Adonia Antunes Prado
O Zapatismo na Revolução Mexicana: uma leitura da Revolução Agrária do Sul1
Estudos Sociedade e Agricultura, 20, abril 2003: 144-174.
Resumo: (O Zapatismo na revolução mexicana: uma leitura da Revolução Agrária do Sul). A Revolução Mexicana (1910-1920) é internacionalmente conhecida por seu caráter agrário. O que não é suficientemente sabido é que este evento se inscreve entre os principais movimentos revolucionários da época moderna, principalmente no que se refere às revoluções de corte popular, e que a presença zapatista foi o principal fator político, ideológico, militar e cultural que possibilitou a permanência da luta armada e das conquistas populares ao longo daquele decênio. A partir das vitórias político-militares do Exército Revolucionário do Sul, liderado por Emiliano Zapata e de outros grupos armados, comandados por generais zapatistas, estabeleceram-se governos que fizeram a reforma agrária, criaram um sistema de financiamento à produção agrícola por meio de um banco de fomento, abriram hospitais, escolas e outros equipamentos comunitários. A Revolução Agrária do Sul, comandada por Emiliano Zapata, inspirou-se na forma de organização social denominada pueblo e refletiu sempre a cultura da região onde surgiu e onde a terra se constituía em uma cultura e o Zapatismo a sua mais forte expressão.
Palavras-chave: Zapatismo, Emiliano Zapata, Reforma Agrária, Revolução Mexicana, México.
Abstract: (Zapatism in the Mexican Revolution: An analysis of the Southern Agrarian Revolution). The Mexican Revolution (1910-1920) is known for its agrarian characteristics. However, it is not commonly recognised that this event is one of the most important revolutionary events of the modern era, especially concerning popular revolutions. It is also not common knowledge that the Zapatist presence was the main political, ideological, military and cultural factor that made possible the maintenance of the armed conflict and the popular conquests throughout that decade. From the political-military victories of the Southern Revolutionary Army, led by Emiliano Zapata, and other armed groups, led by Zapatist generals, governments emerged. These governments carried out the Agrarian Reform by creating a financing system for agricultural production by means of a specific bank and built hospitals, schools and other community services. The Southern Agrarian Reform, led by Emiliano Zapata, was inspired on a form of social organization named pueblo and always expressed the culture of the region from which it emerged, where culture was a cultural value and Zapatism became its strongest form of expression.
Key words: Zapatism, Emiliano Zapata, agrarian reform, Mexican Revolution, Mexico.
Adonia Antunes Prado é professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF).
Introdução
A Revolução Mexicana (1910-1920) constitui um momento dos mais marcantes da história do século XX tanto quanto a Revolução Russa. Representou o auge de contradições acumuladas ao longo de séculos de uma história de invasões e de recalcamento de povos e classes pelo domínio espanhol/católico, francês e estadunidense. Também expressou uma história de domínio dos fazendeiros, do capital urbano e do capital estrangeiro e de submissão indígena, camponesa, operária e, por que não dizer, de submissão nacional.
O povo mexicano deu início ao século XX destruindo algumas bases do sistema político que vinha sobrevivendo desde 1519. Nesse período, membros das elites políticas e intelectuais, aliados à massa popular, proclamaram a independência da Nova Espanha e a República (1810-1921), expulsaram as tropas invasoras de Napoleão III (1862) e restauraram a República (1867), além de colocarem em xeque o latifúndio. Este, aliado à Igreja Católica, funcionou como forte elemento de sustentação do status quo dominante – colonial e republicano – e da relação peculiar existente entre os governos mexicano e norte-americano. Em 1910, as populações pobres do campo e da cidade, que sofriam com a escassez de alimentos agravada pela perda de colheitas de milho, aliaram-se às frações das classes possuidores que se opunham ao governo central e derrubaram uma ditadura que durava várias décadas.
A Revolução mexicana pôs fim ao governo de Porfírio Díaz (1876-1910), regime conhecido como porfiriato e que já não atendia a necessidades de grupos poderosos surgidos durante aquele período ditatorial. As condições que convergiram para a eclosão da revolução configuravam uma conjunção de contradições acumuladas em distintos níveis, econômicos, políticos e sociais, as quais, com tendências próprias, englobaram-se no "grande processo" da Revolução de 1910 (Espejel, Olivera e Rueda, 1988: 67). Gilly (2000: 55) considera que também havia um ambiente internacional propício à explosão revolucionária em 1910. Esse autor cita a revolução de 1905, na Rússia; a crise mundial do capitalismo em 1907; as revoluções populares ocorridas em Portugal, Turquia e China; os preparativos para a Primeira Guerra Mundial; e o crescimento do sindicalismo mundial, dando como exemplo deste a presença da Industrial Workers of the World (IWW), com sede nos Estados Unidos. Até mesmo a revolução da Comuna de Paris teria exercido importante influência na Revolução de 1910. [2]
A Revolução Agrária do Sul (1911-1919)
O levantamento encabeçado por Emiliano Zapata no sul do país constituiu um episódio particular dentro da Revolução Mexicana de 1910. A trajetória dessa sublevação e o seu poderio em termos militares, políticos, ideológicos e até afetivos, prendem-se a questões ligadas ao campesinato, em especial aos camponeses do estado de Morelos, questões que são responsáveis pela durabilidade dos principais atos revolucionários e pela permanência destes ao longo da história mexicana. [3]
A Revolução Agrária do Sul decidiu os rumos da luta armada no México e teve como causas principais: a) situação difícil do campesinato frente a ausência de terras para a semeadura; b) o descontentamento de setores médios e baixos da população de Morelos em relação a uma parte representativa das elites locais, cristalizadas em fraudes eleitorais havidas anteriormente a 1910 na região, acontecimentos esses seguidos de forte repressão contra a população inconformada; c) a identificação da população com os organizadores da revolta, que eram perseguidos mas que vinham se consolidando como lideranças regionais; d) e, por fim, eclosão, em 20 de novembro de 1910, da rebelião maderista, quando este proclama o Plan de San Luiz. Esse evento provocou a repressão do governo, o que levou o líder Francisco Madero a se refugiar nos Estados Unidos, onde permaneceu até que aglutinou forças políticas e militares suficientes para voltar ao México e depor Porfírio Díaz, o que ocorreu em princípios do ano de 1911 (Ávila Espinosa, 2001). Ao proclamar o Plan de San Luiz de Potosi, Madero prometeu, dentre outras medidas, devolver aos indígenas as terras que historicamente lhes vinham sendo expropriadas pelos latifúndiários. Depois de negociada a retirada de Díaz e da indicação de Francisco León de la Barra – antigo chanceler do governo ditatorial – para ocupar interinamente o cargo presidencial, Madero foi reconhecido com toda legitimidade como futuro presidente do México e condutor do projeto revolucionário vitorioso.
A Revolução Agrária do Sul foi o episódio mais radical, característico e mais combatido da Revolução Mexicana. Foi combatida pelos que pretendiam restaurar o regime anterior e também por uma ala de revolucionários pouco interessados nas condições sob as quais os camponeses – indígenas e mestiços, assalariados ou não – tinham passado toda sua vida no campo mexicano. Gilly observa, e sua colocação é fértil e estimulante, que:
“A revolução mexicana oficial, a de Madero, a do Plan de San Luiz, a que começou em 20 de novembro de 1910, na realidade terminou em 25 de maio de 1911, quando, depois dos acordos de Ciudad Juárez, Porfírio Díaz embarcou no Ypiranga (Gilly, 1979: 26).
Os acordos a que se refere Gilly são fruto de negociações entabuladas entre os grupos oligárquicos favorecidos pelo regime antigo e os revolucionários. A historiografia mostra que, ao contrário do que se poderia esperar, nesse processo os antigos porfiristas foram os beneficiados. Como já mencionado, não só quem assumiu o governo interinamente foi um destacado membro do grupo afastado do poder, Francisco León de la Barra, como se mantiveram intactos o exército e grande parte da burocracia, o projeto político-econômico não sofreu solução de continuidade, as medidas tomadas em relação à questão agrária preservaram os interesses dos fazendeiros e as iniciativas implementadas foram medidas superficiais com a intenção de “aliviar” a situação em que os camponeses se encontravam. O novo governo chegou ao ponto de ordenar o desarmamento dos exércitos revolucionários populares, dando ao antigo exército porfirista o monopólio e o uso exclusivo da legitimidade para a manutenção da ordem no país (Espejel, Olivera e Rueda, 1988).
Em boa medida, a Revolução Agrária do Sul nasceu e se sustentou em torno da questão agrária, embora essa não tenha sido sua única causa, como indica Ávila Espinosa. Este autor considera que o movimento liderado por Emiliano Zapata, cujos principais participantes eram efetivos oriundos dos setores populares pobres e médios, principalmente de Morelos – o estado natal de Zapata – originou-se em uma disputa secular, em um “conflito de larga duração”. Tal disputa teve início na época colonial e girava em torno de recursos naturais pertencentes aos descendentes dos povos originários e a outros camponeses da região. Ao longo da existência desse conflito, os grandes proprietários de terras – exploradores da cana-de-açúcar – avançaram sobre terras e águas pertencentes à população pobre, usando todos os meios possíveis, desde as ameaças físicas e morais, e documentos de propriedade falsificados, passando pelo assassinato e destruição de casas, colheitas e plantações, indo até ao recurso extremo de terem inundado uma comunidade inteira, abrindo as comportas de uma represa. [4] A região na qual a Revolução Agrária do Sul eclodiu e perdurou durante nove anos tinha uma longa história de pleitos e tensões entre os fazendeiros e a população camponesa. [5]
Desde a legislação modernizante que data da Constituição de 1857, por meio da qual as terras das comunidades tradicionais passaram a ser passíveis de compra e venda, o campesinato foi perdendo suas terras. [6]
Observe-se, por outra parte, que, na região de Morelos, o capitalismo tinha se desenvolvido sob a forma do cultivo da cana, ao qual, subseqüentemente, agregou-se a agroindústria açucareira. O processo secular de implantação desse sistema tinha modificado as formas tradicionais de vida da população e, nele, os camponeses, fossem indígenas ou mestiços, sempre saíam prejudicados. Os citados autores realçam essa mudança trazida pela modernização da agricultura canavieira por meio de novas tecnologias, do incremento da produtividade e da construção de vias de comunicação que facilitaram a comercialização da cana e de seus derivados. O mercado favorável ao produto fez com que, nos anos imediatamente anteriores ao movimento armado, mais e mais as fazendas avançassem sobre as terras dos camponeses. Começava, assim, uma corrida para apoderar-se da terra, da água e da mão-de-obra. (Womack Jr., 2000: 13; Díaz Soto y Gama, 1987: 58 e 79; Chevalier, s/d: 3; Tutino,1990: 308 e Ávila Espinosa, 2001: 38).
Pacto moral, economia moral
Aquele processo favoreceu os fazendeiros de diversas maneiras. [7] Esses se beneficiaram do aumento da produtividade de suas terras, da situação do mercado e encontravam um enorme exército de reserva na força de trabalho da população desprovida de propriedade. Mesmo os trabalhadores que tinham algum tipo de posse sobre suas terras, na maioria das vezes se assalariavam por temporada, em épocas de maior demanda de mão-de-obra, como a de colheita, mantendo pequenas culturas de subsistência. Outros, antigos parceiros em terras das fazendas, perderam essa condição pelo fato de que os fazendeiros preferiam ampliar a cultura da cana ao máximo, aumentando os seus lucros. Para isso ameaçavam os camponeses e os privavam de seus meios tradicionais de subsistência e, o que é muito importante, romperam antigos pactos de convivência, por meio dos quais secularmente fazendeiros e trabalhadores mantinham suas relações em um nível aceitável de tolerância mútua. O rompimento do pacto moral foi, então, mais um elemento a se somar àquela conjuntura plena de tensões. Esse aspecto, tão importante quanto os demais, foi fruto do mesmo processo social.
“De fato, a privação desse usufruto significou uma expropriação que foi vivida e compreendida pelos setores afetados como uma ruptura do pacto moral com as fazendas e uma alteração súbita do equilíbrio econômico mediante o qual essas famílias obtinham seu sustento.” (Ávila Espinosa, 2001: 38-9). [8]
As ofensas cometidas contra as populações camponesas tiveram um importante papel na revolução armada. Foram séculos de expropriação e violência que resultaram no movimento liderado por Zapata. Quando a Revolução eclodiu não houve um só pueblo no estado de Morelos, dentre os cerca de cem existentes, que não tivesse alguma pendência com fazendas próximas e contra a invasão de suas terras.
Em suma, o processo modernizador do campo mexicano assumiu diversas características, dentre as quais duas que devem ser relembradas. Primeiro, aquela que resulta diretamente dos efeitos da Constituição liberal de 1857, que permitiu a compra e venda das terras de populações centenárias, ou seja, as transformou em mercadoria. E, depois, a que se refere à introdução de novas tecnologias no cultivo da cana-de-açúcar (técnicas de irrigação, novos maquinários etc.). O capitalismo entrava no campo trazendo novidades que, na grande maioria das vezes, desorganizava a vida dos grupos camponeses, desestruturando as bases materiais de sua sobrevivência, ao mesmo tempo em que subvertia o seu universo simbólico e importantes fundamentos morais sobre os quais essas comunidades haviam construído sua vida, inclusive desde tempos anteriores à colonização. Naquela região, algumas comunidades provinham de povos com mais de seiscentos anos de existência (Sotelo Inclán, 1991, e Ávila Espinosa, 2001).
O vínculo desses povos com a terra não era, pois, uma relação de compra e venda. Eles não podiam conceber esse tipo de relação. Seu vínculo com a terra era moral e não material ou mercantil. Ela não era vista como um recurso, como se costuma dizer modernamente, mas como parte do próprio ser da comunidade, da natureza mesma do pueblo e da sua cultura, de sua materialidade, no sentido de que o entendimento da comunidade passa necessariamente pela terra em que ela vive e na qual viveram seus antepassados. A terra é matéria para a existência dos pueblos, no sentido de que ela faz parte da auto-imagem que os pueblos fazem de si mesmos e que não se completa sem a representação da terra-mãe indissociável. Desse modo, a comunidade perderia um elemento crucial para sua razão de ser. Para as populações camponesas onde a Revolução Agrária explodiu em 1911 a terra era um modo de vida e não um meio de vida.
Para as comunidades em que as noções de reciprocidade e de solidariedade são elementos basilares da economia moral do grupo, torna-se impossível conceber a terra como objeto de compra e venda, segundo as leis do mercado. A terra é entendida como a mãe de todos, lugar onde a natureza se constrói, cria os homens, os alimenta e acolhe depois do fim da vida. A terra é pensada como a natureza da qual fazemos parte e de onde brota a vida neste mundo. Na medida em que os homens e as mulheres se distanciarem da terra e se alienarem dela, estarão se separando de si mesmos e de sua comunidade, de suas divindades e razão de ser. Perderão suas raízes, murcharão e morrerão, sem direito a ser acolhidos por ela, que é Deus-pai e mãe, começo e fim. Ela dá, alimenta e suporta. Também recebe e tem que ser cuidada; tem seus segredos e memórias, e é o ponto de referência mais importante nas representações do mundo da vida e do mundo como ecumene, ou seja, como o lugar do homem no universo.
Adolfo Gilly afirma que a mais importante entre as leis morais dessas populações é a de defender suas terras contra os elementos “predadores externos”. O sustento da economia moral estaria em que as rebeliões agrárias “... revelam um fundo comum muitas vezes ignorado por seus pró-prios protagonistas: a resistência a aceitar que a terra se converta em mercadoria; a negativa a enviar aquilo que dentro da comunidade é substrato cultural e histórico dos intercâmbios diretos entre as pessoas ao mundo dos intercâmbios mercantis entre coisas; e a oposição a que esse mundo externo interfira na ordem desses intercâmbios, concebidos como parte da ordem natural... Pois se a terra é mercadoria, todos também terminaremos sendo. Inteiramente e junto com nossa comunidade, teremos vendido nosso corpo e perdido nossa alma inseparável de seu território.” (Gilly, 1998: 19-20). [9]
Em outro ensaio, que não encontramos nas bibliotecas consultadas, Gilly torna a mencionar a questão do pacto moral nas relações que existiam nas zonas agrárias de Morelos. Citado nessa passagem por Espejel, Olivera e Rueda (1988), o autor afirma que nas relações pré-capitalistas presentes internamente às classes dominantes e às classes dominadas subsistiam “velhas relações pessoais” cuja lógica era vivida e percebida como natural. Constituíam-se, dentre outros traços, em um código moral baseado na consangüinidade, no sexo e na idade, código que supunha um rol de direitos e deveres.
“Em defesa do conjunto dessas relações interiores das antigas comunidades agrárias, os camponeses zapatistas se levantaram contra todas as formas políticas da propriedade capitalista, as de Porfírio Díaz e as de Madero.” (Apud Espejel, Olivera e Rueda, 1988: 70).
Ávila Espinosa também faz referência a esse pacto moral como um elemento definidor de regras de convivência entre as classes sociais e que implica, como já se viu, em direitos e obrigações de parte a parte. Acrescente-se que constava desse tipo de acordo tácito “...que se respeitassem e garantissem os direitos básicos, entre eles, os da vida, o trabalho, a moradia, a paz, a justiça etc.” (Ávila Espinosa, 2001: 38-39).
Como também já mencionado, com a quebra de antigos pactos e a reconceituação do relacionamento entre os homens e a terra, as fontes de água e os bosques, também surgiu o que aqueles autores denominam agravos resultantes das ações por meio das quais a modernidade implantou o seu sistema desprovido e esvaziado das relações sociais preexistentes. No processo de gestação da revolta popular, tais agressões tiveram um peso considerável e somaram-se ao alentado volume de dívidas que os grupos dominantes tinham para com o campesinato mexicano. A ruptura dos pactos morais significou a quebra de um equilíbrio já precário e, juntamente com a crise política que dilacerava as próprias classes dominantes, contribuiu para que a Revolução eclodisse nas terras de Morelos pelas mãos dos seus filhos. No afã de fazer valer direitos ancestrais e promessas dos primeiros tempos da Revolução, os camponeses cobravam dos novos governantes de 1910 os compromissos esquecidos após a queda do ditador Porfírio Díaz.
O camponês de Morelos lutou para não se transformar em peão (morador ou não) das fazendas de cana. Ele sabia qual era o destino reservado para si e sua família, uma vez que abrisse mão das pequenas parcelas que ainda lhes restavam. Sua observação do mundo ao redor lhe fazia supor que todos seriam tragados pela moenda do engenho tal como a cana-de-açúcar que ajudava a plantar e a colher. Sabia e lutava para manter a tradição dos povos antigos, de seu povo originário, os tlahuicas, pois aprendera que um povo sem autonomia estava fadado a desaparecer, como tantos haviam desaparecido.
Ávila Espinosa observa que:
“A mão-de-obra expulsa das terras arrendadas foi parcialmente absorvida pelas necessidades crescentes de força de trabalho das fazendas e engenhos, assim como pelas atividades associadas à modernização: estradas de ferro, comunicações, serviços, urbanização. Uma parte considerável foi empregada na indústria açucareira... Não obstante, esses eram empregos sazonais... Muitas famílias arrendatárias perderam a segurança e se tornaram cada vez mais dependentes da economia da fazenda...” (2001: 39).
Naqueles anos em que as atividades agrícolas no estado de Morelos se modernizavam de maneira rápida e extremamente rentável para os fazendeiros, muitos agricultores pobres, desprovidos de suas terras – fossem estas comunais ou cultivadas em parceria com os grandes senhores – passaram a buscar a pecuária como alternativa, tentando, assim, manter sua autonomia frente às fazendas. Tiravam o sustento dessa atividade, mesmo que, algumas vezes, membros das suas famílias se vissem obrigados a se assalariar nas fazendas nos períodos de maior demanda de mão-de-obra. Para os trabalhadores, aquela mudança de atividade significava “permanecer livres”. Como represália, os fazendeiros lhes impunham todo tipo de opressão, contando com o apoio das autoridades.
“Os abusos que se cometiam tinham como fim principal conseguir que os camponeses se desfizessem de sua pobre riqueza. Porém, eles preferiam resistir sofridamente, em troca de não se vender junto com seus animais... Mais que às terras, importava ao fazendeiro dominar os indivíduos...” (Sotelo Inclán, 1991: 161; ver, também, Womack Jr., 2000: 45-46).
O que, senão um profundo senso de dignidade, manteve vivo o povo de Anenecuilco – a vila onde Emiliano Zapata nasceu, fez-se homem e revolucionário – e manteve alerta a resistência de sua comunidade aos ataques das fazendas? O que, senão a presença viva de um complexo de referências ancestrais alimentadas na luta pela sobrevivência material e espiritual, manteve-os de pé, apesar da força do processo que ao longo do tempo, fez desaparecer as comunidades vizinhas, transformou camponeses livres em trabalhadores assalariados semi-escravizados e produziu a violência que deveria envergonhar a classe dominante rural mexicana, tão temente a Deus quando carente de amor ao próximo? (Sotelo Inclán, 1991).
Gilly se refere à dignidade indígena relacionando-a com a dignidade individual moderna (“... abarcando um universo mais antigo, mais complexo, mais opaco para o olhar racional do Iluminismo, conservado inteiramente vivo na história oculta a na vida coletiva das comunidades, em suas histórias, em seus mitos, em suas crenças e em seus dizeres. É essa vivência, herança e idéia comunitária de ser humano – quer dizer, de dignidade como definidora de e inerente à condição humana – a que alimenta o fundo último da economia moral desta e de outras rebeliões dos oprimidos...”) (Gilly,1998: 48).
Pueblos
Na indicação dos elementos que provocaram a Revolução Agrária do Sul não se pode deixar de realçar um fator importante presente na comunidade de Anenecuico. Esse elemento eram os pueblos que, segundo Bazant (1980), expressavam uma característica típica das regiões centro, sul e sudeste do México. O pueblo era uma forma organizacional das comunidades que correspondia à economia moral antes mencionada e que, no caso de Anenecuilco, teve função fundamental no surgimento da luta armada no sul, dado que ele foi decisivo na organização e unidade da população, bem como constituía um espaço privilegiado de ação e legitimação de lideranças e de defesa das demandas locais. Neste caso, a mais importante reivindicação era a devolução das terras, águas e bosques ilegitimamente expropriados pelas fazendas ao longo da história do pueblo, história esta que remontava a quase setecentos anos. A permanência dessa forma organizacional, de gestão e representação evidentemente dependia da interdição da marcha da modernização que tendia a socavar não só a modalidade de governo tradicional e popular como punha em perigo a própria existência física dos pueblos.
Warman (1990: 20) faz um resumo interessante sobre o que se poderia entender por pueblo. Para começar, o pueblo não pode ser confundido com uma simples unidade geográfica, uma unidade de terras, material e mensurável. O pueblo era uma unidade social e política, na qual se praticava a democracia direta e se controlava o acesso à terra. Os pueblos, diz esse autor, “...têm autonomia... têm funções políticas e de governo e poder armado.” [10]
Sotelo Inclán informa ainda que, por volta da metade do século XVI, os indígenas possuíam suas terras em forma comunitária, segundo a divisão das mesmas em calpulli ou chinacalli. Calpulli significa bairro de gente conhecida ou linhagem antiga cujos primórdios são contados nos mitos de origem daquele povo. As terras do calpulli não pertenciam individualmente a ninguém, mas ao conjunto dos membros da comunidade que as utilizavam de forma individual. Também elas não poderiam ser alienadas, embora pudessem ser transmitidas aos descendentes dos seus usuários. Em caso de mudança para outro calpulli, o morador do pueblo perdia o direito à terra, a qual passava a outro membro da comunidade sem terra ou àqueles que pretendam se casar etc. Um conselho de idosos decidia sobre tais decisões. O chefe dos calpulli se chamava calpuleque. Essa organização existia desde antes da conquista. As leis espanholas introduziram uma nova organização da produção agrária e da vida das comunidades, e tais mudanças produziram muitas confusões nas comunidades, como a superposição de autoridades e abusos por parte dos representantes das populações, agora frente à Coroa Espanhola. A presença da Espanha não extinguiu totalmente a antiga forma organizacional nem implantou uma nova de maneira eficaz e eficiente. Sob o regime do vice-reinado, os pueblos passaram a conviver com uma legislação que não foi totalmente implantada, ao mesmo tempo em que estavam impedidos de prosseguir com sua forma secular de viver e produzir seus meios de subsistência e de governar as suas comunidades. Com as leis espanholas, os líderes, ou calpuleques, passaram a se chamar gobernadores ou principales e eram escolhidos por eleição popular. Com a Independência (1810), suas atribuições passaram a ser as de “...vigiar, guiar, defender, prevenir, remediar, reger, conservar e, enfim, lutar sempre pelos interesses e os direitos de sua comunidade.” (Sotelo Inclán, 1991: 195). Com o transcurso do tempo, os calpulli deram lugar aos pueblos.
A Conquista e a colonização desestruturaram as relações sociais existentes no mundo dos povos originários. Os contatos com os espanhóis, a mestiçagem e a chegada dos escravos africanos, o controle das atividades produtivas e a imposição do cultivo da cana-de-açúcar são responsáveis por essa mudança. Não obstante, conservou-se grande parte das tradições de organização e identidade ao longo dos séculos. Aí se inserem os pueblos como estrutura importante da tradição e da resistência camponesa. [11]
A organização da população na região morelense em pueblos foi fundamental para a revolução. Forma social independente e cravada no coração da comunidade, o pueblo tornou-se decisivo para a politização do movimento zapatista em Morelos, uma vez que sua forma de funcionamento, transferida à própria organização da luta revolucionária, implicava em discussões constantes, construção da representação e na explicitação de consensos e dissensos.
Nesse contexto, o pueblo operava como um elemento organizador e de luta, e perpassou à organização militar zapatista (cf. Espejel, Oliveira e Rueda, 1988). Transmitiu, por exemplo, a simetria que havia entre as relações sociais comunitárias e a forma de escolha de representantes e líderes. Tais relações se fundamentavam no prestígio pessoal e em laços familiares e extra-familiares, maneira como o exército zapatista dos primeiros tempos estruturou suas fileiras e construiu suas lideranças.
“...Os aldeões do centro do México, com sua ponta de lança nos zapatistas morelenses, utilizaram estruturas arraigadas de poder comunal para organizar uma insurreição que com fervor e perseverança insistiu em demandas agrárias fundamentais, de terras e de autonomia comunitária.” (Tutino, 1990: 276).
Falar em pueblos significava evocar lugar de poder e de autonomia. Reconhecer capacidade de decidir desde abajo, a partir de uma lógica que as elites do México daquele tempo não queriam entender. Operando fora do cálculo mercantil, os pueblos se constituíam, no dizer de Gilly, em uma “associação de produtores iguais no trabalho e não na propriedade.” Como poderiam reconhecer relações desse tipo?
A eclosão da rebelião zapatista
Zapata e o seu exército se mantiveram fiéis a Madero durante quase um ano: de novembro de 1910, quando estala a Revolução Mexicana, até novembro do ano seguinte, quando proclamam o Plan de Ayala. Durante esse tempo eles realizaram gestões tentando que o futuro presidente do México cumprisse o prometido no Plan de San Luiz, isto é, que as terras ilegalmente expropriadas aos camponeses lhes fossem devolvidas. Madero não se dispunha a atender essa demanda camponesa de maneira “tão precipitada” e exigia que o exército de Zapata depusesse suas armas e se submetesse política e militarmente ao pacto da nova legalidade pós-revolucionária.
Cabe ressaltar aqui os termos em que foi redigido a polêmica “cláusula 3” do Plan de San Luis, que dizia que ficavam sujeitos à revisão as resoluções e as sentenças dos tribunais da república, bem como os acordos da Secretaria de Fomento que haviam dado margem a abusos contra os indígenas. Historicamente, estes tinham sido despojados de suas terras, especialmente com as expropriações realizadas em razão da promulgação de leis conhecidas como Leis de Desamortização (1856). Tais dispositivos legais facilitaram a corrida dos fazendeiros em busca de mais terras, uma vez que praticamente colocavam à venda as terras pertencentes a organizações sociais cuja posse se encontrasse em mãos de pessoas ou instituições que não pudessem apresentar títulos de propriedade. Nesse processo, terras que pertenciam à Igreja Católica e também aos pueblos entraram no rol das terras vendáveis (Espejel, Olivera e Rueda, 1988).
A historiografia mostra o efeito que o abandono daquele plano revolucionário por Francisco Madero provocou nos ânimos do campesinato sofrido por séculos de expropriações e abusos. A propósito, Ulloa afirma que “ O artigo 3 do Plan de San Luis Potosí despertou a esperança de que os povos de Morelos recuperariam seus direitos sobre as terras e águas que durante o porfiriato lhes foram arrebatadas pelos proprietários de fazendas de cana.” (Ulloa, 1981: 176-77).
Liberal oriundo de família rica de grandes proprietários do Norte, apesar das promessas feitas, Madero postergou o quanto pôde a aplicação das medidas reivindicadas pela ala pobre da Revolução e, finalmente, negou- se a atendê-las.
Com a vitória da Revolução, Zapata autorizara os moradores das vilas sob sua influência a reclamar suas terras, apoiando-se no fato de que o Plan de San Luiz garantia tais iniciativas. Estranhamente, as ordens que os líderes camponeses receberam do governo federal foi para que se abstivessem de agir. Mais tarde, o governo declarou que qualquer ação contra as fazendas seria considerado um “ato de guerra”. Womack Jr. observa que “Se estas reservas no tocante aos fins agraristas eram reais, seria difícil dizer em Morelos que a Revolução havia triunfado ou não.” (Womack Jr., 2000: 88; ver também Ávila Espinosa, 1991: 21). O resultado de tudo isso é que os zapatistas terminaram por romper com a Revolução “oficial.”
Nota-se a insatisfação de Zapata na carta que ele dirige a Gildardo Magaña, seu companheiro de lutas, datada de 6 de dezembro de 1911, na qual afirma:
“A isso chamam Revolução triunfante? Eu, como não sou político não entendo desses triunfos pela metade; desses triunfos em que os derrotados são os que ganham; desses triunfos em que, como no meu caso, me oferecem, me exigem, dizem que depois de triunfante a Revolução, saia não só do meu estado, mas também da minha pátria. Eu estou resolvido a lutar contra tudo e contra todos sem mais baluarte que a confiança, o carinho e o apoio do meu povo.” (Zapata, 1987: 18)
Chevalier (s/d) chama a atenção para o fato de que o levantamento zapatista não foi um movimento isolado e que ele não deve ser visto apenas como uma explosão de malestar latente. Esse autor o considera como “o último elo de uma grande cadeia” que abarcava várias mobilizações camponesas armadas que tiveram lugar desde os primeiros anos do século XIX. Em comum com elas o autor aponta o seu caráter camponês, a reivindicação por terras usurpadas pelo latifúndio e o grande apoio e popularidade que o Zapatismo disfrutou.
O descontentamento ante as negativas dos novos governantes em cumprir seus compromissos com quem tinha tomado as armas, e a resistência a transformar o país para tirá-lo das mãos de um regime autoritário e decadente, levou Zapata e seus companheiros a romperem com Madero. Tendo derrotado o governo porfirista, os zapatistas esperavam passar a etapas seguintes não contempladas pela nova elite que substituíra Porfírio Díaz. Acentua-se o caráter agrário da Revolução Mexicana quando os camponeses do sul pressionaram para que a Revolução levasse justiça ao campo, priorizando a reforma agrária, uma vez que diziam não haver entrado na Revolução apenas para promover uma mudança na cúpula do poder, como parecia ser o projeto maderista. (Tutino, 1990).
As ações de guerra dos partidários de Zapata continuavam em marcha em 1911, uma vez que o exército e demais autoridades os combatiam e os consideravam como inimigos, pelas razões já expostas (negativa em depor armas, exigência de que se cumprissem os termos do Plan de San Luiz, entre outros). O ânimo que havia levado a população de Morelos a aderir ao chamado revolucionário continuava vivo, portanto a Revolução Agrária do Sul, como a denominou o combatente Díaz Soto y Gama, tomou corpo e congregou diferentes grupos de camponeses, contingentes que inclusive aumentavam pela própria repressão perpetrada no campo pelo exército federal. Assim se desenvolveu um movimento de forte filiação agrária e de caráter local, ganhando as simpatias das populações que identificavam nos revoltosos as suas próprias causas ancestrais por terra, justiça e liberdade. Ao mesmo tempo, essa adesão e apoio reforçavam a rebeldia dos zapatistas para não entregar armas e continuar combatendo o poder instituído após a derrocada do governo de Porfírio Díaz.
Para explicar a adesão das populações camponesas ao movimento liderado por Zapata, Ávila menciona quatro fatores dos mais importantes: 1) a rejeição à ocupação militar das áreas identificadas com o Zapatismo; 2) a necessidade de terras; 3) a perda de legitimidade e poder das autoridades e enfraquecimento dos seus mecanismos de controle e 4) a incapacidade (ou desinteresse) dos grupos no poder para solucionar a premente questão social no campo mexicano. Havia assim, afirma Ávila Espinosa, uma situação na qual “...em pleno regime de transição, o movimento camponês que tinha estado até então subordinado ao maderismo se tornou independente e se radicalizou.” (Ávila Espinosa, 2001: 196; ver também Espejel, Oliveira e Rueda, 1988: 57).
Plan de Ayala
A discordância de Emiliano Zapata e seus companheiros em relação aos caminhos que a Revolução Mexicana tomou durante o primeiro ano do novo regime, em termos das composições políticas e compromissos com a questão agrária, levaram a que o grupo zapatista, após várias tentativas de entendimento, rompesse com Madero e proclamasse o seu próprio plano político, o Plan de Ayala. Esse plano veio à luz no dia 28 de novembro de 1911 e foi redigido por Zapata e Otilio Montaño, professor primário e colaborador muito próximo do líder camponês (Chevalier, s/d: 13; ver também Ávila Espinosa, 2001: 12). O lema dos zapatistas foi Reforma, Liberdade, Justiça e Lei, no melhor estilo das bandeiras revolucionário-liberais.
O que queriam autores do Plan de Ayala? Womack Jr. sustenta que os zapatistas – os “revolucionários rebeldes” –, à diferença daqueles a quem denomina como os “revolucionários respeitosos”, não se conformaram com a mudança política, ou seja, somente com a substituição de Díaz por Madero como uma “dança de cadeiras” entre membros das elites políticas e econômicas. Queriam as mudanças sociais pelas quais tivesse valido a pena lutar. “Queriam reformas populares levadas a cabo no campo, independentemente de que a autoridade oficial as autorizasse ou não” (2000: 126).
Espejel, Olivera e Rueda consideram que o Plan de Ayala, assim como os demais planos zapatistas, serviram para levar a público programas já em andamento. [12] O Plan Ayala não se constituía em uma declaração de intenções, um corpo programático a ser adotado no futuro, quando ações tais ou quais seriam realizadas ou perseguidas. O quando zapatista era hoje. Amanhã já seria tarde para aquela gente premida pelos fazendeiros, guerras e pelo exército federal e polícia rural, e pela cana- de-açúcar, que invadia suas terras e o seu mundo ancestral feito de milho e feijão.
O Plan de Ayala expressava ideologicamente os projetos da liderança zapatista e teve especial importância ao consolidar as demandas camponesas na Revolução. Funcionou como instrumento de exposição pública do pensamento zapatista, ajudou a divulgar os propósitos dos revolucionários do sul, articulando-os aos lutadores de outras regiões do país. Por meio dele ocorreu e se tornou público o importante fato que foi a ruptura dos zapatistas com Madero e com a tendência que este representava (Ávila Espinosa, 2001).
Esse documento representou um salto de qualidade na ação dos zapatistas. A sua enunciação funcionou como um passo importante para o reconhecimento e a sua legitimação, tanto ao interior da comunidade como principalmente junto à sociedade mexicana. Sua divulgação demarcou as demandas zapatistas e explicitou suas táticas e estratégias. Em suma, precisou os objetivos e a natureza da luta. Ficava claro que o Zapatismo era a expressão de uma fração de uma classe social que lutava por seus interesses e necessidades. Como afirmou Díaz Soto y Gama, ele também serviu para despojar a Revolução de “personalismos e politicagem.” (Díaz Soto y Gama, 1987: 108; ver também Brunk, 1995).
Como observa Ávila Espinosa, as demandas zapatistas de autonomia política e militar são reafirmadas no Plan de Ayala, ao mesmo tempo em que expandem nacionalmente o alcance do discurso e influência do Zapatismo. Esse autor também considera que, com aquele pronunciamento, os zapatistas ultrapassaram “...a problemática local, ao colocar como fator decisivo a tomada do poder central e a reorganização de todos os níveis da autoridade política... Nessa reorganização política, os atores centrais deveriam ser os revolucionários...” (Ávila Espinosa, 2001: 206).
O Plan de Ayala incorpora a influência liberal herdada das lutas e da história moderna do México. O que o distingue são: a ênfase no caráter agrário da Revolução de 1910 e a afirmação da necessidade de defender a causa dos camponeses de armas na mão. Falava-se na necessidade de cumprir a lei, mas se supunha que a lei deveria adequar-se aos fins da Revolução, mesmo que para tal fosse necessário recorrer às armas. Na prática, Zapata foi coerente com essa pregação e, por várias vezes, tornou-se agente ativo na distribuição de terras e de outras ações dirigida aos camponeses, realizadas quer por meios pacíficos quer pela via armada.
Vale a pena realçar alguns desses aspectos: primeiro, está o fato de os zapatistas afirmarem a necessidade de nacionalizar os bens dos inimigos da Revolução, ou seja, os senhores de terras, os latifundiários (item 8° do Plan de Ayala). Sem meias palavras, os revolucionários foram ao cerne do problema agrário e prometiam atacar o seu coração, precisamente onde nasciam as dificuldades dos camponeses: a estrutura da posse da terra e aqueles a quem ela beneficiava. Um segundo ponto diz respeito à disposição que ele estabelecia, segundo a qual os camponeses destituídos da propriedade deveriam entrar imediatamente na posse das terras, “exercendo seu próprio poder” (item 6°), resguardando-se àqueles fazendeiros que se sentissem prejudicados o direito a buscar justiça.
O Plan de Ayala subverteu a ótica dos planos produzidos anteriormente por outros sujeitos sociais. Nele não são os camponeses e indígenas os que deveriam reclamar os seus direitos. Eles sabiam que detinham tais direitos e simplesmente tomaram posse dos mesmos. Inclusive, muitos deles tinham documentos que comprovavam a existência ancestral de tais direitos. [13] Os camponeses que não possuíam esses documentos, mas necessitavam de terras para trabalhar, também eram contemplados e tinham seus direitos assegurados. Caberia aos fazendeiros procurar em tribunais.
O Plan de Ayala fala de justiça popular e defesa armada dos princípios dessa justiça. A fim de que não se tenha uma idéia equivocada do Zapatismo do início do século XX, é importante esclarecer que:
“Emiliano Zapata não se propunha destruir o regime capitalista. Suas idéias surgiam da experiência camponesa, não do programa socialista. Entretanto, a aplicação do Plan de Ayala significaria, de fato, a destruição das bases da existência do capitalismo. Por um lado, pela na-cionalização de todos os bens das classes exploradoras. Por outro, [...] pelo estabelecimento do princípio de que são as massas que decidem, com armas nas mãos. Que não devem esperar o triunfo da Revolução e as leis que serão ditadas, mas que elas mesmas, por sua própria iniciativa, devem tomar as terras, sem mais tardar, cultivá-las e defendê-las.” (Gilly, 2000: 101) .
Chevalier (s/d) observa que o potencial transformador do Plan de Ayala provinha da experiência das comunidades zapatistas e apenas muito residualmente foi influenciado por correntes ideológicas alheias à “inspiração popular e rural” dos pueblos. [14]
Na observação de Brunk (1995: 69), a ideologia do Plan de Ayala é um liberalismo popular gestado na experiência do povo de Morelos. Como outros, esse autor percebe pequenas influências das ideologias citadinas em voga na época, tais como o anarquismo, o socialismo e o comunismo. No entanto, a principal fonte de inspiração zapatista provinha da vivência secular dos camponeses submetidos a expropriações e injustiça.
Para concluir esta parte, vejamos o que escreveu o próprio Zapata, a respeito do Plan de Ayala. O líder revolucionário lembra a um interlocutor “...os três princípios do problema agrário [são]: restituição de terras aos pueblos ou cidadãos; expropriação por motivo de utilidade pública e confisco de bens dos inimigos do Plan de Ayala e para praticar esses três princípios não se precisa dinheiro mas honradez e força de vontade por parte dos encarregados de praticar tais princípios.” (Zapata, 1987: 67).
No caso das expropriações, ao Estado caberia pagá-las, mas, mesmo assim, Zapata considerava inadequado, uma vez que tal quantidade de dinheiro “o governo teria que desembolsar às custas do suor e do trabalho de milhões de desgraçados do México.” (Idem).
Zapatismo
O Zapatismo nasceu nos pueblos de Morelos e se espalhou por várias regiões do centro sul mexicano, consolidando-se a partir de 1911. Os seus principais objetivos eram a implantação de um governo que reconhecesse indígenas e camponeses como os donos legítimos das terras das quais vinham sendo expulsos século após século. Os zapatistas não reivindicavam um governo zapatista para o México, mas queriam que os camponeses fossem levados em conta em igualdade de condições com os demais grupos sociais mexicanos. Não queriam paternalismo para os camponeses mas sim, o reconhecimento dos seus direitos. Os camponeses da área de Morelos portavam a seguinte pauta de reivindicações: o fracionamento dos grandes latifúndios com a finalidade de que se restituíssem e destinassem as terras aos seus donos ancestrais; distribuição de fontes de água para irrigação; distribuição dos montes que seriam de uso comum, beneficiando a todos; crédito agrícola bem como capacitação para o uso mais proveitoso da terra. Espejel, Olivera e Rueda afirmam que “... o Zapatismo foi outra Revolução, um movimento armado que coincidiu com o levantamento generalizado no país, do qual se alimentou, no qual se apoiou e ao qual combateu, paradoxal mas inevitavelmente” (1988: 49).
Na sua luta incessante por reconhecimento público, o Zapatismo procurou basear a legitimidade e a legalidade de suas demandas na existência de documentos que comprovavam os direitos seculares de propriedade dos camponeses sobre as terras que reivindicavam. A luta camponesa visava o restabelecimento de uma legalidade agrária, mesmo que esta viesse de “outros tempos” e tivesse como respaldo documentos de posse emitidos ainda na época do domínio espanhol. Aliás, a antigüidade dos documentos parecia conferir mais legitimidade à causa zapatista, em vez de diluir na poeira do tempo a razão de sua luta e reivindicações. Como já mencionado, daí provinha a importância do papel de Francisco Franco e outros moradores da comunidade de Anenecuilco que guardaram papéis antigos, da época dos vice-reis, a fim de que, supunham, chegado o momento da aplicação da justiça, pudessem tomar posse do que lhes havia sido tomado pelas fazendas. O cuidado com tais documentos também representa o zelo para com a própria identidade cultural dos pueblos. Assim, os anciãos de Anenecuilco, depois Zapata, em seguida o seu primo Francisco Franco e depois Sotelo Inclán, foram escolhidos como guardiães de uma história e de uma tradição que não podiam ser apagadas e interrompidas. É assim que Espejel, Olivera e Rueda se referiam à insistência dos zapatistas em “...assentar suas exigências em leis escritas com o objetivo de que sua luta adquirisse legalidade...” (Espejel, Olivera e Rueda, 1988: 25), chamando atenção para a função do documento escrito na defesa dos mais fracos, diferentemente dos fortes que deles não precisavam para exercer seus direitos.
A leitura da historiografia especializada fornece um conjunto de elementos interessantes para caracterizar o Zapatismo da Revolução Agrária de 1911:
1. O essencial do pensamento zapatista está exposto, primeiramente, no Plan de Ayala e depois em outros documentos e pronunciamentos de generais e dirigentes da Revolução Agrária do Sul.
2. As vitórias e conquistas da Revolução Agrária seriam defendidas pelo povo armado e o exército não deveria ser uma força permanente e profissional. O povo recorreria legitimamente às armas sempre e quando se fizesse necessário.
3. As mudanças para assegurar as conquistas populares seriam iniciadas o mais breve possível. Como mencionado anteriormente, os zapatistas entendiam que não se deveria esperar a montagem de um aparelho governamental popular e revolucionário para só então realizá-las. As questões de execução, fossem elas técnicas, econômicas ou militares, seriam resolvidas pela própria população organizada.
4. A força do Zapatismo estava mais em suas idéias, sua capacidade organizativa e política e no valor que ele atribuía às conquistas sociais do que nas vitórias obtidas no campo militar. A presença dos pueblos como célula organizativa e a materialização do ideário no Plan de Ayala e outros documentos consolidaram a ação política dos zapatistas.
5. O Zapatismo fala de uma tradição secular da região de Morelos, como representação de lutas empreendidas há muitos anos pelos parentes de homens e mulheres que se juntaram para fazer a Revolução Agrária do Sul sem deixarem de ser os homens e mulheres que, por assim dizer, tinham sido sempre. Os soldados zapatistas não integravam um exército regular, nem recebiam remuneração ou lutavam para conseguir meios de vida. Pelo contrário, muitas vezes, nas épocas de plantio ou de colheita, os contingentes se esvaziavam, pois os “soldados” necessitavam ir às suas comunidades plantar ou colher a fim de ter com que se alimentar durante o ano. (Womack Jr., 2000 e Gilly, 1979). [15] Warman observa que “...muitos combatentes eram peões durante o dia e soldados durante as noites e os domingos.” (Warman, 1990: 18). Como diz Sotelo Inclán, nisso residiria “a base espiritual, tradicional e emotiva da luta de Emiliano Zapata”. [16]
6. Outra característica do Zapatismo é o respeito à religião católica e ao clero. Esse traço decorria do fato de o Zapatismo ser um movimento arraigado nos sentimentos e tradições das populações que integravam os seus exércitos.
7. Os zapatistas foram os primeiros a defender a realização de uma assembléia dos principais chefes revolucionários para discutir os rumos que o México deveria tomar e para deliberar sobre quais instituições passariam a se organizar em substituição ao estado de Porfirio Díaz. Proposta no texto do Plan de Ayala, essa assembléia se reuniu entre outubro de 1914 e outubro de 1915, e é conhecida como a Convenção de Aguascalientes (Ávila Espinosa, 1991).
8. O Zapatismo constituiu a tendência mais radical da Revolução Mexicana. Teve como traço distintivo a fidelidade a uma ideologia de vida chamada pueblo. A palavra de ordem “Abaixo as fazendas e viva os pueblos!” resume bem suas dimensões de caráter político, afetivo e cultural. O Zapatismo espelhava aquelas populações que não mais queriam as ingerências dos fazendeiros, da polícia rural, do exército, dos caciques e do governo federal, e que lutavam por autonomia, para "continuar sendo o que sempre foram."
9. Diferentemente de outros grupos revolucionários, os zapatistas não tinham em suas hostes elementos pertencentes às classes superiores. Apenas nos últimos tempos da luta zapatista, já morto o seu principal chefe, houve alguma conciliação com as forças da revolução "oficial" nos lugares em que essa tendência era expressiva. Tampouco houve participação de grupos de trabalhadores urbanos e de operários das fábricas.
10. A Revolução Agrária do Sul e seu exército tiraram vantagem do fato de haver se constituído em força política e militar independente, nascida das experiências de seus comandantes e quadros provenientes dos pueblos. Por essa razão a única facção revolucionária que permaneceu ativa entre 1910 e 1920 – datas consideradas como de início e fim da Revolução – foi a dos zapatistas (Gilly, 1979: 32).
11. Por outro lado, como observa Arturo Warman, as demandas zapatistas incluíam um amplo leque de aspectos da vida das comunidades. Esse autor mostra que, evidentemente, a questão agrária foi o cerne das reivindicações e norte da conduta política e militar. Entretanto, os zapatistas também tinham outras propostas como garantias individuais, liberdades municipais, propostas para os governos dos estados e nacional e para relações trabalhistas.
12. A ideologia zapatista foi prática política revolucionária expressa em fatos e em documentos. Em relação à memória, como já foi mencionado, o movimento zapatista ostenta uma abundante documentação. Warman atribui esse fato à duração e magnitude da guerra camponesa do Sul; ao fato de ela ser o movimento camponês que chegou mais perto de alcançar o poder e, ainda, à presença de intelectuais urbanos entre seus quadros. Os documentos que se conservaram após a derrota militar dos zapatistas são numerosos e bastante ricos em conteúdo. Um segundo aspecto: os opositores dos zapatistas também deixaram uma grande quantidade de documentos, textos etc. Sua importância histórica fez com que se produzisse uma rica literatura, contra e a favor, que tem ajudado no estudo do movimento agrarista mexicano.
13. Em termos resumidos, a proposta zapatista poderia ser apresentada conforme os seguintes pontos: a) a questão agrária é o eixo em torno do qual se desenvolvem a ideologia e as práticas do movimento; b) a restituição das terras seria a chave da mudança; c) as comunidades teriam plena autonomia em relação aos demais níveis de governo; d) a restituição das terras dar-se-ia em forma de dotação individual inalienável ou em cooperativas; e) haveria expropriação de terras em propriedades que excedessem às medidas do módulo padrão, fixadas entre 100 e 1000 hectares, variáveis conforme a qualidade e localização dos terrenos (Ley Agrária de 26 de outubro de 1915, apud Espejel, Olivera e Rueda, 1988: 269-277); f) ficava estabelecida indenização para os proprietários afetados conforme o valor cadastral de 1914; g) em alguns casos seriam confiscados os bens pertencentes aos "inimigos da Revolução”; h) municipalismo; i) parlamentarismo; j) direito à organização sindical e mudança nas leis trabalhistas; l) igualdade feminina e divórcio; m) reforma judicial e fiscal. Warman observa que essa última proposta cresce em radicalidade quando se agrega o procedimento contido no artigo 6º do Plan de Ayala, anteriormente referido, segundo o qual aquelas disposições deveriam ser executadas de imediato, deixando-se aos afetados o direito de reclamar judicialmente as desapropriações, depois de sua realização (apud Espejel, Olivera e Rueda, 1988: 114-118 e Warman,1990: 15-16).
14. Os zapatistas criaram o Centro de Consulta para la Propaganda y la Unificación Revolucionária. Warman afirma que o centro era uma espécie de partido zapatista e que o mesmo teve atuação a partir de 1916. A idéia seria a de criar um partido civil de massas. [17]
15. O Zapatismo permaneceu no poder no estado de Morelos durante o ano de 1915. Warman apresenta, resumidamente, as principais características desse episódio: a) no tocante à questão agrária, houve distribuição de terras expropriadas da totalidade das propriedades privadas na região (os fazendeiros tinham se retirado e suas terras foram destinadas à reforma agrária); b) a reforma agrária destinou terras exclusivamente aos pueblos, o que significa que não houve dotação individual de terras, como estava previsto no Plan de Ayala; c) a guerra havia produzido empobrecimento e maior igualdade social e assim – mais pobre e mais igualitária – a comunidade funcionou sob o governo zapatista; d) os pueblos receberam as terras com plena autonomia para utilizá-las; e) os engenhos foram nacionalizados; f) fundou-se um banco agrícola para proporcionar sementes e instrumentos de trabalho aos agricultores sem pagamento de juros (Warman, 2000: 21-22); [18]
16. Na concepção zapatista havia uma clara diferença entre tomar o governo e tomar o poder. Em princípio, o governo era concebido como um instrumento de opressão e como uma camisa de força à medida que obrigava a Revolução a repetir práticas opressivas. (“O problema da Revolução não era a captura do governo e sim sua dissolução, para proceder a uma reestruturação do Estado", cf. Warman (1990: 22). Os zapatistas concebiam a Revolução como um processo a desenvolver-se na base da sociedade, ou seja, nos pueblos, sua célula mais importante. O velho poder deveria dissolver-se na base da sociedade.
17. As populações das comunidades falavam por meio das lideranças zapatistas e estas “mandavam obedecendo”. As propostas, idéias e sugestões que devessem ser tomadas em conta para a ação prática, passavam pela discussão e tomada de decisão dos pueblos. (Espejel, Olivera e Rueda, 1988: 23).
Considerações finais
A Revolução Mexicana foi iniciada e concluída pelas classes dominantes. É conhecida por seu caráter agrário e pelas conquistas que os movimentos camponeses conseguiram para a história do México e do próprio século XX. Parece que os rebeldes perderam e ao mesmo tempo ganharam essa guerra.
A Revolução Mexicana teve duas etapas: uma contra Díaz e sua ditadura e que durou alguns meses; outra, a fase do confronto entre as classes dominantes e os exércitos populares e que durou nove anos. Nesse período, os revolucionários lutaram contra os “revolucionários” e perderam a guerra. Os “revolucionários”, entretanto, passaram à história por terem realizado aquilo que os revolucionários defenderam durante esses anos e pelo que foram combatidos e derrotados.
Os zapatistas enfrentaram os exércitos dos presidentes Porfírio Díaz, Francisco Madero, Vitoriano Huerta e Venusiano Carranza. Emiliano Zapata foi assassinado à traição em 11 de abril de 1919 na fazenda Chinameca, estado de Morelos. O movimento liderado por ele seguiu combatendo até o ano seguinte quando, no governo de Álvaro Obregón, alguns generais entraram em acordo com o governo constituído e dissolveram o que restava do Exército Libertador do Sul. Outros zapatistas intelectuais e/ou vocacionados para a ação político-parlamentar seguiram defendendo os ideais zapatistas, dessa feita, nas tribunas dos poderes legislativos. Os resultados dos dez anos de luta foi que o Estado liberal arquitetado pela Constituição de 1857 e manejado pelos senhores de terras e pela burguesia exportadora veio abaixo. "Do Estado construído a partir da Constituição de 1917 – burguês, por certo – está alheia a classe latifundiária... caso único em toda América Latina até a Revolução boliviana de 1952.” (Gilly, 1979: 43).
A propósito, pode-se dizer, com Tutino, que: “Foi a firmeza dos insurretos zapatistas o que obrigou os mexicanos a empreenderem uma reconstrução revolucionária.” (Tutino,1990: 306). A Revolução realmente sucedida pode não ter correspondido completamente aos sonhos camponeses mas, sem dúvida, trouxe uma verdadeira transformação do México rural, aspecto em que levou em conta as reivindicações dos rebeldes. A “história moderna do México” não foi escrita apenas pelos zapatistas, mas ela não teria sido escrita sem eles. A vitória desses agraristas foi limitada. No entanto, como diz aquele mesmo autor: “Sem sua luta, porém, os mexicanos do campo teriam conseguido muito menos.” (Tutino, 1990: 314).
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Womack Jr. John. Zapata y la revolución mexicana. 24ª ed. México: Siglo Veintiuno, 2000.
Notas
1 A pesquisa que deu origem a este texto contou com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), na forma de bolsa pós-doutoral, e foi realizada em El Colégio de México, durante o período de maio de 2002 a julho de 2003. Uma primeira versão foi apresentada no VI Congresso da Sociedade Brasileira de Sociologia (UNICAMP, Campinas, de 1 a 5 de setembro de 2003).
2 Adolfo Gilly tem uma bonita passagem, na qual comenta a participação na Revolução Mexicana de Octavio Jahn, veterano da Comuna de Paris: “A luz que a Comuna acendeu no México seguiu ardendo subterrânea, coberta por sua própria derrota e pela paz porfiriana, mas não extinta, porque as cabeças dos revolucionários são tenazes, como as brasas que estendem uma ponte escondida entre a fogueira que foi e a fogueira que será, fogo sempre vivo que acende quando é preciso e quando é preciso apaga.” (2000: 55).
4 Desses episódios, “... o mais impressionante sem dúvida foi o de Tequesquitengo. Os camponeses haviam ofendido o dono da fazenda próxima de San José Vista Hermosa. Este, em represália, vazou a água de sua irrigação e inundou todo o povoado. Chegou um momento em que só a torre da igreja ficou fora da água, como uma lembrança dos riscos da independência.” Womack Jr. (2000: 44). Ver também Díaz Soto y Gama (1987: 10).
5 Díaz Soto y Gama, companheiro de luta de Zapata, relata que a perda de terras, águas e montes era acompanhada por diversos tipos de endividamento impostos aos camponeses, detenções e todo tipo de vexações e deportações de pessoas que defendiam os direitos daqueles. “Deste modo e a fim de continuar as usurpações, as fazendas foram se estendendo mais e mais a expensas dos pueblos circunvizinhos. Houve numerosos casos em que os limites das fazendas chegaram até as ruas das vilas...” cf. Díaz Soto y Gama (1978: 58).
6 A respeito das conseqüências da Constituição, Espejel, Olivera e Rueda (1988: 38-39) comentam: “a lei, ao fazer com que terras que antes haviam cumprido funções sociais passassem a mãos privadas, teve os desastrosos efeitos de reduzir muitas comunidades camponesas à miséria, de intensificar o latifundismo, o sistema de escravidão por dívidas e o desprestígio (desmoralização) de uma boa parte do campesinato indígena. A esses homens, não restava outro caminho senão o da rebelião ...”
7 Em 1908, a região de Morelos aparecia em terceiro lugar como fornecedora mundial de açúcar, depois do Havaí e de Porto Rico. Cf. Womack Jr. (2000: 48), Chevalier (s/d: 3 ) e Tutino (1990: 272).
8 Díaz Soto y Gama (1987: 68) transcreveu este depoimento de um camponês do pueblo de Acatipla, no estado de Morelos: “Sim, senhor, temos usado todos os recursos ao nosso alcance, mas não temos conseguido nada. Ao contrário, o fazendeiro nos denunciou como bandidos ... que somos uma ameaça pública a estes lugares e como já vimos que o senhor Juan Valle, comandante de Xochitepec, já veio prender alguns de nós, tememos, com razão, que nos aconteça alguma desgraça ... nós vimos nos sustentando há alguns anos com súplicas, trabalhando onde o patrão quer, para que assim se apague sua ambição sobre o que nos resta do que foi de nossos pais ...”
9 O autor toma emprestado a expressão economia moral ao historiador E. P. Thompson. Na mesma obra, Gilly menciona a utilização dessa categoria no estudo dos povos originários em território mexicano por Kevin Gosner: “A economia moral dos mayas mostrava uma preocupação pela autonomia e a legitimidade políticas locais tão forte como a preocupação pela segurança de sua subsistência... Em outras palavras, a economia moral maya ia mais além de suas preocupações como camponeses e abarcava as preocupações culturais e espirituais que definiam sua identidade como um grupo étnico específico.” (1998: 27).
10 Sotelo Inclán (1970) conta a história do pueblo de Anenecuilco em seu livro Raíz y razón de Zapata. Esperançosa de recuperar suas terras, a população de Anenecuilco guardou com muito cuidado documentos da época vice-reinal (1521-1810) que comprovavam não só a existência da comunidade desde a época pré-hispânica, como mostravam os limites de suas terras e a presença ininterrupta da população naquela localidade, o trabalho que ela desempenhara naquelas terras lavradas durante séculos e das quais tinham tirado o sustento de suas famílias.
11 Citemos Ávila (1991: 38): “Como em algumas outras regiões indígenas do país, as formas próprias de organização social e política dos pueblos tinham conseguido se manter como estruturas independentes, ou, no pior dos casos, como fracas reminiscências paralelas de poder coexistentes com o poder central. No caso da região de Morelos, essas estruturas de governo próprio dos camponeses indígenas tomaram um nome: pueblos.”
12 Os autores organizaram e comentaram os documentos da Revolução Agrária do Sul e os classificaram segundo o tipo, a finalidade, o caráter e como meio de divulgação e comunicação.
13 Ver as referências que Sotelo Inclán (1991) faz aos documentos seculares transferidos a Zapata pelos anciãos do pueblo de Anenecuilco e guardados com Francisco Franco, seu primo, quando este decide entrar na Revolução.
14Ávila Espinosa (1991: 22) comenta que o Plan de Ayala “... era a afirmação de um projeto camponês radical independente, descomprometido com o maderismo e que colocava em marcha uma profunda transformação agrária de baixo para cima e com as armas na mão.” Ver também Warman (1990).
15 A respeito, Chevalier (s/d: 5-6) tem a seguinte passagem: “A guerrilha zapatista é típica. Os rebeldes que eram peões das fazendas ou habitantes dos pueblos, formavam, em geral, partidas que iam de trinta a trezentos homens comandados pelo guerrilheiro mais enérgico, às vezes, inclusive, uma mulher que tinha o título de ‘coronela’ ou ‘capitana’. Uns marchavam a pé, outros montavam os cavalos de pouco porte ou mulas tomadas dos engenhos. A duras penas dispunham de armas de fogo e munições ... não existia serviço regular de intendência nem de finanças organizado ... A tropa vivia, pois, do campo ...”
16 “Zapatas são muitos atrás dele, e não detrás nesse momento, por que não estou me referindo apenas aos homens que foram com ele à luta. Estou me referindo a séculos antes e a muitos lugares longínquos da República Mexicana, que coincidem todos na luta do campesinato por terra.” (Sotelo Inclán, 1970: 11).
[17] Diz aquele autor: “O partido zapatista deveria se encarregar, por meio das células locais, de promover, aprofundar e vigiar a transformação da sociedade ... [e o Centro] tentou devolver aos pueblos o papel primordial como motor da luta revolucionária ...” (Warman, 1990: 17).
[18] Acerca daquele episódio, ver também Ulloa (1981:1144 e segs); Díaz Soto y Gama (1987: 208 e ss). A Lei Agrária de 30/10/1915 determinava em seu Artigo 1°: “Serão restituídas às comunidades e indivíduos os terrenos, montes e águas de que tenham sido despojados, bastando que aqueles que possuem os títulos legais de data anterior ao ano de 1856 para que tomem posse imediatamente de suas propriedades. Artigo 2°: Os indivíduos ou grupos que se considerem com direito às propriedades reivindicadas de que fala o artigo anterior deverão dirigir-se às comissões designadas pelo Ministério da Agricultura ... Artigo 3°: A nação reconhece o direito tradicional e histórico que têm os pueblos, sítios e comunidades da República de possuir e administrar seus terrenos em comum e seus ejidos na forma que julguem conveniente.” Cf. Díaz Soto y Gama (1987: 209). Ver também Gilly (2000: 261-323), capítulo VIII, intitulado A comuna de Morelos. Womack Jr. (2000: 220-251), capítulo VIII, intitulado Los pueblos claman revolución.