Estudos Sociedade e Agricultura
John Wilkinson & Luis Carlos Mior
Setor informal, produção familiar e pequena agroindústria: interfaces
Estudos Sociedade e Agricultura, 13, outubro 1999: 29-45.
Resumo: (Setor informal, produção familiar e pequena agroindústria: interfaces). Neste artigo tentamos aproximar os enfoques do novo mundo rural e as pesquisas que priorizam novas formas de inserção nos mercados agroalimentares através de uma reflexão sobre o setor informal. Algumas considerações analíticas sobre o setor informal são apresentadas e exemplificadas através de uma discussão sobre o setor informal na cadeia de lácteos tomando como referência o Estado de Santa Catarina.
Palavras-chave: Setor informal, lácteos, Santa Catarina, agroindústria familiar.
Abstract: (The Informal Sector, Family, Farming and Small-Scale Agroindustry: Interfaces). In this article we attempt to bring closer approaches based on the idea of the new rural world an research which gives pride of place to new agrofood markets trough a consideration of the informal sector. Some analytical considerations on the informal sector are presented and exemplified trough a discussion of the informal sector in the dairy food chain, using data from State of Santa Catarina as a reference point.
Key words: Informal Sector, dairy production, Santa Catarina, family-based Agroindustry.
John Wilkinson é professor da UFRRJ / CPDA
Luiz Carlos Mior é agrônomo da Emater / SC, mestre pela UFRRJ / CPDA e doutorado na UFSC
Introdução
As linhas de pesquisa desenvolvidas recentemente no Brasil sobre o novo mundo rural têm chamado a atenção para a importância da agricultura de tempo parcial, de empregos não-agrícolas no meio rural, da crescente homogeneização do espaço rural-urbano e do surgimento de novas atividades ligadas sobretudo à apropriação do espaço rural para lazer ou consumo (chácaras, agroturismo etc.). Estas investigações têm ocorrido à farta literatura sobre as transformações do meio rural na Europa e nos EUA. Os trabalhos são oportunos e já identificaram temas que deveriam formar o elenco de novas estratégias econômicas no meio rural (Graziano da Silva, 1996).
No entanto, não existe uma transposição fácil entre tendências nos países desenvolvidos e a análise do estágio da recomposição do meio rural no Brasil, onde ainda temos 25% do PEA na área rural, contra média de 5% no Norte da Europa e 2-3% nos Estados Unidos. Por outro lado, os trabalhos sobre o novo mundo rural parecem incluir atividades agroindustriais como parte (de fato maior parte) do “não-agrícola”, o que significaria reverter uma distinção entre agricultura e industria que a literatura sobre complexos e cadeias agroindustriais nos últimos 20 anos tentou superar (Goodman, Sorj & Wilkinson, 1990). Longe de fazer parte do novo rural, estas atividades são tão antigas quanto à agricultura familiar e sua inclusão nesta rubrica obscurece o surgimento de um novo tipo de valorização do espaço rural para o qual estes estudos, com razão, têm chamado atenção e que deve ser levado em conta nas políticas locais e regionais.
Enquanto os estudos do novo rural talvez tenham a sua maior inspiração nos trabalhos anglo-saxônicos, uma outra corrente de análise no Brasil, influenciada pela literatura francesa, também identifica uma nova ruralidade, vista agora fundamentalmente como o resultado de uma recente estratégia de produção agrícola em que commodities cedem lugar a produtos artesanais (Allaire & Boyer, 1992). Por esta via, a produção familiar encontra uma dinâmica alternativa de inserção através de mercados de nicho que desfrutam de preços-prêmios. Esta tendência se confunde com o rápido desenvolvimento do mercado de agricultura orgânica que, em médio prazo, oferece maior fôlego à medida que é definida em termos de processos genéricos com aplicação a qualquer produto. Trata-se de um mercado ainda de nicho mas com vocação para “comoditização” (Nicolas & Valceschini, 1992).
Estas análises e estratégias têm como pano de fundo o novo ambiente competitivo responsável pela reestruturação das cadeias agroindustriais tradicionais. Um conjunto de fatores nos anos 90 – liberalização, desregulamentação, integração regional – estabeleceu novas condições de competitividade nestas cadeias caracterizadas por uma maior sofisticação nos padrões de demanda, pressões para a tecnificação do setor primário, combinado com a busca de economias de escala a maior controle sobre a qualidade da matéria-prima. O perfil de investimentos recentes nos cerrados das regiões do Centro-Oeste, Norte e Nordeste tornou estas tendências ainda mais nítidas (Castro, 1995).
Este processo parece colocar em xeque o modelo agroindustrial consolidado a partir dos anos 60 que privilegiava, em várias cadeias, a integração contratual (mais ou menos formal) da produção familiar. A identificação deste padrão de agroindustrialização foi ofuscada pelo predomínio da noção de “modernização conservadora” que só enxergava a capitalização da grande propriedade. (Wilkinson, 1995). Ironicamente, quando o reconhecimento do papel da produção familiar na modernização agroindustrial se difundiu na literatura, as empresas lideres já estavam caminhando na contramão. Concentração, especialização e conseqüente exclusão da produção familiar diversificada têm sido a tônica da reorganização de muitas cadeias nos últimos 10 anos. (O modelo de contratos de integração ressurge, por outro lado, nas áreas de fruticultura irrigada no Nordeste do país).
Ao mesmo tempo, sabemos que o setor informal ocupa um espaço significativo em várias cadeias de consumo popular – 40% no leite, 50% na carne bovina, 10-20% nas carnes brancas – e parece ter aumentado a sua participação no período de acelerada demanda pós-Plano Real. Esta dupla realidade – a menor importância do modelo de integração e o peso do setor informal (podemos acrescentar também a crise do modelo tradicional de cooperativismo) – dá sentido, por exemplo, as novas políticas Pronaf Agroindústria, Prove ou ainda o programa de agroindustrialização da Concrab, que norteiam por estratégias autônomas de agroindustrialização por parte da produção familiar (Wilkinson, 1998).
Junto com estratégias não-agrícolas e artesanais do “novo mundo rural”, fica claro, pelo tamanho do setor informal, que ainda existem mercados importantes ocupados pela produção familiar nas cadeias de produtos alimentares tradicionais que precisam ser mantidos, bem como novos mercados conquistados. De fato, a fronteira entre commodities e produtos artesanais na pequena agroindústria é bastante fluida. Muitas vezes, a mesma agroindústria oferece os dois tipos de produtos simultaneamente ou evolui de um para outro. O mesmo pode ser dito sobre a relação entre a pequena agroindústria e o turismo rural, onde o consumo cultural que serve como atração passa, em grande parte, pelas tradições alimentares locais. No caso brasileiro, portanto, o novo mundo rural se constitui num continuum abrangendo a inserção mais autônoma nas cadeias tradicionais, a produção artesanal e o turismo rural dentro de estratégias locais e regionais de reconversão.
Neste artigo, queremos contribuir para a discussão de estratégias viáveis à produção familiar e ao desenvolvimento regional com base em algumas considerações a respeito da dinâmica do setor informal agroindustrial, sobretudo na cadeia protéica. À medida que o setor informal se confunde com a pequena e a média agroindústrias (desconsiderando a questão da sonegação) pensamos que o lema deveria ser “o setor informal é nosso”, ou melhor, “pela regulamentação do setor informal a favor da pequena e média agroindústria”, questionando portanto, a inevitabilidade de economias de escala ou critérios de qualidade que excluiriam este setor. A seguir, discutimos os distintos sentidos do setor informal e tentamos, usando ilustrativamente a cadeia de leite no Estado de Santa Catarina: a) dimensionar o seu tamanho e as suas características e b) avaliar a sua dinâmica à luz da reestruturação competitiva e institucional destes mercados.
A natureza do setor informal
No mundo acadêmico e nos organismos internacionais existem várias definições do setor informal como também avaliações positivas e negativas do seu significado. Num extremo, ele pode ser identificado com a pobreza e / ou a sonegação, enquanto, noutro, vários autores vêem o setor informal como uma reação criativa à burocracia estatal e à inadequação na provisão de serviços tanto públicos como privados.
O setor informal distingue-se do ilegal pelo fato de seus produtos não serem proibidos, como no caso de drogas ou contrabando. Trata-se de uma atividade cujos processos de produção não se enquadram nos padrões de regulação vigentes. Isto pode se referir às relações de trabalho (sem carteira, trabalho infantil), às instalações (sem alvará) ou às normas técnicas de produção (não adequação ao regulamento industrial e sanitário). Enquanto no primeiro caso o órgão repressor apropriado é a policia, no segundo os organismos de fiscalização são responsáveis pelo enquadramento. O setor informal, portanto, é definido fundamentalmente a partir das normas reguladoras do Estado. Ao mesmo tempo, o termo pode se estender a atividades que não reconhecem normas e práticas adotadas por grupos organizados da sociedade civil (grêmios, associações de classe etc.). Neste caso, sanções sociais podem substituir a falta de instrumentos legais de repressão.
Ao longo do tempo, a relação entre os setores formal e informal pode ser muito variável. Diante da falta de regulação estatal e da ausência de normas e praticas estabelecidas, a base para distinguir o formal do informal desaparece. Por sua vez, a ação reguladora do Estado pode ter origens variadas. Ela pode surgir: a) das pressões de autores domésticos; b) de interesses próprios ao Estado ou, ainda, c) a partir de oportunidades e / ou ameaças provenientes do âmbito internacional. Diversos motivos podem, também, influenciar as normas e as regras que definem a auto-organização de distintos setores econômicos – busca da confiança do cliente, a construção de barreiras à entrada ou ainda o impacto de novos conhecimentos. Muitas vezes, o alto grau de consenso alcançado pode deixar quase invisíveis os interesses e valores em jogo, sobretudo quando é o caso da internalização de regulamentações internacionais. Em todos os casos, porém, trata-se de um processo de negociação que envolve interesses e valores diversos, sujeito à revisão periódica.
O setor informal, portanto, define-se como uma atividade que não adota as normas e as regulamentações que prevalecem num determinado momento no setor em que opera. Estas normas e regulamentações, no limite, podem representar imposição de interesses específicos dentro do setor e a simples criação de barreiras à entrada. Por outro lado, eles podem expressar valores ou objetivos compartilhados, mas para os quais existiriam opções alternativas de normas e regulamentações. E, finalmente, estas normas e regulamentações podem representar um “ideal”, refletindo valores e conhecimentos consensuais, tanto do lado da produção quanto do consumo, mas cuja adoção implica custos proibitivos.
Uma parte significativa do setor informal se constitui a partir de esforços de burlar as leis e regulamentações, sejam fiscais (tributos), trabalhistas (contribuições sociais, salário mínimo, trabalho infantil) ou sanitárias (abate de animais contaminados), ferindo os direitos do cidadão / trabalhador / consumidor. Nestes casos, não existe defesa, muito embora seja importante reconhecer as ambigüidades que cercam cada uma destas categorias: burocracia excessiva e corrupção podem motivar evasão fiscal; a linha divisória entre exploração do trabalho infantil e a unidade familiar de produção pode ser fina; o desconhecimento pode ser a causa de falhas sanitárias.
Se médios e grandes produtores podem optar pelo setor informal por razões excusas, a pequena empresa tampouco deveria ser automaticamente associada ao setor informal. Muitas pequenas empresas, sobretudo aquelas constituídas por “novos entrantes”, visam nichos de alto valor o onde enquadramento nas regras vigentes no setor torna-se a pré-condição para o êxito. Com estas ressalvas, porem, existe uma forte convergência entre o pequeno e médio empreendimentos e o setor informal, especialmente em se tratando de atores tradicionais e pouco capitalizados.
O setor informal nos lácteos
Com base nestas considerações, tentaremos caracterizar o setor informal na cadeia de lácteos, recorrendo a informações sobre o Estado de Santa Catarina para fins de exemplificação. Tradicionalmente não existia regulamentação do setor primário desta cadeia, nem da sanidade do rebanho, nem das praticas de coleta e tampouco da qualidade do leite. Assim, não se podia falar de um setor informal. A partir de 1950, a Lei 1.283 iniciou o sistema de fiscalização federal de produtos de origem animal e o leite entra para o setor formal na medida em que é entregue a laticínios mediante esta inspeção. A partir do inicio dos anos 80, surgiu uma distinção, e em seguida conflitos, entre um setor tecnificado / especializado e um setor tradicional / não-especializado. Nos anos 90, como veremos adiante, inicia-se um movimento pela regulamentação do setor primário que estabeleceria os critérios para uma divisão entre formal e o informal no nível da propriedade agrícola.
Na fase agroindustrial da cadeia, até a Constituição de 1988 basicamente só existia o sistema federal de inspeção (SIF) de leite, embora os maiores municípios também tivessem algum tipo de regulamentação. Todos os laticínios não enquadrados no SIF ou na habilitação municipal, portanto, faziam parte do setor informal, ou seja, para a produção e o comercio intra-estadual e municipal a distinção entre os setores formal e informal ainda não tinha contornos claros. Com as medidas de descentralização incorporadas na Constituição, sistemas estaduais e municipais de inspeção foram elaborados e implementados. No Estado de Santa Catarina, estes entraram em efeito a partir de 1994.
Com estas novas regras, o setor formal agora é composto de vários níveis. Os laticínios com SIF podem comercializar os produtos no seu Estado e exportar para outros Estados e para o exterior, dependendo da regulamentação do país importador. Os laticínios SIE e SIM têm a fronteira dos seus mercados determinada respectivamente pelo Estado e pelo município onde operam. A existência de três níveis de inspeção aparentemente se choca com a sua finalidade única, ou seja, a saúde do consumidor. No caso de mercadorias locais, curtas distancias e, conseqüentemente, tempos entre produção e o consumo podem justificar procedimentos diferentes (por exemplo: sistemas limitados de frio). No caso SIE, estas ressalvas não valem e, de fato, as normas exigidas se assemelham ao sistema federal, o que coloca em duvida a justificação de um sistema SIE. Esta distinção entre os sistemas estadual e federal, portanto, pode esconder considerações predominantemente comerciais e / ou administrativas.
Os sistemas vigentes governam os critérios sobre a abrangência dos respectivos raios de comercialização. Independentemente deste fator, as normas impostas talvez não sejam as únicas capazes de assegurar a finalidade comum – a proteção da saúde do consumidor. Os custos e a natureza dos equipamentos exigidos pelas normas técnicas impõem barreiras à entrada, talvez desnecessárias, aos pequenos empreendimentos.
Movimentos para compatibilizar os interesses de pequenas agroindústrias e de proteção ao consumidor têm resultado em legislações especificas de âmbito estadual, que agora regulamentam empreendimentos que não se enquadrariam dentro do SIE. Em Santa Catarina, a lei 10.610 de 1997, regulada pelo Decreto 3.100 de 1998, aprovou “Normas Sanitárias para a Elaboração e Comercialização de Produtos Artesanais Comestíveis de Origem Animal e Vegetal”. Legislação similar foi aprovada também no Distrito Federal para amparar o Projeto de Verticalização da Pequena Agricultura. Outros Estados (Paraná e São Paulo) estão encaminhando na mesma direção.
Muito embora a origem destes movimentos possa ser unicamente a defesa dos interesses de pequenos empreendimentos, esta defesa precisa passar pela legitimação de normas técnicas em função da proteção ao consumidor. Interesses, portanto, precisam passar pelo crivo da atribuição de valores consensuais, ou majoritários, as normas e práticas técnicas sempre sujeitas à renegociação à luz de novos conhecimentos. Na linguagem da teoria das convenções, valores e interesses são intermediados por instrumentos e práticas técnicas. Discutiremos abaixo estas novas medidas de institucionalização da cadeia, mas primeiro faremos uma caracterização do setor PME / informal na cadeia de lácteos (leite fluido e derivados), utilizando os dados de Santa Catarina.
Características do setor PME / informal de lácteos em Santa Catarina [1]
A produção de leite cresceu em torno de 40% entre 1985 e 1995 no Estado de Santa Catarina, enquanto a participação dos estabelecimentos de até 50 há mantinha-se constante em mais de 80%. No entanto, houve um grande deslocamento da produção par o Oeste Catarinense num processo espontâneo de reconversão fora da suinocultura, que já analisamos em outra oportunidade (Wilkinson, 1997). Em comparação aos cálculos para o país como um todo (que giram em torno de 40% ou mais, segundo o Leite Brasil), a venda informal do leite em Santa Catarina é baixa e, apesar do grande aumento na produção de leite, a participação deste segmento do setor informal diminui fortemente neste período. Todavia, ele é ainda responsável por um mercado de grande relevância para a produção familiar.
Na tabela a seguir apresentamos um conjunto de dados sobre a produção e o destino do leite em santa Catarina.
Tabela 1. Produção e destino do leite em Santa Catarina, 1985-1996 (milhões de litros).
Descriminação
1985
1996
Produção total de leite (1)
630
869
Leite vendido total (1)
371
557
Leite inspecionado (SIF / SIE / SIM) (2)
131
376
Leite - venda informal
240
181
Consumo nos estabelecimentos agropecuários
Consumo animal na propriedade (3)
50
45
Consumo humano na propriedade (3)
71
105
Transformação no estabelecimento agropecuário (4)
138
162
Fontes: (1) Censos Agropecuários do IBGE; (2) Fonte: IBGE – Pesquisa mensal de leite; (3) Estimativa de autores; (4) Estimado pelos autores. O censo do IBGE de 1996 não disponibilizou este dado.
O setor informal de leite é calculado com base na discrepância entre estimativas de produção global e o leite entregue aos laticínios inspecionados. Para aproximar o conceito do setor informal aos mercados atuais e potenciais da pequena agroindústria, é preciso se discriminar também o leite consumido na propriedade agrícola para consumo humano e animal; o leite comercializado diretamente da propriedade; os derivados de leite produzidos na propriedade para consumo próprio e para venda; e o leite entregue às agroindústrias tipos SIE e SIM.
Nota-se que, enquanto a venda informal do leite caiu substancialmente, houve um aumento na transformação do leite dentro da propriedade agrícola de 138 para cerca de 162 milhões de litros. Estes dados são muito importantes para estratégias de valorização da produção familiar e sobretudo para políticas agroindustriais baseadas na propriedade rural.
Os dados do IBGE incluem informação sobre a produção de derivados de leite nos estabelecimentos agrícolas que é apresentada na Tabela 2 a seguir:
Tabela 2. Evolução do número de estabelecimentos e da produção transformada de leite e derivados em Santa Catarina (1970 – 1996).
Ano
Total de Informantes
Total de processadores de leite
Leite utilizado (mil l)
Queijo ou Requeijão
Creme
Manteiga
Informantes
(ton.)
Inform.
(ton.)
Inform.
(ton.)
1970
207.218
44.484
77.219
32.476
5.435
4.190
461
18.450
1.163
1975
206.505
42.479
72.655
37.615
5.804
3.848
361
10.861
513
1980
216.159
64.708
125.139
58.813
10.432
12.917
1.009
12.883
549
1985
234.973
73.299
138.813
63.428
11.674
10.710
927
14.594
544
1995-96
203.347
69.000*
162.000*
59.741
13.837
-
-
15.864
557
* Estimativa dos autores. O censo não disponibilizou este dado para o ano de 1996.
Fonte: Censos Agropecuários do IBGE.
Dos 203.347 estabelecimentos pesquisados em 1995-96, 145 mil produzem leite, dos quais 60 mil declaram-se produtores de queijos responsáveis por 13.837 t. Na tabela 3, podemos constatar que nada menos que 8.590 t. são transacionadas fora da propriedade, envolvendo 21.398 produtores para um valor de R$23.166,00.
Tabela 3: Destino do queijo e requeijão produzido nos estabelecimentos agropecuários de Santa Catarina em 1996.
Destino doqueijo / requeijão
N. de produtores
Qtde produzida
Qtde vendida
Valor (mil R$)
Consumo no estabelec
38.287
4.099
325
9.819,00
Estocado no estabelec
58
14
3
36,0
Entregue à cooperativa
168
65
54
160,0
Entregue a industria
183
114
103
259,0
Entregue a intermediário
12.226
6.227
5.647
14.343,0
Venda direta ao consumidor
8.819
3.319
2.786
8.404,0
Total
59.741
13.838
8.918
33.021,0
Fonte: Censo Agropecuário de 1996.
A produção conjunta desta pequena agroindústria rural de queijos é igual ao total produzido sob inspeção do SIF em Santa Catarina, estimada em 13.000 t. em 1995. trata-se de um mundo de produção e consumo que combina produção própria, venda entre vizinhos e colocação em diversos pontos de vendas nas pequenas cidades e na periferia das cidades de porte médio, muitas vezes como prolongamento de laços pessoais e de parentesco. Existe uma grande diversidade de mercados – hotéis, lanchonetes, pequenos armazéns, creches, quiosques de beira de estrada, pizzarias (inclusive fora da região e até fora do Estado), além do supermercado. O queijo artesanal, bem como outros produtos – leite, nata, iogurte - , é também comercializado na própria propriedade do agricultor e, embora seja de pequenas quantidades, este mercado é muito importante para as famílias no meio rural.
O Brasil passa por um processo rápido de transformação do mercado de leite fluido. A integração regional do Mercosul, num contexto de desregulamentação domestica, foi responsável por uma queda de aproximadamente 40% no preço real do leite ao produtor no período 1994-98, pressionando para a modernização de sistemas de coleta. A expansão do leite Longa Vida, que representava apenas 4% do total do leite fluido em 1990 e subiu para mais de 60% em 1997, acelerou tendências de concentração entre laticínios. Santa Catarina sofreu as mesmas tendências e os dados constantes das Tabelas anteriores apontam para um avanço da coleta de leite inspecionado bem maior do que a media do país.
Em Santa Catarina, nos anos 90, houve, inclusive, um grande crescimento do número de indústrias e do volume do leite recebido e industrializado sob SIE. Com o estabelecimento do SIE em 1993, o interesse das agroindústrias em se legalizar aumentou de forma continuada e, segundo técnicos da Cidasc, existem mais de 30 pedidos em processo de análise.
Tabela 4. Mercado de leite com serviço de inspeção estadual em Santa Catarina.
Anos
N. de
estabelecimentos
industriais
Leite cru
recebido
(mil litros)
Leite C
(mil litros)
Leite
industrializado
(mil litros)
Queijo
produzido
(mil litros)
1995
4
4.209,1
2.559,8
1.445,5
-
1996
12
7.519,1
3.895,3
2.725,6
358,0
1997
22
18.155,0
6.258,5
11.505,3
1.076,8
1998
33
29.621,9
6.208,7
22.629,8
2.120,0*
* Estimativa.
Fonte: Cidasc.
Das 33 agroindústrias co SIE, 22 já estavam anteriormente com serviço de inspeção municipal (SIM), ou mesmo na informalidade. As restantes (11) foram constituídas nos últimos anos, buscando aproveitar a forte dinâmica deste mercado.
A tabela 5 a seguir mostra a forte expansão também da produção de leite longa vida no Estado.
Tabela 5. Mercado de leite SIF em Santa Catarina.
Anos
Em milhões de litros
Leite C
Leite B
Leite A
Longa vida
1991
155,9
2,2
0,54
5,8
1993
146,8
2,4
0,98
8,2
1994
132,7
2,3
1,22
27,9
1995
133,4
2,7
1,23
55,4
1996
82,9
2,2
0,82
75,4
Fonte: MA / SC. Tabulação Icepa.
O leite informal ainda representa em torno de 30% do total entregue a laticínios, mas sofre pressões cada vez mais fortes com o avanço da granelização, a racionalização dos sistemas de coleta e o inicio de maior rigor nos patamares de qualidade e fiscalização. A sobrevivência como fornecedor de leite fluido exige iniciativas de adaptação que passam pela associação entre produtores para a compra de tanques de expansão e equipamento de ordenha, o uso de pasto e a contratação de serviços de assistência técnica e de transporte. A organização deste segmento informal está na ordem do dia, mas envolve grandes desafios tecnológicos, de ação coletiva e de políticas.
Diante destes desafios, a opção pela produção de queijos e outros derivados pode se apresentar como mais atraente. O próprio setor formal de queijos está muito mais fragmentado do que no caso de leite fluido, e houve um forte aumento da demanda nos anos 90.
Tabela 6: Evolução da produção de Queijos nos anos 90 em Santa Catarina.
Ano
Queijos (mil kg)
Requeijão
(mil kg)
Manteiga
(mil kg)
Iogurte
(mil kg)
Creme de leite
(mil kg)
Minas
Prato
Parmesão
Mussarela
Fundido
1992
314,7
2.193,1
329,0
1.863,6
41,8
299,7
650,0
859,0
1.735,4
1993
451,9
2.832,5
244,2
3.023,0
52,4
254,4
493,0
811,5
2.025,0
1994
400,6
3.159,9
206,2
3.833,4
40,8
295,8
652,5
2.542,2
2.223,9
1995
519,6
3.303,0
384,0
4.207,9
73,2
473,6
803,7
3.052,9
2.831,7
1996
375,9
2.936,1
319,7
4.874,7
30,0
639,6
767,5
3.159,2
2.665,0
Fonte: MA / SC / ICEPA SC.
A produção de queijos, por sua vez, representa apenas uma extensão das atividades da cozinha e no inicio é quase indistinguível destas ultimas. Oferece a vantagem também de ser uma atividade factível no âmbito de uma propriedade individual, otimizando, ao mesmo tempo, a oferta de mão-de-obra da mulher. A grande maioria destas agroindústrias não passa de 1.200 l de leite industrializado por mês. No caso do queijo, isto significaria uma produção de aproximadamente 120 kg / mês ou 4 kg / dia. Alem do leite pasteurizado, estas agroindústrias produzem queijo, nata, coalhada, iogurte, doce de leite, picolé e sorvete. Contudo, o que predomina é o queijo que é o produto por excelência ligado à produção familiar. No entanto, estamos falando de um universo de mais de 60 mil produtores, dos quais 20 mil comercializam uma parte da sua produção.
Muito embora a conjuntura atual favoreça a sua expansão, trata-se de uma atividade com grande tradição no Estado, tendo muitas destas agroindústrias iniciado suas atividades ainda nas décadas de 50 e 60. Estas, em sua maioria, estão ligadas à tradição familiar de agroindustrializar, total ou parcialmente, da sua produção para consumo familiar, com a comercialização do “excedente”. Por outro lado, durante os últimos 10 anos, aproximadamente quatro mil agricultores participaram nos cursos de profissionalização em derivados de leite promovidos pela Egrapi, o órgão de pesquisa e extensão rural do Estado. Neste mesmo período, algo em torno de cinco mil agricultores participaram de cursos de pecuária leiteira, não contando os treinados por outras instituições mos últimos quatro anos. Em estudo recente : “Industria Rural de Pequeno Porte (IRPP) em Santa Catarina” (Cepagro, 1999), consta que a metade das 363 pequenas agroindústrias de leite pesquisadas tinha participado em treinamentos. Assim, alem de confirmar a forte tradição neste segmento, fica claro que existe grande interesse numa aprendizagem mais formal, o que aponta para uma vontade de corresponder às novas exigências mercadológicas e regulatórias.
Tabela 7. Produtos transformados ou beneficiados nos estabelecimentos agropecuários de Santa Catarina, 1996.
Produto transformado
ou beneficiado
N. de
Produtores
Quantidade
produzida (t)
Quantidade
vendida (t)
Valor da
produção
(mil R$)
Participação
no valor da
produção (%)
Carne verde de bovinos
80.802
21.743
4.412
32.037
27,5
Carne de suínos
108.451
22.233
3.204
26.175
22,5
Embutidos (lingüiça / salame..)
20.398
2.002
659
5.996
5,1
Banha
94.760
9.119
578
6.144
5,3
Queijo / requeijão
59.741
13.837
8.918
33.021
28,4
Manteiga
15.864
557
201
1.040
0,9
Farinha de mandioca
3.918
11.115
8.978
3.660
3,1
Melado
12.172
4.076
2.714
2.745
2,4
Arroz em grão
32.946
9.046
1.334
3.095
2,7
Fumo (em rolo ou em corda)
821
718
588
1.507
1,3
Fubá de milho
17.058
3.183
228
1.034
0,9
Vinho de uva
2.672
2.591
1.291
1.535
1,3
Total
-
100.220
33.105
116.454
100,0
Fonte: Censo Agropecuário do IBGE 1996.
Conclusões.
Embora tenhamos considerado anteriormente apenas o caso de lácteos, a produção de queijos e derivados faz parte de uma tradição de agroindústria artesanal que se estende a muitos outros produtos. Segundo dados do IBGE, o montante total de recursos gerados pelo beneficiamento e transformação de produtos agropecuários por parte da produção familiar em 1996 no Estado de Santa Catarina alcançou 105,1 milhões de reais dentro do estrato da agricultura familiar com menos de 50 há, correspondendo a 83% do total produzidos na propriedade agrícola no Estado [2] .
Duas constatações básicas, portanto, podem ser feitas a respeito do setor informal no sistema agroalimentar brasileiro. Em primeiro lugar, é uma atividade que envolve muitos produtores, tanto no setor primário quanto na fase de agroindustrialização. Segundo, os atores em nada se assemelham a oportunistas que buscam vantagens na evasão fiscal ou no descumprimento de leis trabalhistas. Trata-se de uma atividade tradicional que adquiriu a atribuição de informal a partir da regulamentação do setor e agora busca se adequar às novas exigências do mercado.
Hoje, a regulação dos mercados se constitui num terreno privilegiado de definição de interesses entre os distintos atores, tanto na produção como no consumo. A negociação em torno das regras e normas do mercado não se traduz a critérios neutros de eficiência e / ou de interesses públicos de saúde e higiene. Acima de tudo, trata-se de uma negociação fundamental, em primeiro lugar, sobre o que deveria ser incluído no âmbito do mercado e, em segundo lugar, sobre os valores que devem regular estes mercados, sobretudo a respeito dos tipos de produtores e consumidores que deveriam ser incluídos. Nesta ótica, o informal que analisamos nestas notas nada mais é que a outra face do caráter excludente da sociedade brasileira, tornando a luta por sua “normatização” um dos objetivos de cidadania e eqüidade.
Referências bibliográficas
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Castro, A. C. “Competitividade da Industria Brasileira – Oleaginosos”, 1995.
Goodman, D., Sorj, B. & Wilkinson, J. Da lavoura às biotecnologias, Campus, 1990.
Nicolas, F. & Valceschini, E. Agro-Alimentaire: Une Economie de la Qualité, Inra, Paris, 1992.
Portes, Alexandro. The Informal Economy and its Paradoxes. In: The Handbook of Economy ociology, N. J. Smelser R. Swedberg,1994.
Silva, J. Graziano da. “A Nova Dinâmica da Agricultura Brasileira”, Campinas, 1996.
Wilkinson, J. Mercosul e Produção Familiar: abordagens teóricas e estratégias alternativas. Estudos Sociedade e Agricultura, n. 8, 1997.
Wilkinson, J. “Socio-Economic Approaches to Agroindustrial Innovation”. Debates CPDA, n. 6, 1998.
Notas
[1] O material desta seção foi elaborado no âmbito do projeto “ações de suporte ao Pronaf / Agroindústria na área de informações e gerenciamento de mercado”, coordenado por John Wilkinson e Renato Sérgio Maluf.
[2] IBGE. Informação para a imprensa. Florianópolis, janeiro de 1998