fortemente impregnadas por este modelo tecnicista e pela ordem autoritária que o consolidou.
Não devemos nos esquecer do embate ideológico que vai acompanhar a configuração de novas agendas para a universidade pública. A crítica a esta concepção tecnicista é um dos aspectos fundamentais deste embate. A nova universidade pública não pode continuar vestindo este velho modelo tecnicista e autoritário.
Como pensar a nova universidade pública dentro do contexto que estamos aqui delineando? Como realizar a ruptura com o modelo anterior? Como exercer uma autonomia universitária na definição do perfil do profissional? Como buscar a formação de profissionais e cientistas flexíveis, críticos e responsáveis pelo exercício de sua profissão e pela defesa e radicalização da ordem democrática?
A própria tradição da ciência e da divisão de trabalho das sociedades modernas, com suas diferenças sociais e profissionais, imprimem historicamente um elemento de especialização na formação profissional. A questão aqui não é negar a profissionalização mas sim qualificá-la de outra maneira. Neste contexto a diretriz geral para a ação das novas universidades públicas, no campo da formação de cientistas e profissionais, deve apontar para a formação de profissionais e de pesquisadores capazes de pensar criticamente o próprio conhecimento científico e a sociedade. Em um sentido mais geral, podemos dizer: crítico do conhecimento científico e técnico e crítico da cultura. Em um sentido mais geral ainda, podemos dizer que precisa-los formar profissionais e cientistas capazes do pensar crítico. A diretriz é a formação de novas mentalidades críticas.
Mudanças na concepção dos cursos profissionalizantes, bem como das grades curriculares, se farão necessárias. Esta formação profissional deverá buscar a negação do tecnicismo, buscar a negação do rígido. A nova universidade pública deve ter como objetivo a geração de um profissional atento aos problemas que permeiam o todo social, com consciência não só dos aspectos técnicos e científicos, mas também dos aspectos culturais, sociais e políticos associados à sua profissão. Estes novos conhecimentos relativizariam o seu conhecimento especializado e o tornaria mais capaz ao diálogo, à prática da democracia e ao trabalho interdisciplinar. Esta formação deveria também enfatizar o exercício da crítica, tanto no sentido do questionamento dos paradigmas científicos, quanto no sentido de garantir o embate entre diferentes visões de mundo, próprio da crítica da cultura. Um aluno sujeito, ativo e não passivo, permitirá ampliar o campo da criação e da cooperação inter-disciplinar. A prática pedagógica poderia privilegiar a cooperação e não apenas a competição individualizada. Estas práticas certamente formariam um profissional mais capaz à cooperação interdisciplinar e mais sensível à necessidade do diálogo.
Estas novas agendas, para se realizarem, deverão ser consolidadas em novas estruturas acadêmicas e curriculares que, de uma forma ou de outra, os processos estatuintes já estão colocando. Há a necessidade de aprofundar estas reformas visando os objetivos aqui delineados.
O currículo mínimo de cada profissão deveria ser eficientemente utilizado para a conformação de profissionais competentes, capazes da crítica da ciência e da técnica, flexíveis no campo de sua profissão, treináveis e criativos. Os currículos mínimos devem ser objeto de reavaliação dentro desta nova perspectiva. Cada universidade pública deveria ainda, no exercício de sua autonomia, definir claramente o currículo pleno de cada formação profissional. Este é o campo para o exercício da especificidade e das diferenças entre as universidades públicas, seja ao nível de sua inserção social, regional ou nacional. Na atualidade, o currículo pleno tende a reforçar o modelo tecnicista.
A consolidação desta perspectiva vai requerer que seja reservado, na grade curricular, um espaço acadêmico onde os conteúdos relativos à compreensão e ao estudo do social histórico seriam ensinados, também criticamente. Este espaço visaria, ainda, a reflexão e discussão dos valores éticos e morais da vida em sociedade. Os objetivos da formação profissional devem estar associados à consolidação da liberdade de expressão, à radicalização da democracia e à busca de uma sociedade mais justa e solidária.
A própria noção de extensão universitária, como um processo unidirecional que estende o saber para fora da universidade, deve ser criticada. Esta noção pressupõe o saber universitário como “superior”. A dinâmica da extensão universitária deve ser capaz de reconhecer e valorizar os outros saberes com os quais vier a interagir. Compreendemos a extensão como um processo de interação de mão dupla entre a universidade e a sociedade, como um campo privilegiado de sinalizações entre a sociedade e a universidade. É, ao mesmo tempo, um campo de prestação de serviços dinamizadores de transformações sociais e um campo de expressão de demandas e necessidades sociais emergentes.
As novas agendas relacionadas à extensão universitária devem ser buscadas em consonância com os objetivos que a nova universidade pública vier a perseguir, tanto no campo da ciência crítica, como no campo da formação profissional. Estes mesmos objetivos devem ser perseguidos pela extensão universitária, visando a democratização do acesso e das temáticas.
4. Política universitária
A liderança exercida pelos reitores das universidades públicas deve se voltar, tanto interna quanto externamente, para a defesa e a implementação desse novo fazer universitário.
As tensões que conformam essas lideranças envolvem o conflito básico entre os enormes aparelhos científicos, técnicos e burocráticos e os interesses da maioria da população. A luta pela democratização da universidade pública é assim mais profunda do que apenas a abertura dos bancos escolares às pessoas oriundas das classes populares e a democratização dos processos eleitorais relativos à escolha desses dirigentes.
As estratégias para a consolidação da nova universidade pública devem ser acompanhadas, também, pela participação efetiva na formulação das políticas científicas e tecnológicas, na definição da destinação de verbas, nos esquemas de financiamento, e na defesa do caráter público do fazer universitário. Estas questões têm a ver com a missão da universidade em relação às questões morais e políticas com que se defronta a sociedade e a linha de ação oficial para a ciência: o grau de controle, direção e autonomia da pesquisa, verbas, etc. Neste contexto, as universidades se transformaram em entidades políticas em busca de verbas.
A politização destas questões não envolve apenas as relações entre reitores e governo ou entre a instância pública e privada. Envolve, também, aqueles que falam em nome da ciência e da Universidade, tais como: cientistas e professores eméritos, cuja autoridade lhes é conferida pela comunidade carismática da ciência; as associações profissionais e científicas, como SBPC; as instituições de apoio ao fazer científico e universitário, como a Capes e o CNPq; e os movimentos sociais organizados nesta esfera, como a Andes, a UNE e a Fasubra. O próprio Crub aglutina uma diversidade de concepções e interesses públicos e privados.
É um campo de lutas complexo, que requer a aglutinação de forças e de ações conjuntas, em defesa do espaço para a nova universidade pública e as fontes financeiras para a sua consolidação.
É fundamental, para a consecução dos objetivos delineados pelas novas agendas da contemporaneidade, que a universidade seja pública. Dentro deste raciocínio, é preciso evitar e combater, na própria universidade, todos os mecanismos e processos que levem a - ou permitam - sua privatização. A universidade é um espaço privilegiado, criado no seio da sociedade, onde pessoas especializadas se dedicam à tarefa de criar novo conhecimento, de trabalhar na fronteira do conhecimento humano e de transmitir conhecimentos e tecnologias gerados para toda a sociedade. Este processo tem que ser transparente, tem que ser público, e todos os membros da sociedade, principalmente os estudantes, que são parte dessa população especializada, devem ter acesso gratuito aos conhecimentos e produtos da universidade.
Cabe aos reitores das IES a liderança deste processo, tanto no interior de suas instituições, quanto na realização de esforços conjuntos para a viabilização e consolidação desta nova perspectiva para a universidade pública com vistas ao século XXI.